SERVIR OS OUTROS PARA SALVÁ-LOS
É O ESTILO DE VIDA DO CRISTÃO A EXEMPLO
DE CRISTO JESUS
XXV DOMINGO DO TEMPO COMUM B
Primeira Leitura: Sb 2,12.17-20
Os ímpios dizem: 12 “Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e nos reprova as faltas contra a nossa disciplina. 17 Vejamos, pois, se é verdade o que ele diz, e comprovemos o que vai acontecer com ele. 18 Se, de fato, o justo é ‘filho de Deus’, Deus o defenderá e o livrará das mãos dos seus inimigos. 19 Vamos pô-lo à prova com ofensas e torturas, para ver a sua serenidade e provar a sua paciência; 20 vamos condená-lo à morte vergonhosa, porque, de acordo com suas palavras, virá alguém em seu socorro”.
Segunda Leitura: Tg 3,16-4,3
Caríssimos: 3,16 Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más.17 Por outra parte, a sabedoria que vem do alto é, antes de tudo, pura, depois pacífica, modesta, conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem fingimento. 18 O fruto da justiça é semeado na paz para aqueles que promovem a paz. 4,1 De onde vêm as guerras? De onde vêm as brigas entre vós? Não vêm, justamente, das paixões que estão em conflito dentro de vós? 2 Cobiçais, mas não conseguis ter. Matais e cultivais inveja, mas não conseguis êxito. Brigais e fazeis guerra, mas não conseguis possuir. E a razão está em que não pedis. 3 Pedis, sim, mas não recebeis, porque pedis mal. Pois só quereis esbanjar o pedido nos vossos prazeres.
Evangelho: Mc 9,30-37
Naquele tempo, 30Jesus e seus discípulos
atravessavam a Galileia. Ele não queria que ninguém soubesse disso, 31pois estava
ensinando a seus discípulos. E dizia-lhes: “O Filho do Homem vai ser entregue
nas mãos dos homens, e eles o matarão. Mas, três dias após sua morte, ele
ressuscitará”. 32Os discípulos, porém, não compreendiam
estas palavras e tinham medo de perguntar. 33Eles
chegaram a Cafarnaum. Estando em casa, Jesus perguntou-lhes: “O que discutíeis
pelo caminho?” 34Eles, porém, ficaram calados, pois
pelo caminho tinham discutido quem era o maior. 35Jesus sentou-se, chamou os
doze e lhes disse: “Se alguém quiser ser
o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!” 36Em seguida,
pegou uma criança, colocou-a no meio deles e, abraçando-a, disse: 37“Quem
acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem
me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou”.
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Visão Geral Do Texto
Este texto faz parte de uma seção chama-se de “O caminho de Jesus e dos discípulos” (8,22-10,52). Este conjunto começa com a cura do cego (8,22-26) e termina com a mesma cura de outro cego (10,46-52). Com isso Marcos quer nos mostrar que os discípulos continuam com sua incompreensão diante da missão de Jesus (Continuam cegos). Continuam cegos diante do ministério do Senhor. Com muita paciência Jesus instrui os discípulos.
Aqui se revela a falta de sintonia dos discípulos com os interesses e missão de Jesus. Quando Jesus falava de sofromento, cruz, morte e ressurreição, seus discípulos discutiam entre si de quem entre eles seria o maior. Para Jesus pretensões de grandeza, de prestígio e de domínio não tem lugar ou espaço em seu movimentoe e missão, pois o serviço do Senhor se baseia no serviço desinteressado. Para Jesus não há superior e inferior e sim irmãos e irmãs, pois todos são filhos e filhas do mesmo Pai do céu. Por isso, o maior seria aquele que serve, pois estará cuidando dos filhos e filhas de Deus aqui na terra. Cuidar dos filhos é sinal de respeito e de amor ao Pai. Com esta catequese, Jesus inverte o modo de pensar de seus discípulos e procura colocá-los no caminho certo ou correto.
Ser discípulo é ser servidor dos outros, especiamente dos menos favorecidos: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”.
Não podemos
““Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”. “Servo-servir” é aquele que está em prontidão para servir. É aquele que não espera nada em troca pelo serviço prestado para o bem de todos. A própria Mãe de Jesus se considera como “serva do Senhor”: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a Tua Palavra” (Lc 1,38). Em grego, “Diácono” significa “servidor”. A palavra grega que a Bíblia geralmente traduz como “servir” é DIAKONEIN, que significa o serviço à mesa. Isto significa que quem serve à mesa serve à vida, nutre o outro com vida, atrai vida para o outro. É despertar vida. É atrair vida nas pessoas. Servir é, portanto, algo vital, isto é, algo que tem a ver com a vida. Quando sirvo alguém, não me rebaixo, mas sirvo à vida e busca a chave para suscitar vida nas pessoas. A diakonia será uma das dimensões fundamentais da Igreja, junto ao culto e a Palavra.
Para aprofundar mais esta catequese Jesus faz um gesto gracioso cheio de simbolismo: Ele chama uma criança, coloca-a no meio dos discípulos e a abraça. O gesto de abraçar é expressão de ternura e de amor. Na cultura judaica a criança era vista como travessa, imprudente e sem juizo. No gesto simbólico de Jesus, vemos de modo muito claro a postura que Jesus quer da comunidade: acolher os pequenoa e aqueles que são pouco considerados na sociedade. A catequese de Jesus é tão intensa que Ele mesmo se coloca como se fosse uma das crianças ou um dos pequeninos: “Aquele que recebe uma destas crianças, por causa do meu nome, a mim recebe”.
O caminho de serviço aos demais até dar a vida se opõe radicalmente ao domínio sobre os demais até não deixar-lhes viverem. Por isso, é tão difícil compreender o caminho de Jesus porque a ambição sem limite e a vontade de poder estão arraigadas fortemente em cada um de nós.
Esta seção é a parte central do Evangelho de Marcos. Nela o autor trabalha com grande habilidade para apresentar o verdadeiro Cristo aos fiéis da sua comunidade. Pois, esses fiéis precisavam compreender que os sacrifícios e sofrimentos que experimentavam como cristãos eram conseqüência lógica de eles serem discípulos de Jesus de Nazaré, que se fez Servo sofredor e que é agora o Cristo Ressuscitado.
Nesta seção Marcos colocou cinco temas:
1). Jesus assume seu papel do Servo sofredor, descrito por Isaías (Is 53; cf. também Is 42), no plano do Pai.
2). Jesus explica aos discípulos que ele está indo para sua morte, mas que ele ressuscitará dos mortos. Em três predições da sua morte e ressurreição, Jesus revela novos horizontes para a fé deles. Ele quer ensinar-lhes o tipo de Messias que ele é: um Messias que doa sua vida até as últimas possibilidades de doação: a morte na Cruz.
3).Os discípulos não compreendem quando Jesus fala de sacrifício e sofrimento. Para eles um Messias que sofre é uma contradição. Depois de cada uma das três predições da sua Paixão e Morte, os discípulos mostram sua falta de compreensão (9,5-6.10.19.32.34.38;10,13.24.32.37.41).
4).O convite ao espírito de doação de si. Jesus responde à incompreensão dos discípulos, instruindo-os sobre a maneira correta em que eles terão de segui-lo. Nesta seção Marcos concentra o ensinamento ético e moral de Cristo. “No caminho a Jerusalém”, Jesus se aproveita das oportunidades que surgem espontaneamente para mostrar aos discípulos como deverão tornar concreto o seu espírito de amor sacrifical no dia-a-dia de suas vidas. Assim, o convite à fé e à conversão com que Jesus iniciou a sua missão(1,15) tornou-se agora um convite a segui-lo neste mesmo espírito de doação de si que motiva a sua ida a Jerusalém.
Em todas as situações e em todos os seus relacionamentos, os cristãos deverão manifestar o mesmo espírito de amor que motiva Jesus no caminho a Jerusalém. Os primeiros cristãos eram tão conscientes de que sua conduta devia refletir o amor sacrifical de Jesus, que as comunidades se designavam “os adeptos do caminho” (At 9,2;18,25-26;19,9.23).
5). No início (Mc 8,22-25: a cura em duas etapas para mostrar a grave cegueira dos discípulos diante da missão de Jesus) e no fim desta seção (Mc 10,46-52: Desta vez, Jesus cura o cego de maneira imediato para dizer que os discípulos começam a enxergar/ver o sentido da missão de Jesus), Marcos coloca o tema de fé como dom de Deus. A fé faz ver ou enxergar quem é Jesus. Desde o começo da atividade pública de Jesus, Marcos mostrou-nos a cegueira dos discípulos. Mas Jesus fará tudo para, pouco a pouco, tirar a cegueira dos discípulos. A visão clara que se tem de Jesus não vem de uma só vez. Mas com a ajuda de Jesus, veremos mais claro e com maior nitidez quem é Jesus para nós. A fé também faz ver ou enxergar o caminho que Jesus trilhou e que devemos trilhar. Assim a seção começa e termina com a cura de um cego (8,22-26; 10,46-52). E essas duas curas têm uma função simbólica: para mostrar a cegueira dos discípulos. Elas também lembram o leitor de que é Jesus quem faz possível a fé daqueles que acreditam nele e O seguem no caminho.
Somente Quem Serve Aos Outros Tem Autoridade
Domingo após domingo vamos escutando a Palavra de Deus, que é a melhor escola de sabedoria e que neutralizando a mentalidade que o mundo nos quer inculcar.
Na Carta de são Tiago que lemos na Segunda Leitura nota-se bem esta contraposição. Para ele, se vivermos segundo a mentalidade deste mundo, não poderemos escapar da espiral das ambições e conflitos e cobiças. Em seu tempo e agora, o egoísmo parece ser o slogan daqueles que são guiados apenas por visões terrenas. E isso nos traz inveja e luta, desordem e todo tipo de males: “Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más”. (Tg 3,16).
Mas quando seguimos “a sabedoria que vem de cima” como enfatiza são Tiago, mudarão nossos critérios, porque “pura, pacífica, modesta, conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem fingimento”. É bom para nós irmos à escola de Cristo em cada Eucaristia, assimilar, na teoria e na prática, o estilo de vida que ele ensina aos seus seguidores.
No domingo anterior, o anúncio de que a promessa de vida nova do Messias se relizaria através do “fracasso” da cruz, suscitou a reação contrária de Simão Pedro. Hoje a reação é muito mais lamentável e entristecedora: os discípulos nem sequer escutaram. Suas preocupações se dirigiam para o êxito pessoal, exatamente o contrário do que Jesus intentava explicar-lhes. Jesus deve voltar a explicar e a insistir no estilo que Ele propõe: trata-se de querer viver toda a vida como serviço, e trata-se de sabê-lo reconhece-Lo não nos grandes e prestigiosos, e sim nos humildes e débeis. A proposta de Jesus é um estilo que abraça toda a vida. O caminho de serviço aos demais até dar a vida se opõe radicalmente ao caminho de domínio sobre os demais até não deixa-los viver.
Porém, por outro lado, a incompreensão dos discípulos sobre o ensinamento de Jesus é total. Com isso, Marcos quer lembrar com mais freqüência como é difícil para os discípulos acreditarem em Jesus e aceitarem as exigências de segui-lo. Diante da incompreensão que os discípulos continuam a mostrar, Jesus repete o ensinamento sobre o seu destino e junto com ele, os seus seguidores.
Mas eles têm medo de lhe perguntar porque vislumbram que a explicação não corresponderia à sua expectativa de triunfo. Uma sabedoria chinesa diz: “Quem pergunta, é bobo por cinco minutos. Quem não pergunta é bobo para sempre. Quem te instruiu por um dia é teu pai por toda a vida”. Os discípulos são como homens que sabem tanto até têm medo de saber mais.
Por isso, é tão difícil compreender o caminho de Jesus, porque a ambição e a vontade de poder estão arraigadas fortemente em nós. E esta é também a razão de um grande malentendido: se diz que o poder é um serviço, e o que se quer dizer com isso, de maneira escondida, é que os que ostentam o poder “servem” ao povo mandando. Por isso é justamente o contrário do que pensava Jesus quando dizia aos discípulos: “Se alguém deseja ser o primeiro seja o último e ser servidor de todos”.
Jesus propõe-se a ajudá-los através de uma pergunta e de uma afirmação: “Sobre o que vocês estavam discutindo no caminho?” É uma pergunta que lhes causa embaraço. O silêncio deles revela sua cegueira/obcecação (veja Mc 3,4; 7,25) e improcedência do tema que discutiram: quem tinha status superior ou maior categoria no grupo. A incompreensão dos discípulos é total. Domina neles a ambição de preeminência, à qual o sistema judaico incita, radicalmente oposta ao ensinamento de Jesus (v.31). Empolgados pelo líder que fazia sucesso, sonhavam com uma boa posição no futuro Reino. E já brigavam, competindo por essa boa posição.
Muitos cristãos aceitam algumas partes da mensagem cristã que eles gostam e servem para eles e recusam entender o resto. Um verdadeiro cristão deve aceitar a mensagem toda do cristianismo, todo o ensinamento que Jesus nos deixou. Muitos séculos depois, é pena que ainda hoje na Igreja nem todos tenham entendido a lógica do serviço. Muita gente ainda pensa que ter “cargos” é que tornam as pessoas mais importantes.
Jesus muda as palavras. Em vez de “o maior”, Jesus fala sobre “o primeiro e “o último” e “servo”. Com isso, o sujeito é mais claramente centrado no lugar de honra, pois um discípulo pode ser que seja o maior do que os outros de certa perspectiva. Com palavras e gesto, Jesus traduz sua intenção aos discípulos: “Se alguém deseja ser o primeiro seja o último e ser servidor de todos” (v.35).
Como é que pode alguém ser o primeiro sendo o último ? Com um gesto Jesus pega uma criança e a acaricia. Em aramaico a palavra que se usa é “talya” que pode significar “servo” ou “criança”. Na época a criança com menos de doze anos e servo, não tinham qualquer consideração social. Eles eram “proprietários do dono”. O jogo de palavra estabelece o elo entre “o servo/servidor” do v.35 e a “criança” dos vv.36-37.
“Jesus pega/toma a criança para seus braços”. Este é um ato simbólico: pegar/tomar significa acolher (cf. 6,11); significa servir com amor os membros mais fracos da comunidade, aqueles que estão em maior necessidade. E Jesus vai além disso: ao fazer isso, o discípulo estará servindo a Jesus e o Pai que enviou Jesus. Na comunidade de Jesus, então, o que serve, e não o que manda, é o maior. Toda ambição de preeminência ou de domínio é excluída. Marcos sublinha aqui a lição sobre a dignidade de serviço (Cf. Jo 13,14-16).
É admirável a ambição de alguém que deseja redimir sua humilde condição de nascimento, valorizando todas as suas capacidades de inteligência e de luta. É um desejo inato, primordial. É muito normal ter o desejo de ser, de valorizar a própria existência, de subir mais alto na vida. E isso acontece em todos os campos. Não há ninguém que, para viver, não sinta necessidade de ser o primeiro em alguma coisa.
O que Jesus muda radicalmente é o motivo desse desejo e, portanto, também o modo de realizá-lo: “Seja o último de todos e o servo de todos”. Com estas palavras Jesus dá um golpe mortal contra a idéia que os homens sempre fazem da autoridade, do poder e do governo. A verdadeira autoridade não está em afirmar a si mesmos reduzindo os outros a escravos, a clientes, mas em colocar para fora (fazer bondade) aquilo que é e aquilo que se tem de bom em benefício de todos. Isso cria a nova grandeza evangélica. Uma pessoa de alma nobre não sai à procura das honras, mas do bem. “Chegamos mais perto da grandeza quando somos grandes na humildade”(R.Tagore) e no serviço.
Em sua Meditação sobre o poder e a graça, José I. Gonzalez Faus(o mesmo autor de A autoridade da verdade) afirmou: “O poder serve para muitas coisas. Mas não serve para que os homens se tornem bons; não serve para libertar ou curar a liberdade humana, só serve para suprimi-la. A graça, ao contrário, faz bons homens e liberta a liberdade humana. O poder obriga, a graça ajuda. O poder cria quartéis ou campos de concentração; o crisma edifica a comunidade. O poder impõe o silêncio, o carisma fala em silêncio...O poder se atribui carismas, o carisma não se atribui poderes. O poder suplanta o Espírito, o carisma faz transparecer o Espírito. E por isso o poder acaba por levantar a cruz, e o carisma acaba por morrer pregado na cruz”.
Para um ambicioso as honras valem tudo: ele se sente totalmente envolto pela espiral da glória. Quando dominado pelo vício, ele não suporta competidores, nem admite rivais. Quem é ambicioso, é dificilmente se preocupará com ser justo. Perante a necessidade de alcançar o que deseja, ele só enxerga uma alternativa: humilhar os outros e eliminá-los. Os outros já não são pessoas que merecem respeito, mas são degraus que só servem para ser galgados no intuito de ele atingir o vértice do poder. O ambicioso, quando estiver no vértice do poder, transmitirá aos súditos os seus sentimentos, arruinando a nação/grupo/comunidade etc. com assim chamada de política do prestígio, dos que só visam a conseguir a sua própria grandeza. Ele só obedece ao seu instinto de mandar e receber honrarias.
Infelizmente, ninguém escapa da ambição. Cada qual tem as suas aspirações; até mesmo uma pessoa humilde tem as suas pequenas ambições.
Não dá para ter boas relações com Deus sem acolhimento afetuoso das pessoas, sem ser para os outros um sinal da solicitude de Deus. E isso aparece mais quando vamos aos pequenos porque os grandes costumam estar bem servidos, independentemente dos nossos sentimentos cristãos. Os cristãos existem para ser presença do amor de Deus lá onde estão os mais esquecidos e desamparados, não para cuidar de manter a própria importância ou para se afirmar sobre a miséria dos outros. Não se trata de cálculo, de estratégia para ganhar adeptos. Trata-se de exigência fundamental do seguimento de Jesus.
Creio que cada problema econômico seria resolvido, se os homens vivessem por aquilo que eles poderiam fazer para os outros e não por aquilo que eles poderiam tirar dos outros. Cada problema político seria resolvido, se a ambição dos homens fosse somente a de servir os outros e não para aumentar seus próprios privilégios. As divisões e as disputas que rasgam a Igreja não aconteceriam, se seus dirigentes e seus membros vivessem e trabalhassem para servir a Deus e ao próximo, especialmente os mais necessitados sem se preocupar com a posição que eles poderiam ocupar.
Talvez tudo isto aconteça porque estamos longe demais do espírito de Jesus Cristo. Se quisermos, realmente, ser cristãos verdadeiros, devemos escutar, refletir e viver aquilo que Jesus pede no evangelho de hoje:” Quem quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos”. Que nós briguemos para servir ou para fazer o bem para os outros, e não para ser quem manda mais, pois ao servirmos aos demais, estaremos prolongando o ato de servir de Jesus nesta terra, e através os outros vão nos reconhecer não apenas pela pertença religiosa, mas principalmente pelo comportamento cristão. Em outras palavras podemos dizer o cristão se define não a partir da pertença religiosa, mas a partir do modo viver segundo os ensinamentos de Cristo que se resume no amor a Deus e ao próximo.
Ser Cristão É Ser Educador-Servidor-Profeta
Pela segunda vez Jesus revela aos seus discípulos sua próxima Paixão (Mc 8,31-33; 10,31-34). Ao mesmo tempo ele abandona deliberadamente a pregação à multidão (Mc 9,30) incapaz de compreendê-Lo para se dedicar exclusivamente à formação definitiva dos discípulos: “Ele não queria que ninguém soubesse disso, pois estava ensinando a seus discípulos”.
Ensinar é uma das preocupações de Jesus nos evangelhos, especialmente no evangelho de Marcos (Mc 1,22; 4,2; 6,2; 9,31 etc..). Jesus Cristo é a Palavra divina (Jo 1,1). Jesus é a Palavra inesgotável de Deus para se comunicar com os seres humanos. Como a Palavra divina, as palavras de Jesus são sempre promessa e expressão de vida. Através de seu ato e atividade de ensinar Jesus quer que os seus ouvintes cresçam na liberdade e dignidade tendo consciência critica sobre a realidade ao seu redor (cf. Mc 1,22). Cristo é o bom Mestre, o Mestre profundamente humano que acaricia, exorta e ameaça com palavras duríssimas (Cf. Mt 11,20-24; 23, 1ss), mas humanismo não ao estilo humano e sim ao estilo divino, porque ensina fazendo-se um, encarnando-se, pondo-se à altura dos que ele quer ensinar para que se tornem pessoas realizada e sejam salvas.
Cada cristão é chamado a ser educador-profeta. Os profetas falam em nome de Deus, são Seus porta-vozes que sacudam as consciências, levantem as vidas de mediocridade, de desesperança, do tédio e de insensibilidade. Todo profeta é educador e todo educador cristão é chamado a ser um profeta. A educação é, portanto, uma vocação de serviço. Cada cristão, cada educador cristão é chamado a transformar cada lugar, cada escola em lugares de vida nos quais se aprende a viver e conviver, a desfrutar a vida e a dignidade, a defender a vida, a combater tudo o que ameace a vida.
Em seguida, Marcos nos relatou sobre o anúncio da Paixão, morte e ressurreição de Jesus. Ao anunciar pela segunda vez aos seus discípulos sua paixão e morte Jesus quer educá-los sobre o que significa seguir a Jesus Cristo. Mas os seus não estão dispostos a atender o que seu Mestre quer dizer ou ensinando. O que lhes preocupa é “quem será o mais importante”. Cada educador, cada mestre precisa ter paciência em ensinar ou educar. É um trabalho de serviço. Um servo está sempre disposto e disponível para atender a seu senhor.
Para acabar com a ambição dos discípulos de quererem ocupar primeiros lugares Jesus dá algumas lições (ensinar) sobre o estilo de vida para quem quiser ser seu discípulo. Jesus marca as linhas fundamentais da espiritualidade que se deve respirar qualquer comunidade cristã. A idéia-mestra é esta: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!”. Isto é, ser o servidor de todos. Aos olhos de Deus é realmente o primeiro aquele que se dispor a estar a serviço de todos. Não se trata de um servir com segundas intenções ou um escolher diplomático do último lugar visando promoção. Deus considera o primeiro na comunidade àquele que em seu interior, com toda a sinceridade, assume nessa comunidade uma posição de disponibilidade em relação aos outros.
Para acentuar a lição dada aos discípulos Jesus põe uma criança (um menino) no meio deles: “Em seguida, pegou uma criança, colocou-a no meio deles, e abraçando-a disse: ‘Quem acolher em meu nome uma dessas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou’”. Jesus utiliza uma estratégia pedagógica: coloca um menino no meio e o abraça. Um menino! Uma criança! Quantas coisas diz a imagem deste menino abraçado por Jesus! É um abraço com que Deus abriga, anima e fortalece o novo começo (menino/ criança). É o abraço que envolve toda a confiança, toda a ternura, toda a proximidade do Senhor para quem quiser ser verdadeiro discípulo, e não prematuro mestre. A criança, ainda que seja capaz de mentir por medo ou por pavor, quando bem educada, ela é quase incapaz de disfarçar os seus sentimentos. Achando algo estranho ou ridículo, ela o demonstrará externamente. Pela veracidade dos seus sentimentos, ela desarmará e até incomodará os adultos.
A figura bíblica do “menino” ou “criança” é símbolo de marginalização e indefesa. No tempo de Jesus, um menino era símbolo de ignorância, imaturidade e insignificância. Um menino era equiparava com os escravos. No entanto, por seu grau de dependência o menino se converte em preocupação permanente para seus progenitores sem os quais o menino não sobreviveria ou não receberia uma boa educação. Assim, o menor se converte no mais importante porque requer a atenção e o cuidado dos maiores. É uma lição viva de pequenez e de humildade. Ser simples é ser modesto, singelo, puro, desprovido de elementos acessórios, isento de significações secundárias, sem luxo nem ostentação. Ser humilde consiste em manifestar a virtude de conhecer suas próprias limitações. É reconhecer ser pó, mas é pó vivente, pois Deus soprou seu espírito nele que o capacita a viver na espera divina.
Por isso, a grandeza do homem está na humildade. “Quanto mais humildes, maiores” dizia Santo Agostinho. Mas “simular humildade é a maior das soberbas”, acrescentou Santo Agostinho. A paz florescerá em qualquer comunidade cristã se seus membros fazem seu o espírito evangélico de humildade e de simplicidade. O próprio Jesus serve de exemplo, pois sua vida está na sua atitude de entrega para a salvação de todos.
Depois que colocou a criança ou o menino no meio dos discípulos, Jesus pronunciou a seguinte frase: ““Quem acolher em meu nome uma dessas crianças, é a mim que estará acolhendo. E quem me acolher, está acolhendo, não a mim, mas àquele que me enviou”. Esta sentença nos recorda a parábola do juízo final (Mt 25,31-46) e o final do discurso missionário (Mt 10,42). Assim a criança aqui assume um sentido novo. Não é mais a criança em sentido próprio e sim o símbolo do necessitado. É o sedento, o faminto, desnudo, o prisioneiro, o marginalizado, o abandonado, o doente, o drogado e assim por diante.
Também podemos ter dificuldades em querer entender a lição que Jesus deu aos discípulos. Tendemos a ocupar os primeiros lugares, a buscar nossos interesses, a desprezar as pessoas que contam pouco na sociedade e das pessoas que não podemos esperar grandes coisas.
Se quisermos colaborar com Jesus Cristo e fazer algo válido na vida, temos que contar em nosso programa de vida com a renúncia e a entrega, com a humildade e a simplicidade. O desejo de poder e a busca dos próprios interesses fazem impossíveis a renúncia, a entrega e impossibilita o cristão a servir aos demais. Um cristão que não serve não serve como cristão. Uma Igreja que não serve, não serve para nada. Servir pela salvação dos demais é o centro do cristianismo. Para sermos felizes temos que fazer os outros felizes. A competitividade faz desaparecer a solidariedade, a compaixão, a igualdade, a fraternidade e a colaboração. A competitividade sempre torce para que a vida do outro não dê certo para que ele possa estar em destaque solitariamente para ser adorado pelos demais.
Servir é adorar a Deus em ação. Servir é a oração e a adoração colocadas na prática do amor fraterno. Servir é fazer algo de bom sem esperar nada de troca ou de reconhecimento. Renunciar a ser o servidor, a ser o pequeno significa renunciar Jesus, porque somente quem acolhe sua vocação de serviço como se acolhe um pequeno (criança), acolherá Jesus e o próprio Deus que o enviou. O poder e o serviço se excluem. A ambição de poder é o câncer do serviço. O poder pode servir para muitas coisas, mas não serve para tornar bons os homens. Geralmente os maus líderes produzem os maus funcionários. Um coração corrompido é ninho de discórdia. Uma mente obcecada nunca ilumina bem os caminhos.
Não dá
para ter boas relações com Deus sem acolhimento afetuoso das pessoas, especialmente
os mais desamparados, sem ser para os outros um sinal da solicitude de Deus. E
isso aparece mais quando vamos aos pequenos porque os grandes costumam estar
bem servidos, independentemente dos nossos sentimentos cristãos. Os cristãos
existem para ser presença do amor de Deus lá onde estão os mais esquecidos e
desamparados, não para cuidar de manter a própria importância ou para se
afirmar através da miséria dos outros. Não se trata de cálculo, de estratégia
para ganhar adeptos. Trata-se de exigência fundamental do seguimento de Jesus. O
que nos faz mais humanos é o cuidado e a proteção do fraco, do necessitado, do
ancião, do desvalido. Jesus nos ensinou, por sua palavra e por sua vida, que
Deus se esconde e se revela no vizinho, no drogado, no doente, no pobre, no
necessitado (Cf. Mt 25.31-45). A espiritualidade cristã é encontrar Deus no
irmão, sobretudo, no pequeno. Trata-se de fazer-se próximo do desvalido, do
desconhecido, do machucado pela vida, do fraco, dos que sentimos afastados.
P.
Vitus Gustama,svd
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