sábado, 9 de agosto de 2014

 
SER CIDADÃO CELESTE NA TERRA DOS HOMENS


Segunda-Feira da XIX Semana Comum
11 de Agosto de 2014
 

Evangelho: Mt 17,21-26

Naquele tempo, 22 quando Jesus e os seus discípulos estavam reunidos na Galileia, ele lhes disse: “O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens. 23 Eles o matarão, mas no terceiro dia ele ressuscitará”. E os discípulos ficaram muito tristes. 24 Quando chegaram a Cafarnaum, os cobradores do imposto do Templo aproximaram-se de Pedro e perguntaram: “O vosso mestre não paga o imposto do Templo?” 25 Pedro respondeu; “Sim, pa­ga”. Ao entrar em casa, Jesus adiantou-se, e perguntou: “Simão, que te parece: Os reis da terra cobram impostos ou taxas de quem: dos filhos ou dos estranhos?” 26 Pedro respondeu: “Dos estranhos!” Então Jesus disse: “Logo os filhos são livres. 27 Mas, para não escandalizar essa gente, vai ao mar, lança o anzol, e abre a boca do primeiro peixe que pescares. Ali encontrarás uma moeda; pega então a moeda e vai entregá-la a eles, por mim e por ti”.

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O texto do evangelho de hoje tem duas pequenas unidades literárias: a primeira unidade fala de segundo anúncio da paixão, morte e ressurreição do Senhor (vv. 22-23). A segunda unidade fala sobre o tributo pago para a manutenção do Templo (vv. 24-27). As duas unidades aparentemente não tem ligação entre si. Mas, na verdade, podemos descobrir seu ponto de encontro ou  de ligação no tema da perda da própria vida por causa das autoridades civis e religiosas.


1. Sejamos Pontes Que unem o Humano e o Divino e Não Muros Que Separam


No primeiro tema o fio dos acontecimentos aponta para os últimos dias da vida de Jesus em Jerusalém. É a morte inevitável pelo bem praticado. Trata-se da morte do inocente, vítima do poder e dos interesses individualistas, da eliminação de quem pratica o bem. O Apóstolo Pedro vai nos recordar na sua pregação nos Atos com as seguintes palavras: “Vós sabeis como Deus ungiu a Jesus de Nazaré com o Espírito Santo e com o poder, como ele andou fazendo o bem e curando todos os oprimidos do demônio, porque Deus estava com ele. E nós somos testemunhas de tudo o que fez na terra dos judeus e em Jerusalém. Eles o mataram, suspendendo-o num madeiro. Mas Deus o ressuscitou ao terceiro dia e permitiu que aparecesse, não a todo o povo, mas às testemunhas que Deus havia predestinado, a nós que comemos e bebemos com ele, depois que ressuscitou” (At 10,38-41).


Jesus anuncia, aos discípulos, sua morte iminente pelo bem praticado porque ele tem clara consciência para onde se dirige. Jesus não tem medo de anunciar tudo isso para seus discípulos. Ainda que Jesus tenha que sofrer e morrer o acento se põe novamente na ressurreição: “... mas no terceiro dia ressuscitará”. Cada bem praticado sempre tem um final feliz, pois Deus está com quem pratica o bem.


“O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens”, disse Jesus aos discípulos. A oposição entre os “homens” e o “Filho do Homem” é comum nos evangelistas. O Filho do Homem se caracteriza por possuir o Espírito de Deus. Os “homens”, ao contrário, são os que carecem do Espírito de Deus e, por isso, não compreendem nem vivem segundo o plano de Deus (cf. Mt 16,13.23). Quem não possui o Espírito de Deus não vê os outros como irmãos e sim rivais ou inimigos. Quem tem o espírito de Deus, respeita os outros e os trata humanamente.


Como possuidor do Espírito de Deus, por ser “Filho do Homem”, Jesus sabe que a vida dada pelo bem e pela salvação dos homens é a vida recebida, é a vida ressuscitada. Jesus, o Homem-Deus (Mt 1,23) leva em si a vida que lhe permite levantar-se da morte. Para Jesus a morte não é definitiva, pois “no terceiro dia ressuscitará”. É “perder” para ganhar. É morrer para ressuscitar. É morrer por amor aos homens para estar com o Amor por excelência que é Deus. O amor jamais morre, pois é o nome próprio de Deus: “Deus é Amor” (1Jo 4,8.16).


Neste texto Jesus fala “dos homens” de maneira simples, porém com a maior profundidade, pois na realidade são os homens os inimigos de Deus que devem ser reconciliados com Ele, como escreveu São Paulo aos romanos: “Se quando éramos inimigos fomos reconciliados com Deus pela morte do Seu Filho, muito mais agora, uma vez reconciliados, seremos salvos por Sua vida” (Rm 5,10). Essa é a finalidade da paixão: acabar com o abismo entre Deus e os homens e os homens entre si para que estes possam ter acesso para Deus. mas Deus não impõe, mas sempre propõe, Ele não obriga, mas convida. A decisão recai sobre os homens.


Se os homens criam muros e abismos de separação entre si, Jesus cria pontes entre os homens e Deus para que os homens tenham um livre acesso para chegar até Deus, para a vida eterna. Sejamos construtores de pontes e não de muros e de abismos de isolamento. O homem existe para o outro homem. No âmago de nossa natureza, como homens, está a ânsia de integração. Há no coração do homem uma faceta infantil e inocente que sempre fica profundamente magoada quando somos excluídos de um relacionamento ou de uma convivência. Ninguém foi criado para o isolamento. Quando ficamos isolados, estamos propensos a ser prejudicados. Sempre que há distância, há anseio. Se a distância suscita o anseio, a proximidade cria a integração. Podemos possuir tudo que o mundo tem a oferecer em termos de status, de realização profissional, de bens materiais, de cargos sociais importantes e assim por diante, no entanto, sem nos sentirmos integrados, tudo isso parece vazio e inútil.


2. Ser Cidadão Celeste na Terra dos Homens: 100% Crente e Cidadão


No segundo tema fala-se do imposto pago para a manutenção do Templo. A discussão do tema parte de uma pergunta dos cobradores do imposto do Templo: O vosso Mestre não paga imposto do templo?”. A pergunta dos cobradores de impostos a Pedro espera resposta afirmativa, mas deixando aberta a possibilidade contrária. Os sacerdotes e alguns rabinos pretendiam isentos de pagar o imposto. Jesus era chamado de Mestre e por isso, poderia ter o mesmo privilégio.


Desde tempos de Nehemias era costume que os israelitas maiores de 20 anos pagavam, cada ano, uma pequena ajuda para a manutenção do Templo de Jerusalém. O valor era de dois denários que representam dois dias de trabalho (Ex 30,11-13; 38,26; cf. Neh 10,33s). Esse imposto era cobrado nos meses de março (Adar) e de abril (Nisán) que assinalava o inicio do ano litúrgico na época.  Era um tributo que não tinha nada a ver com o imposto que eles pagavam para o governo romano.


Jesus pagava cada ano esse tributo para a manutenção do Templo, como afirma em seguida Pedro. Jesus cumpre as obrigações do bom cidadão e do crente judeu para não dar motivo de escândalo e de crítica, pois na verdade ele é o Filho de Deus por excelência e está na casa do próprio Pai. Como Pedro é um pescador, Jesus pede para ele pescar para depois vender os peixes a fim de pagar o tributo.


Este pequeno episódio nos recorda como Jesus se encarnou totalmente em seu povo seguindo seus costumes e normas. Mas ao mesmo tempo ele questiona os costumes que desumanizam, que excluem, que favorecem à desigualdade e a injustiça. Ele foi morto por causa desse tipo de luta. Jesus sabe discernir o que deve ser mantido (solidariedade, perdão, fraternidade etc.) e o que deve ser eliminada (desigualdade, falta de fraternidade etc.).


Todos nós precisamos cumprir também as normas gerais de convivência social, não somente para evitar sanções e sim porque “a co-responsabilidade no bem comum exige moralmente o pagamento dos impostos, o exercício do direito ao voto e a defesa do país”, como diz o Novo Catecismo (no. 2240).


Além das obrigações como cidadãos, é útil recordar, a exemplo de Jesus, que todos nós deveríamos nos sentir co-responsáveis das necessidades da comunidade eclesial, colaborando de diversos modos que nos é proposto: nosso tempo, nosso talento, nossa ajuda material, ajuda nas atividades benéficas, ajuda nas missões, nos trabalhos pastorais e assim por diante. Precisamos ter um sentimento de pertença. A qual comunidade/Igreja eu pertenço? Quais são meus direitos e deveres? Se eu faço parte de uma comunidade cristã, então, eu sou co-responsável para seu crescimento. Não podemos deixar este mundo sem esse sentimento de pertença. Precisamos contribuir algo de bom de nossa vida para o crescimento da comunidade.  Cada um sempre tem algo de bom para dar e para ajudar, de alguma forma, a comunidade. Dar e ajudar manifestam nossa generosidade e nosso desprendimento. O homem novo nasce daquilo que ele dá e renuncia àquilo que deveria possuir para o bem maior. Santo Agostinho dizia: “O defeito moral não se define pelo mal que se intenta, mas pelo bem que se abandona... Deus não condena quem não pode fazer o que quer, mas quem não quer fazer o que pode” ( Serm. 54,2). De que maneira você ajuda sua comunidade?

P. Vitus Gustama,svd

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