domingo, 10 de julho de 2011

VIVER É SEMEAR O BEM EM QUALQUER LUGAR

Texto de leitura: Mt 13,1-23

“Escutando a Palavra de Deus, deixa-a aninhar-se em tua alma. Não a expulsa de ti. Não te contentes em tê-la contigo. Ajuda-a a crescer e a dar fruto em ti” (Santo Agostinho. Serm. 343,1)
          
Mt 13 é o terceiro dos cinco discursos do Evangelho de Mt.  Cada discurso tem a sua própria unidade literária e temática. Em cada discurso apresentam-se diversos aspectos do Reino dos Céus. Ao final de cada um desses discursos encontra-se a mesma frase: “Quando Jesus terminou essas palavras...” (Mt 7,28; 11,1; 13,53; 19,1; 26,1). Esta frase, alem de servir de conclusão do discurso, também tem uma função de transição à narração que vem a seguir. Isto nos indica que os discursos não são corpos estranhos que rompem o relato, mas conectam as seções narrativas e proporcionam o sentido da ação.
           
Mt 13 é o discurso sobre o mistério ou a natureza do Reino dos Céus em parábolas (sete parábolas). As parábolas são um gênero literário: relatos concretos e cheios de imagens destinados para a melhor compreensão de uma idéia. Todos os detalhes concretos não têm o mesmo valor. Interessa, sobretudo, captar a significação global. As parábolas têm uma função didática. No evangelho elas são comparações que ensinam ou transmitem uma verdade sobre o Reino de Deus. As parábolas contêm “os segredos do Reino de Deus”. Para captar seu sentido, é preciso estar em sintonia com Jesus, pois o Reino se faz presente nele (Mt 13,10). E o Reino que se faz presente nas palavras e sinais de Jesus (Mt 4,17-11,1), segue adiante apesar da recusa dos fariseus (Mt 11,2-12,50), convocando o novo povo de Deus (Mt 13,53-16,20). E aparece claramente neste discurso a atitude dos discípulos e a da multidão (fariseus): os discípulos entendem as parábolas porque Deus tem lhes revelado os mistérios do Reino, enquanto a multidão não entende porque seu coração está fechado (Mt 13,10-17).
         
 Neste terceiro discurso encontramos sete parábolas que estão distribuídas em três blocos cuja estrutura é parecida: O primeiro, a parábola do semeador, uma reflexão sobre o sentido das parábolas, e uma explicação aos discípulos (Mt 13,3b-23). O segundo segue o mesmo esquema (parábola- reflexão- explicação), mas com três parábolas (Mt 13,24-43: joio, mostarda e fermento) que a princípio estão em um lugar de uma parábola, pois o que recebe a explicação é a primeira parábola (Mt 13,36-43). O terceiro grupo contém três breves parábolas (Mt 13,44-50: tesouro escondido, pérola e rede) das quais a última tem a explicação. Das sete parábolas, três procedem da tradição sinótica (o semeador, o grão de mostarda e o fermento. Veja Mc 4,1-20.30-34; Lc 8,4-15;13,18-19;13,20-21), mas as outras quatro (o trigo e o joio, o tesouro escondido, a pedra preciosa e a rede) não se encontram nem em Mc nem em Lc. Surpreendentemente, as quatro se encontram no Evangelho de Tomé (evangelho apócrifo). Esta seção termina com um diálogo entre Jesus e seus discípulos que fala do entendimento dos discípulos sobre o discurso, assumindo status de escribas treinados para o Reino dos Céus (Mt 13,51-52).
         
Com esta parábola nos encontramos diante de uma revelação no marco definitivo do fim dos tempos (dimensão escatológica da parábola). Trata-se de um discurso marcadamente escatológico cuja finalidade principal consiste em colocar diante da necessidade urgente o discernimento do homem referente ao Reino de Deus. Esta urgência na decisão é retomada ao final da parábola do semeador: “Quem tem ouvidos, que ouça!” (Mt 13,9). É a frase que tem o sentido de uma exortação para que assuma a sabedoria em um contexto de forte matiz escatológico à semelhança da conclusão das cartas às Igrejas em Ap 2,7.11.17.29; 3,6.13.22. Aqui cada indivíduo é colocado diante de uma decisão.
         
Nesta parábola nos é apresentado um Jesus simples, um homem como os demais homens. Mas ao mesmo tempo, Ele é o grande mistério de Deus posto ao nosso alcance: esse homem que sai de sua casa, caminha, se senta, se levanta, põe os pés na água para subir a uma barca. A saída de Jesus de sua casa deve ser interpretada como “saída” do semeador pronto para espalhar a Palavra divina. Esse homem disposto a falar e a semear é o Deus-Conosco (Mt 1,23; 18,20; 28,20). Com sua simplicidade ele quer nos ensinar que nada é pequeno para Deus.
         
A maior parte das parábolas Jesus tira da vida, do trabalho das pessoas humildes do campo ou da vida doméstica. Jesus é um bom observador e olha com amor às pessoas que ele encontra no caminho.
          
O evangelista recolhe e atualiza esta série de parábolas, tendo em conta as necessidades de sua comunidade. Nela e na interpretação que as acompanha, percebe-se a preocupação de um pastor (líder) que tenta animar, exortar e fortalecer a de sua comunidade.
         
Estendamos nossa meditação sobre algumas de tantas outras mensagens da Palavra de Deus lida neste dia.

1. O Fracasso não Significa o Fim de Tudo: Um Chamado à Esperança
         
Aparentemente o pobresemeadornão tem boa sorte. A parábola começa nos contando três fracassos: em primeiro lugar, os pássaros comem as sementes antes de germinarem; em segundo lugar, as plantinhas são queimadas pelo calor do sol antes de poderem crescer; e por fim, a planta que cresceu é sufocada pelas más plantas. Até neste ponto, o trabalho do semeador parece inútil completamente. Tudo isto é a imagem do Reino de Deus.
       
Mas os fracassos anteriores são muito amplamente compensados. Apesar das aparências contrárias, colheita divina será um fato. No fim da história o semeador não ficará decepcionado, pois o Reino de Deus assegura o êxito final. A Palavra de Deus não pode falhar porque Deus é Deus: “... a palavra que sair da minha boca não voltará para mim vazia; antes realizará tudo que for de minha vontade e produzirá os efeitos que pretendi, ao enviá-la”, diz o Senhor através do Livro do profeta Isaias Is 55,11. Deus não fala por falar, Deus fala para salvar os homens. Por esta razão a parábola de hoje é uma chamada à esperança e à confiança em Deus. Mas a Palavra de Deus não é um fato consumado no sentido de que uma vez conhecida o homem não precisa mais fazer nada. A Palavra de Deus é uma promessa que avança para seu cumprimento. A Palavra de Deus está carregada de tensão escatológica.
          
A parábola do Semeador é uma mensagem de otimismo e de esperança, como o cristianismo é uma religião de otimismo. As palavras humanas são apenas palavras e que muitas vezes estão longe de nossos atos (separação entre o que se fala e se faz). Não é assim com Deus. O termo “dabar” em hebraico significa simultaneamente palavra e ato (veja Gn 24,66; Jz 6,29; Am 3,7). Através do relato da criação em Gênesis sabemos como é poderosa a Palavra de Deus. Para ela, nãoobstáculo que não possa ser atravessado. O que Deus diz, acontece instantaneamente (Gn 1,6.9.11.14). A Palavra de Deus, o poder de Deus superará frustrações na nossa vida.
       
O perigo que podemos ter é a nossa surdez ou a nossa cegueira diante da Palavra de Deus. Se formos surdos e o nosso coração estiver fechado, então, não saberemos perceber suficientemente os sinais do Reino de Deus na nossa vida ou na história e consequentemente ficaremos perdidos nesta vida.  

2. Deus Pede a Colaboração de Cada um de nós de Acordo com as Possibilidades Existentes

         
A parábola nos mostra que cada tipo de terra recebe a semente para dizer que como é generoso nosso Deus. E cada tipo de terra acolhe a semente em seu seio e a faz crescer segundo suas próprias possibilidades. Há terras melhores e há terras piores. Mas não se pede à terra infértil uma boa colheita. Disto o semeador sabe.
       
O mesmo acontece com a Palavra de Deus. A Palavra de Deus é lançada em todas as direções, a todas as classes de pessoas, pois Deus ama a todos e cada um em particular. A Palavra de Deus não é um alimento reservado a uns poucos privilegiados. Ela chega ao nosso coração.
       
E nós seres humanos não somos todos iguais na nossa capacidade. Entre nós há muitas diferenças: cultura, educação, inteligência e assim por diante. Podemos dizer que nós somos a terra. Em todos, de uma forma ou de outra, o Semeador-Deus deixa cair a semente da Palavra. E Deus pede a cada um de nós frutos conforme suas possibilidades. Deus não condena ninguém nem pede a todos que dêem 100%. Simplesmente Deus pede a cada um de nós o que pode dar. Não é tanto o resultado, mas o amor no empenho. No Reino de Deus, se você se der muito no bem que faz, não importa o resultado. Vale pelo amor no seu empenho e pela sua dedicação. Quem pode avaliar ou valorizar aquilo que produzimos é o próprio Deus, pois Ele é o supremo Bem. No Reino de Deus não existe trabalho inútil; nada se esbanja. “Ainda que aos olhos dos homens grande parte de seu trabalho pareça inútil e vão, ainda que os fracassos pareçam somar-se aos fracassos, Jesus está transbordando de alegria e de certeza; a hora de Deus chega, e com ela, uma colheita abundante superior a toda súplica e imaginação” (Joaquim Jeremias).  
       
Vale a pena cada um perguntar-se: Que tipo de coração você tem? Um coração pedregoso, coração duro como pedra sem nenhuma sensibilidade humana até não sente a força da Palavra de Deus? Um coração endurecido pelas decepções na sua vida? Quem tem coração endurecido, não tem capacidade de ouvir e ver. Ele somente é capaz de se ver e de ver o que lhe interessa. Ou você tem um coração cheio de espinhos pronto para criticar e machucar quem tenta aproximá-lo? Quem machuca ou critica constantemente é porque tem muitos espinhos no coração. Ou você tem um coração bom, cheio de amor para dar? A Palavra de Deus quando for meditada seriamente, ela vai suavizando nosso coração como foi prometido ao profeta Ezequiel: “Eu lhes darei um coração e os animarei com um espírito novo: extrairei do seu corpo o coração de pedra, para substituí-lo por um coração de carne a fim de que observem as minhas leis, guardem e pratiquem os meus mandamentos, sejam o meu povo e eu o seu Deus” (Ez 11,19s). A Palavra que Deus nos dirige é sempre eficaz, salvadora e cheia de vida. Mas se não encontrar coração bom não serão produzidos seus frutos. A eficácia da Palavra de Deus é também condicionada pelo tipo de acolhimento e o tipo de coração que temos. Recordemos que podemos ser pedregosos (insensíveis), árvore sem raízes, pessoas seduzidas unicamente pelas coisas materiais. Desta maneira se afoga o projeto que o Senhor tem sobre nós: a salvação. O projeto não se realiza quando não aprendermos a ser bons ouvintes e praticantes da Palavra de Deus.

3. Somos Chamados a Ser Semeadores da Palavra de Deus
          O semeador saiu para semear” (Mt 13,3)

       
A semente da qual fala o evangelho deste dia é a Palavra de Deus. A palavra é o principal meio de comunicação, fonte de aproximação entre as pessoas, o meio de denegação do isolamento, a possibilidade de amor e de ânimo e é a expressão de nós mesmos. A palavra é fonte de vida e não apenas um simples som para comunicaridéias” e transmitirinformações”. Há palavras que transtornaram vida inteiras com sua mensagem. Um bom livro pode abrir horizonte novo e possibilita novos caminhos. Dirigir-se a palavra é abrir-se à comunicação com o tu humano, constituir-se o nós e comparecer diante de Deus, o Tu dos homens. Dirigir a palavra é tudo quando a palavra é o que deve ser: uma palavra de amor, expressão da própria intimidade, revelação do mais profundo que cada um de nós é. Quando pronunciarmos uma palavra sem amor, degradaremos este dom maravilhoso da comunicação. No melhor dos casos vendemos informação, outras vezes, pretendemos fazer valer nossas opiniões, nossos interesses. Em outras ocasiões, adotamos uma atitude agressiva e egoísta diante dos demais. O abuso da palavra fecha o homem no egoísmo, naquela solidão infecunda que é a própria morada da morte.
       
Deus expressa seu amor através da Palavra. Sua Palavra é como a nossa, porém é muito mais. A Palavra de Deus é viva, dotada de poder e é fecunda. A Palavra de Deus é vida pela qual foi criado o universo do nada. Através da Palavra de Deus recebemos a salvação que é a nova criação. Com efeito, a nos situa em um diálogo. Pela Palavra de Deus, presente no sacramento da Igreja, somos salvos constantemente. A liturgia é a grande oportunidade de penetrar no mistério de Deus para nos transformar em homens novos em Cristo. Jesus é a Palavra do Pai (Jo 1,14). Por isso, a Palavra de Jesus é palavra de vida porque é palavra de amor. Jesus fala sempre com amor, revela sempre o amor de Deus em cada uma de suas palavras. Sua palavra é como uma semente. Quem a escuta e a acolhe em seu coração começa uma nova vida. Nele germina a Palavra de Deus e este homem se faz expressivo para os homens no amor e responde com amor ao amor de Deus. De outra forma podemos dizer que a Palavra de Deus tem força: possui uma potência total para transformar os corações. Por isso, é preciso ler, meditar e deixar esta Palavra modelar nossa vida.  
       
Porém, mesmo tendo a força em si, a Palavra de Deus não impõe, e sim propõe. Isto supõe a aceitação livre do homem. Por isso, ela não funciona automaticamente, mas produz frutos naqueles que a recebem sinceramente. Por se tratar de proposta esta é uma nota típica da pregação cristã: apresentar a Palavra de Deus com toda a força da própria Palavra, mas ao mesmo tempo, com toda a debilidade da liberdade do homem. Por isto esta é a questão para qualquer cristão: receber a Palavra de Deus e conscientes da própria liberdade, deixar-se guiar e conduzir, transformar os próprios critérios, estabelecer um estilo de vida a partir do estilo de Cristo. Tudo isto nos pede a delicadeza espiritual e a valentia para romper com as coisas que cremos ter valor, mas na realidade não o têm.
       
Estamos todos hoje aqui por causa da Palavra de Deus. Fomos semeados pela Palavra de Deus por alguém conhecido na história de nossa vida. Você deve lembrar ainda a pessoa que lhe semeou a Palavra de Deus. Daqui em diante somos chamados a viver aquilo que a Palavra de Deus nos fala hoje: “O semeador saiu para semear”. Sair é interromper o silêncio, quebrar o isolamento, tomar passos para começar a caminhar, abrir o coração para deixar a palavra de amor sair ao encontro do outro. É sair para semear o bem para todos. Fomos criados para nos comunicar e comunicar o bem. Somos seres comunicados e comunicáveis. Não se comunicar e não comunicar o bem seria uma negação à nossa própria natureza humana e divina.
       
Uma criança descreve a vida da seguinte maneira: “Durante a vida a gente vai tirando as palavras de amor do nosso coração para os outros. Quando estas palavras acabarem, a gente morre”. Que vivamos semeando a semente de amor para os outros, pois o amor é a verdadeira essência do ser cristão.

Rio de Janeiro, 09 de julho de 2011
Vitus Gustama, SVD



·        “Não evangelizes para viver. Vive para evangelizar(Santo Agostinho. De Serm. Dom. in mon.2,16)

·        “Dá do que tem para que mereças receber do que não tens” (Santo Agostinho. In ps. 38,5)

·        “Para ser um bom orador é necessário ser um bom orante” (Santo Agostinho. De doc. christ. 4,15,32)

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