sexta-feira, 31 de julho de 2020

Domingo,02/08/2020
A Multiplicação dos Pães: milagre ou simples partilha ...Jesus Alimenta 5.000Evangelho de hoje (Mt 14,13-21) - Egídio Serpa | Egídio Serpa ...

VIVER NA COMPAIXÃO E NA PARTILHA  COMO JESUS
XVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”


Primeira Leitura: Is 55,1-3
Assim diz o Senhor: 1“Ó vós todos que estais com sede, vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem nenhuma paga. 2Por que gastar dinheiro com outra coisa que não o pão, desperdiçar o salário senão com satisfação completa? Ouvi-me com atenção, e alimentai-vos bem, para deleite e revigoramento do vosso corpo. 3Inclinai vosso ouvido e vinde a mim, ouvi e tereis vida; farei convosco um pacto eterno, manterei fielmente as graças concedidas a Davi”.


Segunda Leitura: Rm 8,35.37-39
Irmãos: 35Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação? Angústia? Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada? 37Em tudo isso, somos mais que vencedores, graças àquele que nos amou! 38Tenho a certeza de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os poderes celestiais, nem o presente, nem o futuro, nem as forças cósmicas, 39nem a altura, nem a profundeza, nem outra criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus por nós, manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor.


Evangelho: Mt 14,13-21
Naquele tempo, 13 quando soube da morte de João Batista, Jesus partiu e foi de barco para um lugar deserto e afastado. Mas, quando as multidões souberam disso, saíram das cidades e o seguiram a pé. 14 Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes. 15 Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida!” 16 Jesus, porém, lhes disse: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” 17 Os discípulos responderam: “Só temos aqui cinco pães e dois peixes”. 18 Jesus disse: “Trazei-os aqui”. 19 Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama. Então pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção. Em seguida, partiu os pães e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às multidões. 20 Todos comeram e ficaram satisfeitos, e, dos pedaços que sobraram, recolheram ainda doze cestos cheios. 21 E os que haviam comido eram mais ou menos cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.
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Um Olhar Geral Sobre As Leituras Deste Domingo


Nós nos encontramos diante de uma das verdades mais consoladoras da Sagrada Escritura: o amor misericordioso e compassivo de Deus que se revela no rosto e no agir de Jesus Cristo.


A Primeira Leitura tirada do Segundo Isaías (Is 55,1-3) nos fala do grande banquete dos tempos messiânicos para o qual todos são convidados. Basta que qualquer um tenha “fome e sede”, e já é candidato apropriado para aproximar-se do amor de Deus. É a pobreza humana que comove o coração de Deus: “Ó vós todos que estais com sede, vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem nenhuma paga” (Is 55,1). A fome e a sede expressam adequadamente essa necessidade vital e profunda que o homem experimenta de Deus e de seu amor.


Todo o poema do texto da Primeira Leitura intenta levantar os ânimos dos desterrados (na Babilônia-contexto do texto) com a esperança da iminente volta do desterro para Jerusalém. Diante da teimosia da  incredulidade de seu povo, o poeta é obrigado a recorrer à Palavra de Deus (Is 55): o Senhor sempre cumpre suas promessas (Is 40,8), sua palavra é cumprida (Is 55,4), ela nunca volta vazia (Is 45,23). A imagem dos vv 1-3 do texto é extremamente simples. Um vendedor ambulante oferece suas mercadorias: trigo, água, vinho aos homens famintos e sedentos (v.1). Esses produtos alimentares não são reservados aos ricos e poderosos, mas a todos os seres humanos, pois são absolutamente gratuitos. O único requisito é sentir vontade de comer e beber.


E esta imagem tão simples está carregada de um profundo significado. Em primeiro lugar, o vendedor é o profeta que fala em nome de Deus. O produto que oferece é de tal qualidade que não se pode colocar preço. Por isso, é gratuito. Em segundo lugar, os famintos e sedentos são os exilados/desterrados. Todos eles estão privados do alimento primordial da liberdade. onde encontrar esse alimento? Os exilados/desterrados andam um tanto despistados/desorientados e nesta desorientação eles comem e bebem algo que nunca pode acalmar sua fome e sua sede: “Por que gastar dinheiro com outra coisa que não o pão, desperdiçar o salário senão com satisfação completa?” (Is 55,2; cf. Is 41,17; 48,21; 49,10...). Em terceiro lugar, o trigo evoca não um pão qualquer e sim o Pão da Palavra divina: “O homem não vive somente de pão e sim de tudo que sai da boca de Deus” (Dt 8,3; Mt 4,4). Por ter desprezado tantas vezes este Pão da Palavra, o profeta Amós nos recriminará: “Virão dias em que enviarei fome sobre a terra, não uma fome de pão, nem uma sede de água, mas de ouvir a Palavra do Senhor” (Amós 8,11). Em quarto lugar, vinho e leite, alimentos com os quais a Palavra de Deus é comparada, são listados com muita frequência na Bíblia como bens elementares e, ao mesmo tempo, insuperáveis (Is 60,16; 66,11 ...; Ct 5,1...). O profeta nos convida a participarmos no banquete desta Palavra, fonte de vida, em recorrer ao Senhor (cf. paralelismo entre "vinde por água": versículo 1, e "vinde a mim": versículo 3a). O bem oferecido é gratuito, a libertação do povo (Is 52,3). Se o ser humano se abrir ouvindo a Palavra (v. 3a), obterá a vida (uma idéia muito frequente em todo o Dt, cf. também Ez 20,11/21 ...).


E no Evangelho proclamado neste Domingo também aparece um grupo de homens sem pão, sem sustento. Assim como no desterro Deus multiplicou os meios de sustento do ovo faminto, assim Jesus hoje dará de comer a uma multidão que não tem com que satisfazer suas necessidades básicas. O alimento material nos leva à consideração de um alimento de caráter espiritual e que responde à necessidade mais essencial do homem: seu desejo de experimentar Deus, seu anseio de sentir-se eternamente amado por Deus. O amor esponsal está escrito na alma humana com selo ou carimbo indelével (difícil de apagar ou arrancar).


Deste amor são Paulo teve experiência e o proclama com franqueza e simplicidade, que lemos no texto da Segunda Leitura de hoje: Quem poderá nos separar do amor de Cristo? não há potência alguma capaz de nos afastar do amor de Cristo. em Cristo se revela o rosto amoroso e misericordioso, cheio de compaixão do Pai do céu.


Podemos dizer que o banquete na Bíblia é uma imagem do amor de Deus. Quando falamos do banquete escatológico, falamos do amor de Deus que será manifestado no final dos tempos. É “lugar” e ocasião de felicidade e regozijo. As viandas (alimento e bebida) são símbolos dessa felicidade que superou as tristezas da vida: água que refresca e sacia a sede; o vinho que alegra o coração do homem; leite e mel que expressam a abundância, suavidade e beleza da terra prometida. O homem tem uma sede profunda, como ficou evidente no diálogo entre Jesus e a mulher samaritana. "Quem beber desta água terá sede novamente. Mas quem beber da água que eu lhe der nunca mais terá sede. Ele se tornará uma fonte que saltará para a vida eterna" (cf. Jo 4).


O homem é um eterno viajante e peregrino que conhece a sede e a fome da estrada. É um ser que busca, anseia, ansioso por encontrar sua paz e descanso. No entanto, ele nem sempre consegue encontrar o que sacia a sede de sua alma. A contemplação do mundo nos diz que sua situação é dramática. Ele desc. Ele se abandona ao mal e se torna extremamente cruel para si mesmo.


Portanto, a linguagem do profeta Isaías é muito atual, é um convite para não gastar no que não nos dá comida, no que nos deixa igualmente famintos.


A condição que Deus nos pede para encontrar esta água, este vinho, este leite e mel é a de escutar atentamente a Palavra de Deus e refletir sobre ela para descobrirmos a verdade de nossa vida de cada dia. trata-se de “inclinar o ouvido”, de inclinar a alma, de inclinar a arrogância, de inclinar a vida inteira para contemplar o Pão de Deus, a Aliança que Deus estabeleceu com seu povo, todos nós. a fonte da vida se encontra na Palavra de Deus que se faz preceito, que se faz orientação, que se faz aliança e que se faz carne em Jesus Cristo (Jo 1,14). Deus fala a seu povo e o povo deve escutar atentamente a Deus, pois Ele ama seu povo eternamente. E o amor de Deus é tão poderoso que ninguém é capaz de nos separar do próprio Deus. Este Deus não permite que adoremos a outros deuses para não nos tornarmos desterrados de nossa própria vida.


Portanto, cabe a nós escutarmos a voz de Deus. escutar é uma atitude bíblica. Não é simplesmente ouvir como transeunte distraído e desmemoriado.  Escutar é acolher, é ponderar na alma, como Maria. Escutar é prestar ouvido, prestar a aqiescência (consentimento) da inteligência e vontade. Escutar é prostrar-se diante de um Deus que fala e se revela. Escutar é tirar-se as sandálias para entrar no lugar santo. Escutar é recolher a alma e o espirito, e dizer com humildade: “Eis-me aqui, Senhor”. Diante de Deus que se revela o homem deve prestar a humilde submissão. Com efeito, o drama do homem consiste em “não escutar” a voz de Deus, não querer confiar na veracidade e no amor de Quem se revela.


Um Olhar Especifico Sobre o Evangelho Deste Domingo


A alimentação da multidão (multiplicação de pães) é o único milagre narrado em todos os quatro evangelhos (Mc 6,32-44; Lc 9,10-17; Jo 6,1-15), e o único narrado duas vezes (em duas versões variantes) em Mc (Mc 8,1-10) e em Mt (Mt 15,29-39). Obviamente o relato da multiplicação tem sua alusão a Ex 16, história do maná no deserto (aqui se diz no lugar deserto) e a 2Rs 4,42-44 (Eliseu alimentou 100 pessoas com 20 pães e ainda sobraram) para dizer que a atividade de Jesus é uma atividade de êxodo, isto é, libertar o povo de todo tipo de escravidão, inclusive da escravidão da fome ensinando os cristãos a partilharem o que se tem com os que nada têm. Por isso, no evangelho de hoje se lê a seguinte frase: “Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama”.  “Sentar-se” ou “Recostar-se” durante a refeição era próprio dos homens livres e era a posição adotada para a refeição pascal, em recordação da libertação do Egito sob o comando de Moisés (Cf. Ex 12).


Jesus é um novo Moisés, cuja missão é libertar o seu Povo da escravidão (do pecado), a fim de conduzi-lo à terra da liberdade e da vida plena. Cada cristão é chamado a exercer a mesma missão.


Ao relatar esse episódio Mt segue a tradição de Mc, embora ele omita vários detalhes. Mc (e Lc) situa a cena da primeira multiplicação logo depois do relato da volta dos discípulos de sua missão apostólica (cf. Mc 6,30s; Lc 9,10). Mt coloca a cena logo depois que Jesus recebeu a notícia da morte de João Batista (cf. Mt 14,12). A referência ao rebanho sem pastor (Mc 6,34) não se menciona em Mt (somente em Mt 9,36, mas em outro contexto).


Vamos estender nossa meditação sobre algumas de tantas mensagens do texto do evangelho lido neste dia.


1. Retirar-Se Para O Deserto Para Aprender A Despojar-Se


Quando soube da morte de João Batista, Jesus partiu e foi de barco para um lugar deserto” (Mt 14,13).


No seu relato Mt diz que Jesus se retirou para o deserto depois que soube da morte de São João Batista. Joao Batita era um grande líder popular em quem a população depositava sua confiança. Com sua morte, o povo, em geral, fica desnorteado. Jesus ficou sabendo da morte de João Batista por ordem do rei Herodes Antipas (Mt 14,1-11). Ao saber da morte de João Batista, Jesus se retirou para o deserto para entrar na intimidade com Deus a fim de refletir sobre o acontecimento dentro do plano de Deus. Na oração ele se fortificou. Tanto que quando saiu do barco ele viu a multidão miserável e começou a curar todo mundo, até saciou a fome da multidão. Esta multidão encontrou em Jesus um grande líder.


O deserto é o tempo e o espaço do encontro com Deus onde cada cristão aprende a despojar-se das suas seguranças humanas, das suas certezas, da sua auto-suficiência, para viver na liberdade. O deserto como lugar de carência de tudo; é o lugar e o tempo onde as pessoas aprendem a partilhar, e por isso é o lugar onde se vive a igualdade, pois cada membro do Povo conta com a solidariedade do resto da comunidade. Por isso, o deserto é o lugar onde não há egoísmo, injustiça, prepotência. Não é por acaso que Jesus leva seus discípulos para o deserto e é seguido pela multidão. No deserto é que Jesus vai ensinar a viver a vida de partilha, pois onde há partilha as coisas sobram suficientemente. Na ausência da partilha, porque muitos agarram as coisas só para si, a grande maioria fica sem nada nem para sua necessidade básica. A partilha é uma maneira de se libertar da escravidão do egoísmo que mata, pois o egoísmo deixa o homem no isolamento e na solidão. A partilha é um caminho que nos leva de volta para o amor motivo pelo qual fomos criados. Ao ensiná-los a partilhar Jesus quer lhes dizer que tudo é um dom de Deus para os homens. E os dons de Deus são para ser partilhados, colocados ao serviço dos irmãos. É deste processo libertador – que conduz do egoísmo ao amor – que vai nascer a comunidade do Reino.


Somos convidados a retirar-nos diariamente. O principal objetivo de retirar-se é fazer com que, quando avançarmos, avancemos na direção que Deus quer. Retirar-se é essencial para tomarmos as decisões e fazermos as escolhas certas: as que realmente queremos e as que estimulam a vida. Retirar-se pode nos trazer tanto uma resposta quanto uma solução ou podem surgir novas perguntas. Mesmo que não obtenhamos respostas claras para muitas das grandes perguntas da vida, é vital continuar a recordar quais são as nossas perguntas. Perder as perguntas é certamente perder-se no caminho.


2. Viver E Conviver Como Compassivos


Ao sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles...” (Mt 14,14).


A multidão faminta do sentido da vida foi atrás de Jesus. Isto significa que essa multidão encontrou em Jesus aquilo que ela estava procurando. Em outras palavras, Jesus tinha algo a oferecer para saciar a fome da multidão.


Será que a Igreja tem algo a oferecer que faça a multidão procurá-la? Ou será que ela vive preocupada apenas com os preceitos que a multidão deve cumpri-las? Os cristãos de hoje têm algo a oferecer ao mundo que talvez esteja vivendo o cansaço existencial?


Diante da multidão faminta do sentido da vida Jesus se mostrou compassivo. Compaixão é muito mais do que um sentimento. Compadecer-se significa sair de si mesmo levando consigo o que tem, por pouco que seja, para compartilhá-lo com o que não o tem e por isso mesmo sofre. A compaixão é uma atitude primordial de Deus. Por isso, quando se fala da compaixão, não se trata de um vago sentimento de comoção. O verbo usado por Mateus neste Evangelho é muito forte e quer dizer sentir-se perturbado nas entranhas. A compaixão, por isso, nos pede que vamos até onde existem feridas, que entremos em lugares onde existe o sofrimento, que compartilhemos os desânimos, os temores, as angústias dos nossos semelhantes. No Evangelho este verbo é usado exclusivamente em relação a Jesus ou a Deus. Por isso, quem tem compaixão, ele tem algo de Deus dentro de si.


Esta profunda compaixão diante das necessidades dos nossos semelhantes é a primeira condição para nos sentirmos motivados para a ação. Quem permanece impassível, quem não alimenta os sentimentos de Cristo, muito dificilmente será induzido a fazer qualquer coisa pelos semelhantes. Por isso, quando der alguma ajuda, ele dá somente para obedecer a alguma imposição externa, a uma convenção social, e não por uma premente necessidade interior.


3. Temos Responsabilidade Diante Da Fome Da Maioria


Despede as multidões para que possam ir aos povoados comprar comida”, diz os discípulos a Jesus (Mt 14,15b). Mas recebem a resposta de Jesus: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16).


Os discípulos têm pena da multidão que está com fome, por um lado. Mas por outro lado, eles reconhecem a incapacidade de saciá-la com cinco pães apenas. Como resolver o problema? Eles aproximam-se de Jesus não para lhe perguntar que planos Jesus tem, mas para oferecer-lhe uma “solução”: “Este lugar é deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados comprar comida” (v.15). A solução oferecida pelos discípulos, então, é despedir para comprar. Em outras palavras, cada um tem que prover para si mesmo, por meio de dinheiro. Mas vem a pergunta: “Será que toda esta multidão tem dinheiro?”


Comprar e vender (pães) supõem orientar as relações sociais pelas leis da economia, onde impera a concentração de bens e a exploração; supõem submeter-se às leis econômicas que mantém essa multidão na miséria. Sabemos que onde há concentração de bens e alimentos, lá há sempre fome. Neste contexto, quem tem dinheiro, tem direito de comer; quem não o tem, torna-se vítima da fome. O que tem por trás disso é o egoísmo. E as pessoas contaminadas pelo egoísmo acabam virando as costas para o semelhante em dificuldade.


A atitude que Jesus tem com a multidão faminta do pão e da palavra contrasta com a sugestão dos discípulos. A “comprar” Jesus opõe “dar” e ”repartir”: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer” (v.16). Jesus ensina-lhes, dessa forma, que eles têm uma responsabilidade diante desse desafio que o mundo dos pobres diariamente grita. Todos os cristãos jamais poderão dizer que não têm nada a ver com a fome, com a miséria, com as necessidades dos mais desfavorecidos. Qualquer irmão necessitado, seja de pão, de alegria, de apoio, ou de esperança, é da responsabilidade de todos os que se declaram cristãos ou pessoas de boa vontade.


4. A Partilha É O Caminho De Multiplicação De Dons Recebidos


Só temos aqui cinco pães e dois peixes” (Mt 14,17)


Que adianta ter cinco pães e dois peixes para alimentar a fome da multidão?! É muito pouco! Mas Jesus pede que lhe entreguem o pouco que se tem: “Trazei-os aqui!” (Mt 14,18). Precisamos colocar nas mãos de Deus nossos pobres recursos humanos. A lição é bem clara: diante do apelo dos necessitados, os cristãos precisam aprender a partilhar. Para Jesus, o eterno problema da vida não é a falta do pão, e sim as causas que geram a falta do mesmo na mesa da grande maioria. O que se revela mais não é a ausência do pão, e sim a presença do egoísmo, do individualismo, da ganância e da total ausência do amor fraterno. Não agarre aquilo que não vale a pena ser agarrado, pois ao agarrá-lo, perde seu valor. É o agarrar em vão, pois um dia cada um será obrigado a largar tudo. Ao partilhá-lo, ao contrário, ganha seu valor.


“Cinco pães e dois peixes” significam totalidade (“sete” é a soma dos 5+2). É na partilha da totalidade do que se tem que se responde à carência dos irmãos. Quem partilha, vence a escravidão do egoísmo. Ao partilhar, em vez de perder, o cristão ganha muito mais. É o paradoxo do Reino de Deus: aquilo que se dá para o bem do próximo é aquilo que se ganha. O amor dado é o amor recebido. O perdão dado é o perdão recebido. A vida oferecida para salvar o outro é a vida recebida, a vida ressuscitada. Compartilhar ou partilhar é multiplicar. Se quisermos ser verdadeiros cristãos capazes de convencer o mundo, devemos aprender a viver este paradoxo. É preciso que cada cristão quebre a lógica egoísta do lucro e substituí-la pela lógica do dom, da partilha, do amor. Sem a partilha, não haverá um mundo mais justo e mais fraterno.


Quem possui algo para comer, deixa-se tocar por quem não o tem e abre mão, generosamente, do que lhe pertence para saciar a fome do semelhante. Esta atitude funda-se na pura gratuidade e exclui qualquer desejo de recompensa. Nessa direção é que os cristãos, todos nós, devemos caminhar. Tudo parte do amor ao semelhante cuja penúria ou miséria torna-se um apelo para a solidariedade e a partilha.


Se a partilha e a compaixão são a atitude primordial de Deus, portanto repartir o pão significa prolongar a generosidade de Deus- criador: Ele criou tudo por amor e gratuitamente sem nenhum mérito de um ser humano. Por isso, quando se libera a criação ou um ser humano do egoísmo, sobra para cobrir a necessidade de todos. Libertar-se um ser humano do egoísmo significa estar vazio de toda criatura. E “estar vazio de toda criatura é estar cheio de Deus. Ao contrário, estar cheio de toda criatura significa estar vazio de Deus” (Mestre Eckhart).


5. Um Banquete Da Libertação E Da Dignidade Humana Prefigura O Banquete Eterno: O Gesto Aponta Para A Eucaristia


Então, Jesus pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães e os deu aos discípulos” (Mt 14,19). São as palavras que apontam para a Eucaristia (Mt 26,26-29).


Jesus pede que as multidões se sentem na grama (Mt 14,19). No primeiro êxodo Deus alimentou Israel no deserto (Ex 16); no êxodo definitivo Jesus vai alimentar a multidão no lugar deserto. Comer sentado ou “recostar-se” para comer era próprio dos homens livres e era a posição adotada para a refeição pascal (“grama verde” só existe durante a primavera, supõe que seja o tempo de Páscoa. Cf. Jo 6,4), em recordação da libertação do Egito. O gesto de sentar indica a tomada de consciência da própria dignidade e liberdade. E Jesus quer que a multidão esteja consciente disso. Jesus veio certamente para devolver ao homem a dignidade perdida para fazê-lo livre de todo tipo de prisão.


O que centraliza o acontecimento é o modo como Jesus procede. Ele toma os pães e peixes, ergue os olhos ao céu, pronuncia a bênção, parte os pães e os dá aos discípulos para distribuí-los à multidão (v.19).


Os gestos de Jesus prefiguram a futura ceia que Jesus instituirá na Última Ceia (cf. Mt 26,26-29). A nota cronológica “já é tarde” (v.13) retoma literalmente, o começo do relato da Última Ceia (Mt 26,20). A cena prepara a eucaristia, que será a expressão do dom total de Jesus e dos seus. Ao erguer os olhos ao céu Jesus expressa sua confiança que tem no Pai celeste. Jesus vincula o alimento com Deus. Pronunciar uma bênção significa louvar a Deus e dar-lhe graças por esse alimento, reconhecendo que é dom dele aos homens. Isto quer dizer que tudo que o homem tem, o tem por causa da generosidade de Deus. Por isso, a generosidade de Deus deve alcançar todos, sem ser bloqueada pelo egoísmo ou pela ganância.


Depois da bênção, Jesus encarrega os discípulos de servir os pães e peixes para a multidão. Jesus não lhes confere um poder, mas lhes confia um serviço. Na comunidade, todos os seguidores de Cristo devem ser servidores e não chefes ou mandantes poderosos. O Espírito que Jesus nos infunde que o seguem leva a dar-se aos outros para comunicar vida (alimento). O serviço prestado transmite a generosidade e o amor de Deus criador e doador de vida. Não somos donos dos dons, mas simplesmente distribuidores ou partilhadores dos mesmos. Aquele que recebeu esse dom não é o seu dono; mas é apenas um administrador a quem Deus confiou determinado dom, para que o pusesse ao serviço dos irmãos com a mesma gratuidade com que o recebeu. Na verdade, sentar-se à mesa com Jesus e receber o pão que Ele oferece (Eucaristia), é assumir uma vida de partilha, de amor, e de serviço. Celebrar a Eucaristia obriga-nos a lutar contra as desigualdades, o egoísmo, os sistemas de exploração, a ganância e assim por diante.
P. Vitus Gustama,svd

Um comentário:

Solange Carotta de Freitas disse...

Boa tarde querido padre! Qdo deixamos de repartir o que temos ñ pensamos nas consequências que isso pode gerar na vida dos nossos irmãos.Parabéns pela linda homilia.

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