Domingo,02/08/2020
VIVER NA COMPAIXÃO E
NA PARTILHA COMO JESUS
XVIII DOMINGO DO TEMPO
COMUM “A”
Primeira Leitura: Is 55,1-3
Assim diz o Senhor: 1“Ó vós todos que estais com sede, vinde às águas;
vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e comei, vinde comprar sem
dinheiro, tomar vinho e leite, sem nenhuma paga. 2Por que gastar dinheiro com
outra coisa que não o pão, desperdiçar o salário senão com satisfação completa?
Ouvi-me com atenção, e alimentai-vos bem, para deleite e revigoramento do vosso
corpo. 3Inclinai vosso ouvido e vinde a mim, ouvi e tereis vida; farei convosco
um pacto eterno, manterei fielmente as graças concedidas a Davi”.
Segunda Leitura: Rm 8,35.37-39
Irmãos: 35Quem nos separará do amor de Cristo? Tribulação? Angústia?
Perseguição? Fome? Nudez? Perigo? Espada? 37Em tudo isso, somos mais que
vencedores, graças àquele que nos amou! 38Tenho a certeza de que nem a morte,
nem a vida, nem os anjos, nem os poderes celestiais, nem o presente, nem o
futuro, nem as forças cósmicas, 39nem a altura, nem a profundeza, nem outra
criatura qualquer será capaz de nos separar do amor de Deus por nós,
manifestado em Cristo Jesus, nosso Senhor.
Evangelho: Mt 14,13-21
Naquele
tempo, 13 quando soube da morte de João Batista, Jesus partiu e foi de barco
para um lugar deserto e afastado. Mas, quando as multidões souberam disso,
saíram das cidades e o seguiram a pé. 14 Ao sair do barco, Jesus viu uma grande
multidão. Encheu-se de compaixão por eles e curou os que estavam doentes. 15 Ao
entardecer, os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram: “Este lugar é
deserto e a hora já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir
aos povoados comprar comida!” 16 Jesus, porém, lhes disse: “Eles não precisam
ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer!” 17 Os discípulos responderam: “Só
temos aqui cinco pães e dois peixes”. 18 Jesus disse: “Trazei-os aqui”. 19
Jesus mandou que as multidões se sentassem na grama. Então pegou os cinco pães
e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e pronunciou a bênção. Em seguida,
partiu os pães e os deu aos discípulos. Os discípulos os distribuíram às
multidões. 20 Todos comeram e ficaram satisfeitos, e, dos pedaços que sobraram,
recolheram ainda doze cestos cheios. 21 E os que haviam comido eram mais ou
menos cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.
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Um Olhar Geral Sobre As Leituras
Deste Domingo
Nós nos encontramos diante de uma das
verdades mais consoladoras da Sagrada Escritura: o amor misericordioso e
compassivo de Deus que se revela no rosto e no agir de Jesus Cristo.
A Primeira Leitura tirada do Segundo Isaías (Is 55,1-3) nos
fala do grande banquete dos tempos messiânicos para o qual todos são
convidados. Basta que qualquer um tenha “fome e sede”, e já é candidato
apropriado para aproximar-se do amor de Deus. É a pobreza humana que comove o
coração de Deus: “Ó vós todos que estais
com sede, vinde às águas; vós que não tendes dinheiro, apressai-vos, vinde e
comei, vinde comprar sem dinheiro, tomar vinho e leite, sem nenhuma paga”
(Is 55,1). A
fome e a sede expressam
adequadamente essa necessidade vital e profunda que o homem experimenta de Deus
e de seu amor.
Todo o poema do texto da Primeira Leitura
intenta levantar os ânimos dos desterrados (na Babilônia-contexto do texto) com
a esperança da iminente volta do desterro para Jerusalém. Diante da teimosia da
incredulidade de seu povo, o poeta é obrigado
a recorrer à Palavra de Deus (Is 55): o Senhor sempre cumpre suas promessas (Is
40,8), sua palavra é cumprida (Is 55,4), ela nunca volta vazia (Is 45,23). A
imagem dos vv 1-3 do texto é extremamente simples. Um vendedor ambulante
oferece suas mercadorias: trigo, água, vinho aos homens famintos e sedentos
(v.1). Esses produtos alimentares não são reservados aos ricos e poderosos, mas
a todos os seres humanos, pois são absolutamente gratuitos. O único requisito é
sentir vontade de comer e beber.
E esta imagem tão simples está carregada de
um profundo significado. Em primeiro lugar,
o vendedor é o profeta que fala em nome de Deus. O produto
que oferece é de tal qualidade que não se pode colocar preço. Por isso, é
gratuito. Em segundo lugar, os famintos e
sedentos são os
exilados/desterrados. Todos eles estão privados do alimento primordial da
liberdade. onde encontrar esse alimento? Os exilados/desterrados andam um tanto
despistados/desorientados e nesta desorientação eles comem e bebem algo que
nunca pode acalmar sua fome e sua sede: “Por
que gastar dinheiro com outra coisa que não o pão, desperdiçar o salário senão
com satisfação completa?” (Is 55,2; cf. Is 41,17; 48,21; 49,10...). Em terceiro lugar, o trigo
evoca não um pão qualquer e sim o Pão da Palavra divina: “O homem não vive somente de pão e sim de
tudo que sai da boca de Deus” (Dt 8,3; Mt 4,4). Por ter desprezado tantas
vezes este Pão da Palavra, o profeta Amós nos recriminará: “Virão dias em que enviarei fome sobre a
terra, não uma fome de pão, nem uma sede de água, mas de ouvir a Palavra do
Senhor” (Amós 8,11). Em quarto lugar,
vinho e
leite, alimentos com os quais a Palavra de Deus é comparada, são
listados com muita frequência na Bíblia como bens elementares e, ao mesmo tempo,
insuperáveis (Is 60,16; 66,11 ...; Ct 5,1...). O profeta nos convida a
participarmos no banquete desta Palavra, fonte de vida, em recorrer ao Senhor (cf. paralelismo entre "vinde por
água": versículo 1, e "vinde a mim": versículo 3a). O bem oferecido
é gratuito, a libertação do povo (Is 52,3). Se o ser humano se abrir ouvindo a
Palavra (v. 3a), obterá a vida (uma idéia muito frequente em todo o Dt, cf.
também Ez 20,11/21 ...).
E no Evangelho proclamado neste Domingo também
aparece um grupo de homens sem pão, sem sustento. Assim como no desterro Deus
multiplicou os meios de sustento do ovo faminto, assim Jesus hoje dará de comer
a uma multidão que não tem com que satisfazer suas necessidades básicas. O
alimento material nos leva à consideração de um alimento de caráter espiritual
e que responde à necessidade mais essencial do homem: seu desejo de
experimentar Deus, seu anseio de sentir-se eternamente amado por Deus. O amor
esponsal está escrito na alma humana com selo ou carimbo indelével (difícil de apagar
ou arrancar).
Deste amor são Paulo teve experiência e o
proclama com franqueza e simplicidade, que lemos no texto da Segunda Leitura de hoje: Quem poderá nos separar do amor de
Cristo? não há potência alguma capaz de nos afastar do amor de Cristo. em
Cristo se revela o rosto amoroso e misericordioso, cheio de compaixão do Pai do
céu.
Podemos dizer que o banquete na Bíblia é uma
imagem do amor de Deus. Quando falamos do banquete escatológico, falamos do
amor de Deus que será manifestado no final dos tempos. É “lugar” e ocasião de
felicidade e regozijo. As viandas (alimento e bebida) são símbolos dessa
felicidade que superou as tristezas da vida: água que refresca e sacia a sede;
o vinho que alegra o coração do homem; leite e mel que expressam a abundância,
suavidade e beleza da terra prometida. O homem tem uma sede profunda, como
ficou evidente no diálogo entre Jesus e a mulher samaritana. "Quem beber
desta água terá sede novamente. Mas quem beber da água que eu lhe der nunca
mais terá sede. Ele se tornará uma fonte que saltará para a vida eterna"
(cf. Jo 4).
O homem é um eterno viajante e peregrino que
conhece a sede e a fome da estrada. É um ser que busca, anseia, ansioso por
encontrar sua paz e descanso. No entanto, ele nem sempre consegue encontrar o
que sacia a sede de sua alma. A contemplação do mundo nos diz que sua situação
é dramática. Ele desc. Ele se abandona ao mal e se torna extremamente cruel para
si mesmo.
Portanto, a linguagem do profeta Isaías é
muito atual, é um convite para não gastar no que não nos dá comida, no que nos
deixa igualmente famintos.
A condição que Deus nos pede para encontrar
esta água, este vinho, este leite e mel é a de escutar atentamente a Palavra de
Deus e refletir sobre ela para descobrirmos a verdade de nossa vida de cada
dia. trata-se de “inclinar o ouvido”, de inclinar a alma, de inclinar a
arrogância, de inclinar a vida inteira para contemplar o Pão de Deus, a Aliança
que Deus estabeleceu com seu povo, todos nós. a fonte da vida se encontra na
Palavra de Deus que se faz preceito, que se faz orientação, que se faz aliança
e que se faz carne em Jesus Cristo (Jo 1,14). Deus fala a seu povo e o povo
deve escutar atentamente a Deus, pois Ele ama seu povo eternamente. E o amor de
Deus é tão poderoso que ninguém é capaz de nos separar do próprio Deus. Este Deus
não permite que adoremos a outros deuses para não nos tornarmos desterrados de
nossa própria vida.
Portanto, cabe a nós escutarmos a voz de Deus.
escutar é uma atitude bíblica. Não é simplesmente ouvir como transeunte distraído
e desmemoriado. Escutar é acolher, é ponderar
na alma, como Maria. Escutar é prestar ouvido, prestar a aqiescência (consentimento)
da inteligência e vontade. Escutar é prostrar-se diante de um Deus que fala e se
revela. Escutar é tirar-se as sandálias para entrar no lugar santo. Escutar é recolher
a alma e o espirito, e dizer com humildade: “Eis-me aqui, Senhor”. Diante de Deus
que se revela o homem deve prestar a humilde submissão. Com efeito, o drama do homem
consiste em “não escutar” a voz de Deus, não querer confiar na veracidade e no amor
de Quem se revela.
Um Olhar Especifico Sobre o Evangelho
Deste Domingo
A alimentação da multidão (multiplicação de
pães) é o único milagre narrado em todos os quatro evangelhos (Mc 6,32-44; Lc
9,10-17; Jo 6,1-15),
e o único narrado duas vezes (em duas versões variantes) em Mc (Mc 8,1-10) e em Mt (Mt 15,29-39). Obviamente o relato
da multiplicação tem sua alusão a Ex 16, história do maná no deserto (aqui se
diz no lugar deserto) e a 2Rs 4,42-44 (Eliseu alimentou 100 pessoas com 20 pães
e ainda sobraram) para dizer que a atividade de Jesus é uma atividade de êxodo,
isto é, libertar o povo de todo tipo de escravidão, inclusive da escravidão da
fome ensinando os cristãos a partilharem o que se tem com os que nada têm. Por
isso, no evangelho de hoje se lê a seguinte frase: “Jesus mandou que as multidões se
sentassem na grama”. “Sentar-se”
ou “Recostar-se” durante a refeição era próprio dos homens livres e era a
posição adotada para a refeição pascal, em recordação da libertação do Egito
sob o comando de Moisés (Cf. Ex 12).
Jesus é um novo Moisés, cuja missão é
libertar o seu Povo da escravidão (do pecado), a fim de conduzi-lo à terra da
liberdade e da vida plena. Cada cristão é chamado a exercer a mesma missão.
Ao relatar esse episódio Mt segue a tradição
de Mc, embora ele omita vários detalhes. Mc (e Lc) situa a cena da primeira
multiplicação logo depois do relato da volta dos discípulos de sua missão
apostólica (cf. Mc 6,30s; Lc 9,10). Mt coloca a cena logo depois que Jesus
recebeu a notícia da morte de João Batista (cf. Mt 14,12). A referência ao
rebanho sem pastor (Mc 6,34) não se menciona em Mt (somente em Mt 9,36, mas em
outro contexto).
Vamos estender nossa meditação sobre algumas
de tantas mensagens do texto do evangelho lido neste dia.
1. Retirar-Se Para O Deserto Para Aprender
A Despojar-Se
“Quando soube da morte de João Batista, Jesus
partiu e foi de barco para um lugar deserto” (Mt 14,13).
No seu relato Mt diz que Jesus se retirou
para o deserto depois que soube da morte de São João Batista. Joao Batita era
um grande líder popular em quem a população depositava sua confiança. Com sua
morte, o povo, em geral, fica desnorteado. Jesus ficou sabendo da morte de João
Batista por ordem do rei Herodes Antipas (Mt 14,1-11). Ao saber da morte de
João Batista, Jesus se retirou para o deserto para entrar na intimidade com
Deus a fim de refletir sobre o acontecimento dentro do plano de Deus. Na oração
ele se fortificou. Tanto que quando saiu do barco ele viu a multidão miserável
e começou a curar todo mundo, até saciou a fome da multidão. Esta multidão
encontrou em Jesus um grande líder.
O deserto é o tempo e o espaço do encontro
com Deus onde cada cristão aprende a despojar-se das suas seguranças humanas,
das suas certezas, da sua auto-suficiência, para viver na liberdade. O deserto
como lugar de carência de tudo; é o lugar e o tempo onde as pessoas aprendem a
partilhar, e por isso é o lugar onde se vive a igualdade, pois cada membro do
Povo conta com a solidariedade do resto da comunidade. Por isso, o deserto é o
lugar onde não há egoísmo, injustiça, prepotência. Não é por acaso que Jesus
leva seus discípulos para o deserto e é seguido pela multidão. No deserto é que
Jesus vai ensinar a viver a vida de partilha, pois onde há partilha as coisas
sobram suficientemente. Na ausência da partilha, porque muitos agarram as
coisas só para si, a grande maioria fica sem nada nem para sua necessidade
básica. A partilha é uma maneira de se libertar da escravidão do egoísmo que
mata, pois o egoísmo deixa o homem no isolamento e na solidão. A partilha é um
caminho que nos leva de volta para o amor motivo pelo qual fomos criados. Ao
ensiná-los a partilhar Jesus quer lhes dizer que tudo é um dom de Deus para os
homens. E os dons de Deus são para ser partilhados, colocados ao serviço dos
irmãos. É deste processo libertador – que conduz do egoísmo ao amor – que vai
nascer a comunidade do Reino.
Somos convidados a retirar-nos diariamente. O
principal objetivo de retirar-se é fazer com que, quando avançarmos, avancemos
na direção que Deus quer. Retirar-se é essencial para tomarmos as decisões e
fazermos as escolhas certas: as que realmente queremos e as que estimulam a
vida. Retirar-se pode nos trazer tanto uma resposta quanto uma solução ou podem
surgir novas perguntas. Mesmo que não obtenhamos respostas claras para muitas
das grandes perguntas da vida, é vital continuar a recordar quais são as nossas
perguntas. Perder as perguntas é certamente perder-se no caminho.
2. Viver E Conviver Como Compassivos
“Ao
sair do barco, Jesus viu uma grande multidão. Encheu-se de compaixão por eles...”
(Mt 14,14).
A multidão faminta do sentido da vida foi
atrás de Jesus. Isto significa que essa multidão encontrou em Jesus aquilo que
ela estava procurando. Em outras palavras, Jesus tinha algo a oferecer para saciar
a fome da multidão.
Será que a Igreja tem algo a oferecer que
faça a multidão procurá-la? Ou será que ela vive preocupada apenas com os
preceitos que a multidão deve cumpri-las? Os cristãos de hoje têm algo a
oferecer ao mundo que talvez esteja vivendo o cansaço existencial?
Diante da multidão faminta do sentido da vida
Jesus se mostrou compassivo. Compaixão é muito mais do que um sentimento.
Compadecer-se significa sair de si mesmo levando consigo o que tem, por pouco
que seja, para compartilhá-lo com o que não o tem e por isso mesmo sofre. A
compaixão é uma atitude primordial de Deus. Por isso, quando se fala da
compaixão, não se trata de um vago sentimento de comoção. O verbo usado por
Mateus neste Evangelho é muito forte e quer dizer sentir-se perturbado nas
entranhas. A compaixão, por isso, nos pede que vamos até onde existem feridas,
que entremos em lugares onde existe o sofrimento, que compartilhemos os
desânimos, os temores, as angústias dos nossos semelhantes. No Evangelho este
verbo é usado exclusivamente em relação a Jesus ou a Deus. Por isso, quem tem
compaixão, ele tem algo de Deus dentro de si.
Esta profunda compaixão diante das
necessidades dos nossos semelhantes é a primeira condição para nos sentirmos
motivados para a ação. Quem permanece impassível, quem não alimenta os
sentimentos de Cristo, muito dificilmente será induzido a fazer qualquer coisa
pelos semelhantes. Por isso, quando der alguma ajuda, ele dá somente para
obedecer a alguma imposição externa, a uma convenção social, e não por uma
premente necessidade interior.
3. Temos Responsabilidade Diante Da Fome Da
Maioria
“Despede as multidões para que possam ir aos
povoados comprar comida”, diz os discípulos a Jesus (Mt 14,15b). Mas
recebem a resposta de Jesus: “Eles não precisam ir embora. Dai-lhes vós
mesmos de comer” (Mt 14,16).
Os discípulos têm pena da multidão que está
com fome, por um lado. Mas por outro lado, eles reconhecem a incapacidade de
saciá-la com cinco pães apenas. Como resolver o problema? Eles aproximam-se de
Jesus não para lhe perguntar que planos Jesus tem, mas para oferecer-lhe uma
“solução”: “Este lugar é deserto e a hora
já está adiantada. Despede as multidões, para que possam ir aos povoados
comprar comida” (v.15). A solução oferecida pelos discípulos, então, é
despedir para comprar. Em outras palavras, cada um tem que prover para si
mesmo, por meio de dinheiro. Mas vem a pergunta: “Será que toda esta multidão
tem dinheiro?”
Comprar e vender (pães) supõem orientar as
relações sociais pelas leis da economia, onde impera a concentração de bens e a
exploração; supõem submeter-se às leis econômicas que mantém essa multidão na
miséria. Sabemos que onde há concentração de bens e alimentos, lá há sempre
fome. Neste contexto, quem tem dinheiro, tem direito de comer; quem não o tem,
torna-se vítima da fome. O que tem por trás disso é o egoísmo. E as pessoas
contaminadas pelo egoísmo acabam virando as costas para o semelhante em
dificuldade.
A atitude que Jesus tem com a multidão
faminta do pão e da palavra contrasta com a sugestão dos discípulos. A
“comprar” Jesus opõe “dar” e ”repartir”: “Eles
não precisam ir embora. Dai-lhes vós mesmos de comer” (v.16). Jesus
ensina-lhes, dessa forma, que eles têm uma responsabilidade diante desse
desafio que o mundo dos pobres diariamente grita. Todos os cristãos jamais
poderão dizer que não têm nada a ver com a fome, com a miséria, com as
necessidades dos mais desfavorecidos. Qualquer irmão necessitado, seja de pão,
de alegria, de apoio, ou de esperança, é da responsabilidade de todos os que se
declaram cristãos ou pessoas de boa vontade.
4. A Partilha É O Caminho De Multiplicação De
Dons Recebidos
“Só temos aqui cinco pães e dois peixes”
(Mt 14,17)
Que adianta ter cinco pães e dois peixes para
alimentar a fome da multidão?! É muito pouco! Mas Jesus pede que lhe entreguem
o pouco que se tem: “Trazei-os aqui!” (Mt 14,18).
Precisamos colocar nas mãos de Deus nossos pobres recursos humanos. A lição é
bem clara: diante do apelo dos necessitados, os cristãos precisam aprender a
partilhar. Para Jesus, o eterno problema da vida não é a falta do pão, e sim as
causas que geram a falta do mesmo na mesa da grande maioria. O que se revela
mais não é a ausência do pão, e sim a presença do egoísmo, do individualismo,
da ganância e da total ausência do amor fraterno. Não agarre aquilo que não
vale a pena ser agarrado, pois ao agarrá-lo, perde seu valor. É o agarrar em
vão, pois um dia cada um será obrigado a largar tudo. Ao partilhá-lo, ao
contrário, ganha seu valor.
“Cinco pães e dois peixes” significam
totalidade (“sete” é a soma dos 5+2). É na partilha da totalidade do que se tem
que se responde à carência dos irmãos. Quem partilha, vence a escravidão do
egoísmo. Ao partilhar, em vez de perder, o cristão ganha muito mais. É o
paradoxo do Reino de Deus: aquilo que se dá para o bem do próximo é aquilo que
se ganha. O amor dado é o amor recebido. O perdão dado é o perdão recebido. A
vida oferecida para salvar o outro é a vida recebida, a vida ressuscitada.
Compartilhar ou partilhar é multiplicar. Se quisermos ser verdadeiros cristãos
capazes de convencer o mundo, devemos aprender a viver este paradoxo. É preciso
que cada cristão quebre a lógica egoísta do lucro e substituí-la pela lógica do
dom, da partilha, do amor. Sem a partilha, não haverá um mundo mais justo e
mais fraterno.
Quem possui algo para comer, deixa-se tocar
por quem não o tem e abre mão, generosamente, do que lhe pertence para saciar a
fome do semelhante. Esta atitude funda-se na pura gratuidade e exclui qualquer
desejo de recompensa. Nessa direção é que os cristãos, todos nós, devemos
caminhar. Tudo parte do amor ao semelhante cuja penúria ou miséria torna-se um
apelo para a solidariedade e a partilha.
Se a partilha e a compaixão são a atitude
primordial de Deus, portanto repartir o pão significa prolongar a generosidade
de Deus- criador: Ele criou tudo por amor e gratuitamente sem nenhum mérito de
um ser humano. Por isso, quando se libera a criação ou um ser humano do egoísmo,
sobra para cobrir a necessidade de todos. Libertar-se um ser humano do egoísmo
significa estar vazio de toda criatura. E “estar vazio de toda criatura é estar
cheio de Deus. Ao contrário, estar cheio de toda criatura significa estar vazio
de Deus” (Mestre Eckhart).
5. Um Banquete Da Libertação E Da Dignidade
Humana Prefigura O Banquete Eterno: O Gesto Aponta Para A Eucaristia
“Então,
Jesus pegou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos para o céu e
pronunciou a bênção. Em seguida partiu os pães e os deu aos discípulos” (Mt
14,19). São as palavras que apontam para a Eucaristia (Mt 26,26-29).
Jesus pede que as multidões se sentem na
grama (Mt 14,19). No primeiro êxodo Deus alimentou Israel no deserto (Ex 16);
no êxodo definitivo Jesus vai alimentar a multidão no lugar deserto. Comer
sentado ou “recostar-se” para comer era próprio dos homens livres e era a
posição adotada para a refeição pascal (“grama verde” só existe durante a
primavera, supõe que seja o tempo de Páscoa. Cf. Jo 6,4), em recordação da
libertação do Egito. O gesto de sentar indica a tomada de consciência da
própria dignidade e liberdade. E Jesus quer que a multidão esteja consciente
disso. Jesus veio certamente para devolver ao homem a dignidade perdida para
fazê-lo livre de todo tipo de prisão.
O que centraliza o acontecimento é o modo
como Jesus procede. Ele toma os pães e peixes, ergue os olhos ao céu, pronuncia
a bênção, parte os pães e os dá aos discípulos para distribuí-los à multidão
(v.19).
Os gestos de Jesus prefiguram a futura ceia
que Jesus instituirá na Última Ceia (cf. Mt 26,26-29). A nota cronológica “já é
tarde” (v.13) retoma literalmente, o começo do relato da Última Ceia (Mt
26,20). A cena prepara a eucaristia, que será a expressão do dom total de Jesus
e dos seus. Ao erguer os olhos ao céu Jesus expressa sua confiança que tem no
Pai celeste. Jesus vincula o alimento com Deus. Pronunciar uma bênção significa
louvar a Deus e dar-lhe graças por esse alimento, reconhecendo que é dom dele aos
homens. Isto quer dizer que tudo que o homem tem, o tem por causa da
generosidade de Deus. Por isso, a generosidade de Deus deve alcançar todos, sem
ser bloqueada pelo egoísmo ou pela ganância.
Depois da bênção, Jesus encarrega os
discípulos de servir os pães e peixes para a multidão. Jesus não lhes confere
um poder, mas lhes confia um serviço. Na comunidade, todos os seguidores de
Cristo devem ser servidores e não chefes ou mandantes poderosos. O Espírito que
Jesus nos infunde que o seguem leva a dar-se aos outros para comunicar vida
(alimento). O serviço prestado transmite a generosidade e o amor de Deus
criador e doador de vida. Não somos donos dos dons, mas simplesmente
distribuidores ou partilhadores dos mesmos. Aquele que recebeu esse dom não é o
seu dono; mas é apenas um administrador a quem Deus confiou determinado dom,
para que o pusesse ao serviço dos irmãos com a mesma gratuidade com que o
recebeu. Na verdade, sentar-se à mesa com Jesus e receber o pão que Ele oferece
(Eucaristia), é assumir uma vida de partilha, de amor, e de serviço. Celebrar a
Eucaristia obriga-nos a lutar contra as desigualdades, o egoísmo, os sistemas
de exploração, a ganância e assim por diante.
P. Vitus
Gustama,svd
Um comentário:
Boa tarde querido padre! Qdo deixamos de repartir o que temos ñ pensamos nas consequências que isso pode gerar na vida dos nossos irmãos.Parabéns pela linda homilia.
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