17/07/2020
A DIGNIDADE DO SER HUMANO E SUA SALVAÇÃO SÃO MAIORES DO QUE QUALQUER
LEI HUMANA
Sexta-Feira da XV Semana Comum
1 Naqueles dias, Ezequias foi acometido de uma doença
mortal. Foi visitá-lo o profeta Isaías, filho de Amós, e disse-lhe: “Isto diz o
Senhor: Arruma as coisas de tua casa, pois vais morrer e não viverás”. 2 Então
Ezequias virou o rosto contra a parede e orou ao Senhor, dizendo: 3 “Peço-te, Senhor, te lembres de que tenho
caminhado em tua presença, com fidelidade e probidade de coração, e tenho
praticado o bem aos teus olhos”. Ezequias prorrompeu num grande choro. 4 A
palavra do Senhor foi dirigida a Isaías: 5 “Vai dizer a Ezequias: Isto diz o
Senhor, Deus de Davi, teu pai: ‘Ouvi a tua oração, vi as tuas lágrimas; eis que
vou acrescentar à tua vida mais quinze anos, 6 vou libertar-te das mãos do rei
da Assíria, junto com esta cidade, que ponho sob minha proteção’. 21 Então,
Isaías ordenou que fizessem uma cataplasma de massa de figos e a aplicassem
sobre a ferida, que ele ficaria bom. 22 Perguntou Ezequias: “E qual é o sinal
de que hei de subir à casa do Senhor?” 7 “Este é o sinal que terás do Senhor,
de que ele cumprirá a promessa que fez: 8 Eis que farei recuar dez graus a
sombra dos graus que já desceu no relógio solar de Acaz”. De fato, a marca do
sol recuara dez graus dos que ela tinha descido.
Evangelho: Mt 12,1-8
1
Naquele tempo, Jesus passou no meio de uma plantação num dia de sábado. Seus
discípulos tinham fome e começaram a apanhar espigas para comer. 2 Vendo isso,
os fariseus disseram-lhe: “Olha, os teus discípulos estão fazendo o que não é
permitido fazer em dia de sábado!” 3 Jesus respondeu-lhes: “Nunca lestes o que
fez Davi, quando ele e seus companheiros sentiram fome? 4 Como entrou na casa
de Deus e todos comeram os pães da oferenda que nem a ele nem aos seus
companheiros era permitido comer, mas unicamente aos sacerdotes? 5 Ou nunca
lestes na Lei, que em dia de sábado, no Templo, os sacerdotes violam o sábado
sem contrair culpa alguma? 6 Ora, eu vos digo: aqui está quem é maior do que o
Templo. 7 Se tivésseis compreendido o que significa: ‘Quero a misericórdia e
não o sacrifício’, não teríeis condenado os inocentes. 8 De fato, o Filho do
Homem é senhor do sábado”.
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Deus Ouve a Oração De Quem
Confia N´Ele
O texto da Primeira Leitura fala da enfermidade e da cura do rei Ezequias
(Cf. 2Rs 20,1-11).
A Primeira Leitura nos relatou que o rei
Ezequias (716-687 a.C: cf. 2Rs18,1-8), um soberano justo e amigo do profeta
Isaías ficou afetado por uma grave enfermidade (não se fala do nome da doença),
que o profeta Isaías declarou como mortal.
Ezéquias dirigidindo-se a Deus com uma oração a Deus: “Peço-te, Senhor, te lembres de que tenho
caminhado em tua presença, com fidelidade e probidade de coração, e tenho
praticado o bem aos teus olhos”. Como rei, Ezequias é muito melhor do que
seu pai, o rei Acaz.
A oração do rei Ezequias reflete a ideia da
retribuição vigorante na época. Segundo esta concepção para a retidão de
conduta, Deus dá como presente bênção divina, prosperidade e vida longa. Na sua
avaliação, o rei Ezequias não praticou nada de errado na sua vida. Por isso,
ele pede um tipo de recompensa. A retidão de sua vida parece exigir de Deus a
bênção, inclusive bens materiais e uma vida longa.
Na sua oração o rei Ezequias chorou com
abundantes lágrimas. Notícia da morte sempre nos afeta e mexe com nossos
sentimentos e emoções. Todos lutam para que a doença fique longe, mesmo sabendo
que morrer é o acontecimento universal a que todos nós temos de chegar.
Começamos a morrer assim que nascemos.
E Deus ouviu a oração do rei Ezequiase
através do profeta Isaías o rei Ezequias recebe a cura imediata de Deus, a
ampliação de quinze anos de sua vida e a libertação de Jerusalém do poder
assírio (cf. 2Rs 20,5-6). Deus atrasa o relógio da morte do rei Ezequias por
sua retidão.
Ler essas coisas da Bíblia, Livro inspirado
por Deus, como lemos hoje na Primeira Leitura, nos faz bem. Saber que Deus não
se estranha de nossas faltas de esperança nem de nossa oração, tudo isso nos
faz bem. A oração do rei Ezequias nos faz bem. Ele nos ensina que nossa
situação pode parecer algo morto ou mortal, mas Deus põe vida onde há sinal de
morte para aqueles que confiam n´Ele. A nossa força também se encontra na
oração de muita fé em Deus apesar de nossa situação aparentemente sem saída,
como aconteceu com o rei Ezequias. Procuramos manter nossas orações para poder
manter nossas forças. Rezar
é permanecer na presença de Deus com as mãos abertas e com o coração aberto
para não sermos agarrados pelas mãos do mundo que nos escravizam.
O Salmo Responsorial
(Sl 38) está em sintonia com a oração do rei Ezequias: “Eu dizia: É necessário que eu me vá no
apogeu de minha vida e de meus dias; para a mansão triste dos mortos descerei,
sem viver o que me resta dos meus anos. Não verei o Senhor Deus sobre a terra
dos viventes nunca mais; nunca mais verei um homem neste mundo! Minha morada
foi à força arrebatada, desarmada como a tenda de um pastor. Qual tecelão, eu
ia tecendo a minha vida, mas agora foi cortada a sua trama. Ó Senhor, meu
coração em vós espera; por vós há de viver o meu espírito, curai-me e conservai
a minha vida”.
Nossa oração é sempre escutada por Deus como
a oração do rei Ezequias. Toda oração é sempre eficaz. Mas nem sempre
percebemos a resposta de Deus. A oração nos põe em sintonia com Deus que quer a
salvação de todos. A oração é uma
percepção da realidade que logo se desabrocha em louvor, em adoração, em
agradecimento e em pedido de piedade Àquele que é a origem do ser. Por isso,
quem sabe viver conscientemente, sabe também rezar bem e conscientemente. E
quem sabe rezar bem, também sabe viver conscientemente. A oração é mais do que recitar umas fórmulas, é,
sobretudo, uma convicção íntima de que Deus é nosso Pai e que quer nosso bem,
como filhos e filhas dele, mesmo que aparentemente nossas orações “não sejam
atendidas”. A oração que não foi
atendida é uma forma de Deus atender nosso pedido, pois Deus tem a sabedoria
infinita. Tem ou não tem resposta para nossa oração é sempre uma resposta da
parte de Deus que conhece todos os mistérios.
A Vida Humana É Maior Do Que
Qualquer Lei
Com este capitulo (Mt 12) começam as
controvérsias entre Jesus e os fariseus. Desta vez a controvérsia gira em torno
da observância do Sábado.
A observância do Sábado era entre os
principais mandamentos. O Sábado foi uma das observâncias mais especificas do judaísmo; identificava os
judeus e distinguia-se dos gentios e se tornou um sinal de autentico judaísmo.Era
tão importante como todos os mandamentos juntos. Todo trabalho era proibido
(cf. Dt 5,14). Tinha uma lista de 39 trabalhos proibidos no Sábado. E cada um
desses 39 trabalhos proibidos se desdobrava em mais seis, ao todo 234
atividades proibidas. Transgredir o Sábado podia levar o acusado à condenação.
A punição prevista chegava à pena de morte (cf. Ex 31,12-17; 35,1-3). Durante o
exílio na Babilônia observar o Sábado era um sinal da identidade israelita
entre os gentios.
Na verdade inicialmente observar o Sábado
tinha como finalidade o descanso humano, para celebrar a libertação humana
(interpretação da tradição deuteronomista. Cf. Dt 5,12-15). Mais tarde na
tradição sacerdotal (cf. Ex 20,8-11), o descanso sabático tinha como finalidade
imitar o repouso de Deus ao findar-se a obra da Criação. Com essa interpretação
o Sábado passou a ser considerado como dia a ser “santificado”, dedicado a Deus
e ao culto.
Na verdade, ao comentar Ex 31,13-14 os
rabinos permitiam realizar trabalho em Sábado, se fosse em função de socorrer
alguém em extremo perigo de vida. Eles diziam: “O homem não foi feito para o
mundo, mas o mundo para o homem”. Ou: “O Sábado foi entregue a vós, não vós ao Sábado”
(Simeão ben Menaxa, em 180 a.C, na época dos Macabeus). Na mesma linha está o
Segundo Livro dos Macabeus: “Não foi por causa do Lugar que o Senhor escolheu o
povo e sim por causa do povo, o Lugar” (2Mc 5,19).
Na interpretação dos fariseus sobre a observância
do Sábado o que conta é a Lei. Os fariseus julgam o atuar humano a partir da
lei e o julgam sob o aspecto que afeta a um preceito determinado, não a lei em
seu conjunto. Os fariseus sabem que no Sábado pode-se comer, mas não se pode
“colher”. Para eles cortar as espigas é colher. Logo este ato é considerado
como trabalho e por isso, é proibido. Daí a pergunta deles: “Olha, os teus
discípulos estão fazendo o que não é permitido fazer em dia de sábado!”.
Ama menos quem se preocupa apenas com a lei e não com a dignidade do ser
humano.
Jesus, na sua interpretação sobre a
observância do Sábado, destaca a importância máxima ou o valor máximo do ser
humano. Toda a atividade de Jesus tem como centro o ser humano e sua salvação.
Para Jesus o que conta é o homem. Em nome da importância máxima do homem Jesus
cita o profeta Oseías: “Quero a misericórdia e não o sacrifício” (Os
6,6). Com esta citação Jesus destaca a dignidade do homem diante de Deus. Em
nome de um ser humano necessitado de libertação e de salvação Jesus é capaz de
“transgredir” uma lei por mais sagrada que ela pareça ser, como o Sábado. Em
nome do ser humano por amor Deus Pai enviou Seu Filho unigênito a fim de salvar
a humanidade (cf. Jo 3,16). Em nome do ser humano e sua salvação, Jesus aceita
ser perseguido, crucificado e morto. O preço de nossa salvação é o sangue de
Jesus derramado na Cruz. Ao olhar para a Cruz de Jesus sabemos logo o quanto
Jesus nos amou. E o mesmo Jesus continua se oferecendo como alimento para todos
os seus seguidores, pois Ele continua nos amando. Por isso, ao participar da
Eucaristia sabemos o quanto Jesus nos ama, pois Ele nos alimenta com seu
próprio Corpo para podermos fazer nossa caminhada rumo à comunhão plena com
nosso Deus e para que sejamos vida para os outros. A Eucaristia é nosso
“Viático”, isto é, nosso alimento para nossa viagem nesse mundo rumo ao
encontro derradeiro com Deus.
Por causa da grandeza do homem e de sua
dignidade entre outras criaturas o Salmista fez a seguinte oração: “Quando
contemplo o firmamento, obra de vossos dedos, a lua e as estrelas que lá
fixastes: Que é o homem, digo-me então, para pensardes nele? Que são os filhos
de Adão, para que vos ocupeis com eles? Entretanto, vós o fizestes quase igual
aos anjos, de glória e honra o coroastes. Destes-lhe poder sobre as obras de
vossas mãos, vós lhe submetestes todo o universo” (Sl 8,4-7).
“Que é o homem de quem cuidas Tu, Senhor? Um
ponto de poeira num cosmos de luz. (...) Sorrio em reconhecimento quando vejo
que fizeste de mim o rei da tua criação, inferior, tão-somente, a Ti mesmo.
Conheço a minha pequenez e a minha grandeza, a minha dignidade e a minha
insignificância... Grande é o Teu Nome, ó Senhor, por toda a terra” (Carlos G.
Valles. Busco Tua Face, Senhor: Salmos para contemplação.
Ed.Loyola).
Sao Boaventura colocou na boca de Deus as
seguintes palavras sobre o ser humano: "Quando te criei, pus sobre tua fronte a imagem da minha divindade,
adaptei-me à imagem da tua humanidade quando te quis redimir; tu, pois, que
cancelaste a imagem da minha divindade, impressa na tua fronte quando foste
criado, retém ao menos na mente a imagem da tua humanidade, impressa em mim
quando quis redimir-te; se não soubeste ficar qual tal te criei, sabe ao menos
reter-me como eu fiz quando de novo te criei".
“Quero a misericórdia e não o sacrifício”,
diz-nos Jesus hoje. O culto e a vida, a oração e a convivência fraterna devem
andar de mãos dadas. Trazemos nossa vida para nossa oração e levamos para a
vida nossa oração na convivência fraterna.
Toda a atividade na Igreja do Senhor está em
torno das pessoas e não em torno do trabalho. Na Igreja do Senhor, jamais pode
ser colocada a pessoa de lado em função do trabalho. Trabalhamos na Igreja em
função das pessoas e sua salvação e não em função do próprio trabalho. As
pastorais e os movimentos existem para alcançar esse objetivo. Por isso, a
seguinte pergunta permanece como um alerta: Se Jesus coloca o ser humano como o
centro de sua atividade, qual é o lugar do homem, das pessoas nas nossas
atividades pastorais e profissionais? “Quero a misericórdia e não o
sacrifício”.
P.Vitus Gustama, SVD
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