PERDOAR:
POR QUÊ E PARA QUÊ?
Quinta-Feira da XIX Semana Comum
14 de Agosto de 2014
Evangelho:
Mt 18,21-35
Naquele
tempo, 18,21 Pedro
aproximou-se de Jesus e perguntou: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu
irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” 22
Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23 Porque o Reino dos Céus é como um
rei que resolveu acertar as contas com seus empregados. 24 Quando começou o acerto,
trouxeram-lhe um que lhe devia uma enorme fortuna. 25 Como o empregado não tivesse com
que pagar, o patrão mandou que fosse vendido como escravo, junto com a mulher e
os filhos e tudo o que possuía, para que pagasse a dívida. 26 O empregado, porém, caiu aos pés
do patrão, e, prostrado, suplicava: ‘Dá-me um prazo! e eu te pagarei tudo’. 27 Diante disso, o patrão teve
compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida. 28 Ao sair dali, aquele empregado
encontrou um dos seus companheiros que lhe devia apenas cem moedas. Ele o
agarrou e começou a sufocá-lo, dizendo: ‘Paga o que me deves’. 29 O companheiro, caindo aos seus
pés, suplicava: ‘Dá-me um prazo! e eu te pagarei’. 30 Mas o empregado não quis saber
disso. Saiu e mandou jogá-lo na prisão, até que pagasse o que devia. 31 Vendo o que havia acontecido, os
outros empregados ficaram muitos tristes, procuraram o patrão e lhe contaram
tudo. 32
Então o patrão mandou chamá-lo e lhe disse: ‘Empregado perverso, eu te perdoei
toda a tua dívida, porque tu me suplicaste. 33
Não devias, tu também, ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão
de ti?’ 34
O patrão indignou-se e mandou entregar aquele empregado aos torturadores, até
que pagasse toda a sua dívida. 35
É assim que o meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar
de coração ao seu irmão”. 19,1
Ao terminar estes discursos, Jesus deixou a Galileia e veio para o território
da Judeia além do Jordão.
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Estamos
na última parte do quarto discurso de Jesus sobre a vida comunitária no
evangelho de Mateus (Mt 18). Na passagem do evangelho de hoje Jesus enfatiza a
importância do mútuo perdão para que a convivência subsista e o Reino de Deus
se realize.
Um dos
maiores desafios para qualquer tipo de convivência, como também na comunidade
de Mt, é o perdão. A sobrevivência de qualquer comunidade humana depende da
capacidade que seus membros têm de perdoar. Sem isto, não há comunidade ou
convivência que possa subsistir por muito tempo. O perdão é que possibilita a
própria existência e a continuação da comunidade ou de uma convivência. Sem o
perdão não existe vida fraterna, vida religiosa, vida conjugal, vida familiar
ou vida comunitária. Para aprender a amar verdadeiramente o cristão tem que
aprender a perdoar vivendo o espírito de Deus que não se cansa de nos perdoar.
Por isso, perdoar não é somente dever moral, e sim o eco da consciência de ter sido
perdoado por Deus. Assim chega a ser uma espécie de virtude teologal que
prolonga o perdão dado por Deus a mim (cf. Cl 3,13; Mt 6,14-15; 2Cor 5,18-20). “Perdoai-nos
as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido...”, assim rezamos no Pai Nosso. Neste sentido, perdoar o
próximo é sinal da plenitude da eficácia do perdão de Deus recebido. Para pedir
o perdão a Deus tenho que aprender a perdoar o outro.
Até
quantas vezes devo perdoar? Os judeus diziam que o máximo de vezes a perdoar
era quatro vezes. E quem perdoava sete vezes já era considerado santo. Pedro é
generoso porque ele eleva o número para sete, pensando chegar ao ideal de
Jesus. Mas qualquer que seja o motivo que leva Pedro a fazer sua pergunta ou a
elevar o número quatro para o sete, uma coisa é certa: ele quer que Jesus
confirme a existência de um limite no exercício da caridade cristã,
especialmente no perdão.
Jesus,
porém, enfatiza o perdão sem limite: Até 70 vezes sete (v.22). No AT o numero 77
representava a vingança dos filhos de Caim (Gn 4, 24). O que tem por trás da afirmação de Jesus é o Deus da misericórdia. Jesus
quer nos levar à consciência primordial sobre a razão de nossa existência.
Jesus quer nos relembrar de que no início era a misericórdia. Fomos criados por
um gesto misericordioso, fomos feitos por mãos misericordiosas, fomos
idealizados por uma mente misericordiosa e fomos gerados pelo ventre
misericordioso (misericórdia no AT significa “seio materno” = rahamim que se traduz para o português
por “misericórdia”, que deriva do latim: miseris,
“miserável” + “cor”, “coração” + “dare”, “dar”. Misericórdia significa dar
o coração aos miseráveis).
A nossa
origem é a misericórdia. Somos seres
perdoados e por isso somos chamados a perdoar sem parar. Se esta é a nossa
origem, o perdão não é mais uma realidade ocasional, da qual temos necessidade
de vez em quando. Se a misericórdia existe desde o princípio, ela ainda agora é
fonte de vida e da graça da qual temos necessidade continuamente e que
constantemente está agindo em nós para nos reconciliar. O perdão é a expressão
máxima do amor. Por isso, não existe perdão sem amor. O perdão é o critério
para saber se temos ou não o amor no coração. Se não tem amor no coração, então
somos ateus porque Deus é amor (1Jo 4,8.16). O amor é uma força poderosíssima,
maior que pecado, não se rende diante do mal, porque é sempre capaz de descobrir
o bem e de dar novamente a esperança ou de convidar ainda o outro a caminhar
juntos. Para perdoar, basta ter um ato de amor. Mas se é sincero, é força que
pode mudar a história.
Perdoar
significar encarar positivamente os nossos sentimentos negativos como: a raiva,
a mágoa, a culpa, a vingança, o rancor e assim por diante. Os sentimentos estão
em cada um de nós. Os sentimentos não podem ser controlados, mas sim podem ser
controladas suas reações. Sentir-se ofendido ou ofender o outro é uma prova de
que somos vulneráveis e humanos, e que nossa pobreza interior foi posta à
vista. Posso ser ofendido por alguém e sentir raiva ou mágoa dele. Mas posso
reagir a esse sentimento com o perdão, pois o perdão não é sentimento, mas é
decisão. Quando a raiva e outros sentimentos negativos não se libertam,
costumam manifestar-se em forma de medo, isolamento, autodepreciação, fúria,
depressão, comportamentos agressivos, falta de concentração no trabalho e
incapacidade para relações emocionais íntimas. Muita gente sofre demasiadamente
porque vive em mágoa contínua. Mantém-se preso ao passado levando vida sofrida,
estagnada como água parada que apodrece. A mágoa produz efeitos nocivos. O
estresse causado pela mágoa, pela falta de perdão, ataca muitas vezes o sistema
imunológico. Assim se pode explicar a origem de muitas doenças, tais como
artrite, arteriosclerose, doenças cardiovasculares, diabetes etc. Entre as
melhores estratégias contra os efeitos múltiplos do ressentimento é a prática
habitual do perdão no dia-a-dia. Muitas vezes acontece que o que nos perturba
não é o que acontece, mas o modo de ver o que acontece; não o fato em si, mas a
interpretação que é dada a esse fato. A interpretação, muitas vezes, atinge
mais a pessoa do que o próprio ato ou evento desagradável. O que perturba é o
modo de olhá-lo ou de interpretá-lo. Algumas pessoas não se corrigem e não
podem sofrer correção porque vivem negativamente e se ofendem por qualquer
coisa.
A recusa
do perdão é a fonte de tristeza. O rancor (a mágoa do coração) é fruto do
perdão recusado. A Bíblia mostra as conseqüências da amargura: o obscurecimento
da inteligência, o desespero, o refúgio em Deus considerado um Deus vingativo
(cf. Sl 12,2-5). O perdão recusado pode gerar a raiva e o desespero. Em troca,
o perdão libera em nós a força de amar. A verdadeira liberdade é amar, pois o
amor dilata o coração.
Perdoar
não é uma atitude para gente fraca. A vingança é que o prazer do ofendido e o
ódio rancoroso é o único refúgio do mais fraco. Quando se odeia alguém, o que
se quer, no fundo, é que ele sofra e até se fica satisfeito com seus
sofrimentos. A dificuldade de perdoar o outro nos revela a nós mesmos que
existe em nós um instinto de perversidade e nos faz descobrir um eu hostil, atraído
pelo mal. Isto quer dizer que existe violência em nosso coração e seria ingênuo
e perigoso negá-lo. Perdoar, neste sentido, significa abandonar os desejos
sutis de vingança, é renunciar a fazer justiça em causa própria. Quando você
perdoa, você se livra do veneno que está dentro de você e sua saúde é
recuperada. Quando você se nega a perdoar, você adoece e sofre pelo veneno da
recusa do perdão.
A palavra grega para “perdão” é aphesis, que significa liberar, libertar
da escravidão, remissão da dívida, da culpa e do castigo. É usada quando a
prisão é aberta e o prisioneiro pode sair livre.
Todos nós somos chamados a ser
livres, perdoando os outros e recebendo o pedido de perdão do outro. O não-
perdão é um veneno que adoece a pessoa, que faz a pessoa infeliz, presa,
triste, sem liberdade por causa dos sentimentos negativos cultivados em si.
Todos nós que pensamos sobre a paz e queremos a paz, devemos considerar
seriamente esse apelo para perdoar. É um apelo à mudança, a não mais sermos
controlados por nossas mágoas e medos, nossos sentimentos de vingança e
ressentimentos. “Quereis ser feliz por um
instante? Vingai-vos! Quereis ser feliz para sempre? Perdoai !” (Henri Ladordaire).
Deixemos
hoje as seguintes interrogações que podem complementar a interrogação de Pedro:
1). Eu em relação aos outros no
perdão:
Quantas
vezes eu tenho que perdoar os outros quando o outro me ofendeu? O que é que eu
tenho que perdoar nos outros? Eu devo colocar o limite para o perdão que eu
devo dar aos outros?
2). Os outros em relação a mim no
perdão:
Quantas
vezes os outros devem me perdoar quando eu os ofendeu? O que eles devem me
perdoar? Os outros devem colocar o limite para o perdão que eles devem me dar?
3. Eu e a
Oração do Pai-Nosso
No
Pai-Nosso rezamos: “Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Isto quer dizer que o perdão dado é o perdão recebido. Dentro do
conteúdo dessa oração, o que acontecerá comigo diante de Deus se eu não perdoar
o irmão? “O homem não se movimenta
pelos pés, mas pelos afetos. Até os próprios pés ele move por afetos” (Santo Agostinho: In ps. 9,15). O afeto nos move a perdoarmos o
outro. Perdoar não muda o passado, mas engrandece o presente e o futuro.
P.Vitus
Gustama, svd
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