CHAMADOS A VIVER COMO TEMPLO DE DEUS
FESTA DA DEDICAÇÃO DA BASÍLICA DO LATRÃO
09 de Novembro
Texto de Leitura: Jo
2,13-25
13 Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a
Jerusalém. 14 No Templo, encontrou os vendedores de bois,
ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados. 15 Fez
então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e
os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. 16 E
disse aos que vendiam pombas: “Tirai isto daqui! Não façais da casa de meu Pai
uma casa de comércio!” 17 Seus discípulos lembraram-se, mais
tarde, que a Escritura diz: “O zelo por tua casa me consumirá”. 18 Então
os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos mostras para agir assim?” 19
Ele respondeu: “Destruí este Templo, e em três dias o levantarei”. 20
Os Judeus disseram: “Quarenta e seis anos foram precisos para a
construção deste santuário e tu o levantarás em três dias?” 21 Mas
Jesus estava falando do Templo do seu corpo. 22 Quando Jesus
ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na
Escritura e na palavra dele.
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Uma Pequena História Da Festa
Latrão era um palácio, propriedade
romana da família dos Laterani. Nos inícios do século IV pertencia a Fausta,
esposa do imperador Constantino, que fez a doação desse patrimônio à Igreja.
Constantino mandou construir no lugar do palácio (por volta de 324) uma
suntuosa basílica em honra a Cristo Redentor que se tornou a catedral de Roma e
a primeira basílica patriarcal. No início do século X, sob a gestão do papa
Sérgio III (904-911), ela foi consagrada adicionalmente a São João Batista e a
São João Evangelista, e desde então é conhecida pelo nome de basílica “São João
de Latrão”. Segundo a inscrição, o Papa Clemente XII (1730-1740), conhecido
como um papa promotor das artes e das ciências, mandou afixar que essa basílica
é a “mãe e cabeça de todas as igrejas da Urbe e do Orbe” (“Mater et Magistra
omnium Ecclesiarum”, e “cardo totius urbis et orbis”).
Nessa basílica realizaram-se os
cinco concílios ecumênicos: Concílio de Latrão I, o nono concílio (1123);
Concílio de Latrão II, o décimo concílio (1139); Concílio de Latrão III, o
décimo primeiro concílio (1179); Concílio de Latrão IV, o décimo segundo concílio
(1215); e o Concílio de Latrão V, o décimo oitavo concílio (1512-1517).
A basílica lateranense ocupa lugar
único e preponderante entre as basílicas romanas. Nessa basílica os papam
haviam residido durante quase mil anos (do tempo de Constantino até o exílio de
Avinhão). Depois da morte do papa Bento XI (1303-1304), o conclave se realizou
em Perúgia. O Colégio Cardinalício dividira-se em duas facções: a francesa e a
italiana. O conclave teve 11 meses de duração. Finalmente foi eleito o candidato
dos franceses, Clemente V (1305-1314). Com essa eleição iniciava-se o exílio
dos papas em Avinhão, a partir de 1309, que duraria 70 anos. A partir de 1309 o
papa passou a residir em Avinhão. Somente a partir do Papa Gregório XI (1370-1378:
francês) começou o retorno para Roma. Gregório XI deixou Avinhão, acompanhado
de 13 cardeais, em 13 de setembro de 1376, ingressando solenemente em Roma
· A partir
de Clemente V começou a dominação francesa. Foram eleitos os papas franceses
sucessivamente: João XXII (1316-1334), sucessor de Clemente V; Bento XII (1334-1342);
Clemente VI (1342-1352); Inocêncio VI (1352-1362); Urbano V (1362-1370). Este
papa decidiu o regresso a Roma, porque também Santa Brígida da Suécia,
inclusive Santa Catarina de Siena, solicitara que o fizesse. Mas por causa da
pressão dos cardeais franceses esse regresso não teve sucesso, embora esse papa
chegasse a entrar em Roma, mas voltou novamente para Avinhão; Gregório XI ((1370-1378).
Com Gregório XI morreu o último papa francês a ocupar a cátedra de Pedro.
A festa da consagração da Basílica
do Latrão que celebramos hoje deve nos levar a revivermos e a pensarmos na
unidade de toda a Igreja como Cristo sempre quer: “Que eles sejam um”, assim ele
rezou antes de sua morte (cf. Jo 17). A palavra “igreja” em si significa
“assembléia”, “comunidade”. Se a comunidade não existe, os corações se fecham e
morrem. Mas a unidade não significa a uniformidade, pois negaria o dom de cada
um e empobreceria a convivência. Por isso, Santo Agostinho dizia: “No essencial unidade, na dúvida liberdade, mas em tudo a
caridade”. Certamente a autenticidade da comunhão e da comunidade se
manifesta no esforço constante de amar seus irmãos e irmãs, com enorme
fidelidade, sem julgar nem condenar.
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O texto do evangelho de hoje é lido
em função da festa mencionada. Esse texto
se encontra na primeira parte do quarto Evangelho que costuma ser chamada de
“Livro dos Sinais” (Jo 2,1-12,50). Chama-se assim porque referem-se aos sete
sinais realizados por Jesus (Jo
2,1-11;4,46b-54;5,1-9;6,1-15;6,16-21;9,1-41;11,1-44). Estes sinais são reunidos
por evangelista do quarto Evangelho na seção que vai de Jo 2 até Jo 12.
No quarto Evangelho, como já
sabemos, não se fala de milagre (dynamis), fala-se de sinal (semeion).
No quarto evangelho usa-se o termo “sinal”. Chama-se de “sinal” porque o
espectador/ leitor é obrigado a mergulhar no mistério do sinal para captar seu
significado. Os sinais são ações simbólicas que impulsionam o espectador/
leitor a buscar, muito além do episódio concreto, uma realidade mais profunda
até a qual aponta o relato narrado. O sinal leva por si ao conhecimento de
realidade superior.
O relato da “purificação do Templo”
(X. Léon-Dufour não aceita o uso desta expressão no quarto Evangelho, pois
segundo ele, a expressão “purificação do Templo” se usa nos sinóticos e não no
quarto Evangelho) ou “substituição do Templo” (Johan Konings usa o termo
“suplantar” em vez de “substituir”) se encontra também nos evangelhos sinóticos
(cf. Mc 11,15-19;Mt 21,10-17;Lc 19,45-48). Mas o quarto evangelho tem suas
próprias acentuações. Os sinóticos colocam este episódio na última semana da atividade
de Jesus. O quarto Evangelho o coloca logo no início da vida pública de Jesus.
Para o quarto evangelho este episódio é um gesto programático (compare Lc
4,16-30) que, como tal, deve figurar ao princípio da atividade de Jesus.
O episódio é introduzido mediante a
afirmação sobre a proximidade da festa judaica da páscoa. Esta forma de
mencionar a festa principal dos judeus indica distância e separação entre o
objetivo da festa e a prática atual dos judeus, na época. A páscoa era uma
festa de libertação. Ela evocava o passo da escravidão à libertação (cf. Ex
12,17;13,10). Em tempos de opressão, o pensamento da libertação se acentuava
mais. Ao desviar-se do próprio objetivo da festa (não é mais uma festa de
libertação), surgia inevitavelmente a idéia de uma nova libertação. E este era
o caso em tempos de Jesus. Além disto, o templo, que é o símbolo e a síntese do
sistema religioso, a partir de agora será “substituído” ou suplantado pela
presença de Jesus. Não é por acaso que este episódio se coloca logo depois do
primeiro sinal (Jo 2,1-11) que simboliza as núpcias de Deus com sua comunidade
no tempo final. E desde início de sua atividade Jesus é o “lugar santíssimo” de
Deus.
O que tem por trás do gesto de
Jesus?
Em primeiro lugar, a Páscoa que era
uma festa familiar e festa de libertação se transforma numa festa da maior
exploração. Os peregrinos que vêm de longe não podem trazer consigo os animais
para ser sacrificados. Eles compram os animais no próprio Templo. E os donos
dos animais são os latifundiários pertencentes à elite religiosa. A Páscoa para
eles é o momento de lucro, pois eles aumentam o preço dos animais
exageradamente. E os peregrinos não têm outra opção a não ser comprar esses
animais apesar do preço alto. A Páscoa não é mais um momento de celebrar e de
reviver a libertação, mas se torna uma festa de exploração. As elites
religiosas exploram o povo por meio do culto. O “deus” do Templo, para estas
elites religiosas, é o dinheiro. A religião se transforma num instrumento que
acoberta a injustiça e exploração. Por isso já não é mais “a casa de meu Pai”,
e sim um mercado. Como se vive a religião hoje em dia?
Em
segundo lugar, quem pode comprar os animais maiores (como boi, ovelhas) são os
ricos. Surge aqui outra mentalidade. O sacrifício se torna como que uma moeda
pela qual compra-se de Deus a salvação. A salvação não mais depende de dois
lados simultaneamente(de Deus que oferece e do homem que corresponde), mas
somente do homem que a compra. Isto quer dizer que quem não for capaz de
comprar a salvação, ficará fora dela. E os pobres e miseráveis?
O que nos chama atenção, no quarto
Evangelho, é o fato de Jesus se dirigir somente aos vendedores de pombas. Para
eles é que Jesus diz: “Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu Pai uma
casa de comércio” (v.16). Porque a pomba era o animal sacrificado nos
holocaustos (cf. Lv 1,14-17) e nos sacrifícios (Lv 12,8;15,14.29) oferecidos
especialmente pelos pobres, por meio dos sacerdotes, para reconciliar-se com
Deus e para purificar-se (Lv 5,7;14,22.30-31; cf. Lc 2,44). Os vendedores de
pombas são os que, por dinheiro, oferecem aos pobres a reconciliação com Deus,
e representam os sacerdotes do Templo que fazem comércio com a graça de Deus.
Em outras palavras, a hierarquia sacerdotal explora especificamente os pobres,
oferecendo-lhes por dinheiro para ganhar favores ou benefícios de Deus. Eles
apresentam Deus como um comerciante, pois convertem a casa de Deus num mercado.
Jesus expulsa os vendedores do
Templo. Ele quer limpar o templo de todo tipo de exploração e de injustiça. A
limpeza do templo é um gesto de profundo simbolismo. O homem deve limpar sempre
a morada de Deus que é ele mesmo de todo tipo de “sujeira” através de uma
conversão contínua todos os dias de sua vida. O culto verdadeiro consiste na
mais profunda união do homem ao divino, na mais pura e incondicional entrega à
vontade de Deus. O culto do cristão é um culto de Espírito (Jo 4,23). O templo
não santifica o nosso culto, e sim nosso amor fraterno santifica nosso culto e a
comunidade. Deus habita no próprio ser humano, e não em edifícios (2Cor 6,16).
Cada cristão é ele próprio templo de Deus enquanto membro do Corpo de Cristo (1Cor
3,16; 6,19). E as pedras vivas deste edifício espiritual são os que pertencem
ao novo povo de Deus. Devemos amar os nossos semelhantes porque são nossos
irmãos; e devemos reverenciá-los, pois são filhos de Deus e devemos respeitá-los,
pois são templo de Deus. Assim quem desrespeita o ser humano está
desrespeitando o próprio Deus e toda a pessoa humana, chamada a ser templo de
Deus (1Cor 3,16-17; 6,19).
O evangelho deste domingo, por
isso, nos traz de volta a consciência de sermos templo de Deus e de respeitar
novamente, como Deus sempre quer, aos outros como habitação de Deus. Além
disto, este evangelho nos leva ao arrependimento de tudo que cometemos em
relação à dignidade humana desrespeitada, que se expressou através de violência
moral- verbal e física, difamação etc. E este arrependimento deve ser tornar em
conversão sem fim, pois o homem velho dentro de nós sempre tenta nos levar ao
passado pecador.
P. Vitus Gustama,svd
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