sexta-feira, 6 de setembro de 2024

XXIII Domingo Comum, Ano "B", 08/09/2024

JESUS E SUA PALAVRA SÃO CAPAZES DE TIRAR NOSSA MUDEZ E SURDEZ ESPIRITUAIS

XXIII DOMINGO TEMPO COMUM B

Primeira Leitura:  Is 35,4-7a

4 Dizei às pessoas deprimidas: “Criai ânimo, não tenhais medo! Vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus; é ele que vem para vos salvar”. 5 Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. 6 O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos, assim como brotarão águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo. 7ª A terra árida se transformará em lago, e a região sedenta, em fontes d’água.

Segunda Leitura: Tg 2,1-5

1 Meus irmãos: a fé que tendes em nosso Senhor Jesus Cristo glorificado não deve admitir acepção de pessoas. 2 Pois bem, imaginai que na vossa reunião entra uma pessoa com anel de ouro no dedo e bem vestida, e também um pobre, com sua roupa surrada, 3 e vós dedicais atenção ao que está bem vestido, dizendo-lhe: “Vem sentar-te aqui, à vontade”, enquanto dizeis ao pobre: “Fica aí, de pé”, ou então: “Senta-te aqui no chão, aos meus pés”, 4 não fizestes, então, discriminação entre vós? E não vos tornastes juízes com critérios injustos? 5 Meus queridos irmãos, escutai: não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam?

Evangelho: Mc 7,31-37

Naquele tempo, 31 Jesus saiu de novo da região de Tiro, passou por Sidônia e continuou até o mar da Galileia, atravessando a região da Decápole. 32 Trouxeram então um homem surdo, que falava com dificuldade, e pediram que Jesus lhe impusesse a mão. 33 Jesus afastou-se com o homem, para fora da multidão; em seguida, colocou os dedos nos seus ouvidos, cuspiu e com a saliva tocou a língua dele. 34 Olhando para o céu, suspirou e disse: “Efatá!”, que quer dizer: “Abre-te!” 35 Imediatamente seus ouvidos se abriram, sua língua se soltou e ele começou a falar sem dificuldade. 36 Jesus recomendou com insistência que não contassem a ninguém. Mas, quanto mais ele recomendava, mais eles divulgavam. 37 Muito impressionados, diziam: “Ele tem feito bem todas as coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar”.

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Depois da discussão sobre minúcias legalistas sobre o que torna a pessoa pura ou impura (Evangelho do Domingo anterior), o evangelista Marcos passa para outro episódio sobre a cura do surdo-mudo. O que tem por trás é a divisão entre o povo eleito (puro) e o pagão (impuro por não pertencer ao povo eleito). A insistência de Marcos é clara: reprissa bem a impressão de que Jesus agora exerce seu ministério em terras pagãs como Tiro, Sidônia e Decápole.

Hoje lemos o relato sobre a cura do surdo-mudo no teritório pagão. A palavra grega que se traduz como “surdo-mudo” é “mogilálon”, palavra que é formada de mogís e lalein que significa “falar com dificuldade”. Por isso, essa palavra indica alguém que podia apenas balbuciar as palavras. E na cura do surdo-mudo Jesus evita qualquer aparência teatral, e por isso, Jesus toma o doente à parte, longe da multidão.

O relato da cura do surdo-mudo atinge seu climax no versículo 34: “Olhando para o céu, suspirou e disse: ‘Efatá!’, que quer dizer: “Abre-te!”. Na cura, Jesus olha para o céu em atitude de oração para pedir ao Pai a cura daquele doente. Jesus quer curar o doente, pois Ele se compadece dele. Apalavra grega para expressar a compaixão de Jesus é “esténaksen”: “suspirou” ou “gemeu”. E em seguida dá uma ordem onipotente em aramaico: “ephphata”, “abre-te”. (veja também em Mc 5,41; 14,36). O homem voltou a escutar e a falar.

Em seu contexto atual, logo depois da cura da filha da siro-fenícia ou da filha da cananeia, do poder do demônio (Mc 7,24-30), a cura do surdo-mudo adquire, sem dúvida alguma, um sentido simbólico profundo: Jesus resistuti a um homem pagão a faculdade de OUVIR e FALAR. Este homem curado da surdez-mudez representa todos os pagãos, outrora surdos e mudos em relação ao Deus verdadeiro, ao Deus que, até então, era desconhecido por eles (veja pregação de são Paulo em Atenas: At 17,16-34). Jesus dá aos pagãos a capacidade de ouvir e de entender a mensagem da Boa-Nova e louvar a Deus. As promessas messiânicas e escatológicas do profeta Isaías que lemos na Primeira Leitura: “Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos. O coxo saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos, assim como brotarão águas no deserto e jorrarão torrentes no ermo” (Is 35,5-6) se estendem não somente para o povo eleito, mas também para os pagãos. Jesus é o Salvador da humanidade toda.

Portanto, o que se ressalta neste relato é a participação dos pagãos  ao banquete da salvação oferecido por Jesus. O surdo-mudo é o melhor representante do paganismo: surdo em relação a Deus e incapaz de louvá-Lo. Mas o poder libertador da Palavra de Jesus rompe a surdez espiritual e solta a língua para louvar a Deus. Com isso, o texto quer sublinhar bem um tema importante de que os pagãos são puros, como os judeus (Cf. Mc 7,19), pois sua região está efetivamente purificado do “espirito impuro” pela vivência da Palavra de Deus. Agora o povo está pronto para escutar e anunciar a Palavra de Deus, pois seus ouvidos e sua boca estão despregados. Por isso, no final do texto do Evangelho de hoje há a exclamação do povo: “Ele tem feito bem todas as coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar”.

A exclamação ou a admiração da multidão é o eco de Gn 1,31: “Deus contemplou toda a sua obra, e viu que tudo era muito bom” e Is 35,4-6 (Primeira Leitura). Nesta exclamação ou admiração reconhece-se a obra de Jesus que luta contra o mal e o sofrimento que acontecem na vida do povo. Jesus devolve à criação o seu esplendor original: “Ele tem feito bem todas as coisas: aos surdos faz ouvir e aos mudos falar”, e inaugura o tempo da salvação anunciado pelos profetas: “Então se abrirão os olhos dos cegos e se descerrarão os ouvidos dos surdos(Is 35,5, veja a Primeira Leitura).

Com isso, Marcos quer transmitir claramente o tema sobre o messianismo onde Jesus é apresentado como quem realiza a nova criação e que cumpre as profecias do profeta Isaías  sobre os últimos dias: “Ele tem feito tudo bem (cf. Gn 1,31); faz tanto os surdos ouvirem como os mudos falarem (cf. Is 35,5-6). A expressão “Jesus faz bem todas as coisas” tem uma grande importância para o evangelho de Marcos. Com esta expressão Mc faz uma ligação com o começo do Gênesis. No primeiro relato da criação repete-se por sete vezes a expressão: “Deus viu que era bom” (Gn 1,4.10.12.18.21.25.31). Ao usar a expressão “Jesus faz bem todas as coisas”, Mc quer nos transmitir esta mensagem: Jesus inicia nova criação em que todas as coisas são boas e bem-feitas. Jesus traz de volta a beleza de Deus que o próprio homem estragou por seu pecado. A palavra de Jesus é eficaz: cria uma nova criação. Portanto, precisamos estar sempre com Jesus para que possamos também fazer bem todas as coisas.

Outras Mensagens Do Texto

1. Jesus e Sua Palavra Nos Tiram De Nossa Surdez Espiritual

As pessoas apresentam a Jesus um surdo que tem dificuldade para falar. O surdo só ouve a si mesmo. Não pode escutar seus familiares nem seus vizinhos. Não pode conversar com seus amigos. Ele vive fechado em sua própria solidão.

Jesus se concentra nessa enfermidade que impede o surdo de viver de modo são. Jesus introduz os dedos em seus ouvidos e trata de vencer essa resistência que não o deixa escutar ninguém nem a Palavra de Deus. Com sua saliva emudeceu aquela língua paralisada para dar fluidez a sua palavra. Não é fácil. O surdo-mudo  não colabora, e Jesus faz um último esforço. Jesus respira profundamente, lança um forte suspiro olhando ao céu em busca da força de Deus, e logo, grita ao enfermo: “Abre-te!”.

Aquele homem sai de seu isolamento e, pela primeira vez, descubre o que é viver escutando os demais e conversando abertamente com todos. O povo fica admirado. Jesus faz todo bem como Criador “aos surdos faz ouvir e aos mudos falar”.

Com este gesto de curar o surdo percebemos o poder de nosso Senhor em curar todos  os surdos espiritualmente. O Senhor Jesus pode conferir ao principal dos pecadores um ouvido que ouve. Ele pode fazer qualquer pessoa deleitar-se em ouvir o Evangelho que, antes, desprezava e ridicularizava.

Nós também hoje nos comportamos como “surdos” quando tapamos nossos ouvidos aos convites que Cristo nos dirige através de Sua Palavra ou através de alerta que alguém nos faz para abandonarmos certos hábitos, para modificar certas atitudes erradas, para seguir os caminhos da lealdade, da honestidade, da bondade, da generosidade, de partilha assim por diante.

2. O Senhor Jesus e Sua Palavra São Capazes De Transformar Os Mudos Em Anunciadores Da Boa Nova

Com a imposição de suas mãos sobre o surdo mudo (a pedido das pessoas) e com o toque de seus dedos na língua do surdo-mudo, Jesus torna o surdo-mudo capaz de falar livremente outro vez e não somente capaz de ouvir.

Com este gesto o texto quer nos dizer que Jesus e Sua Palavra são capazes de curar os mudos espiritualmente. O Senhor Jesus através de Sua Palavra é poderoso para ensinar ao mais duro dos transgressores a invocar a Deus. O Senhor pode pôr um novo cântico nos lábios daquele cujas palavras, anteriormente, giravam somente em torno das coisas deste mundo. Muitos santos e santas na história da Igreja são testemunhas disso. O Senhor pode fazer com que o mais vil dentre os homens fale acerca das coisas espirituais e testeifique do Evangelho da graça de Deus.

Não é casual que os evangelhos narrem tantas curas de cegos e surdos. Estes relatos são um convite a deixar-se tocar por Jesus e Sua Palavra para abrirmos bem nossos olhos e nossos ouvidos para Sua Pessoa e Sua Palavra.

Viver dentro da Igreja com mentalidade “aberta” ou “fechada” pode ser uma questão  de atitude mental ou de oposição prática, fruto quase sempre da própria estrutura sociológica ou da formação recebida. Mas quando se trata de “abrir-se” ou “fechar-se” ao Evangelho, o assunto é de vida ou de morte.

Se vivermos surdos à mensagem de Jesus, se não entendermos seu projeto, nem captarmos seu amor aos que sofrem, nos encerraremos somente em nossos problemas (falta de solidariedade) e não escutaremos nem quereremos saber dos problemas dos outros. Consequentemente, não saberemos anunciar nenhuma notícia boa para os outros. Deformaremos a mensagem de Jesus Cristo e muitos não entenderão o Evangelho do Senhor que pregamos. É urgente ouvirmos a ordem do Senhor no Evangelho de hoje: “Abre-te!”.

A vocação do cristão é estar aberto à Palavra – ouvi-la e cumpri-la – e à confissão de fé. O rito do Effetá é, ainda hoje no ritual do batismo, um gesto que nos lembra esta vocação fundamental. O ministro atualmente o faz ao final do batismo das crianças, indicando todo o processo catequético que se espera do recém-batizado.

Somos mudos quando não cumprimos o nosso dever de anunciar a todos o Evangelho de Cristo, quando nos sentimos envergonhados de declarar que não concordamos com certas escolhas pouco evangélicas feitas por colegas, por amigos e até pelos próprios irmãos da nossa comunidade. São surdos-mudos certos maridos que nunca dialogam com suas esposas e vice-versa ou certos filhos que não prestam a mínima atenção às orientações dos pais. É surdo-mudo aquele que não se relaciona com os outros por se achar dono da verdade e que já não tem mais nada para aprender.

3. Deus Ama A Todos Igualmente: A Salvação É Universal

Devemos lembrar que a cura do surdo-mudo acontece num território pagão. Isto quer nos dizer que a salvação é para todos, sem distinção. E Jesus veio trazer a salvação messiânica definitiva universalmente.        

Com isso, a cena quer ainda nos mostrar que o Reino de Deus é maior do que a Igreja. A Igreja existe para servir ao Reino de Deus. Por isso, ninguém pode limitar as  fronteiras do amor de Deus. O Deus-Pai ama a todos os homens, sem distinção, e quer salvar a todos por meio do Filho, Jesus Cristo, que enviou (cf. Lc 4,16-22).        

Por isso, devemos compreender que uma comunidade cristã, como a nossa, não pode ficar fechada sobre si mesma. A Igreja tem outro nome: Santa Mãe Igreja. A Igreja deve viver nos seus membros o espirito materno que acolhe, nutre e cuida de todos. Não pode fazer acepção de pessoas, nem querer limitar a salvação, que o Pai oferece a todos. A comunidade cristã deve ser missionária em todos os sentidos: saber acolher a todos, e procurar levar o Evangelho a todos. Pois a Igreja é a comunhão de irmãos que o Pai ama. Não podemos constituir uma Igreja ou uma comunidade de Cristo, se fizermos distinção de pessoas ou discrimarnos as pessoas. Por isso, a carta de Tiago na segunda leitura de hoje continua nos interpelando: Meus irmãos: a fé que tendes em nosso Senhor Jesus Cristo glorificado não deve admitir acepção de pessoas. ... Meus queridos irmãos, escutai: não escolheu Deus os pobres deste mundo para serem ricos na fé e herdeiros do Reino que prometeu aos que o amam?” (Tg 2,1.5).

4.   O cristão É Chamado a  Ser Pessoa Solidária         

Para a mentalidade da época a surdez e a mudez pertencem ao tipo de doenças que são consideradas castigos. Quem as sofre é visto como um pecador ou é talvez filho de pecadores (cf. Jo 9,1-41). A surdez era até mesmo uma maldição, porque não permitia escutar a Palavra de Deus proclamada nas sinagogas. Jesus, ao libertar os outros e soltar a língua do homem que lhe tinha apresentado, devolve-lhe a saúde, deixa de ser doente. Mas, ao mesmo tempo, o reintegra à vida social e aos direitos religiosos, e consequentemente, ele deixa de ser um marginalizado.           

Uma comunidade de pessoas abertas à Palavra de Deus deve ser solidária com aqueles que sofrem no seu corpo e na sociedade. Fome e doença, assim como marginalização e exploração social, são incompatíveis com a vontade de vida de Deus. Quem quer provar seu amor verdadeiro por todos os homens, deve começar pelos últimos. É claro que isto não se deve fazer “para ser visto”, transformando o pobre em ocasião de ostentação caritativa. Mas deve ser uma expansão espontânea do amor como uma mãe que espontaneamente consagra atenção maior à criança que mais precisa de  ajuda.        

Quem é discípulo de Jesus tem que ajudar os irmãos a recuperarem direitos, espaço, voz, para que cada um volte a se expressar por sua conta, como convém a um digno filho de Deus. É missão de cada cristão proclamar “Éffatha” (abre-te) aos que se deixam ensurdecer, e acomodados.        

É grave denunciar a surdez alheia e ter tantos surdos-mudos em casa. E muitos só gostam de ouvir o eco das suas próprias palavras ou opiniões, as palestras do seu movimento, a espiritualidade a que já se acostumaram. Precisamos construir uma comunidade da qual se possa dizer como disseram de Jesus: ele faz bem todas as coisas. Faz os surdos ouvirem e os mudos falarem. 

5. Ser Cristão É Ser Pessoa Inspirada Pelo Espírito De Deus          

Outro pormenor do Evangelho de hoje é o modo de Jesus realizar o milagre. Antes de realizá-lo, Jesus ergue os olhos para o céu e solta um suspiro. Os curandeiros da Antigüidade praticavam freqüentemente semelhantes gestos. Eles o faziam para concentrar-se, para compenetrar-se na energia da divindade. Para Jesus  este gesto se transforma em sinais de oração (Mc 6,41) e de união com Deus-Pai. Para nós estes gestos se constituem em convite para estabelecermos continuamente uma profunda relação com Deus antes de intervir para ajudar os irmãos. Só depois de termos “inspirados” dentro de nós o Espírito Santo, o sopro de Deus, estaremos em condições de comunicar esta força vivificadora para quem experimenta dentro de si os sinais de morte.          

Se é verdade que para orar é preciso crer, também para crer é necessário orar. A fé é a nossa resposta à oferta de amor e salvação de Deus. A oração, por sua vez, evidencia a presença e a vitalidade da fé no diálogo do homem com Deus e projeta essa oração para a vida no compromisso e na conduta social do cristão. 

Ao dizer ephphata, isto é, ‘abre-te’, proferiu algo que diz respeito particularmente aos ouvidos: estes, com efeito, devem ser abertos para ouvir; já a língua, para que pudesse falar, deveria ser libertada das amarras de sua lentidão. ... O surdo-mudo é o que não tem ouvidos para ouvir as Palavras de Deus, nem abre a boca para dizê-las. A estes é necessário que aqueles já aprenderam a falar e ouvir os discursos divinos apresentem-lhes o Senhor, para que sejam curados” (São Beda In Santo Tomás de Aquino: Catena Aurea, Exposição Contínua Sobre Os Evangelhos, vol. 2: Evangelho de São Marcos, Ed. Ecclesiãe, Campinas-SP, 2019 pp. 140 e 141).

P. Vitus Gustama,SVD

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