SERVIR
POR AMOR
Terça-feira da XXXII
Semana Comum
12 de Novembro de 2013
Texto de Leitura: Lc
17,7-10
Naquele tempo, disse Jesus: 7 “Se
algum de vós tem um empregado que trabalha a terra ou cuida dos animais, por
acaso vai dizer-lhe, quando ele volta do campo: ‘Vem depressa para a mesa?’ 8
Pelo contrário, não vai dizer ao empregado: ‘Prepara-me o jantar, cinge-te e
serve-me, enquanto eu como e bebo; depois disso poderás comer e beber?’ 9 Será
que vai agradecer ao empregado, porque fez o que lhe havia mandado? 10 Assim
também vós: quando tiverdes feito tudo o que vos mandaram, dizei: ‘Somos servos
inúteis; fizemos o que devíamos fazer’”.
______________
Continuamos a acompanhar Jesus no
seu caminho para Jerusalém onde será crucificado, morto e glorificado. Continuamos
também a escutar atentamente suas ultimas e importantes lições para todos nós, cristãos.
O texto do evangelho de hoje nos
narra a parábola do agricultor que explora sem remorso seu servo. Precisamos
saber de que no costume da antigüidade não existia contrato de trabalho que
determinasse os limites de horário de trabalho ou reconhecesse horas extras de
trabalho. O servo era propriedade do seu senhor, sem direitos à recompensa e ao
reconhecimento. Por isso, se lêssemos literalmente esta parábola, ela traria um
choque para nós ou se justificaria todo tipo de escravidão existente ainda na
sociedade. Mas as parábolas de Jesus se servem das experiências reais para
falar de outra coisa. É claro que Jesus não aprova a conduta daquele senhor que
é abusiva e arbitrária, mas serve-se de uma realidade do seu tempo para
ilustrar qual deve ser a atitude da criatura (ser humano) em relação ao Criador
(Deus). O ser humano deve estar consciente de que tudo de bom procede do
Senhor.
Logo depois de dizer que a fé nos
faz realizar grandes obras no texto do evangelho do dia anterior, Jesus nos
mostra que, nem por isso, temos que ficar nos exibindo, vaidosos com o que
pudermos realizar. Quando nós fazemos algo, em primeiro lugar, é porque a graça
de Deus nos acompanha: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”. Servo inútil, no Evangelho de hoje, é aquele
que une com simplicidade fé e serviço sem esperar outra recompensa que não seja
a alegria de estar trabalhando por uma boa causa. Por isso, Santo Ambrósio comenta:
“Não te julgues mais por tu seres chamado
filho de Deus, deves, sim, reconhecer a graça, mas não deves esquecer a tua
natureza, nem te envaideças por teres servido fielmente, já que esse era o teu
dever. O sol cumpre a sua tarefa, a lua obedece, os anjos também servem”. Servir
ao Senhor no irmão e pela comunidade é uma graça que Deus nos dá. Temos que
agradecer a Deus por ser úteis para os outros no serviço fraterno. Mas temos
que admitir que se Deus não nos ajudar, seremos incapazes de levar a cabo o que
Ele nos encomendou. A graça divina é a única coisa que pode potenciar os nossos
talentos humanos para trabalharmos por Cristo no irmão com quem ele se
identifica (cf. Mt 25,40.45). Sem a graça santificante, para nada serviríamos.
Santo Agostinho compara a necessidade do auxílio divino à da luz para podermos
ver. É o olho que vê, mas não poderia fazê-lo se não houvesse luz. Do mesmo
modo, podemos abrir as janelas de nossa casa, mas se não houver a luz (sol), a
sala não será iluminada.
Lucas também quer sublinhar o tema
da gratuidade da fé. Quer-se
afirmar firmemente que a fé é antes de tudo um dom. Nossa capacidade de viver a
fé, de cumprir o “que lhe havia mandado” é também graça. Deus nos dá o tempo suficiente para viver nossa fé. Por
isso, a afirmação de “inutilidade”, de que somos pobres servidores, é
perfeitamente coerente com uma fé profundamente comprometida. A vida de fé é
sempre um dom que acolhemos na medida em que amamos Deus e os demais. Fazemos o
mínimo, de acordo com nossa capacidade e Deus faz o máximo: “Somos servos
inúteis; fizemos o que devíamos fazer”.
Em conseqüência, paradoxalmente, os
servos verdadeiramente úteis são os que se reconhecem “inúteis”. “O serviço do
Senhor é livre. É um serviço de total liberdade, no qual não é a necessidade
quem serve, e sim o amor. Faz-te escravo da caridade, uma vez que a verdade te
faz livre” (Santo Agostinho). Somente os que vivem e reconhecem esse dom podem
ser portadores da gratuidade do amor de Deus aos demais.
A alegria de um cristão consiste em
entregar-se sem reservas, à missão recebida, sem nada exigir. Basta-lhe a
consciência do dever cumprido. A partir desta humildade na fé, tudo quanto
façamos, por mais duro e esgotante que seja, resta-nos somente dizer: “Fiz tudo
o que devia fazer”. Tudo mais está entregue à benevolência de Deus. O cristão
que não serve, não serve como cristão.
Todos na comunidade, na verdade,
somos pobres e simples servos de Deus. São Paulo diz: “Evangelizar não é
glória para mim, senão necessidade. Ai de mim se não evangelizar. Eu que, sendo
totalmente livre, fiz-me escravo de todos para ganhar a todos...” (1Cor
9,16.19). Este texto é convite para
vestirmos a humildade, pois, na verdade, fazemos muito pouco para Deus no
próximo em comparação às bênçãos de Deus que recebemos diariamente.
Com esta parábola, Jesus também
quer dizer a todos os seguidores de Cristo, que o serviço prestado deve ser
desinteressado e gratuito. Assim está sendo desmantelada toda pretensão humana
que tenta de alguma maneira servir-se de Deus ou condicioná-lo através de uma
relação religiosa de tipo contratual ou contabilizável, segundo o modelo
farisaico. E esta crítica à religiosidade mercantil e pretensiosa é tanto mais
urgente quanto mais na comunidade a função ou o serviço goza de certo prestígio
ou de responsabilidade. Não é por acaso que a parábola do servo sem pretensões
é dirigida aos discípulos. Todos na comunidade são pobres e simples servos (cf.
1 Cor 9,16.19-23).
Outro cerne dessa parte diz
respeito à atitude da pessoa. A atitude de um arrogante vê Deus muito feliz
pelo fato da pessoa realizar o bom serviço. No entanto, a atitude adequada é a
de agradecimento por termos privilégio e a oportunidade de servir a Deus. Seja
qual for a recompensa que obtivermos por servir a Deus, na verdade, não a
merecemos, mas a ganhamos porque Deus é gracioso. Nenhum cristão pode gabar-se
diante de Deus (Rm 3,27). Os servos fiéis entendem isso, pelo que prosseguem em
seu trabalho para Deus, motivados pelo amor a Deus e não por um senso de
importância própria ou cobiça pela recompensa. Deus nos criou e tudo de bom vem
dele. Não podemos, por isso, nos
vangloriar de nenhum bem que tenhamos recebido de Deus (cf. Ef 2,8). Todos os
nossos méritos provêm de Deus. Evita-se assim qualquer auto-justificação
farisaica. O que temos que fazer diante de tudo isto é agradecer a Deus. Temos
que procurar sempre as razões para agradecer a Deus e não os motivos para
reclamar a Deus por tudo que não anda bem na nossa vida. Deus já deu tudo para
nós. O que fazemos é muito pouco em comparação com tudo que Deus nos deu
através da sua criação. Somos nós que não sabemos nos comportar diante de
tantos dons divinos que recebemos. Somos, às vezes, como os peixes que nadam na
água que ainda perguntam se existe a água ou onde está a água.
Para chegar até este ponto, para a
fé ser viva e atuante, precisamos alimentá-la de diversas formas, todos os
dias, sobretudo com a oração, com a reflexão, com a leitura da Palavra de Deus,
com a participação na vida da Igreja e com o serviço ao próximo etc.. Sem
alimentarmos a nossa fé com tudo isso, ficaremos frágeis e nos tornamos
inconstantes.
Senhor, ajuda-me a ser aquele que
espera sem cansaço, escuta sem fadiga, recebe com bondade, dá com amor. Ajuda-me
a ser aquela presença que atrai, a amizade repousante e enriquecedora, a paz
que irradia alegria e serenidade. Amém!
P. Vitus Gustama,svd
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