sábado, 16 de julho de 2011

SER REFLEXO DA PACIENCIA E DA MISERICÓRDIA DE DEUS

REFELXÃO PARA XVI DOMINGO DO ANO A

Mt 13,24-43


Estamos ainda no terceiro discurso de Jesus sobre o Reino dos Céus em parábolas. O evangelho deste dia nos apresenta três parábolas: a do joio com a explicação da parábola (vv.24-30. 36-43); e a dupla parábola do grão de mostarda e do fermento (vv.31-35).

1. Parábola Do Joio No Meio Do Trigo (vv.24-30. 36-43)

É preciso distinguir as parábolas das alegorias. Nas alegorias cada elemento narrativo tem um significado; nas parábolas todo o conjunto tem uma finalidade: geralmente são uma interpretação para descobrir o mistério da pessoa de Jesus e para optar por ele.

Como a maior parte das parábolas, a do joio deve ser submetida a regras precisas de interpretação para que possam ser distinguidos nela o pensamento de Jesus e suas múltiplas releituras, tanto a da tradição sinótica como a de cada evangelista, as das tradições paralelas e não canônicas como o Evangelho de Tomé. De modo geral, os evangelistas transformaram em alegoria o que no pensamento de Jesus não era mais que parábola.

No pensamento de Jesus destaca-se com toda claridade a comparação entre a ampla versão oferecida por Mateus e a versão breve conhecida pelo Evangelho Apócrifo de Tomé.

A paciência de Jesus para com seus inimigos, os fariseus, e para com os mais vacilantes discípulos escandaliza os apóstolos, preocupados pela oposição dos primeiros (Lc 9,51-56) e pelo defeito/deficiência dos segundos (Jo 6,60-71). Ao longo do Evangelhomomentos nos quais os apóstolos se mostram impacientes e intolerantes (Lc 9,54s). João Batista, o Precursor, também usava uma linguagem bem dura (Lc 3,9).  Convidadopor eles a transformar sua comunidade em uma seita de puros, Jesus põe de manifesto a “paciência” de um Deus que não admite o juízo antecipado para deixar ao pecador tempo de converter-se. E ao mesmo tempo proíbe aos homens de julgarem os demais por própria conta, prerrogativa que somente a Ele corresponde. A ação de julgar é própria de Deus. Ele é o único que conhece nossas intenções. De modo geral, nos equivocamos quando assinalamos aos demais como maus, porque nessas mesmas pessoas encontramos também atitudes e comportamentos de bondade.
A tolerância e o sectarismo constituíram/constituem em todo tempo a tentação mais forte sentida pelos homens, sobretudo em períodos de mudanças importantes.

Se Deus tivesse sido intolerante, Israel não teria sobrevivido a suas numerosas infidelidades. O Antigo Testamento é, de fato, o livro da paciência de Deus para com seu povo. Mas Israel, longe de tirar dele todas as conseqüências que as circunstâncias impunham, ficou com a imagem de um Deus violento cujo juízo não tardaria em produzir seus efeitos sobre as nações pagãs.

Desde que Jesus se proclamou o Messias, o Filho do Homem encarregado de juízo (cf. Dn 7), seus ouvintes estavam prontos para ver o Messias julgar e condenar. Mas ficaram escandalizados ao ver Jesus conversar com os pecadores e comer com eles e paciente com suas vacilações. Em vez de ser um juiz para condenar, Jesus se converte em pastor universal. O segredo da paciência de Jesus reside em seu amor, que convida para o dialogo. Através do dialogo é que se compreende o que o outro pensa, sente e vive. Jesus se dirige a todos, com infinito respeito ao que são, convidando-lhes a responder livremente como amigos de sua obra. Uma resposta livre, de amigos no amor, exige tempo, porque é uma resposta única e irreduzível a nenhuma outra. E esta resposta exige tempo e seu itinerário. Trata-se de uma verdadeira aventura espiritual na qual os passos adiantes são sucedidos pelos passos anteriores. Jesus ama os homens até nos seus retrocessos, inclusive, quando o pecado do homem o crava na cruz, o seu amor persiste, se faz mais profundo e se dá à humanidade inteira. O amor com que Jesus ama os homens pode ser qualificado como amor paciente porque respeita por completo aos demais em sua alteridade. Para Jesus amar aos homens é amá-los até em seu pecado, até quando recusam os desígnios que Deus tem sobre eles. O pecado dos homens que levou Jesus à cruz. No momento supremo em que os desígnios de Deus parecem cair ao fracasso pela atitude dos homens, o amor se faz completamente misericordioso: “Pai, perdoa-lhes: não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Por causa da paciência e da misericórdia de Deus saímos todos beneficiados.

A parábola do trigo e do joio nos fala, então, do contraste entre nosso relógio e o de Deus, entre nossa impaciência e a paciência de Deus.

Cada cristão que faz parte do Corpo de Cristo (Igreja) é e deve ser no mundo sinal da tolerância e da paciência de Deus que consiste no respeito pelo outro (cf. Rm 14), um respeito que inclui necessariamente a temporalidade. Precisa-se de muito tempo para reconhecer o outro tal como é, chamado por Jesus Cristo a segui-lo. A paciência requer a renúncia necessária do próprio cristão. Por isso, ela não é simplesmente uma virtude moral. A paciência é a expressão do amor com que Deus nos ama. A ele se deve esta virtude e por isso, deve buscar nele seu alimento. A maneira com que Deus nos ama deve ser a maneira com que amamos os outros.

Joio E Nós

O termo grego para o joio, de origem semita, é “zizánion”. O joio é uma planta da família das gramíneas (lolium temulentum) que cresce no meio do trigo que dificilmente se distingue do bom trigo durante o seu crescimento; se a diferença nas espigas. As espigas do trigo alimentam o homem (animal), enquanto que o joio produz uma espiga de grãos escuros de efeito altamente tóxico. Mas, na verdade, nãonecessidade saber da espécie de erva parasita que Jesus fala nessa parábola; basta saber que se trata de uma planta nociva.
          
Esta parábola conta uma cena da vida cotidiana: o dono do campo que semeia a boa semente, o inimigo que prejudica o campo de trigo ao semear o joio, as relações entre o patrão e os empregados. Tudo parece normal, exceto a surpreendente reação do dono do campo: deixar que ambos (joio e trigo) cresçam juntos. A atitude do dono, evidentemente, chama a atenção dos ouvintes, porque a atitude normal é arrancar logo o joio para que o trigo possa crescer saudavelmente a fim de produzir boas espigas. O dono sabe que o joio pode impedir ou dificultar o crescimento do trigo, mas os dois parecem muito ao princípio e é possível que ao arrancar o joio, arranquem também o trigo. O dono quer que se espere o tempo da colheita para separar o trigo do joio.
           
Evidentemente a parábola do joio orienta-se para o fim dos tempos, pois ela trata do juízo final, que introduz o Reino de Deus. Nesta parábola rejeita-se expressamente a idéia duma separação antes do tempo e exorta-se à paciência até chegar o tempo da colheita. Os homens não estão absolutamente em condição de fazer esta separação (v.29), pois ao fazer separação que é a competência de Deus, os homens cairiam em erros de julgamento e os dois (joio e trigo) acabam morrendo juntos, pois quem julga o outro, cai também no julgamento (Mt 7,1).
          
Infelizmente a tendência espontânea dos homens é a de repartir a humanidade em duas categorias: os bons e os maus. E os maus sempre são os outros e os bons sempre somos nós. Por isso, somos intolerantes para as faltas alheias, mas muito amigos de nos auto-justificarmos e muito ligeiros a desculpar-nos. Que as bênçãos de Deus caiam sobre nós e nossa família, e as maldições sobre os maus, sobre os inimigos. Com isso, somos maus do mesmo jeito. Com esta atitude os homens, no fundo até inconsciente, tem uma tendência espontaneamente sectária e intolerante. O outro o amedronta enquanto não se tornou seusemelhante”. O mal e o bem não estão fora de nós, mas dentro do nosso coração. Ao esquecermos isto, nos constituímos juízes dos outros. Ninguém pode ter a presunção de ser trigo limpo, porque ninguém é tão bom que não tenha algum joio. Somente Deus é bom plenamente (Mc 10,18).
          
Através desta parábola Jesus quer revelar também a paciência de um Deus que adia o julgamento (vv.28-30) a fim de deixar ao pecador o tempo para se converter. Apesar de ter na sua mão todo o poder, Deus se mostra tolerante e paciente para com a sua criatura, o homem, que é débil, limitado e pecador. Ele não exclui ninguém do Reino: todos são convocados até o último minuto, todos podem entrar nele. A cólera não é a última palavra da manifestação divina. O perdão sempre prevalece. A paciência divina está aberta para todos aqueles se convertem.
          
Por sua atitude durante toda a sua vida, Jesus encarna a paciência de Deus em relação aos pecadores. Não existe pecado que não possa ser perdoado por Deus, se o pecador se converter; nenhum pecado arranca o homem do poder misericordioso de Deus.
          
O segredo desta paciência de Jesus é o amor. Jesus ama o Pai com o mesmo amor com que é amado, pois é o Filho. Jesus ama os homens com o mesmo amor com que o Pai os ama. Talvez a expressão joanina seja melhor para descrever o amor de Jesus: “...amou-os até o fim” (Jo 13,1). Jesus ama os homens até em seu pecado. Foi o pecado dos homens que conduziu Jesus à cruz. No momento supremo em que o desígnio divino parece comprometido pela atitude dos homens, o amor se faz totalmente misericordioso: ”Pai, perdoa-lhes; porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34). Jesus, realmente, amou os homens até o fim.
          
Por ser membro do Corpo de Cristo, todos nós temos a missão de encarnar a paciência de Jesus. É na paciência que se conquista a vida (Lc 21,19). A paciência não é passividade. Por isso, ela é uma virtude dos fortes e prudentes.
          
Nossa tarefa neste mundo não é a de repartir os homens entre os bons e os maus, mas a de revelar o amor misericordioso de Deus. Ninguém por si tem o direito de se constituir critério para o seu irmão. Não o irmão justo é o nosso critério, mas o Deus santo e misericordioso. Aqui na terra, o trigo está sempre misturado com o joio, e a linha de demarcação entre um e outro passa em todo homem. O cristão e a cristã são chamados a exercer sua função como pedra insubstituível na construção do Corpo de Cristo (Igreja) e a cooperar de modo original na realização da história da salvação. Quando o cristão não se tornar mais o sinal do amor de Deus, a missão automaticamente degrada-se em propaganda ou em tentativa de autopromoção. Para isso, temos que nos renovar sem cessar por dentro através do alimento da Palavra de Deus e da Palavra que se faz carne na Eucaristia.
          
Além disso, essa parábola serve de exortação para todos os cristãos. Deus deixa conviver os bons com os maus, sem pressa de fazer juízo. E nessas circunstâncias não sabemos se fazemos parte do grupo dos bons ou do dos maus; se somos do trigo ou do joio. Mas como Deus tem paciência, sempre é tempo de tentarmos produzir alguma coisa positiva, e rendermos para a vida presente para vivermos na vida eterna.
       
Portanto, precisamos estar conscientes de que o bem e o mal são duas realidades que aparecem juntos em nossa vida porque brotam da mesma fonte: o coração. Da abundância do coração fala a boca, o que sai de dentro é o que faz boa ou má à pessoa. Isto nos faz viver verdadeiramente em constante contradição interna como reconhece Paulo: “Realmente não consigo entender o que faço; pois não pratico o que quero, mas faço o que detesto” (Rm 7,15). Nãoninguém tão bom que não tenha algo de mau, e nãoninguém tão mau que não tenha algo de bom. Quem opta por fazer o bem sabe que tem que enfrentar o mal em todas suas formas.

2. A Dupla Parábola Do Grão De Mostarda E Do Fermento (vv.31-35)
          
As duas parábolas (grão de mostarda e fermento) são muito parecidas em seu conteúdo e sua forma. A mostarda é uma planta que atinge facilmente uma altura de mais de dois metros e é cultivada por causa de seus grãos. As sementes são muito pequenas: não mais de um milímetro de comprimento. O fermento é bem conhecido no mundo culinário para fermentar a massa a fim de que ela cresça mais depressa.  Um pouco de fermento pode fazer crescer uma grande quantidade de massa.
          
O aspecto mais chamativo nestas duas parábolas é o contraste que existe entre a situação inicial e o resultado final. Um grão de mostarda, sendo a menor das sementes, pode fazer surgir uma “árvoregrande. E o mesmo acontece com o fermento que tem capacidade para fazer fermentar uma grande quantidade de massa.
          
Através destas parábolas, Jesus fala da presença do Reino que está começando a chegar: embora sua presença seja germinal e sua aparência seja insignificante, mas leva dentro de si uma força transformadora e seu crescimento será irreversível. Ambas as parábolas acentuam a desproporção entre os princípios insignificantes do Reino e o seu esplendoroso final. Ainda assim, cada uma das parábolas tem seu matiz próprio: a do grão de mostarda fala do crescimento do Reino em extensão, e a do fermento em intensidade. Jesus quer nos dizer que o Reino de Deus é uma realidade oculta e quase imperceptível no seu desenvolvimento, tão lento que os nossos olhos não podem vê-lo no instante em que se está produzindo. com comprovações distanciadas no tempo podemos verificar o seu crescimento, como se passa com as crianças e as plantas.
          
Com estas parábolas o Senhor quer, então, difundir esperança e ânimo aos seus discípulos e a todos os seus seguidores. Os seguidores não devem admitir nunca o desalento nem o pessimismo derrotista. O Reino de Deus chega indefectivelmente, graças a Cristo ressuscitado e ao seu Espírito. Este é o fundamento de nossa esperança. É importante que ninguém segure eternamente a semente na mão, deve plantá-la para torná-la uma árvore; como também o fermento, deve misturá-lo com a massa, para torná-lo junto com a massa em pão saboroso.
          
Por outro lado, Jesus justifica seu modo de evangelizar que não correspondia às expectativas de triunfalismo e espetacularidade com que os judeus imaginavam a irrupção do Reino de Deus na era messiânica. O crescimento do Reino de Deus segue um processo desconcertante para a nossa impaciência e intolerância. Ele não permite o derrotismo pessimista nem o desespero, porque o êxito final é de Deus, que tem nas suas mãos as chaves da história humana. Não cabe ao cristão ficar decepcionado porque o resultado não aparece logo. Não é o jardineiro que faz crescer a árvore e as flores: ele rega, aduba e protege, mas a força vem de dentro, da própria semente. O jardineiro não pode parar de plantar, regar, adubar e proteger. Todos nós somos jardineiros da semente do Reino de Deus.

Rio de Janeiro, 16 de julho de 2011
Vitus Gustama, SVD


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