09/09/2015
FELICIDADE
É O PROJETO DE DEUS PARA NÓS
Quarta-feira
da XXIII Semana Comum
Evangelho: Lc 6,20-26
Naquele tempo, 20 Jesus, levantando os
olhos para os seus discípulos, disse: “Bem-aventurados
vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! 21 Bem-aventurados vós que agora tendes fome, porque sereis saciados!
Bem-aventurados vós que agora chorais, porque havereis de rir! 22 Bem-aventurados sereis, quando os homens vos odiarem, vos
expulsarem, vos insultarem e amaldiçoarem o vosso nome, por causa do Filho do
Homem! 23 Alegrai-vos, nesse
dia, e exultai, pois será grande a vossa recompensa no céu; porque era assim
que os antepassados deles tratavam os profetas. 24 Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes
vossa consolação! 25 Ai de vós que agora tendes fartura, porque passareis fome! Ai de vós que agora rides, porque
tereis luto e lágrimas! 26 Ai de vós quando todos vos elogiam! Era assim que os antepassados
deles tratavam os falsos profetas.
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Ao descer da Montanha onde Jesus escolheu os
Doze Apóstolos (Lc 6, 12-19) começa em Lucas o que os autores chamam o “Sermão
da Planície” que contém uma grande exortação cuja atualidade jamais se perde
(Lc 6,20-49). Por isso, Lucas usa o
termo “vós” que domina todo o sermão. É chamado de “Sermão da Planície” para
distingui-lo do Sermão da Montanha de Mt 5-7. O Sermão de Lucas é muito mais
breve do que o de Mateus. Mateus coloca o Sermão da Montanha logo no início do
ministério de Jesus, pois ele tem um caráter programático, isto é, tudo aquilo
que Jesus vai viver e ensinar ao longo do Evangelho de Mateus.
Neste sermão da Planície há três seções
apresentadas. Primeiro, o anúncio de salvação aos “pobres” e os
ais para os “ricos” (Lc 6,20-26). Somente quem escutou e acolheu a Boa Nova
anunciada por Jesus, tem condições para seguir a Jesus e para entrar no Reino
de Deus. Quem fica agarrado às coisas sem espírito de partilha impede de seguir
a Jesus. Segundo, o amor para os inimigos (Lc 6, 27-38). O amor
cristão não conhece fronteiras, pois ele é universal. Deus ama a todos (cf. Mt
5,44-45). Amar como Deus-Pai supõe amar até os inimigos. Deus não se cansa de
perdoar. Somente quem fizer a experiência do amor do Pai celeste, tem força
para amar aos inimigos, isto é, sempre querer o bem para todos
independentemente daquilo que eles cometeram. Terceiro, apresentam-se
cinco parábolas para falar do verdadeiro discípulo de Jesus (Lc 6,39-49). Os
cristãos devem estar cheios de amor e existir para os outros para ser de Deus,
e estar conscientes de sua responsabilidade, não sendo guia cego e ser permanentes
discípulos, isto é, não para de aprender e os demais ensinamentos nesta parte
que indicam como deve ser discípulos de Jesus.
O texto do evangelho de hoje, que inicia o
Sermão da Planície, nos apresenta as bem-aventuranças como síntese da mensagem cristã,
como projeto de felicidade. A felicidade para todos é o projeto de Jesus. A
santidade é o projeto individual-pessoal.
Exegeticamente, o gênero de bem-aventurança
não é novo no Novo Testamento, nem tampouco é exclusivo dos evangelhos. O
Antigo Testamento nos apresenta numerosos exemplos de bem-aventuranças. Só no
livro de Salmos encontramos mais de vinte vezes (cf. Sl 40,2; 127,1 etc.). O
Apocalipse de São João rima seu texto com sete bem-aventuranças (Ap 1,3; 14,13;
16,15;19,9; 20,6; 22,7; 2214).
Encontramos
paralelamente as bem-aventuranças em Mateus e Lucas, mas cada evangelista tem
suas particularidades. Em Mateus há oito bem-aventuranças (Mt 5,1-12), enquanto
que em Lucas, quatro e mais quatro maldições. Mateus insiste na pobreza
“espiritual” (os pobres no espírito), isto é, a atitude interior. Lucas, ao
contrário, se dirige aos pobres reais, à classe social daqueles que são mais
pobres materialmente/fisicamente do que os demais. E esta insistência
particular de Lucas é ainda reforçada por: o anúncio de uma mudança total das
situações e a oposição entre “bem-aventuranças” e “maldiçoes” (“os ais”).
A interpretação
das bem-aventuranças “segundo Mateus” convida todos os homens, ricos e pobres
para o desprendimento espiritual e para a conversão do coração. A interpretação
das bem-aventuranças “segundo Lucas” convida todos os homens, ricos e pobres, a
transformarem as estruturas da sociedade para que haja menos pessoas
desfavorecidas e que não haja os empobrecidos. Se todos são filhos e filhas de Deus
da misericórdia (Lc 6,36), então todos são irmãos. Se todos são irmãos em
Cristo, então todos devem cuidar de todos. Deus, como Pai de todos, não estará
contente, se um dos seus filhos não estiver feliz. E ninguém pode estar em
plena tranqüilidade diante de Deus, se um irmão estiver passando fome ou por alguma
necessidade básica para sua vida. Por isso, neste sermão aparece seu caráter social
que Jesus e Lucas têm muito interesse pelos pobres e empobrecidos, de fato. Com
isso, Lucas apresenta o Deus de Jesus Cristo cheio de misericórdia com os
oprimidos,, excluídos, marginalizados, pobres e empobrecidos. Na verdade, esse conteúdo
já apareceram no cântico do Magnificat (Lc 1,51-53).
Na versão de Lucas das aventuranças, Jesus
chama “felizes” ou “bem-aventurados”
para quatro classes de pessoas: os
pobres, os que passam fome, os que choram e os que são perseguidos por causa da
fé. E ele dirige seu “ai” para
outras quatro classes de pessoas: os
ricos, os que estão saciados, os que riem e os que são adulados pelo mundo.
Trata-se, portanto, de quatro antíteses.
Como as antíteses que Lucas põe nos lábios de Maria de Nazaré em seu
Magnificat: Deus derruba de trono os poderosos e exalta os humildes; saciou de
bens os indigentes e despediu os ricos de mãos vazias (cf. Lc 1,52-53). É o
desenvolvimento daquilo que Jesus havia anunciado em seu discurso programático
em Nazaré: Ele foi enviado para os pobres, os cativos, os cegos e os oprimidos
(cf. Lc 4,14-22).
O
projeto de Jesus para todos nós é a felicidade. Ele veio para trazer vida em
abundância (Jo 10,10). Felizes os pobres; felizes os que agora passam fome;
felizes os que choram; felizes os que são odiados por causa do Filho do Homem.
Trata-se de situações reais, de circunstâncias concretas e históricas. O
advérbio “agora” reforça mais ainda essa impressão.
Jesus me convida, em primeiro lugar, a olhar
para minhas próprias misérias, minhas pobrezas reais, minhas fomes reais, meus
prantos reais, os desprezos reais que sofro. Em que sou um miserável? Em que
sou um pobre? De que eu tenho fome? Quais são desprezos que eu sofri ou tenho
sofrido?
Em segundo lugar, Jesus me convida a olhar
ao meu redor para esses mesmos setores de miséria, dos pobres, dos sofredores,
dos famintos, dos desprezados. Sou convidado por Jesus a partilhar minha
felicidade com os outros, para dividir com o necessitado daquilo que eu tenho,
para levar consolação para os que vivem nos prantos, para levar o amor para
aqueles que sofrem de desprezo, pois sou também um ungido, pois sou cristão. Se
eu fizer tudo isto e mais do que isto, estarei mostrando para os outros que
estou no Reino de Deus embora eu ainda esteja neste mundo. Desta maneira, para
mim Jesus vai dizer: “O reino de Deus é vosso”, pois ao matar a fome do outro
com o que eu tenho, eu sou saciado por Deus (cf. Mt 25,31-46). Ao ajudar os
outros na sua carência do essencial, não somente aliviamos sua dor. É muito
mais do que isso! Queremos mostrar que estamos no Reino de Deus onde não há
fome, não há desprezo, não há pranto, pois todos se preocupam com todos; porque
cada um se torna irmão para o outro; porque cada um se torna ocasião de
salvação para o outro.
Hoje Jesus convida todos nós, pobres e
ricos, a vivermos a verdadeira pobreza evangélica. A verdadeira pobreza
evangélica é a pobreza do homem que desapega seu espírito de todas as coisas
que tem, remete a Deus toda preocupação pelas coisas temporais e vive neste mundo
como peregrino no caminho até a possessão eterna de Deus. A pobreza assim
entendida mantém a alma aberta a Deus, em atitude de total “expectativa”, pois
tudo espera de Deus; cria um clima espiritual propício à docilidade interior, à
oração e à união com Deus, porque ensina o homem a viver em contínua
dependência do Criador. O apego às coisas passageiras fecha o coração do homem
diante de Deus e diante de seu próximo. Um coração cheio de coisas terrenas
fica cego diante da transcendência. A pobreza evangélica, por sua vez, gera a
justiça e a misericórdia, ensina a partilhar o que se tem com quem não tem para
viver uma vida digna, alimenta a esperança, educa para a paz, para o diálogo,
para o serviço do próximo, aumenta o amor e dá serenidade e alegria espiritual.
Esta é a mensagem revolucionária que nosso Senhor nos trouxe. Se tudo for
realizado, bem-aventurados somos todos! Aquele que sabe sorrir, também saber
abraçar. Aquele que sabe amar, não tem medo arriscar. Deus arrisca seu Filho unigênito
por amar a humanidade (cf. Jo 3,16).
Em que consiste você é atingido pelas
bem-aventuranças de Jesus? Em que consiste você é atingido pelos “ais” de
Jesus?
P. Vitus Gustama,svd
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