terça-feira, 12 de agosto de 2014

 
PERDOAR: POR QUÊ E PARA QUÊ?

Quinta-Feira da XIX Semana Comum
14 de Agosto de 2014
 

Evangelho: Mt 18,21-35

Naquele tempo, 18,21 Pedro aproximou-se de Jesus e perguntou: “Senhor, quantas vezes devo perdoar, se meu irmão pecar contra mim? Até sete vezes?” 22 Jesus respondeu: “Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23 Porque o Reino dos Céus é como um rei que resolveu acertar as contas com seus empregados. 24 Quando começou o acerto, trouxeram-lhe um que lhe devia uma enorme fortuna. 25 Como o empregado não tivesse com que pagar, o patrão mandou que fosse vendido como escravo, junto com a mulher e os filhos e tudo o que possuía, para que pagasse a dívida. 26 O empregado, porém, caiu aos pés do patrão, e, prostrado, suplicava: ‘Dá-me um prazo! e eu te pagarei tudo’. 27 Diante disso, o patrão teve compaixão, soltou o empregado e perdoou-lhe a dívida. 28 Ao sair dali, aquele empregado encontrou um dos seus companheiros que lhe devia apenas cem moedas. Ele o agarrou e começou a sufocá-lo, dizendo: ‘Paga o que me deves’. 29 O companheiro, caindo aos seus pés, suplicava: ‘Dá-me um prazo! e eu te pagarei’. 30 Mas o empregado não quis saber disso. Saiu e mandou jogá-lo na prisão, até que pagasse o que devia. 31 Vendo o que havia acontecido, os outros empregados ficaram muitos tristes, procuraram o patrão e lhe contaram tudo. 32 Então o patrão mandou chamá-lo e lhe disse: ‘Empregado perverso, eu te perdoei toda a tua dívida, porque tu me suplicaste. 33 Não devias, tu também, ter compaixão do teu companheiro, como eu tive compaixão de ti?’ 34 O patrão indignou-se e mandou entregar aquele empregado aos torturadores, até que pagasse toda a sua dívida. 35 É assim que o meu Pai que está nos céus fará convosco, se cada um não perdoar de coração ao seu irmão”. 19,1 Ao terminar estes discursos, Jesus deixou a Galileia e veio para o território da Judeia além do Jordão.
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Estamos na última parte do quarto discurso de Jesus sobre a vida comunitária no evangelho de Mateus (Mt 18). Na passagem do evangelho de hoje Jesus enfatiza a importância do mútuo perdão para que a convivência subsista e o Reino de Deus se realize.


Um dos maiores desafios para qualquer tipo de convivência, como também na comunidade de Mt, é o perdão. A sobrevivência de qualquer comunidade humana depende da capacidade que seus membros têm de perdoar. Sem isto, não há comunidade ou convivência que possa subsistir por muito tempo. O perdão é que possibilita a própria existência e a continuação da comunidade ou de uma convivência. Sem o perdão não existe vida fraterna, vida religiosa, vida conjugal, vida familiar ou vida comunitária. Para aprender a amar verdadeiramente o cristão tem que aprender a perdoar vivendo o espírito de Deus que não se cansa de nos perdoar. Por isso, perdoar não é somente dever moral, e sim o eco da consciência de ter sido perdoado por Deus. Assim chega a ser uma espécie de virtude teologal que prolonga o perdão dado por Deus a mim (cf. Cl 3,13; Mt 6,14-15; 2Cor 5,18-20). “Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido...”, assim rezamos no Pai Nosso. Neste sentido, perdoar o próximo é sinal da plenitude da eficácia do perdão de Deus recebido. Para pedir o perdão a Deus tenho que aprender a perdoar o outro.
   

Até quantas vezes devo perdoar? Os judeus diziam que o máximo de vezes a perdoar era quatro vezes. E quem perdoava sete vezes já era considerado santo. Pedro é generoso porque ele eleva o número para sete, pensando chegar ao ideal de Jesus. Mas qualquer que seja o motivo que leva Pedro a fazer sua pergunta ou a elevar o número quatro para o sete, uma coisa é certa: ele quer que Jesus confirme a existência de um limite no exercício da caridade cristã, especialmente no perdão.
 

Jesus, porém, enfatiza o perdão sem limite: Até 70 vezes sete (v.22). No AT o numero 77 representava a vingança dos filhos de Caim (Gn 4, 24). O que tem por trás da afirmação de Jesus é o Deus da misericórdia. Jesus quer nos levar à consciência primordial sobre a razão de nossa existência. Jesus quer nos relembrar de que no início era a misericórdia. Fomos criados por um gesto misericordioso, fomos feitos por mãos misericordiosas, fomos idealizados por uma mente misericordiosa e fomos gerados pelo ventre misericordioso (misericórdia no AT significa “seio materno” = rahamim que se traduz para o português por “misericórdia”, que deriva do latim: miseris, “miserável” + “cor”, “coração” + “dare”, “dar”. Misericórdia significa dar o coração aos miseráveis).
   

A nossa origem é a misericórdia. Somos seres perdoados e por isso somos chamados a perdoar sem parar. Se esta é a nossa origem, o perdão não é mais uma realidade ocasional, da qual temos necessidade de vez em quando. Se a misericórdia existe desde o princípio, ela ainda agora é fonte de vida e da graça da qual temos necessidade continuamente e que constantemente está agindo em nós para nos reconciliar. O perdão é a expressão máxima do amor. Por isso, não existe perdão sem amor. O perdão é o critério para saber se temos ou não o amor no coração. Se não tem amor no coração, então somos ateus porque Deus é amor (1Jo 4,8.16). O amor é uma força poderosíssima, maior que pecado, não se rende diante do mal, porque é sempre capaz de descobrir o bem e de dar novamente a esperança ou de convidar ainda o outro a caminhar juntos. Para perdoar, basta ter um ato de amor. Mas se é sincero, é força que pode mudar a história.
    

Perdoar significar encarar positivamente os nossos sentimentos negativos como: a raiva, a mágoa, a culpa, a vingança, o rancor e assim por diante. Os sentimentos estão em cada um de nós. Os sentimentos não podem ser controlados, mas sim podem ser controladas suas reações. Sentir-se ofendido ou ofender o outro é uma prova de que somos vulneráveis e humanos, e que nossa pobreza interior foi posta à vista. Posso ser ofendido por alguém e sentir raiva ou mágoa dele. Mas posso reagir a esse sentimento com o perdão, pois o perdão não é sentimento, mas é decisão. Quando a raiva e outros sentimentos negativos não se libertam, costumam manifestar-se em forma de medo, isolamento, autodepreciação, fúria, depressão, comportamentos agressivos, falta de concentração no trabalho e incapacidade para relações emocionais íntimas. Muita gente sofre demasiadamente porque vive em mágoa contínua. Mantém-se preso ao passado levando vida sofrida, estagnada como água parada que apodrece. A mágoa produz efeitos nocivos. O estresse causado pela mágoa, pela falta de perdão, ataca muitas vezes o sistema imunológico. Assim se pode explicar a origem de muitas doenças, tais como artrite, arteriosclerose, doenças cardiovasculares, diabetes etc. Entre as melhores estratégias contra os efeitos múltiplos do ressentimento é a prática habitual do perdão no dia-a-dia. Muitas vezes acontece que o que nos perturba não é o que acontece, mas o modo de ver o que acontece; não o fato em si, mas a interpretação que é dada a esse fato. A interpretação, muitas vezes, atinge mais a pessoa do que o próprio ato ou evento desagradável. O que perturba é o modo de olhá-lo ou de interpretá-lo. Algumas pessoas não se corrigem e não podem sofrer correção porque vivem negativamente e se ofendem por qualquer coisa.
     

A recusa do perdão é a fonte de tristeza. O rancor (a mágoa do coração) é fruto do perdão recusado. A Bíblia mostra as conseqüências da amargura: o obscurecimento da inteligência, o desespero, o refúgio em Deus considerado um Deus vingativo (cf. Sl 12,2-5). O perdão recusado pode gerar a raiva e o desespero. Em troca, o perdão libera em nós a força de amar. A verdadeira liberdade é amar, pois o amor dilata o coração.


Perdoar não é uma atitude para gente fraca. A vingança é que o prazer do ofendido e o ódio rancoroso é o único refúgio do mais fraco. Quando se odeia alguém, o que se quer, no fundo, é que ele sofra e até se fica satisfeito com seus sofrimentos. A dificuldade de perdoar o outro nos revela a nós mesmos que existe em nós um instinto de perversidade e nos faz descobrir um eu hostil, atraído pelo mal. Isto quer dizer que existe violência em nosso coração e seria ingênuo e perigoso negá-lo. Perdoar, neste sentido, significa abandonar os desejos sutis de vingança, é renunciar a fazer justiça em causa própria. Quando você perdoa, você se livra do veneno que está dentro de você e sua saúde é recuperada. Quando você se nega a perdoar, você adoece e sofre pelo veneno da recusa do perdão.


A palavra grega para “perdão” é aphesis, que significa liberar, libertar da escravidão, remissão da dívida, da culpa e do castigo. É usada quando a prisão é aberta e o prisioneiro pode sair livre.


Todos nós somos chamados a ser livres, perdoando os outros e recebendo o pedido de perdão do outro. O não- perdão é um veneno que adoece a pessoa, que faz a pessoa infeliz, presa, triste, sem liberdade por causa dos sentimentos negativos cultivados em si. Todos nós que pensamos sobre a paz e queremos a paz, devemos considerar seriamente esse apelo para perdoar. É um apelo à mudança, a não mais sermos controlados por nossas mágoas e medos, nossos sentimentos de vingança e ressentimentos. “Quereis ser feliz por um instante? Vingai-vos! Quereis ser feliz para sempre? Perdoai !” (Henri Ladordaire).


Deixemos hoje as seguintes interrogações que podem complementar a interrogação de Pedro:


1). Eu em relação aos outros no perdão:


Quantas vezes eu tenho que perdoar os outros quando o outro me ofendeu? O que é que eu tenho que perdoar nos outros? Eu devo colocar o limite para o perdão que eu devo dar aos outros?


2). Os outros em relação a mim no perdão:


Quantas vezes os outros devem me perdoar quando eu os ofendeu? O que eles devem me perdoar? Os outros devem colocar o limite para o perdão que eles devem me dar?


3. Eu e a Oração do Pai-Nosso


No Pai-Nosso rezamos: “Perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido”. Isto quer dizer que o perdão dado é o perdão recebido. Dentro do conteúdo dessa oração, o que acontecerá comigo diante de Deus se eu não perdoar o irmão? “O homem não se movimenta pelos pés, mas pelos afetos. Até os próprios pés ele move por afetos” (Santo Agostinho: In ps. 9,15). O afeto nos move a perdoarmos o outro. Perdoar não muda o passado, mas engrandece o presente e o futuro.

P.Vitus Gustama, svd

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