segunda-feira, 23 de dezembro de 2024

Santo Estêvão-Protomártir, 26/12/2024

MARTÍRIO DE SANTO ESTÊVÃO

SER CRISTÃO É SER MÁRTIR DE CRISTO

26 de Dezembro

 

At 6,8-10; 7,54-59

8 Naqueles dias, Estêvão, cheio de graça e poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo. 9 Mas alguns membros da chamada Sinagoga dos Libertos, junto com cirenenses e alexandrinos, e alguns da Cilícia e da Ásia, começaram a discutir com Estêvão. 10Porém, não conseguiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava. 7,54 Ao ouvir essas palavras, eles ficaram enfurecidos e rangeram os dentes contra Estêvão. 55 Estêvão, cheio do Espírito Santo, olhou para o céu e viu a glória de Deus e Jesus, de pé, à direita de Deus. 56E disse: “Estou vendo o céu aberto, e o Filho do Homem, de pé, à direita de Deus”. 57 Mas eles, dando grandes gritos e, tapando os ouvidos, avançaram todos juntos contra Estêvão; 58 arrastaram-no para fora da cidade e começaram a apedrejá-lo. As testemunhas deixaram suas vestes aos pés de um jovem, chamado Saulo. 59 Enquanto o apedrejavam, Estêvão clamou dizendo: “Senhor Jesus, acolhe o meu espírito”.

Mt 10,17-22

Naquele tempo, disse Jesus aos seus apóstolos: 17Cuidado com os homens, porque eles vos entregarão aos tribunais e vos açoitarão nas suas sinagogas. 18Vós sereis levados diante de governadores e reis, por minha causa, para dar testemunho diante deles e das nações. 19Quando vos entregarem, não fiqueis preocupados como falar ou o que dizer. Então naquele momento vos será indicado o que deveis dizer. 20Com efeito, não sereis vós que havereis de falar, mas sim o Espírito do vosso Pai é que falará através de vós. 21O irmão entregará à morte o próprio irmão; o pai entregará o filho; os filhos se levantarão contra seus pais, e os matarão. 22Vós sereis odiados por todos, por causa do meu nome. Mas quem perseverar até o fim, esse será salvo.

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Que tua conduta e tua palavra possam significar um chamamento de Deus à mente e ao coração dos que d’Ele estão longe” (Pio XII, Papa). 

Neste dia a Igreja celebra o martírio de Santo Estevão. Santo Estêvão é o mais representativo de um grupo de sete companheiros (cf. At 6,1-6). A tradição vê neste grupo o germe do futuro ministério dos "diáconos", mesmo se é preciso ressaltar que não se encontra esta denominação no Livro dos Atos. A importância de Estêvão resulta contudo do fato de que que Lucas, neste seu livro importante, lhe dedica dois capítulos inteiros. Estevão é chamado de “protomártir” porque teve a honra de ser o primeiro mártir que derramou seu sangue por proclamar sua fé em Jesus Cristo.

Depois de Pentecostes (cf. At 2,1-13), os apóstolos dirigiram o anúncio da mensagem cristã aos mais próximos: aos hebreus, despertando o conflito e a fúria por parte das autoridades religiosas do judaísmo. Como Cristo, os apóstolos foram imediatamente vítimas da humilhação e de cárcere, mas assim libertados, continuavam a pregação do Evangelho. Quando a comunidade cristã começou a crescer, os apóstolos confiaram o serviço da assistência diária para sete ministros da caridade, chamados diáconos. Estevão fazia parte desse ministério.

O texto do discurso com que Estevão encerrou seu fulgurante ministério e motivou sua bárbara lapidação é um dos mais veneráveis monumentos da literatura cristã (cf. At 7,1-60). É a primeira das homilias.  Mais do que uma autodefesa é um didaché. No seu discurso, Estevão passa de acusado para ser acusador, contundente como um martelo. Enquanto falava, seu rosto resplandecia com brilho purpúreo de juventude como brilho de um anjo.

O mais importante que se deve fazer notar sobre este mártir é que, além dos serviços caritativos, Estêvão desempenha também uma tarefa de evangelização em relação aos concidadãos, dos chamados "helenistas". Lucas descreve Estêvão como um homem "cheio de graça e de fortaleza" (At 6, 8).  Estêvão apresenta, em nome de Jesus, uma nova interpretação de Moisés e da própria Lei de Deus, e relê o Antigo Testamento à luz do anúncio da morte e da ressurreição de Jesus. Esta releitura do Antigo Testamento, releitura cristológica, provoca as reações dos Judeus que compreendem as suas palavras como uma blasfémia (cf.  At 6, 11-14). Por esta razão ele é condenado à lapidação.

Sobretudo, Santo Estêvão fala-nos de Cristo, do Cristo crucificado e ressuscitado como centro da história e da nossa vida. Podemos compreender que a Cruz permanece sempre central na vida da Igreja e também na nossa vida pessoal. Na história da Igreja nunca faltarão a paixão, a perseguição. E precisamente a perseguição torna-se, segundo a célebre frase de Tertuliano, fonte de missão para os novos cristãos:  "Nós multiplicamo-nos todas as vezes que somos ceifados por vós:  o sangue dos cristãos é semente" (Apologetico 50, 13:  Plures efficimur quoties metimur a vobis:  semen est sanguis christianorum). Mas também na nossa vida a cruz, que jamais faltará, se torna bênção. E aceitando a cruz, sabendo que ela se torna bênção, por causa de Cristo, aprendemos a alegria do cristão também nos momentos de dificuldade confiando sempre no amor de Cristo que jamais nos separará dele (cf. Rm 8,35-39).

Irmãos e pais, escutai!”. Com estas palavras, as mais ternas do vocabulário humano, Estevão quer recordar a sua comunidade de origem de que Estevão fazia parte dela. Estevão não é desconhecido entre sua comunidade, não é um alienado. Ele é da etnia de Abraão, partícipe das mesmas promessas e das mesmas esperanças. Estevão quer dizer a sua comunidade de origem: “Como pode acontecer que um irmão mata outro irmão”. Trata-se de uma fratricida.

O martírio de São Estevão é celebrado logo depois de a Igreja celebrar o nascimento do Filho de Deus como nosso irmão, e nosso Salvador. O martírio de Estevão quer nos revelar que o Menino Jesus recém-nascido em Belém é o mesmo que mais tarde, por fidelidade à sua missão, entregará sua vida na Cruz para salvar a humanidade. Os anjos do Natal anunciaram o nascimento do Salvador: “Hoje nasceu para vós um Salvador”. É pela cruz que Jesus nos salva.  Jesus será o primeiro mártir, testemunha do amor de Deus vivido até o fim, até as últimas consequências (Jo 13,1; 3,16). Estevão será logo o primeiro entre os seguidores que imitam Jesus no martírio. Em outras palavras, Estevão é chamado de “proto-mártir” porque teve a honra de ser o primeiro mártir que derramou seu sangue por proclamar sua em Jesus Cristo. Mas o próprio Jesus será o primeiro mártir, por excelência.

Estevão é o verdadeiro reflexo do próprio Jesus porque ele acreditava e vivia totalmente a mensagem de Jesus. Ele, como Jesus, fez aquilo que é tão difícil para a vida normal: amar e rezar pelos inimigos. “Senhor, não lhes leves em conta este pecado”, assim ele rezou pelos inimigos que o apedrejaram até a morte (At 7,60; cf. Lc 23,34; Mt 5,44-48). Esta é a novidade do Evangelho, capaz de suscitar uma pergunta, pois aquele que vive profundamente o Evangelho de Jesus Cristo é capaz de orar e amar aquele que o destrói. Por isso, viver de acordo com o Evangelho não é tão fácil como se imagina.

Mas a celebração do martírio de santo Estevão é uma festa gozosa porque sua morte é um novo nascimento, é a participação da Páscoa de Jesus. O longo discurso de Estevão em At 7, de puro conteúdo pascal, expressa claramente a conflitividade da pregação da ressurreição de Jesus que levou Estevão ao martírio.  Como Jesus Cristo e o seu proto-mártir, Estevão, todos os cristãos são chamados a serem testemunhas/mártires da boa Notícia com a totalidade de sua vida.

Na parte central dos grandes discursos que dão ritmo a Atos, Pedro repete: “Nós somos testemunhas” (cf. At 2,32;3,15;10,41). Ser testemunha era a identidade dos discípulos de Jesus. O anúncio da palavra de Deus e o testemunho de vida são palavras-chaves e inseparáveis na obra de Lucas, de modo especial na segunda obra (Atos). Testemunhar significa provar com a própria vida aquilo que se fala, se professa e no que se acredita, assumindo todas as consequências.         

Mas não se trata de testemunhar uma ideia, um conjunto de verdades; mas trata-se de testemunhar o próprio Jesus Cristo Ressuscitado. Por isso, o anúncio pode ser feito por todos e para todos, porque não pressupõe nem culturas nem diplomas. Sendo o próprio Jesus Cristo, é suficiente tê-Lo encontrado como aquele quesentido a toda a vida. Para anunciar Jesus Cristo Ressuscitado não se requerem qualidades específicas, mas uma fidelidade. Testemunhar Jesus é provar com a própria vida que é ele o sentido profundo de nossa vida e da vida do mundo e a garantia nossa tanto no presente como no futuro (cf. Jo 14,6). Não se trata de testemunhar Jesus Ressuscitado temporariamente. Temos que ser perseverantes no nosso testemunho em qualquer circunstância. Na escolha de um caminho de vida, não basta o entusiasmo do primeiro momento nem as afirmações exaltadas de amor a Jesus. A salvação para cada um de nós e para melhorar o mundo, depende da nossa perseverança na vivência dos ensinamentos de Cristo.

Em verdade, todos aqueles que quiserem viver piedosamente em Cristo Jesus, serão perseguidos”, escreveu são Paulo a Timóteo (2Tm 3,12). Isto significa que para os cristãos a perseguição não é incidente de percurso, mas é um fato inevitável. Por isso, ela não constitui novidade na história da Igreja. Pode acontecer que numa ou na outra situação tenhamos que sofrer a calúnia ou a difamação por sermos verazes, por sermos fiéis à verdade; em outras, as nossas palavras ou as nossas ações serão, talvez, mal interpretadas. Em qualquer caso, o Senhor espera de nós, cristãos que falemos sempre a verdade com clareza.

No evangelho lido neste dia, Jesus não esconde a verdade aos cristãos: o evangelho provoca, muitas vezes, a oposição e perseguição. Isto não espanta Jesus. Ele pede aos cristãos para se manterem valentes como Ele até o fim (cf. Jo 16,33). Jesus salvou a humanidade comportando-se como ovelha ou na linguagem do evangelista João como cordeiro: simples e manso (Mt 11,28-30). Os cristãos que vivem piedosamente os ensinamentos de Cristo serão objeto do ódio do mundo. O mundo os perseguirá e vigiará sua mensagem e sua vida diária como fizeram com Jesus (Jo 15,20). O mundo perseguirá os cristãos quando os interesses do próprio mundo forem afetados ou denunciados pelos cristãos. Isto significa que até para fazer o bem o homem do bem encontra dificuldade e é perseguido.

A oposição e a perseguição veem, muitas vezes, da própria família: “O irmão entregará seu irmão à morte. O pai, seu filho. Os filhos levantar-se-ão contra seus pais e os matarão”. O ódio pode nascer em qualquer pessoa e em qualquer lugar. Jesus nos sugere uma solução: “Permanecei fieis!”. É conservar a firmeza e o valor, contra toda decepção, contra toda oposição e contra todo fracasso. O que conta é a salvação eterna. Precisamos saber que Jesus está conosco (Mt 28,20). Na obscuridade do fracasso estamos seguros de que Jesus, com toda certeza, virá e salvará os seus. Mas Jesus nos alerta e nos afirma: “Aquele que perseverar até o fim, será salvo”. Será que sou perseverante em tudo como cristão?  

Num mundo em que a mentira e a dissimulação constituem tantas vezes o miolo do comportamento habitual, nós, cristãos, devemos ser homens verazes que fogem sempre até da mais pequena mentira. Devemos conhecidos pelos que convivem conosco como homens e mulheres que nunca mentem, mesmo nos assuntos de pouca importância. A nossa vida terá, então, uma grande fecundidade apostólica, pois sempre se pode confiar numa pessoa íntegra, que sabe dizer a verdade com caridade. Em outras palavras, não devemos ter medo da verdade, pois a verdade que é o próprio Cristo (Jo 14,6) nos libertará (Jo 8,32).  

P. Vitus Gustama, svd

PARA REFLETIR MAIS

Dos Sermões De São Fulgêncio De Ruspe, Bispo

(Sermo 3,1-3.5-6:CCL 91 A, 905-909)                  

(Séc. VI)

As Armas Da Caridade

Ontem, celebrávamos o nascimento temporal de nosso Rei eterno; hoje celebramos o martírio triunfal do seu soldado.

Ontem o nosso Rei, revestido de nossa carne e saindo da morada de um seio virginal, dignou-se visitar o mundo; hoje o soldado, deixando a tenda de seu corpo, parte vitorioso para o céu.

O nosso Rei, o Altíssimo, veio por nós na humildade, mas não pôde vir de mãos vazias. Trouxe para seus soldados um grande dom, que não apenas os enriqueceu imensamente, mas deu-lhes uma força invencível no combate: trouxe o dom da caridade que leva os homens à comunhão com Deus.

Ao repartir tão liberalmente o que trouxera, nem por isso ficou mais pobre: enriquecendo do modo admirável a pobreza dos seus fiéis, ele conservou a plenitude dos seus tesouros inesgotáveis.

Assim, a caridade que fez Cristo descer do céu à terra, elevou Estevão da terra ao céu. A caridade de que o Rei dera o exemplo logo refulgiu no soldado.

Estêvão, para alcançar a coroa que seu nome significa, tinha por arma a caridade e com ela vencia em toda parte. Por amor a Deus não recuou perante a hostilidade dos judeus, por amor ao próximo intercedeu por aqueles que o apedrejavam. Por esta caridade, repreendia os que estavam no  erro para que se emendassem, por caridade orava pelos que o apedrejavam para que não fossem punidos.

Fortificado pela caridade, venceu Saulo, enfurecido e cruel, e mereceu ter como companheiro no céu aquele que tivera como perseguidor na terra.  Sua santa e incansável caridade queria conquistar pela oração, a quem não pudera converter pelas admoestações.

E agora Paulo se alegra com Estêvão, com Estêvão frui da glória de Cristo, com Estêvão exulta, com Estêvão reina. Aonde Estêvão chegou primeiro, martirizado pelas pedras de Paulo,  chegou depois Paulo, ajudado pelas orações de Estevão.

É esta a verdadeira vida, meus irmãos, em que Paulo não se envergonha mais da morte de Estêvão, mas Estevão se alegra pela companhia de Paulo, porque em ambos triunfa a caridade. Em Estêvão, a caridade venceu a crueldade dos perseguidores, em Paulo, cobriu uma multidão de pecados; em ambos, a caridade mereceu a posse do reino dos céus.

A caridade é a fonte e origem de todos os bens, é a mais poderosa defesa, o caminho que conduz ao céu.  Quem caminha na caridade não pode errar nem temer.  Ela dirige, protege, leva a bom termo.

Portanto, meus irmãos, já que o Cristo nos deu a escada da caridade pela qual todo cristão pode subir ao céu, conservai fielmente a caridade verdadeira, exercitai-a uns para com os outros e, subindo por ela, progredi sempre mais no caminho da perfeição. 

P. Vitus Gustama, svd

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