terça-feira, 5 de julho de 2011

MINHA PALAVRA E PALAVRA DE DEUS

Texto de leitura: Mt 9,32-38

Chamamos de mau a quem faz coisas más, porém não chamamos de bom a quem não faz coisas más, e sim a quem faz coisas boas” (Santo Agostinho. De vit. Chris. 10).

A primeira parte do evangelho de hoje (Mt 9,32-34; veja também Mt 12,22-24) fala da cura de um mudo que logo em seguida começou a falar.

Deus criou o homem dotado de fala. A palavra é um dos grandes meios de comunicar-se com os irmãos (através da própria palavra pronunciada ou através de algum gesto para transmitir alguma mensagem). A palavra é que nos vincula aos outros. A palavra pontua nossa vida cotidiana. A palavra é também algo que nos liga a nós mesmos. Quantas vezes, ao acordar de manhã ou em determinadas situações na nossa vida cotidiana, nós falamos a nós mesmos. A palavra nos acompanha quase o tempo todo, até mesmo, paradoxalmente, o silêncio, que se tornou tão raro no mundo moderno, tem significado por causa dela. Há profissões que usam menos palavra. Mastambém profissões que trabalham com palavra e dependem da palavra para transmitir sua mensagem ou seu ponto de vista sobre algo na vida ou na sociedade. A palavra está no âmago de nossa vida pessoal, familiar, social e profissional. imaginou se você pudesse contar quantas palavras ditas diariamente por você? Creio que você mesmo ficaria assustado ou admirado por tantas palavras ditas em vão, ao mesmo tempo por tantas palavras que saíram de sua boca que ajudaram tantas pessoas por terem sido boas! Milhares e milhares de pessoas mudaram de qualidade de vida por causa da palavra ouvida de outras pessoas ou lida em um bom livro. Cada palavra representa uma realidade ou um mundo contido nela. Você pensou quantos mundos contidos numa frase que pronunciamos ou escrevemos!? Mas será que cada frase pronunciada ou escrita representa mesmo a realidade ou inventamos frases e frases para enganar os outros? Será que em cada frase contém a verdade? Será que levamos em conta a caridade e a fraternidade ao soltar/pronunciar ou ao escrever alguma frase?

Deus quer que o homem se comunique. Se alguém não se comunicar, se está sempre quieto, mudo, é sinal de que alguma coisa está errada nele fisicamente, ou psiquicamente ou espiritualmente. A fala é dom de Deus, tanto que São João, no Prólogo de seu evangelhoum titulo muito significativo a Jesus: Palavra ou Verbo (Jo 1,1-14). Jesus é a Palavra de Deus para nós; é a comunicação de Deus para nós. Através de Jesus é que Deus fala conosco: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14).  O próprio Pedro, no seu discurso no livro dos Atos dos Apóstolos, nos disse: “Deus enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando-lhes a boa nova da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o Senhor de todos” (At 10,36). Como é que opera a Palavra de Deus na vida do homem? O autor da Carta aos Hebreus responde: “A palavra de Deus é viva, eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do coração. Nenhuma criatura lhe é invisível. Tudo é nu e descoberto aos olhos daquele a quem havemos de prestar contas” (Hb 4,12-13).  Mas nem a boca santa de Jesus que emite a Palavra de Deus terá qualquer efeito na nossa vida, se nós estivermos surdos a ela.

É bom notar que seremos também julgados pelas palavras que dizemos ou pronunciamos sobre os outros, além dos atos que praticamos. O livro de Provérbio nos alerta: “Nas muitas palavras não faltam ofensas; quem retém os lábios é prudente” (Pr 10,19). “A boca dos justos é fonte de vida, mas a boca dos ímpios encobre violência” (Pr 10,11). Da mesma forma são Tiago nos diz: “Aquele que não peca no falar é realmente um homem perfeito, capaz de frear todo o seu corpo” (Tg 3,2b). Que nossas palavras não ultrapassem nossos atos para não sermos chamados de mentirosos ou falsos. Por isso, São Tiago nos alerta: “Tornai-vos praticantes da Palavra(de Deus) e não simples ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1,22).

A cura do mudo no texto do evangelho de hoje se refere àquele que não quer escutar a voz de Deus, que não quer seguir o projeto de Deus porque há outras coisas que o ensurdecem. Biblicamente o surdo-mudo (o termo grego “kôphos” significa surdo, mudo e surdo-mudo) é aquele que perde o contato com sua própria realidade de filho de Deus. Ele vive paralisado porque está privado da comunicação com o único que o faz livre: Deus (através de Sua Palavra).

Jesus veio ao mundo unicamente para fazer o bem, como pregou o Apóstolo Pedro: “Vós sabeis como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com o poder, como ele andou fazendo o bem e curando todos os oprimidos do demônio, porque Deus estava com ele” (At 10,38). Mas sabemos muito bem que até para fazer o bem encontramos dificuldades e críticas como aconteceu com Jesus no texto do evangelho de hoje. Jesus libertou um surdo de sua mudez e começou a falar. Jesus foi criticado por causa disso: “Os fariseus, porém, diziam: É pelo príncipe dos demônios que ele expulsa os demônios” (Mt 9,34). Mas “a acusação teológica (dos fariseus) não é mais que um pretexto que apenas dissimula sua sede de autoridade sobre o povo”, comentou P. Bonnard. Atrás de uma acusação ou críticainteresse. Mas a questão é esta: que tipo de interesse?

A segunda parte do texto do evangelho de hoje (Mt 9,35-38), na verdade, é uma introdução para o discurso de Jesus sobre a missão  (Mt 9,35-10,16). A segunda parte do texto de hoje fala da compaixão de Jesus pela multidão: “Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas...”. Jesus sempre se compadece pelos que sofrem como esse mudo. A compaixão é uma das características de Deus. A compaixão é comover-se até as entranhas, solidarizar-se profundamente, sentir-se a partir de outrem; é sofrer com (Latim: pati + cum, compaixão = sofrer com). A compaixão requer que estejamos com as pessoas que sofrem e dispostos a partilhar nosso tempo com elas. É estar no lugar do outro para sentirmos o que ele sente. Quando compartilhamos nosso coração e tempo com uma pessoa que sofre, uma parte do sofrimento dela será aliviada. O resto, vamos deixar com Deus desde que façamos nossa parte até o limite de nossa capacidade. Somos seguidores do Deus da Compaixão que se tornou carne em Jesus Cristo. A compaixão deve se tornar carne também em nós.

Rio de Janeiro, 05 de julho de 2011
Vitus Gustama, SVD

·        Haverá juízo sem misericórdia para aquele que não usou de misericórdia. A misericórdia triunfará sobre o julgamento” (São Tiago 2,13).

·        Buscas a Deus na Igreja, ou buscas a ti mesmo?” (Santo Agostinho. Serm. 137,9). “Quando lhe convém, o homem esquece que é cristão” (Santo Agostinho. In ps. 21,2,5).

·        “Amando ao próximo, limpas os olhos para ver a Deus (Santo Agostinho. In Joan. 17,8).

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