Texto de leitura: Mt 13,1-23
“Escutando a Palavra de Deus, deixa-a aninhar-se em tua alma. Não a expulsa de ti. Não te contentes em tê-la contigo. Ajuda-a a crescer e a dar fruto em ti” (Santo Agostinho. Serm. 343,1)
Mt 13 é o terceiro dos cinco discursos do Evangelho de Mt. Cada discurso tem a sua própria unidade literária e temática . Em cada discurso apresentam-se diversos aspectos do Reino dos Céus . Ao final de cada um desses discursos encontra-se a mesma frase : “Quando Jesus terminou essas palavras ...” (Mt 7,28; 11,1; 13,53; 19,1; 26,1). Esta frase , alem de servir de conclusão do discurso , também tem uma função de transição à narração que vem a seguir . Isto nos indica que os discursos não são corpos estranhos que rompem o relato, mas conectam as seções narrativas e proporcionam o sentido da ação .
Mt 13 é o discurso sobre o mistério ou a natureza do Reino dos Céus em parábolas (sete parábolas). As parábolas são um gênero literário: relatos concretos e cheios de imagens destinados para a melhor compreensão de uma idéia. Todos os detalhes concretos não têm o mesmo valor. Interessa, sobretudo, captar a significação global. As parábolas têm uma função didática. No evangelho elas são comparações que ensinam ou transmitem uma verdade sobre o Reino de Deus. As parábolas contêm “os segredos do Reino de Deus”. Para captar seu sentido, é preciso estar em sintonia com Jesus, pois o Reino se faz presente nele (Mt 13,10). E o Reino que se faz presente nas palavras e sinais de Jesus (Mt 4,17-11,1), segue adiante apesar da recusa dos fariseus (Mt 11,2-12,50), convocando o novo povo de Deus (Mt 13,53-16,20). E aparece claramente neste discurso a atitude dos discípulos e a da multidão (fariseus): os discípulos entendem as parábolas porque Deus tem lhes revelado os mistérios do Reino, enquanto a multidão não entende porque seu coração está fechado (Mt 13,10-17).
Neste terceiro discurso encontramos sete parábolas que estão distribuídas em três blocos cuja estrutura é parecida: O primeiro, a parábola do semeador, uma reflexão sobre o sentido das parábolas, e uma explicação aos discípulos (Mt 13,3b-23). O segundo segue o mesmo esquema (parábola- reflexão- explicação), mas com três parábolas (Mt 13,24-43: joio, mostarda e fermento) que a princípio estão em um lugar de uma parábola, pois o que recebe a explicação é a primeira parábola (Mt 13,36-43). O terceiro grupo contém três breves parábolas (Mt 13,44-50: tesouro escondido, pérola e rede) das quais a última tem a explicação. Das sete parábolas, três procedem da tradição sinótica (o semeador, o grão de mostarda e o fermento. Veja Mc 4,1-20.30-34; Lc 8,4-15;13,18-19;13,20-21), mas as outras quatro (o trigo e o joio, o tesouro escondido, a pedra preciosa e a rede) não se encontram nem em Mc nem em Lc. Surpreendentemente, as quatro se encontram no Evangelho de Tomé (evangelho apócrifo). Esta seção termina com um diálogo entre Jesus e seus discípulos que fala do entendimento dos discípulos sobre o discurso, assumindo status de escribas treinados para o Reino dos Céus (Mt 13,51-52).
Com esta parábola nos encontramos diante de uma revelação no marco definitivo do fim dos tempos (dimensão escatológica da parábola). Trata-se de um discurso marcadamente escatológico cuja finalidade principal consiste em colocar diante da necessidade urgente o discernimento do homem referente ao Reino de Deus. Esta urgência na decisão é retomada ao final da parábola do semeador: “Quem tem ouvidos, que ouça!” (Mt 13,9). É a frase que tem o sentido de uma exortação para que assuma a sabedoria em um contexto de forte matiz escatológico à semelhança da conclusão das cartas às Igrejas em Ap 2,7.11.17.29; 3,6.13.22. Aqui cada indivíduo é colocado diante de uma decisão.
Nesta parábola nos é apresentado um Jesus simples , um homem como os demais homens . Mas ao mesmo tempo , Ele é o grande mistério de Deus posto ao nosso alcance : esse homem que sai de sua casa , caminha , se senta, se levanta, põe os pés na água para subir a uma barca . A saída de Jesus de sua casa deve ser interpretada como “saída” do semeador pronto para espalhar a Palavra divina. Esse homem disposto a falar e a semear é o Deus-Conosco (Mt 1,23; 18,20; 28,20). Com sua simplicidade ele quer nos ensinar que nada é pequeno para Deus.
A maior parte das parábolas Jesus tira da vida , do trabalho das pessoas humildes do campo ou da vida doméstica . Jesus é um bom observador e olha com amor às pessoas que ele encontra no caminho .
O evangelista recolhe e atualiza esta série de parábolas , tendo em conta as necessidades de sua comunidade . Nela e na interpretação que as acompanha, percebe-se a preocupação de um pastor (líder ) que tenta animar , exortar e fortalecer a fé de sua comunidade .
Estendamos nossa meditação sobre algumas de tantas outras mensagens da Palavra de Deus lida neste dia .
1. O Fracasso não Significa o Fim de Tudo : Um Chamado à Esperança
A parábola do Semeador é uma mensagem de otimismo e de esperança , como o cristianismo é uma religião de otimismo . As palavras humanas são apenas palavras e que muitas vezes estão longe de nossos atos (separação entre o que se fala e se faz). Não é assim com Deus . O termo “dabar” em hebraico significa simultaneamente palavra e ato (veja Gn 24,66; Jz 6,29; Am 3,7). Através do relato da criação em Gênesis sabemos como é poderosa a Palavra de Deus . Para ela , não há obstáculo que não possa ser atravessado. O que Deus diz, acontece instantaneamente (Gn 1,6.9.11.14). A Palavra de Deus , o poder de Deus superará frustrações na nossa vida .
O perigo que podemos ter é a nossa surdez ou a nossa cegueira diante da Palavra de Deus . Se formos surdos e o nosso coração estiver fechado, então , não saberemos perceber suficientemente os sinais do Reino de Deus na nossa vida ou na história e consequentemente ficaremos perdidos nesta vida .
2. Deus Pede a Colaboração de Cada um de nós de Acordo com as Possibilidades Existentes
A parábola nos mostra que cada tipo de terra recebe a semente para dizer que como é generoso nosso Deus . E cada tipo de terra acolhe a semente em seu seio e a faz crescer segundo suas próprias possibilidades. Há terras melhores e há terras piores . Mas não se pede à terra infértil uma boa colheita . Disto o semeador já sabe.
O mesmo acontece com a Palavra de Deus . A Palavra de Deus é lançada em todas as direções , a todas as classes de pessoas , pois Deus ama a todos e cada um em particular . A Palavra de Deus não é um alimento reservado a uns poucos privilegiados. Ela chega ao nosso coração .
E nós seres humanos não somos todos iguais na nossa capacidade . Entre nós há muitas diferenças : cultura , educação , inteligência e assim por diante . Podemos dizer que nós somos a terra . Em todos , de uma forma ou de outra , o Semeador-Deus deixa cair a semente da Palavra . E Deus pede a cada um de nós frutos conforme suas possibilidades. Deus não condena ninguém nem pede a todos que dêem 100%. Simplesmente Deus pede a cada um de nós o que pode dar . Não é tanto o resultado , mas o amor no empenho . No Reino de Deus , se você se der muito no bem que faz, não importa o resultado . Vale pelo amor no seu empenho e pela sua dedicação . Quem pode avaliar ou valorizar aquilo que produzimos é o próprio Deus , pois Ele é o supremo Bem . No Reino de Deus não existe trabalho inútil ; nada se esbanja. “Ainda que aos olhos dos homens grande parte de seu trabalho pareça inútil e vão , ainda que os fracassos pareçam somar-se aos fracassos , Jesus está transbordando de alegria e de certeza ; a hora de Deus chega , e com ela , uma colheita abundante superior a toda súplica e imaginação ” (Joaquim Jeremias).
3. Somos Chamados a Ser Semeadores da Palavra de Deus
“O semeador saiu para semear ” (Mt 13,3)
A semente da qual fala o evangelho deste dia é a Palavra de Deus . A palavra é o principal meio de comunicação , fonte de aproximação entre as pessoas , o meio de denegação do isolamento , a possibilidade de amor e de ânimo e é a expressão de nós mesmos . A palavra é fonte de vida e não apenas um simples som para comunicar “idéias ” e transmitir “informações ”. Há palavras que transtornaram vida inteiras com sua mensagem . Um bom livro pode abrir horizonte novo e possibilita novos caminhos . Dirigir-se a palavra é abrir-se à comunicação com o tu humano , constituir-se o nós e comparecer diante de Deus , o Tu dos homens . Dirigir a palavra é tudo quando a palavra é o que deve ser : uma palavra de amor , expressão da própria intimidade , revelação do mais profundo que cada um de nós é. Quando pronunciarmos uma palavra sem amor , degradaremos este dom maravilhoso da comunicação . No melhor dos casos vendemos informação , outras vezes , pretendemos fazer valer nossas opiniões , nossos interesses . Em outras ocasiões , adotamos uma atitude agressiva e egoísta diante dos demais . O abuso da palavra fecha o homem no egoísmo , naquela solidão infecunda que é a própria morada da morte .
Estamos todos hoje aqui por causa da Palavra de Deus . Fomos semeados pela Palavra de Deus por alguém conhecido na história de nossa vida . Você deve lembrar ainda a pessoa que lhe semeou a Palavra de Deus . Daqui em diante somos chamados a viver aquilo que a Palavra de Deus nos fala hoje : “O semeador saiu para semear ”. Sair é interromper o silêncio , quebrar o isolamento , tomar passos para começar a caminhar , abrir o coração para deixar a palavra de amor sair ao encontro do outro . É sair para semear o bem para todos . Fomos criados para nos comunicar e comunicar o bem . Somos seres comunicados e comunicáveis. Não se comunicar e não comunicar o bem seria uma negação à nossa própria natureza humana e divina .
Uma criança descreve a vida da seguinte maneira : “Durante a vida a gente vai tirando as palavras de amor do nosso coração para os outros . Quando estas palavras acabarem, a gente morre”. Que vivamos semeando a semente de amor para os outros , pois o amor é a verdadeira essência do ser cristão .
Rio de Janeiro, 09 de julho de 2011
Vitus Gustama, SVD
· “Não evangelizes para viver. Vive para evangelizar” (Santo Agostinho. De Serm. Dom. in mon.2,16)
· “Dá do que tem para que mereças receber do que não tens” (Santo Agostinho. In ps. 38,5)
· “Para ser um bom orador é necessário ser um bom orante” (Santo Agostinho. De doc. christ. 4,15,32)
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