Domingo, 18/12/2016
JOSÉ E MARIA DIANTE
DO MISTÉRIO DIVINO
IV Domingo do Advento
Ano “A”
Evangelho: Mt 1,18-25
18 A origem de Jesus
Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava prometida em casamento a José, e,
antes de viverem juntos, ela ficou grávida pela ação do Espírito Santo. 19
José, seu marido, era justo e, não querendo denunciá-la, resolveu abandonar
Maria, em segredo. 20 Enquanto José pensava nisso, eis que o anjo do Senhor
apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: 'José, Filho de Davi, não tenhas medo de
receber Maria como tua esposa, porque ela concebeu pela ação do Espírito Santo.
21 Ela dará à luz um filho, e tu lhe darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar
o seu povo dos seus pecados'. 22 Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o
Senhor havia dito pelo profeta: 23 'Eis que a virgem conceberá e dará à luz um
filho. Ele será chamado pelo nome de Emanuel, que significa: Deus está
conosco.' 24Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado, e
aceitou sua esposa.
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O primeiro capítulo do Evangelho de Mateus é dividido em duas
partes indicadas no título. O primeiro contém uma genealogia fatigante e,
aparentemente, pelo menos, desnecessário (Mt 1,1-17). À primeira vista, parece
ser simplesmente uma lista de nomes dos antepassados de Cristo, sem qualquer
conteúdo teológico ou a qualquer interpelação. Por que, então, o evangelista
coloca a genealogia em seu evangelho? É para nos dizer que Cristo é a plenitude
da revelação. É o cumprimento de tudo que se espera na AT. Por isso,
imediatamente depois de mencionar seu nome completo na genealogia que Jesus é o
Cristo, o Messias, que equivale a uma fórmula de fé, Mateus acrescenta outro
título para Jesus como “filho de Davi, filho de Abraão”: ”Livro da origem de
JESUS CRISTO, FILHO DE DAVI, FILHO DE ABRAÃO” (Mt 1,1). A genealogia nos
introduz assim tanto no terreno da historia como no terreno da teologia.
A segunda parte (Mt 1,18-25) que lemos neste domingo nos
apresenta o nascimento de Cristo como algo absolutamente milagroso, pois Maria
concebe Jesus sem nenhuma relação com homem nenhum, pois é a obra do Espírito
Santo. Ao mencionar o Espírito Santo ou o Espírito de Deus, Mateus pensa no
poder criador de Deus (criar significa que algo passa a existir a partir do
nada. Quem tem este poder é somente o Criador que chamamos Deus).
No Evangelho de Mateus não se relata a Anunciação do Anjo a
Maria, passagem que encontramos no Evangelho de Lucas (Lc 1,26-38). Lucas
destaca mais a figura de Maria e a de José é silenciada. Se Lucas destaca mais
às perguntas de Maria, ao contrário em Mateus se destaca mais às “perguntas” de
José. Por isso, poderíamos intitular o Evangelho de hoje: “A Anunciação do Anjo
a José”.
Vamos ler este texto dentro do relato da genealogia de Jesus
Cristo (Mt 1,1-17). A palavra “gerar” biblicamente significa transmitir não
apenas o próprio ser, mas também a própria maneira de ser e comportar-se. O
filho é imagem do seu pai. Por isso, a genealogia se interrompe bruscamente no
final (na genealogia há um padrão fixo onde se diz fulano era o pai de... E
isso é repetido através de três conjuntos de catorze gerações). Quando chega-se
na linha final, a fórmula muda: não mais “Jacó era o pai de José, e José era o pai de Jesus, chamado o
Cristo”, mas “ Jacó
era o pai de José, o marido de Maria, de quem (da qual) nasceu Jesus, chamado
Cristo” (Mt 1,16). Isto quer nos dizer que José não é pai natural de
Jesus, mas apenas legal. A Jesus pertence toda a tradição anterior, mas ele não
é imagem de José. O Messias/Ungido não é produto da história, mas a novidade
nela.
Embora se mencione várias vezes no Evangelho de Mateus mais
do que nos outros Evangelhos juntos de que Jesus é o filho de Davi, mas Mateus
deixa claro (Mt 22,41-46) que Jesus é mais do que o filho de Davi. Ele é
decisivamente, por uma revelação divina, o Filho de Deus (Mt 3,17;16,16s;17,5).
Coerentemente, se a genealogia começa em Mt 1,1 dizendo a genealogia de Jesus,
filho de Davi, a anunciação nos conduzirá a um fim em Mt 1,23 dizendo que Jesus
é Emanuel, Deus conosco.
O texto começa dizendo que Maria, a mãe de Jesus estava
prometida em casamento a José e que antes de viverem juntos, ela ficou
grávida...” (v.18). Maria e José já estavam comprometidos pelo casamento, mas
enquanto aguardavam o momento de casamento, eles se mantinham separados pela
tradição na época. O casamento, contratado desde cedo pelos pais, quase sempre
se realizava logo depois de puberdade; mas a moça continuava a viver com os
pais por algum tempo, depois do contrato, até que o marido fosse capaz de
sustentá-la em sua casa ou na casa de seus pais. E durante esse período não
eram permitidos as relações sexuais. Mas Maria estava grávida. O que José podia
fazer diante dessa situação?
O Evangelho apresenta José como um homem justo (v.19). Um
homem justo na Bíblia é aquele que é fiel aos mandamentos de Deus, que tem fé
nos anúncios proféticos e espera seu cumprimento. Ele, por isso, é protótipo de
um israelita verdadeiro.
Mas esse homem fiel se encontra no conflito ou no dilema de
difícil solução. Por um lado, ele é um homem fiel aos mandamentos de Deus. Por
causa disso, a lei o obriga a repudiar Maria que se encontra grávida sem nenhuma
convivência com ele. Neste sentido a lei considera Maria culpada de adultério.
Por outro lado, ele é uma pessoa que tem muito amor ao próximo. Sabemos que o
amor sempre é acima de qualquer lei. E toda a lei deve ser direcionada para o
amor. Este amor impede José de difamar Maria publicamente, embora isto seja o
direito dele pela lei. É legal, mas é desumano e não é ético. Daí, sua decisão
de repudiá-la em segredo e não quer expô-la à vergonha pública.
Mas antes de tomar esta decisão ele entra em contato íntimo
com Deus. O Evangelho de hoje usa a palavra “sonho”. Na Bíblia o sonho é o
veículo da divina revelação (cfr. Gn 15,12;37,5 etc.). Na narrativa da infância
de Jesus em Mateus, José entra em sonho quatro vezes (Mt 1,20;2,13.19.22). É neste
momento que o Anjo do Senhor intervém. O Anjo do Senhor lhe confirma e aclara o
mistério que Maria lhe havia revelado.
O anúncio do Anjo a José (vv.20-24) segue o esquema dos
relatos do AT (cf. Jz 13) onde se anuncia o nascimento de um personagem famoso:
a) o anúncio está
rodeado de sinais divinos: anjo do Senhor, sonho;
b) que provocam medo
ou estupor: não tenha
medo;
c) o mensageiro
divino anuncia qual será o nome e a missão do menino que vai nascer: salvar o seu povo;
d) dá-se um sinal que
confirma o anúncio: cumprimento
das Escrituras.
Em outras palavras, este gênero literário supõe sempre a
aparição de um anjo, a designação do personagem interessado com um nome que
recorda sua função (aqui: José, Filho de Davi, título que o anjo não utilizará
em suas demais aparições a José), uma dificuldade que há que vencer
(geralmente, a esterilidade do seio materno; aqui, para José, receber Maria
grávida em sua casa), um sinal dado (aqui o nascimento virginal de Maria) e
finalmente, detalhes concretos sobre o nome de menino (aqui: Jesus).
Lucas se serve deste mesmo esquema para anunciar o
nascimento de João (Lc 1,5-25) e de Jesus (Lc 1,26-38). A função destes
anúncios é vincular a dito personagem, já desde seu nascimento, com o projeto
divino.
O pedido do Anjo para José não se divorciar de Maria é um
ponto importante no plano de Deus, não tanto por causa da reputação de Maria,
mas pela identidade de Jesus. A criança precisaria ser o “filho” de José, o
filho de Davi, cumprindo assim a promessa de Deus a Davi: “Suscitarei o teu
filho depois de ti... Farei o seu trono real durar para sempre” (2Sam 7,12s). O
Anjo destaca esse elemento essencial, dirigindo-se a José como “filho de Davi”.
A figura de José é também muito importante neste relato e em
todo o Evangelho da infância de Mateus. O Anjo se dirige a José como “filho de
Davi” (v.20), para pedir-lhe que receba Maria e ao menino impõe-lhe o nome. A
imposição do nome (vv.21.25) é o rito através do qual José recebe Jesus como filho.
Mateus insiste neste detalhe, porque na antigüidade um menino não passava a
formar parte da descendência paterna até que havia sido reconhecido por seu pai
ou adotado.
Ao ter conhecimento do milagre da gravidez de Maria, através
da Palavra do Senhor, José não demonstra hesitação ou dificuldade e sim, faz o
que lhe ordena o Anjo do Senhor. A dúvida de José foi vencida pela obediência
da fé. Assim, José se liga com a dinastia messiânica não por razões da
genealogia, mas, sobretudo, pelo dinamismo da obediência de sua fé que o
impulsiona a aceitar uma missão obscura. Sem ceder à tentação do abandono, o
justo José entrou na radiante obscuridade do mistério de Deus. A partir da fé,
que o animou, a estrutura de José agiganta-se. José é o homem que se deixa
guiar por Deus e mesmo sem ter evidências, aceita colaborar na obra da salvação
como Maria.
Por isso, José é o símbolo da humanidade que acolhe a graça
de Deus e que coloca a vida acima da lei. Ele é o modelo de cristão obediente à
vontade de Deus. Ele é o modelo do homem que tem respeito diante do mistério de
Deus, operado em Maria; fidelidade a toda prova de um homem que se fia de Deus;
integridade e honradez silenciosas; vazio de si mesmo e operosidade sem
protagonismos e, sobretudo, disponibilidade absoluta, fruto da obediência de
sua fé, para a vocação de serviço e da missão que o Senhor lhe confia: ser o
pai legal de Jesus. José é um grande homem. A grandeza do homem não consiste em
querer ser algo ao lado de Deus, mas em deixar que Deus seja grande nele. Foi
isso que José fez.
Só quem está disposto à franca obediência a Deus, ouvirá Sua
Palavra e poderá colaborar em Sua obra, porquanto, só quem sabe ouvir sabe
também obedecer: quando a parte puramente humana faz silêncio (como
José), tem-se o coração aberto para ouvir e executar o querer divino.
Desta dinâmica nasce a salvação.
Portanto, em José tudo é digno de admiração e imitação. É um
homem justo, temente a Deus, pronto a respeitar o mistério divino, embora
desconhecendo-lhe a dinâmica. É um homem capaz de colocar-se à escuta de Deus
nos momentos de dificuldades e de se deixar inspirar por Deus.
Por isso, vamos nos perguntar: será que temos tempo para nos
colocarmos à escuta de Deus tanto nos momentos de dificuldades como nos de
alegria?
Nós vivemos numa sociedade onde as coisas acontecem com
muita rapidez. O ritmo da vida é acelerado. Levantar cedo, comer, rezar,
depressa, trabalhar e estudar sem parar. E estamos cercados de barulho. Com
toda esta agitação e barulho, temos muita dificuldade em parar e escutar a voz
interior. Por isso, os acontecimentos e as experiências passam por nós, mas não
entram e não penetram na nossa vida.
O início de uma vida equilibrada e com sentido começa com a
criação de um espaço interior, no qual a pessoa vai juntando os acontecimentos
e procura seu sentido, como José e Maria de Nazaré. Ali a pessoa toma fôlego e
repousa em Deus e pode perceber os sinais de Deus na vida e nos seus acontecimentos.
O silêncio pode levar-nos a encontrar o nosso eixo. Onde é
que eu procuro o meu centro? Às vezes, o centro da vida de uma pessoa é o
trabalho. Hoje em dia há uma dependência exagerada do trabalho. Quando há
dependência, não existe liberdade; este valor só desabrocha no centro do ser. E
o silêncio chega quando as nossas energias começam a descansar. O silêncio nos
acolhe quando o nosso ego fica em paz e sossego. Quando não sabemos o que é
descansar, não sabemos o que é viver. O nosso ego é, na verdade, o centro de
todos os nossos desejos, lucros, possessões e domínios.
Mas a vida nunca é o que se consegue. Não é o que se tem. A
vida é o que se é. Por isso, na vida é tão importante a pessoa dar-se (como
Maria e José). Deus dá-se: na luz, no sopro de vida. Não se pode ignorar que
tudo quanto se alcança, se perde. E só o que se é, permanece.
Maria e José nos ensinam a cultivar a interioridade. Guardar
as coisas no coração, meditar e buscar sentido nos acontecimentos e preparar-se
para o que vai acontecer.
A partir disso tudo aprendemos que a verdadeira natureza do
homem está aberta ao divino e somente se compreende a partir desta
possibilidade. Se prescindirmos dessa possibilidade, o homem fica sem chegar à
sua realização. Deus e o homem se sumam que tem como conseqüência a humanização
e a divinização do homem que leva o homem a ser mais irmão para os outros.
Por tudo isso, poderíamos rezar assim: Senhor Deus, dá
também a nós a força da fé de José e de Maria, a firmeza de sua esperança, o
fogo de seu amor por Ti. E quando, perdidos nos trajetos da vida, pararmos sem
saber para onde ir, concede-nos também a nós que vislumbremos nas trevas o Teu
rosto. Em meio ao estridor e à balbúrdia da nossa era tecnológica, tão potente,
mas ao mesmo tempo tão pobre e sem força, ensina-nos a distinguir o silêncio da
eternidade, e dá-nos que nele reconheçamos a tua voz, como Maria e José e que
escutemos as Tuas palavras que ainda hoje nos devolvem a coragem: “Eu estou
convosco todos os dias, até o fim do mundo porque o meu nome é EMANUEL: Deus
conosco. Amém”.
P. Vitus Gustama,SVD
Um comentário:
Muito linda sua homilias Pe Vitus, fico muito feliz que voltou a postar novamente, Deus lhe abençoe. Grande abraço.
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