Domingo,28/06/2020
SOLENIDADE
DE SÃO PEDRO E SÃO PAULO
Primeira Leitura: At 12,1-11
Naqueles dias, 1 o rei Herodes prendeu alguns
membros da Igreja, para torturá-los. 2 Mandou matar à espada Tiago, irmão de
João. 3 E, vendo que isso agradava aos judeus, mandou também prender a Pedro.
Eram os dias dos Pães ázimos. 4 Depois de prender Pedro, Herodes colocou-o na
prisão, guardado por quatro grupos de soldados, com quatro soldados cada um.
Herodes tinha intenção de apresentá-lo ao povo, depois da festa da Páscoa. 5
Enquanto Pedro era mantido na prisão, a Igreja rezava continuamente a Deus por
ele. 6 Herodes estava para apresentá-lo. Naquela mesma noite, Pedro dormia
entre dois soldados, preso com duas correntes; e os guardas vigiavam a porta da
prisão. 7 Eis que apareceu o anjo do Senhor e uma luz iluminou a cela. O anjo
tocou o ombro de Pedro, acordou-o e disse: “Levanta-te depressa!” As correntes
caíram-lhe das mãos. 8 O anjo continuou: “Coloca o cinto e calça tuas
sandálias!” Pedro obedeceu e o anjo lhe disse: “Põe tua capa e vem comigo!” 9
Pedro acompanhou-o, e não sabia que era realidade o que estava acontecendo por
meio do anjo, pois pensava que aquilo era uma visão. 10 Depois de passarem pela
primeira e segunda guarda, chegaram ao portão de ferro que dava para a cidade.
O portão abriu-se sozinho. Eles saíram, caminharam por uma rua e logo depois o
anjo o deixou. 11 Então Pedro caiu em si e disse: “Agora sei, de fato, que o
Senhor enviou o seu anjo para me libertar do poder de Herodes e de tudo o que o
povo judeu esperava!”.
Segunda Leitura: 2Tm
4,6-8.17-18
Caríssimo: 6 Quanto a mim, eu já estou para ser
derramado em sacrifício; aproxima-se o momento de minha partida. 7 Combati o
bom combate, completei a corrida, guardei a fé. 8Agora está reservada para mim
a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não
somente a mim, mas também a todos os que esperam com amor a sua manifestação
gloriosa. 17 Mas o Senhor esteve a meu lado e me deu forças, ele fez com que a
mensagem fosse anunciada por mim integralmente, e ouvida por todas as nações; e
eu fui libertado da boca do leão. 18 O Senhor me libertará de todo mal e me
salvará para o seu Reino celeste. A ele a glória, pelos séculos dos séculos!
Amém.
Evangelho: Mt 16,13-19
Naquele tempo, 13 Jesus foi à região de Cesareia de
Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho
do Homem?” 14 Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é
Elias; outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas”. 15 Então Jesus lhes
perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” 16 Simão Pedro respondeu: “Tu és o
Messias, o Filho do Deus vivo”. 17 Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu,
Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o
meu Pai que está no céu. 18 Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta
pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la.
19 Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na terra será
ligado nos céus; tudo o que desligares na terra será desligado nos céus”.
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Neste domingo, tão tradicional no calendário litúrgico,
a Igreja inteira volta seus olhos para os dois apóstolos que são colunas da
Igreja. Celebrar a solenidade de São Pedro e são Paulo é reconhecer que nossa fé
está fundamentada neles, os dois “nos deram as primícias da fé” (oração da Coleta).
Os dois servem o mesmo Cristo embora de maneira diferente. Não há uma única maneira
para servir a Cristo e a sua Igreja. Cada um dos dois tem suas qualidades. Mas
como seres humanos eles também têm suas debilidades ou fraquezas. No entanto
essas debilidades jamais deixam os dois de servirem ao Senhor e a Sua Igreja
que é o Corpo místico de Cristo.
Pedro e Paulo, duas colunas da Igreja,
mestres inseparáveis de fé e de inspiração cristã pela sua autoridade; são
sinônimo de todo o colégio apostólico. Jesus chama Simão Pedro, pescador de
Betsaida (Lc 5,3; Jo 1,44), de Kefas-Pedra
e lhe deu o encargo de guiar e confirmar os irmãos (Lc 22,31-32), apesar de seu
frágil temperamento. Sua característica distintiva é a confissão da fé. É uma
das primeiras testemunhas do Jesus Ressusciado e, como testemunha do Evangelho,
toma consciência da necessidade de abrir a Igreja para os pagãos (At 10-11).
Há muitos outros dados sobre Pedro no Novo
Testamento: sua chamada para seguir Jesus (Jo 1,35-42), sua confissão de fé em
Jesus Cristo como Messias, Filho do Deus vivo, em nome dos Doze (Mc 8,29 ; Mt
16,16), a mudança de seu nome de Simão para Pedro = Rocha, tendo sido escolhido
por Jesus para participar com Tiago e João na experiência da transfiguração do
Senhor em Tabor (Mt 17,1), e na oração com Jesus no Getsêmani (Mt 26,37) e
assim por diante. Pedro é indicado como o primeiro a quem o Jesus ressuscitado
apareceu (1Cor 15,5). Pedro foi eleito pelo Senhor como pedra fundamental de
sua Igreja (Mt 16,18). Cristo lhe entregou as chaves do Reino dos céus (Mt
16,19). Cristo constituiu Pedro pastor de todo seu rebanho (Jo 21,15-17).
Paulo de Tarso, perseguidor da Igreja e
convertido no caminho de Damasco, é um homem de espirito vivaz e brilhante
formação, que recebeu dos melhores mestres, entre os quais Gamaliel. Animado
por uma grande paixão por Cristo, recorreu com seu dinamismo o Mediterrâneo
para anunciar o Evangelho da salvação.
Ambos recebram em Roma a palma do martírio e
a unidade na caridade, convertendo-se em exemplo de diálogo entre instituição e
carisma.
A Igreja celebra através destes dois apóstolos
seu fundamento apostólico, mediante o qual se apoia diretamente na pedra
angular que é Cristo (cf. Ef 2,19ss). Pedro e Paulo são os “fundadores” de
nossa fé; a partir deles se possibilita o diálogo entre instituição e carisma a
fim de fazer progredir o caminho da vida cristã.
A Igreja une em uma única celebração os dois
apóstolos, colunas da Igreja e arautos do Evangelho. Paulo recebeu do próprio
Cristo ressuscitado a missão evangelizadora que realizou em plena comunhão com
Pedro e com os outros apóstolos (Gl 1:18; 2,1-2,9).
Ao mesmo tempo, neste dia, a Igreja católica volta
seus olhos e seu coração para o novo Pedro (Sucessor de Pedro), que é o Papa de
Roma, que continua o ministério apostolico de confirmar os irmaos na fé (Lc
22,31-32). O Romano Pontífice (Papa) é para nós, como diz o Concílio Vaticano
II, “o princípio e fundamento perpetuo e
visível da unidade, quer dos bispos, quer da multidão dos fieis” (Lumen
Gentium,23; leia também LG 22). Jesus
edificou sobre a Rocha de Pedro todos os bispos de Roma e por isso, vemos no
Santo Padre a imagem próxima, segura e querida de Cristo Bom Pastor entre nós.
a autoridade que o Senhor concedeu a Pedro está presente no bispo de Roma,
Sucessor de Pedro ma missão apostólica.
Hoje é o Dia do Papa. Todos os os fieis católicos
são convidados a rezar, especialmente neste dia, nas intenções de Sua Santidade
e as coletas neste domingo , tradicionalemente conhecida como Óbolo de São
Pedro, são destinadas para os serviços pastorais da Santa Sé para socorrer as
dioceses do mundo em necessidade.
Estendamos nossa Reflexão Sobre Outros Pontos
a Partir da vida destes dois santos: Pedro e Paulo.
1. Quando sou fraco,
então é que sou forte
Estas palavras foram ditas pelo próprio Paulo
na sua Segunda Carta aos Coríntios (2Cor 12,10). O “Quando sou fraco, então é
que sou forte” reflete a vida destes dois grandes santos: Pedro e Paulo.
Pedro foi chamado de homem de pouca fé (Mt
14,31), de Satanás (Mt 16,23). Ele falhou em vigiar e orar junto com Jesus
apesar do aviso de Jesus (cf. Mt 26,37-44; Mc 14,33-41). No momento da prisão
de Jesus, numa atitude impetuosa, cortou a orelha de Malco, empregado do sumo
sacerdote (Jo 18,10). No pátio de Caifás, a determinação de Pedro (cf. Mt
26,33-35) entrou em colapso, não diante de um tribunal, mas diante da pergunta
de uma jovem empregada. Ele negou ser discípulo de Jesus (Mt 26,58.69-75). Mas
apesar de tudo, ele reconhece que somente Jesus tem palavras de vida eterna (Jo
6,69). Ele sempre encabeça a lista dos discípulos (cf. Mt 10,2; Mc 3,16; Lc
6,14). Faz parte do círculo mais íntimo dos discípulos (Mc 5,37;9,2;13,3; Lc
8,51), e é o primeiro entre os discípulos (Mt 16,23; Jo 21,19). Ele admite sua
ignorância (Mt 15,15; Lc 12,41; cf. também Jo 13,6-10 sobre o lava-pés) e a
própria pecaminosidade (Lc 5,8). Ele questiona sobre o perdão e é advertido
sobre as consequências do não- perdão (Mt 18,21-35).
Uma piedosa tradição conta que, durante a
perseguição cruel de Nero, Pedro saía de Roma, abandonando a própria comunidade
cristã em busca de um lugar mais seguro. Junto às portas da cidade, cruzou-se
com Jesus que carregava a Cruz. Quando Pedro lhe perguntou: “Aonde vais, Senhor
(Quo vadis, Domine)?” ouviu a resposta do Mestre: “Vou a Roma para
deixar-me crucificar novamente”. Pedro entendeu a lição e voltou para a cidade
onde o esperava a sua cruz. Um historiador antigo refere que Pedro pediu para
ser crucificado de cabeça para baixo, por sentir-se indigno de morrer como o
seu Mestre, de cabeça para o alto. Apesar das suas fraquezas, Pedro foi fiel a
Cristo, até dar a vida por Ele.
Ficamos perguntando, por que Pedro, homem que
demonstra um pouco de volubilidade e que tem tantos defeitos, foi eleito por
Jesus para ser rocha sobre a qual edifica sua Igreja e para apascentar as
ovelhas de Jesus? (Cf. Jo 21,5-17). Até o próprio Pedro questiona Jesus sobre
essa eleição (cf. Jo 21,21). Será que, ao reconhecer os próprios defeitos e
fraquezas, Pedro terá condições de compreender os defeitos e fraquezas dos
outros sem condená-los, mas ajudá-los a saírem destes? Pois aquele que já
passou por uma experiência de miséria, normalmente, sabe repartir o que tem
para quem não tem nada para viver. Nunca podemos compreender completamente os
mistérios de Deus. Talvez o profeta Isaías tenha razão quando coloca estas
palavras na boca de Deus: “Pois meus pensamentos não são os vossos, e o
vosso modo de agir não é meu... meus pensamentos ultrapassam os vossos” (Is
55,8.9b). Por isso, junto com o salmista podemos rezar: “Ensina-me, Senhor, vosso
caminho...!” (Sl 26,11), pois “os caminhos de Deus são perfeitos” (2Sm 22,31).
Paulo também passou por uma experiência
dolorosa antes de conhecer Jesus Cristo. A queda de Paulo na estrada de Damasco
foi a linha divisória para sua vida entre antes e depois (At 9,1ss). Essa queda
é a chave geral para entender Paulo e toda a sua luta incansável.
Paulo sempre foi um homem profundamente
religioso, judeu praticante, irrepreensível na mais estrita observância da Lei (Fl
3,6;At 22,3) cheio de zelo pelas tradições paternas(Gl 1,14). Para defender
essas tradições, chegou a perseguir os cristãos e isso com o apoio do Sinédrio.
Mas na estrada de Damasco Paulo, em vez de
perseguir, ele foi perseguido por Cristo. A entrada de Jesus na vida de Paulo
não foi pacífica, mas sim de uma maneira violenta.
Deus não pediu licença a Paulo. Ele entrou e
o derrubou (At 9,4;22,7;26,14). Caído no chão, Paulo se entregou. Lucas não diz
que Paulo caiu do cavalo, mas “cai por terra”, porque essa é a fraseologia
usada em alguns textos bíblicos para descrever a reação humana diante da
manifestação divina. Paulo é interpelado duas vezes pelo seu nome hebraico,
transcrito em grego: “Saoúl, Saoúl” (v.4). A repetição do nome corresponde ao esquema
de diálogos de revelação aos patriarcas bíblicos: Abraão, Jacó, Moisés (Gn
22,1;46,2; Ex 3,4). A novidade na experiência de Paulo é a pergunta: “Por que
você me persegue?” (v.4). Ela revela uma situação singular. Aquele que fala com
Paulo, no contexto de uma luz divina, se identifica com aqueles que Paulo está
perseguindo (v.5 ). A identificação de Jesus com os seus discípulos perseguidos
coloca Paulo diante de uma escolha sem alternativas (cf. Mt 25,40.45). Ele
precisa mudar radicalmente os seus projetos.
Uma luz o envolveu (v.3) e era tão forte que
Paulo ficou cego. Ele começou a enxergar até que Ananias interveio para dar-lhe
o sentido da sua aceitação na Igreja e da certeza de caminhar na via que leva a
Deus. Paulo ressuscitou no exato momento em que foi acolhido na comunidade como
irmão(v.18).
Paulo ganhou novos olhos. Ele via as mesmas
coisas de sempre: a vida, as pessoas, a Bíblia, o povo, a sinagoga, o trabalho
e tudo que pertencia ao seu mundo. Mas a nova experiência do amor de Deus em
Jesus (Rm 8,39) mudou os olhos, e o ajudou a descobrir novos valores que antes
não via. A visão de Deus é luz, mas para a carnalidade do homem é motivo de
espanto e faz com que o homem perceba toda a escuridão em que se encontra. Em
contato com Deus que é luz, o homem se reconhece que é trevas.
O nascimento de Paulo, segundo 1Cor 15,8,
para Cristo não foi normal. Deus o fez nascer de maneira forçada. Paulo foi
arrancado de dentro de seu mundo, como se arranca uma criança do seio da mãe
por meio de uma operação.
A partir da experiência de Damasco, Paulo não
consegue confiar naquilo que ele faz por Deus, mas só naquilo que Deus fez por
ele. Já não coloca sua segurança na observância da Lei, mas sim no amor de Deus
por ele (Gl 2,20s; Rm 3,21-26). Essa experiência chama-se Gratuidade. Essa foi
a marca de experiência de Paulo na estrada de Damasco que renova por dentro
todo o seu relacionamento com Deus. Essa experiência da gratuidade do amor de
Deus vai dar rumo à vida de Paulo e vai sustentá-lo nas coisas que virão. Essa
experiência é a nova fonte da sua espiritualidade que faz brotar nele uma
“poderosa energia” (Cl 1,29), energia muito mais forte e muito mais exigente do
que a sua vontade anterior de praticar a Lei e de conquistar a justificação.
Essa experiência levou Paulo a desocupar o barraco da sua vida para deixar
Jesus entrar nela. Ele cresce tanto no
amor de Cristo, a ponto de dizer: “Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que
vive em mim” (Gl 2,20). Essa “desapropriação” de si mesmo, porém, não lhe tira
a liberdade. Pelo contrário, ele diz: “É para a liberdade que Cristo nos
libertou” (Gl 5,1;2,4). A experiência da gratuidade do amor de Deus faz Paulo
suportar lutas e perseguições, viagens e canseira, o peso do dia-a-dia (2Cor
11,23-27); sofrer com aqueles que sofrem (2Cor 11,29). Essa experiência mudou
os olhos de Paulo e o ajudou a descobrir novos valores que antes não via.
Pálido, doente e acabado, Paulo foi levado a
um vale solitário chamado Aquae Salviae
em Roma. Seu corpo foi açoitado pela última vez. Inclinou a cabeça à espera da
espada que o conduziria ao martírio. O lugar onde ele foi martirizado, hoje
chama-se Tre Fontane como recordação
de Cabeça de Paulo que por três vezes bateu no chão antes de parar no instante
dramático da morte. Realizou, assim, o único desejo de sua vida: estar com seu
Senhor e Mestre Jesus Cristo: “Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em
mim” (Gl 2,20).
O Deus do Evangelho e da misericórdia é Aquele
que no instante em que me faz compreender que errei completamente com relação a
Ele, porque me coloquei em seu lugar, demonstra-me a sua misericórdia ao
perdoar-me e me dá confiança ao chamar-me ao seu serviço, confiando-me a sua
própria Palavra.
Este instante resume para Paulo tudo o que
ele sabia de Deus de maneira errada. O escuro se torna claro, o violento se
torna misericordioso.
O evento de Damasco é algo tão rico que
devemos aproximar-nos com muita humildade e reverência, convencidos de que
compreendemos pouco, que sabemos pouco com relação a isto, mas que poderemos
conhecer muito mais pela graça de Deus. Então, compreenderemos melhor a nós
mesmos, o caminho da nossa vida e as nossas conversões.
A experiência de Paulo nos faz perguntar:
“Quando foi que me converti? Existe em minha vida um “quando” da conversão ao
qual posso referir-me como momento histórico? Mesmo que não tenha havido um
“quando” temporal, certamente aconteceram momentos de mudança, de transformação,
de crise que nos levaram a uma nova compreensão do mistério de Deus.
Se nunca realizamos a fundo esta mudança de
mentalidade que é essencial para a vida cristã, ainda não chegamos a
compreender o que é a novidade do caminho cristão. Se não compreendo bem as
coisas ditas sobre Paulo, provavelmente é difícil que compreenda o que
aconteceu em mim.
2.
Pedro e Paulo revelam face institucional e carismática da Igreja
Pedro e Paulo são chamados as duas colunas da
Igreja. Os dois revelam, de maneira expressiva, as duas faces da Igreja: a
institucional e a carismática. Por um lado, a Igreja é um dom que recebemos de
Cristo e da Tradição. Aqui não se inventa nem se acrescenta; acolhe-se com
gratidão. Entretanto ela pode conter perigos; favorece a acomodação, facilmente
se incorre no legalismo, no moralismo e na rigidez dogmática que impede ou
suspeita de toda novidade. Pedro corporifica a face institucional da Igreja.
Mas estes limites são superados ou
equilibrados por outra face: a face carismática. Porque, a Igreja é resposta
humana, criatividade face aos desafios de cada geração, adaptação aos valores
das culturas, inovação nos modos de pensar a fé, de rezar a Deus e de viver o
Evangelho. Mas esta face tem também seus limites: a invenção não pode adulterar
a substância da fé apostólica; cumpre guardar uma fidelidade essencial ao
espírito de Jesus e dos Apóstolos. Paulo corporifica a face carismática da
Igreja. A Igreja que hoje possuímos é fruto desta síntese feliz. A festa de
Pedro e Paulo nos quer recordar os bons frutos que nos vêm desta tensão
conservando a unidade dentro da pluralidade.
3.
Pedro e Paulo Nos Trazem a Mensagem da Esperança
“Eis por que sinto alegria nas
fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições, no profundo
desgosto sofrido por amor de Cristo. Porque quando me sinto fraco, então é que
sou forte”, contou-nos São Paulo sua experiência (2Cor 12,10).
As duas figuras, Pedro e Paulo, nos trazem
uma mensagem de esperança. Na vida podemos ter muitos defeitos e fraquezas a
ponto de não conseguirmos sair deles, mas ninguém pode escapar do amor de Deus
desde que acolhamos este amor com muita humildade. Pedro e Paulo são
testemunhas de tudo isto. Como se os dois quisessem nos dizer: “Não desista!
Tudo tem seu tempo e sua solução, pois Deus te ama”.
Deus conta com o tempo para formar cada um de
nós, seus instrumentos, como conta também com a nossa boa vontade. Se tivermos
a boa vontade de Pedro e de Paulo, se formos dóceis à graça de Deus, iremos
convertendo-nos em instrumentos idôneos para servir o Mestre e para levar a
cabo a missão que nos confiou. Até os acontecimentos que parecem mais adversos,
os nossos próprios erros e vacilações, se recomeçarmos uma vez e outra, se
abrirmos o coração ao Senhor e às pessoas capacitadas na direção espiritual,
haverão de ajudar-nos a estar mais perto do Senhor que não se cansa de suavizar
os nossos modos rudes e toscos. É provável que, em momentos difíceis de nossa
vida, cheguemos a ouvir como Pedro: “Homem de pouca fé, por que duvidaste?” (Mt
14,31). E veremos Jesus ao nosso lado, estendendo-nos a mão para nos ajudar.
Todos nós recebemos, de diversas maneiras,
uma chamada concreta para servir o Senhor. E ao longo da vida chegam-nos novos
convites para segui-lo, e temos de ser generosos com Ele em cada novo encontro.
Temos de saber perguntar a Jesus na intimidade da oração, como São Paulo: “Que
devo fazer, Senhor? Que queres que eu deixe por Ti? Em que desejas que eu
melhore? Neste momento da minha vida, que posso fazer por Ti?
4.
Alguma Mensagem do Evangelho
4.1. A identidade de
Jesus segundo o povo: simplesmente um profeta
“Quem sou Eu?”, pergunta Jesus. É uma
pergunta surpreendente que não é nada natural. Ao personagem mais insólito não
se pergunta quem ele é; são perguntados-lhe os motivos e as razões do seu
comportamento. Os profetas, por ex., devem responder à pergunta que lhe é feita
sobre porque eles vivem e falam de determinada maneira. Por isso, eles narram a
sua vocação e explicam porque tomaram esse estilo de vida (Is 8,11; Jr 15,17).
Para Jesus, ao contrário, a pergunta decisiva é a de saber quem ele é. A profissão de Cesareia, por isso, não é uma
proclamação qualquer, mas é uma profissão de fé (profissão de fé petrina). Para
que essa profissão seja realmente profissão de fé, Jesus procede em dois
tempos, fazendo sucessivamente a pergunta: quem é Jesus na opinião dos homens (povo)
e na opinião dos próprios discípulos de Jesus. Há, portanto, duas maneiras de
compreender Jesus, uma que fica do lado de fora e a outra que atinge a
realidade profunda.
“Quem dizem os homens ser o Filho do Homem (Filho
do Homem = Eu. cf. Ez 2,1)?”. Os discípulos comunicam várias avaliações. Os
discípulos partem sua resposta a partir de o “ouvir falar”. Para o povo (os
homens), Jesus não tem personalidade própria. O povo simplesmente assimila
Jesus a personagens conhecidos do AT como Elias
que era muito venerado pelo povo e foi arrebatado até Deus de maneira milagrosa
(2Rs 2,11) e cujo retorno estava esperado como precursor do Messias (Ml
3,23-24; Eclo 48,10); como João Batista
(Herodes Antipas considerou Jesus como João Batista ressuscitado dentre os
mortos. cf. Mt 14,2); e como Jeremias
que era associado a uma renovação do culto no Templo; ou então, como um dos profetas. Todas as quatro
respostas localizam Jesus na tradição profética. Jesus, então, é visto em
continuidade com o passado. O povo não consegue descobrir a novidade trazida
por Jesus. Por isso também o povo não é capaz de saber a originalidade de
Jesus. A resposta do povo fica na superfície e na margem da realidade verdadeira
e profunda.
Será que sabemos ou conhecemos Jesus a partir
de “ouvimos falar” ou porque o conhecemos? Ficamos, assim, na superfície da
realidade.
4.2. A identidade de
Jesus na profissão petrina: Cristo, Filho de Deus vivo
Jesus continua a perguntar para os mais
íntimos, os seus discípulos: “E vós,
quem dizeis que Eu sou?” (v.15). Esta pergunta tem um sentido entre dois
seres que se amam e que descobrem o que são no olhar e no coração do outro. Tem
um sentido para aquele que assume uma responsabilidade para com os outros e que
tem necessidade de que ela seja reconhecida. Nesta pergunta coincidem
completamente o ser e a função. Ser o Messias significa existir exclusivamente para todos
os homens e ser Jesus significa ser aquele que salva (Mt
1,21) todos
os homens. Por isso, é preciso que a resposta seja real, que exprima
uma experiência autêntica. Uma resposta puramente escolar ou a repetição duma
fórmula cuidadosamente registrada, criaria um equívoco total. Por isso, a
pergunta de Jesus nada contém que possa encaminhar, mas obriga o homem a
colocar-se de todo perante esse personagem misterioso, a encontrar a resposta
exclusivamente na contemplação da sua pessoa e a empenhar todo o seu ser na
resposta.
Em nome dos discípulos, Pedro responde: “Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo” (v.16).
Esta é a primeira vez que um discípulo usa o termo “Cristo”, embora os leitores
de Mt saibam isto desde o início do Evangelho (cf. Mt 1,1.16.17.18; veja também
2,4;11,2) e os discípulos tinham feito uma confissão comparável em Mt 14,33. A
resposta de Pedro atinge a verdadeira personalidade de Jesus, a sua relação com
Deus, diferente de tudo quanto conheceram os profetas e o povo, e a sua missão
no mundo, a qual interessa diretamente a todos os filhos de Israel e, através
deles, à humanidade inteira. A resposta de Pedro à pergunta de Jesus é a mais
comprometida. É uma profissão de fé messiânica que adquire dimensão teológica.
Estes dois títulos “Messias” (a profissão de
fé pré-pascal) e “Filho de
Deus vivo” (a
profissão de fé pós-pascal) resumem a fé da Igreja de Mateus.
O “Messias” ou “Cristo” (“Mashiah”, hebraico
= “Ungido”) é uma expressão mais importante das esperanças de salvação no AT e
no judaísmo subsequente. No contexto da teologia bíblica, a questão do Messias
tem especial relevância, porque este título, em sua tradução grega “christos”,
além de ser título (Jesus, o Cristo), tornou-se praticamente o nome de Jesus (Jesus
Cristo). No NT este termo “Christos” é atribuído 530 vezes a Jesus de Nazaré.
Quando Pedro reconhece em Jesus o Messias,
não renuncia à sua esperança de judeu, mas dá a essa esperança o rosto que tem
diante de si. É aquele que o seu povo espera, aquele que vai mudar o destino
das nações, que Pedro descobre sob os traços de Jesus.
Mt sublinha que Jesus é o Messias enviado ao
povo de Israel. As genealogias o vinculam com Davi e Abraão (Mt 1,1). Mt afirma
que Jesus é o Filho de Davi (Mt 1,1.17.20) e, portanto, o Messias de Israel (Mt
2,6). Segundo Mt, Jesus tem relação especial com Israel por ser o cumprimento
de suas tradições: suas vitórias finais sobre os adversários, sobre a morte
pela ressurreição etc. são a concretização das esperanças apocalípticas
judaicas. Mt, então, apresenta Jesus à luz do AT como seu cumprimento.
Se Jesus é o Messias, então, é preciso
procurá-lo e é mister segui-lo. Mas, certamente, acontece o contrário. Mt
sublinha também o fato de Israel desprezar o Messias que lhe foi enviado,
principalmente foi desprezado pelas autoridades (Mt
2,1-12;9,33s;12,23s;21,45s;26,4s etc...).
Pedro também professa que Jesus é o “Filho de
Deus vivo”. O título “Filho de Deus” era usado comumente para honrar e exaltar
imperadores, especialmente Augusto. Os imperadores eram considerados e
reconhecidos como agentes da vontade e poder dos deuses expressos pelo governo
romano. Por isso, designar Jesus como “Filho de Deus” é contestar e desafiar
essas reivindicações de soberania e representação.
“Filho
de Deus” é o título mais importante de Jesus, mas, sobretudo, é o mistério
íntimo de sua pessoa. Este segundo título, nesta profissão petrina, indica que
Jesus tem relação especial com Deus, como seu Filho. “Filho de Deus” é título
tradicional para líderes judaicos com aprovação divina. Esta expressão “Filho
de Deus” concorda com a perspectiva de Deus sobre Jesus (cf. Mt 2,15;3,17) com
as próprias declarações de Jesus (cf. Mt 11,25-27) e repete a confissão dos
discípulos em Mt 14,33: “Tu és verdadeiramente o Filho de Deus”. A autoridade e
o poder de Jesus vêm de Deus que o legitima em seu batismo (Mt 3,17) e na sua
transfiguração (Mt 17,5) e no reconhecimento da parte dos próprios discípulos
como tal quando Jesus anda sobre as águas (Mt 14,33). Jesus é, certamente, tentado
três vezes na sua qualidade de Filho de Deus (Mt 27,39-43). Estas três
tentações no final afirmam uma clara relação com três tentações do início do
relato (Mt 4,1-11). No deserto Jesus, recém-proclamado Filho de Deus no
batismo, é tentado por Satanás para que use desta filiação numa demonstração de
poder em benefício próprio. Mas Jesus não é o Filho de Deus pela demonstração
de seu poder, mas na aceitação da condição humana e na plena fidelidade à
vontade de Deus, seu Pai, na aceitação da cruz como consequência de sua
fidelidade ao projeto do Pai onde se manifesta a sua filiação divina.
Neste segundo título, Mt acrescenta também o
adjetivo “vivo”: “Filho de Deus vivo”. Jesus como o “Filho de Deus vivo”
equivale à fórmula “Deus Conosco/Emanuel” (Mt 1,23; 18,20; 28,20). Se Deus
sempre está conosco porque Ele é vivo. “Vivo” (cf. 2Rs 19,4.16; Is 37,4.17;Os
2,1;Dn 6,21) opõe o Deus verdadeiro aos ídolos mortos; significa o que possui a
vida e a comunica para quem acredita nele. O Deus de Jesus é vivo e
vivificante. Jesus é o Filho de Deus vivo, portanto também é doador de vida e
vencedor da morte. O Deus de Jesus Cristo é o Deus da vida (Dt 5,26; Js
3,10;1Sm 17,26.36; 2Rs 19,4.16;Sl 42,2;84,2;Os 1,10;Dn 6,20). Isto quer dizer
que ele é criativo, ativo, fiel e justo. Ser o Deus vivo e vivificante, possuir
a vida e comunicá-la é a característica do Deus verdadeiro. Os “deuses”, os
ídolos não têm vida própria e por isso, não podem comunicá-la. Ao contrário,
eles exigem sacrifícios humanos e escravizam e devoram todos os que se tornam
seus adoradores. E como Filho, Jesus expressa esta vida em suas palavras e
ações (curas, alimentar o povo faminto, exorcismos etc. cf. Mt 11,2-6) e
criando uma comunidade que participa no império de Deus.
Quem aceitar Jesus e estiver pronto para
segui-Lo deve proteger a vida em todas as suas instâncias. Ninguém pode decidir se alguém pode viver ou
pode ser eliminado. Cada ser humano é o próprio templo de Deus (cf. 1Cor
3,16-17; 6,19). A vida humana é o sopro ou o hálito de Deus (cf. Gn 2,7).
Pedimos hoje
a São Pedro e ao Apóstolo dos pagãos,
Paulo, um coração como o deles, para sabermos passar por cima das pequenas
humilhações ou dos aparentes fracassos que acompanham necessariamente a ação
apostólica, ou a nossa vida em geral. E dizemos a Jesus que estamos dispostos a
conviver com todos, a oferecer a todos a possibilidade de conhecê-lo e amá-lo,
sem nos importarmos com os sacrifícios nem pretendermos êxitos imediatos. Assim
seja!
P. Vitus Gustama,svd
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