FRATERNIDADE VIVIDA É CONSEQUÊNCIA DA FILIAÇAO DIVINA
Terça-Feira
da XIX Semana Comum
12 de Agosto de 2014
Evangelho:
Mt 18,1-5.10.12-14
Naquele
tempo, 1 os
discípulos aproximaram-se de Jesus e perguntaram: “Quem é o maior no Reino dos
Céus?” 2 Jesus
chamou uma criança, colocou-a no meio deles 3
e disse: “Em verdade vos digo, se não vos converterdes, e não vos tornardes
como crianças, não entrareis no Reino dos Céus. 4
Quem se faz pequeno como esta criança, este é o maior no Reino dos Céus. 5 E quem recebe em meu nome uma criança como
esta é a mim que recebe. 10 Não
desprezeis nenhum desses pequeninos, pois eu vos digo que os seus anjos nos
céus veem sem cessar a face do meu Pai que está nos céus. 12 Que vos parece? Se um homem tem cem ovelhas,
e uma delas se perde, não deixa ele as noventa e nove nas montanhas, para
procurar aquela que se perdeu? 13 Em
verdade vos digo, se ele a encontrar, ficará mais feliz com ela, do que com as
noventa e nove que não se perderam. 14
Do mesmo modo, o Pai que está nos céus não deseja que se perca nenhum desses
pequeninos”.
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Um
Discurso Sobre Vida Comunitária
Estamos
no quarto grande discurso de Jesus nos evangelho de Mateus (Mt 18). E este
quarto discurso é conhecido como “discurso eclesiológico” (discurso sobre a
Igreja) ou “discurso comunitário” onde se acentua a vida na fraternidade, isto
é, cada membro da comunidade é considerado como irmão, pois tem Deus como o Pai
comum. Este capítulo (Mt 18,1-35) foi escrito para responder aos problemas
internos das comunidades cristãs: Quem é o primeiro na comunidade? O que fazer
se acontecem escândalos? E se um cristão se perde ou se afasta da comunidade, o
que fazer? Como corrigir um irmão que erra? Quando é que uma oração pode ser
chamada de comunitária e partilhada? E quantas vezes se deve perdoar?
Na
comunidade de Mt (como também em qualquer comunidade cristã) cresce a ambição e
se cultivam sonhos de grandeza dos membros que se acham mais importantes dos
demais membros. Há pouca consideração para com os pequenos, até são
desconsiderados ou desprezados. Estes pequenos correm risco de se tornarem
incrédulos e de se afastarem da atividade comunitária. Na comunidade de Mt
suscitam também pecadores notórios, inclusive as ofensas e os ressentimentos que abalam a convivência
fraterna.
Nesse
capítulo, são dadas diversas orientações e algumas normas que têm por objetivo
desenvolver o amor fraterno e favorecer a harmonia entre os membros da
comunidade. Contra os sonhos de grandeza e de orgulho, Mt coloca a atitude de
humildade que agrada a Deus e aos outros (18,1-4). Para os pequenos, os fracos
na fé, é necessário ter uma acolhida cheia de caridade e de desvelo (18,6-7). O
desprezo é inadmissível para uma boa convivência. Para enfatizar mais este
tema, Mt fala dos anjos que sempre estão do lado dos pequenos (18,10). Se um
dos membros da comunidade afastar-se ou desviar-se do caminho reto, em vez de
condená-lo, a comunidade toda deve esforçar-se para que esse irmão volte para a
comunidade, pois Deus não quer que nenhum deles se perca (18,12-14). E para o
irmão pecador, a comunidade inteira deve usar todos os meios para recuperá-lo
(18,15-20). E para as ofensas, deve haver perdão, pois uma comunidade só pode
sobreviver se existe o perdão mútuo (18,21-35).
Ser
Irmão e Fazer-se Pequeno
“Quem é o
maior no Reino dos céus?”. “Quem é o maior diante de Deus?”. “Quem vale mais
diante de Deus?”. Assim inicia o quarto discurso de Jesus sobre a vida
comunitária baseada na fraternidade. A pergunta é feita pelos discípulos para
Jesus. Maior aqui significa proeminente, superior aos outros por força de uma
qualidade ou de um poder ou de um cargo.
Atrás
desta pergunta se esconde a ambição ou a mania de grandeza dos discípulos. É “a
psicologia do príncipe”, segundo o Papa Francisco. É a ambição de grandeza que
pode ser encontrada em qualquer comunidade cristã. É admirável a ambição de
alguém que deseja redimir sua humilde condição, valorizando todas as suas
capacidades de inteligência e de luta, pois um dos sentidos lexicais da palavra
ambição é anseio veemente de alcançar determinado objetivo, de obter sucesso;
aspiração, pretensão. A ambição só se transformará em vício quando a afirmação
de si mesmo for exagerada e os meios adotados para atingir a glória forem
desonestos. Uma pessoa de alma nobre não sai à procura das honras, e sim do bem,
da fraternidade, da verdade, da caridade e assim por diante. Ao contrário, o
ambicioso se sente totalmente envolto pela espiral da glória que o transforma
em vítima da própria tirania. O ambicioso, quando dominado pelo vício, não
suporta competidores, nem admite rivais. Quem desejar ser a todo o custo o
primeiro, dificilmente se preocupar com ser justo. “A soberba
gera a divisão. A caridade, a comunhão” (Santo
Agostinho. Serm. 46,18).
Como
resposta para a pergunta dos seus discípulos Jesus faz um gesto muito
simbólico: Ele chamou uma criança e a colocou no meio dos discípulos. Ao ser
colocada no meio de todos, a criança chamada se torna um centro de atenção de
todos. Podemos imaginar que todos os olhares são dirigidos a essa criança e os
ouvidos prontos para ouvir a palavra sábia do Mestre Jesus. “Em verdade vos digo,
se não vos converterdes, e não vos tornardes como crianças, não entrareis no
Reino dos Céus. Quem se faz pequeno como esta criança, este é o maior no Reino
dos Céus. E quem recebe em meu nome uma criança como esta é a mim que recebe”, disse Jesus aos discípulos (Mt 18,3-5). Ser criança: frescor, beleza,
inocência, não se basta a si mesma!
Esta é a
primeira regra da vida comunitária: cuidar dos pequenos e tratá-los como
irmãos, e fazer-se pequeno. Fazer-se pequeno, como exigência para viver a vida
comunitária, significa renunciar a toda ambição pessoal e a todo desejo de
colocar-se acima dos demais para estar em destaque e para oprimir os demais.
Fazer-se pequeno é uma forma de “renegar-se a si mesmo” para colocar a vontade
de Deus acima de tudo. A grandeza do Reino consiste no serviço humilde e
gratuito ao próximo, na solidariedade para com os necessitados, na partilha do
que se tem para com os carentes do básico para viver dignamente como ser humano,
e no esforço para construir uma convivência mais fraterna. Trata-se de viver a
espiritualidade familiar onde cada membro se preocupa com o outro membro e sua
salvação. Vivendo desta maneira estaremos testemunhando para o mundo que temos
fé em Deus e que estamos no Reino de Deus já neste mundo, pois vivemos como
irmãos, filhos e filhas do mesmo Pai celeste.
Ser
Ocasião de Salvação Para o Outro
“Se um homem tem cem
ovelhas, e uma delas se perde, não deixa ele as noventa e nove nas montanhas,
para procurar aquela que se perdeu? Em verdade vos digo, se ele a encontrar,
ficará mais feliz com ela, do que com as noventa e nove que não se perderam. Do
mesmo modo, o Pai que está nos céus não deseja que se perca nenhum desses
pequeninos”, acrescentou Jesus (Mt 18, 12-14). Esta é
outra regra essencial da vida comunitária!
Os
fariseus eram uns “separados”, e julgavam severamente os pecadores e os que
erravam, os quais eram excluídos dos banquetes sagrados ou de um simples
banquete comunitário, pois comer juntos significava igualar ou nivelar as
relações. Deus atua completamente diferente. Deus nem sequer espera o
arrependimento do pecador para amá-lo. Antes, abandonando o resto do rebanho,
ele vai à busca de uma ovelha perdida. Através de uma conversa fraterna e
através de sua participação na refeição com os excluídos pela sociedade em questão
Jesus consegue trazer de volta para Deus muitos pecadores, como Zaqueu (Lc
19,2-10), como Mateus (Mt 9,9) e assim por diante.
O saudoso
Cardeal François X. Van Thuan escreveu dois dos cinco “defeitos” de Jesus (Testemunhas Da Esperança. Edit.
Cidade Nova). O primeiro defeito é que Jesus não tem boa memória. Ele esquece
todos os pecados dos que se arrependeram, como o “bom ladrão”: “Hoje mesmo tu
estarás comigo no Paraíso” (Lc 23,43) e a mulher pecadora: “... seus numerosos
pecados lhe estão perdoados, porque ela demonstrou muito amor” (Lc 7,47). Deus
não lhes pergunta nada a respeito de seu passado escandaloso. Deus esquece até
mesmo que perdoou. E o segundo “defeito” de Jesus é que ele não “sabe”
matemática. Ele abandona 99 ovelhas para procurar uma que está perdida. Na nossa
matemática uma ovelha não é igual a 99 ovelhas. Para Jesus uma ovelha é igual a
99 ovelhas. Todos têm o mesmo valor diante de Deus.
Cada um
de nós, por menor que seja no olhar de um ser humano ou de uma sociedade, é
objeto de um carinho especial de Deus. Deus não despreza nenhum ser humano.
Cada um é considerado na sua individualidade. A graça de Deus nos faz nós
mesmos: “Eu sou o que sou pela graça de Deus” (1Cor 15,10). Jesus quer que cada
membro da comunidade cristã precise ser uma ocasião de salvação para o outro e
o outro é uma ocasião de salvação para mim. Somente é assim que uma comunidade
cristã pode ser chamada e considerada como uma comunidade de irmãos.
Na Bíblia
a misericórdia pertence rigorosamente à linguagem mais elevada da fé, designa
uma atitude de todo o ser. A misericórdia evoca tanto o aspecto de fidelidade
ao compromisso como o aspecto de ternura do coração. A experiência da condição miserável
e pecadora do homem deu corpo à noção da misericórdia de Deus, que se apresenta
a nós como a atitude de Deus diante do pecado do homem. A misericórdia de Deus não
é ingenuidade e sim convite à conversão e convite para cada homem a praticar,
por sua vez, a misericórdia para os demais homens.
Os escribas
e os fariseus não são capazes de ver no pecados mais que a um inimigo de Deus. se
um pecador é inimigo de Deus, logo é inimigos dos que se consideram “religiosos”.
Não é esta a atitude daqueles que julgam com excessiva severidade das falhas
dos outros? Deus, ao contrário, não espera o arrependimento para amar o
pecador. Quem é responsável pela comunidade, pela pastoral, pelo grupo na
Igreja do Senhor é encarregado de revelar ao irmão que pecou que Deus o ama
primeiro (1Jo 4,10.19; 2Cor 5,20) e que esse Deus se preocupa com a salvação de
todos. Será que todos os responsáveis na comunidade está consciente dessa
responsabilidade?
P.Vitus
Gustama,svd
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