segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Domingo,29/01/2017
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FAZER O HOMEM FELIZ É O PROJETO DE JESUS CRISTO


IV DOMINGO DO TEMPO COMUM “A”


Primeira Leitura: Sf 2,3; 3,12-13


3Buscai o Senhor, humildes da terra, que pondes em prática seus preceitos; praticai a justiça, procurai a humildade; achareis talvez um refúgio no dia da cólera do Senhor. 3,12E deixarei entre vós um punhado de homens humildes e pobres. E no nome do Senhor porá sua esperança o resto de Israel. 13Eles não cometerão iniquidades nem falarão mentiras; não se encontrará em sua boca uma língua enganadora; serão apascentados e repousarão, e ninguém os molestará.


Segunda Leitura: 1Cor 1,26-31


26Considerai vós mesmos, irmãos, como fostes chamados por Deus. Pois entre vós não há muitos sábios de sabedoria humana nem muitos poderosos nem muitos nobres. 27Na verdade, Deus escolheu o que o mundo considera como estúpido, para assim confundir os sábios; Deus escolheu o que o mundo considera como fraco, para assim confundir o que é forte; 28Deus escolheu o que para o mundo é sem importância e desprezado, o que não tem nenhuma serventia, para assim mostrar a inutilidade do que é considerado importante, 29para que ninguém possa gloriar-se diante dele. 30É graças a ele que vós estais em Cristo Jesus, o qual se tornou para nós, da parte de Deus: sabedoria, justiça, santificação e libertação, 31para que, como está escrito, “quem se gloria, glorie-se no Senhor”.


Evangelho: Mt 5,1-12a


Naquele tempo, 1Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte e sentou-se. Os discípulos aproximaram-se, 2e Jesus começou a ensiná-los: 3”Bem-aventurados os pobres em espírito, porque deles é o Reino dos Céus. 4Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados. 5Bem-aventurados os mansos, porque possuirão a terra. 6Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados. 7Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia. 8Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus. 9Bem-aventurados os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus. 10Bem-aventurados os que são perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino dos Céus. 11Bem-aventurados sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem, e mentindo disserem todo tipo de mal contra vós, por causa de mim. 12aAlegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos céus.
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O texto do evangelho deste domingo pertence ao “Sermão da Montanha” (Mt 5-7). Toda a tradição eclesial viu no Sermão da Montanha as bases fundadoras da ética cristã, isto é, a forma de viver de quem se diz cristão. “Quem quer que considere de modo piedoso e simples o Sermão que Nosso Senhor Jesus Cristo pronunciou na Montanha, julgo que encontrará nele, no tocante à retidão moral, a regra perfeita da vida cristã... Eu disse isto para mostrar que este sermão é perfeito no que toca aos preceitos reguladores da vida cristã...” (Santo Agostinho: Sobre o Sermão do Senhor na Montanha). O Sermão da Montanha é a Lei do Reino para todos os cristãos. Por isso, cada cristão precisa meditar sobre essa Lei.


Mateus reúne muitos dos ensinamentos de Jesus em cinco discursos que ele coloca ao longo do seu evangelho (Mt 5-7;10;13;18;24-25). Todos eles terminam com a mesma fórmula e têm umas características similares. Eles são muito mais uma coleção de ensinamentos do que discursos quando comparamos com outros discursos no livro dos Atos.


Para compor este primeiro discurso, Mt se serviu de várias fontes que Lc também conhece (cf. Lc 6,20-49). Ao agrupar os ensinamentos de Jesus, Mt quer proporcionar sua comunidade uma série de ensinamentos para a vida cristã. Mt quer oferecer à sua comunidade um código ético, distinto ao código ético do judaísmo.


É evidente, então, que com a expressão “Sermão da Montanha” o evangelista não esteja registrando um discurso único pronunciado de uma só vez no mesmo lugar, e sim, reunindo e organizando pequenos grupos de ditos de Jesus sobre o discipulado pronunciados em várias ocasiões durante seu ministério. Dificilmente qualquer mestre condensaria tanta instrução em um único sermão e numa única vez e no mesmo local.


As Bem-Aventuranças


O Sermão da Montanha começa com as bem-aventuranças. É importante observar que o que se declara bem-aventurado são as pessoas e não as situações. Isto quer dizer que as bem-aventuranças não convalidam ou consagram situações sociológicas de injustiça e de dor e sim elogiam ou louvam as pessoas ativas, as pessoas que levam adiante os valores humanos como desprendimento, justiça, perdão, amor, mansidão, paz, fidelidade no casamento e assim por diante, mesmo que sofram por causa disso. Qualquer situação humana, vivida na linha do Evangelho é boa para realizar o projeto de santidade que Deus espera de nós.


As bem-aventuranças são como síntese da mensagem cristã, como projeto de vida para viver a santidade de Deus. Exegeticamente, o gênero bem-aventurança não é novo no NT, tampouco é exclusivo dos evangelhos. O AT nos apresenta numerosos exemplos de bem-aventuranças. Somente no Livro de Salmos encontramos mais de vinte (Sl 40,2; 127,1; etc.). No Livro de Apocalipse de Joao encontramos sete bem-aventuranças (cf. Ap 1,3; 14,3; 16,15; 19,9; 20,6; 22,7; 22,14).


As oito bem-aventuranças com que Mateus introduz o Sermão da Montanha se mostram literariamente bem construídas, o que nos mostra a mão do redator eclesial. A primeira e a última bem-aventurança contém a mesma promessa. A quarta e a oitava mencionam a justiça. Quatro delas apresentam situações de conflito: pobreza, pranto, sofrimento, fome-sede e perseguição. Três se centram em ações positivas: misericórdia, pureza de coração, esforço pela paz.


As bem-aventuranças são os gritos de alegria de Jesus pela chegada do Reino de Deus (dos céus) e a libertação que chegam com ele. Elas servem como orientação para a conversão e a mudança de vida que elas exigem. Em cada bem-aventurança existe uma tensão entre a situação presente e a situação que está para brotar ou chegar: o Reino de Deus se faz germinar nos corações dos pobres em espírito, nos mansos, nos misericordiosos etc.... e Deus está pronto a instaurar o seu Reino definitivamente através dos bem-aventurados. Por isso, as bem-aventuranças são mensagens de esperança, e palavras de consolo para os que aceitam a chegada do Reino de Deus.


No grego clássico, esta palavra “Bem-aventurado” (em grego makariori) significava “felicidade, boa sorte, bem estar”. Píndaro, Platão e Aristóteles, por exemplo, a usaram regularmente em saudações, para enviar votos de felicidade e para descrever a pessoa bem-nascida, educada ou feliz. O uso que Mateus dá à palavra tem esse mesmo sentido de perfeição, alegria e recompensa em decorrência de se viver da maneira que as bem-aventuranças encorajam. As bem-aventuranças são descrições das qualidades que devem ser encontradas na vida dos que se submetem à soberania de Deus. Elas são também uma declaração das bênçãos ou uma proclamação da felicidade (não só promessas da felicidade) que já experimentam em parte e que irão gozar mais plenamente na vida futura todos os que revelem tais virtudes.


Jesus quer fazer de seus discípulos felizes (veja Jo 15,11); não imagina que alguém possa ser seu discípulo e não ser feliz. Se um seguidor não estiver feliz, deve perguntar-se sobre o porquê desta situação. Quando nos falta a felicidade, não será porque, nesse momento, não procuramos a Deus de verdade no trabalho, naqueles que nos rodeiam, nas dificuldades? Mas devemos estar conscientes de que a felicidade da qual falam as bem-aventuranças não exclui as contradições e o sofrimento. A felicidade verdadeira passa pelo caminho da cruz. Jesus proclama as bem-aventuranças porque ele as viveu primeiro. As bem-aventuranças refletem sua experiência, na sua prática concreta de fé e de esperança, perpassada pelo sofrimento e pela perspectiva da cruz. Jesus é, por isso, garantia e modelo da existência feliz.


As bem-aventuranças começa com dois versículos introdutórios bem densos teologicamente: “Vendo Jesus as multidões, subiu à montanha. Ao sentar-se, aproximaram-se dele os seus discípulos. E pôs-se a falar e os ensinava...”


Jesus Se Encontra Na Montanha Ensinando


Jesus vê as multidões. O olhar de Jesus é o olhar de Deus: penetrante e fascina. O olhar que não fica na superfície, mas penetra profundamente, atinge o coração e vê o que está no íntimo do homem. Os olhos de Jesus são os que sabem comunicar para estabelecer um contato. As multidões que Jesus enxerga diante de si são aquelas que lhe seguiram, aquela massa heterogênea, vindo de todas as partes de Israel (Mt 4,25). O discurso vai-se dirigir, portanto, a toda a terra de Israel, aos representantes de todos os distritos e de todas as tribos. Isto já basta para sublinhar a importância do discurso que vem em seguida.


Quando Jesus convida os discípulos a se aproximarem dele e permanecerem ao seu lado, o seu olhar de amor dirige-se sempre às multidões. Não podemos nos aproximar de Jesus e conhecer-lhe as intenções cheias de amor por nós, se não tivermos como ele este amoroso olhar pelas multidões.


Jesus subiu ao monte. A palavra “monte” simboliza o lugar de Deus e o de sua manifestação (Sinai, Horeb, Tabor etc.), a esfera divina, o do encontro com Deus. Mas aqui Jesus é aquele que fala da revelação e dá a Lei; ele fala no lugar de Deus. Jesus nos convida a subir ao monte. Nossa vida deve ser sempre uma subida espiritual até chegar a Deus, à esfera divina. Quando o cristão estiver no lugar de Deus, ele poderá enxergar melhor sua vida e as pessoas ao seu redor. Consequentemente, à vaidade ele opõe a humildade, às blasfêmias a exortação, à arrogância uma educação sem falha e ele transforma sua crítica em humildes sugestões, sua lucidez em vigilância, sua força em persuasão e sua caridade em delicadeza.


Jesus sentou-se. “Estar sentado” é a atitude própria do mestre. Nas sinagogas sentados os rabinos ensinavam na cátedra de Moisés (Mt 23,2). Jesus sentou-se porque este era a postura antiga de mestres, um sinal de seu dignidade e autoridade. E a solenidade é acrescentada com a fórmula,” e ele abriu sua boca”.  Esta observação, sentar-se, revela que se trata de uma instrução importante, de um ensinamento oficial. A expressão também enfatiza a importância do ensinamento que vai começar imediatamente. Com isso, Jesus interpreta normativamente a Palavra de Deus. E ele traduz a Palavra de Deus para aquela multidão, mais acostumada a ouvir do que a ler, como chamas que iluminam e esquentam, mas que também queimam.


Os discípulos aproximaram-se de Jesus. A palavra “discípulo” aqui significa literalmente “aprendizes” ou “estudantes”. “Discípulo” é uma das palavras preferidas de Mateus e “membros de sua comunidade”. Ao dizer que os discípulos aproximaram-se de Jesus, Mateus quer nos dizer que não existe mais a distância que separe o ser humano de Deus. Se no Antigo Testamento só Moisés que subiu ao monte para encontrar-se com Deus e para receber o decálogo (cf. Ex 19-20), agora a partir de Jesus, qualquer ser humano tem o acesso a Deus. Mateus justamente quer nos mostrar, através de seu evangelho, que Deus é Emanuel, Deus conosco (Mt 1,23;18,20;28,20). A aproximação/subida dos discípulos mostra que não há mais distância entre Deus e o homem. Pela adesão a Jesus, superou-se a distância que os separava do Reinado de Deus (Mt 4,17: o Reino dos céus está próximo). Quem aderir a Jesus também não criará distância dos outros, pois os outros são passagem obrigatória para chegar até Deus. Quem acredita em Deus não cria muros e sim pontes.


Jesus pôs-se a falar e os ensinava. Ensinar é uma atividade característica de Jesus (Mt 4,23-25;9,35;11,1), que os discípulos só poderão assumir depois de ver Jesus Ressuscitado (Mt 28,16-20).


Quem são os felizes na proclamação de Jesus, no Sermão da Montanha?


O feliz é aquele que é pobre no espírito (v.3). O termo “espírito” na concepção semita conota sempre força e atividade vital. Os pobres em espírito são os “curvados de espírito” (anawim: os oprimidos socialmente, incapazes de fazer respeitar seus direitos, forçados a se curvar diante dos ricos e dos poderosos), os que se submetem interiormente, uma disposição espiritual, sem resistência, à vontade de Deus, os que aceitam humildemente o senhorio de Deus sobre suas vidas, aqueles que esperam tudo das mãos de Deus. É uma declaração de felicidade para quem se abre à ação de Deus numa atitude de acolhimento ou acolhida do Reino de Deus. Esta atitude de humildade diante de Deus, nascida da fé, se traduz em atitudes e condutas de desapego aos bens materiais, de bondade, de partilha que é a alma do projeto/plano de Deus, e de solidariedade. Esta primeira bem-aventurança é básica, porque exprime a atitude fundamental necessária para a pertença do Reino: a atitude de receptividade (diante da soberania de Deus). Sem ela, é impossível deixar-se enriquecer, viver e crescer na comunhão com Deus e os outros.


Os pobres no espirito são felizes porque têm esperança em Deus, algo que falta cada vez mais no mundo. Os ricos materialmente e poderosos já conseguiram o que queriam. Agora já não tem esperança, mas agora somente tem medo: medo de perder o poder, medo de que alguém possa roubar seu dinheiro, medo de ser pobres, medo de morrer e que não vão levar nada para o túmulo. Ao contrário, os pobres conhecem a esperança contra toda esperança.


Mas não é a esperança da raposa que declara imaturas as uvas por não poder alcança-las, pois a esperança dos pobres e a dos cristãos se acredita na luta diária pela justiça, a solidariedade, a igualdade e a fraternidade. O que esperamos, o que alcançaremos pela graça de Deus, mas não sem nosso esforço, compromisso e trabalho diário.  


Na medida em que confiarmos totalmente em Cristo, o Deus-Conosco e O seguirmos como pobres no espírito, nós seremos libertados de todo desejo de dominação e de posse, de ganancia e de materialismo. Além do mais, onde o Reino de Deus for acolhido com alegria e gratidão, ninguém mais explorará o pobre, o marginalizado, o que é objeto de toda espécie de competições; ninguém mais deixar-se-á dominar pelo egoísmo. A opressão, a injustiça, o racismo não terão mais lugar onde for verdadeiramente acolhido o grande dom, a riqueza infinita do Reino de Deus. E fazer bom uso da graça, de todas as nossas capacidades e dos bens materiais, significa sempre servir a Deus no próximo. 


Portanto, a opção pelos pobres e a comunhão com eles em sua causa é o que acredita e sustenta nossa esperança no Reino. Pobreza no espirito é o campo fértil onde germina a graça de Deus. Em reconhecimento de sua debilidade e ao experimentar o poder de Deus, os pobres no espirito se abandonam em Deus e se entregam a Ele cegamente (fé firme). Os pobres nos espirito nos tornam mais humanos e irmãos toda vez que entrarmos em contato com eles. Eles nos humanizam. Eles são progressistas de verdade.


Jesus declara felizes não os que são mansos por temperamento (v.4), mas os que, apesar de disporem de meios para fazer valer seus direitos, não são violentos nem agressivos mas pacientes e indulgentes pois a justiça do Reino não será imposta através da violência que destrói, nem pelo “extermínio dos filhos das trevas” mas através da força de Deus e como fruto da confiança inabalável na justiça de Deus em favor dos injustiçados e humilhados. O manso é aquele que não se deixa dominar pelas contradições da vida e sabe manter-se paciente na espera da plenitude. O manso não procura exercer violência sobre Deus, arrancar dele tudo que deseja. O manso aceita o tempo de Deus e a maneira de Deus. Por isso, o manso não é um fraco, mas um crente que tem força da alma. A mansidão é o sinal visível da benevolência e do respeito. Em Cristo encontramos o modelo perfeito da mansidão: “...aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração...” (cf. Mt 11,29).


Jesus proclama bem-aventurados os aflitos porque serão consolado s(v.5). O termo grego que se usa é penthos que designa sofrimento muito intenso, uma dor viva quase desesperadora. Esses aflitos são muito concretamente: choram seus pais, seus amigos, suas seguranças sociais desaparecidas ou ameaçadas. É claro que Jesus não canoniza a tristeza nem condena a alegria quando proclama essa bem-aventurança. Jesus declara felizes os que estão aflitos(v.5) por experimentarem a ausência da justiça de Deus mas continuam esperando em Deus pois só Ele pode converter a tristeza em alegria e o pranto em canto. Todos os que se afligem diante das manifestações do anti-Reino serão consolados com a certeza do amor de Deus, mesmo no meio das maiores aflições. E com a certeza de que os frutos do que agora semeiam com lágrimas, a bondade, a justiça, a lealdade, serão colhidos com cânticos.


Para Jesus são felizes aqueles que praticam a justiça e não iniquidade (v.6). A “justiça nova” proclamada por Jesus é o tema central do Sermão da Montanha. Esta palavra aparece cinco vezes no Sermão da Montanha, de um total de sete vezes em todo o evangelho(3,15;5,6.10.20;6,1.33;21,32). A justiça aqui significa viver em conformidade com a vontade de Deus, submeter-se a Ele sem restrições. É a prática dessa justiça, a conduta em conformidade com a vontade de Deus, que dá acesso ao Reino de Deus.


Jesus proclama bem-aventurados os misericordiosos. A misericórdia é a atitude divina que perdoa as faltas cometidas e a mercê ativa de Deus em relação às pessoas na necessidade. Deus manifesta sua misericórdia pela nossa salvação perdoando nossos pecados. Ser misericordioso é uma necessidade na vida comunitária. A misericórdia é uma atitude que cada cristão deve ter (Cf Mt 6,14;18,21-35). É, portanto, essencial, para nós, perdoar generosamente a quem nos ofende e se nos opõe, a fim de merecermos ser filhos de Deus. O perdão é a obra de misericórdia por excelência. Misericórdia é ter o coração atento às misérias. Trata-se de um estado interior de bondade que se traduz no agir. Os misericordiosos são aqueles que, efetivamente, abrem seu coração para os outros e executam gestos concretos para aliviar sua aflição. Os felizes não são os que, por índole natural, têm um coração sensível e sentimentos de compaixão(v.7), mas os que fazem gestos concretos de misericórdia, ajudando e servindo os necessitados. O justo é aquele que é misericordioso e doa(Sl 37,21). Não se reduz a um puro sentimento afetivo; exige um movimento efetivo em direção ao necessitado. Exige emoção no sentido mover-se em direção ao outro e com o outro. Ao sentir-se “comovidos” pelo sofrimento dos outros, os misericordiosos entram em ação para aliviar e, se possível, curar o sofrimento atacando suas causas. O amor misericordioso constitui o centro do mistério de Deus revelado em Jesus Cristo. Tudo que Jesus faz, nasce de suas entranhas de misericórdia. A misericórdia pertence ao núcleo da pregação de Jesus em Mateus (5,17-20;9,13;12,7;25,31-46; cf. também 18,23-35;6,14s).


Se a misericórdia se tornar o empenho fundamental da nossa vida, do nosso modo de pensar, de falar e de agir, na hora de nossa partida desta terra iremos ao encontro de Cristo com confiança absoluta, pois alcançaremos misericórdia.


Jesus declara bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus. Na Bíblia, o coração é a sede do pensamento, da vontade e dos sentimentos. Ter um coração limpo é viver e atuar sem nenhuma duplicidade e engano. A pureza de coração consiste não somente no nível de comportamento exterior, mas na disposições interiores. “Eles verão a Deus”, no sentido de não somente olharmos para Deus como para um objeto ou um espetáculo, mas tendo acesso a ele, pertenceremos à sua roda, gozando da sua familiaridade. Para isso, devemos ter um coração puro. Os que olham o mundo, as pessoas com os olhos de Deus são declarados felizes(v.8), pois tudo isso é a expressão da pureza do coração, um coração limpo, simples e sincero. É declarado feliz quem se põe a serviço de Deus e dos homens sem cálculos interesseiros e sem falsa piedade; o feliz é quem é transparente no pensar e no agir.


O homem de lábios impuros, que vive no meio de um povo de lábios impuros, será e permanecerá cego.


Os felizes não são os que têm temperamento tranquilo, que desfrutam da paz interior do coração e que não perturbam os outros. Este tipo de paz diz respeito aos próprios sujeitos. Mas nesta bem-aventurança trata-se dos que fazem, constroem, promovem a paz no dia-a-dia(v.9), tecendo laços novos de solidariedade, de verdade e de justiça (cf. Sl 34,14s). “Quem são os pacíficos? Não os pacifistas, mas os promotores da paz. Não basta ser pacífico. É necessário ser promotor da paz” (Santo Agostinho). A paz (shalom) é síntese de todos os bens messiânicos, como dom aos homens que Deus ama (Lc 2,14). Aos construtores da paz é feita a promessa solene de que no juízo final lhes será dado o maior de todos os títulos: “Serão chamados filhos de Deus”.  “Não odeias aos cegos, mesmo que ames a luz. Da mesma forma, deves amar a paz sem odiar os que fazem a guerra” (Santo Agostinho, Sermão 357,1).


Na última bem-aventurança usa-se a segunda pessoa de plural: “sois vós”. O evangelista se dirige diretamente aos membros de sua comunidade que tem a experiência de ser perseguidos por causa de Jesus para animá-los no meio de sua adversidade.  E na última bem-aventurança (vv.10-12) se sublinha uma verdade: se não sofremos nenhuma forma de perseguição, de injúrias e calúnias por causa do Evangelho é sinal de que não optamos verdadeiramente por Jesus e seu Reino, pois o Evangelho que não incomoda mais não é mais o evangelho. Quem, ao anunciar o Evangelho, for aplaudido por todos e sobretudo pelos donos de poder, pode estar certo de que ele ainda não é o profeta verdadeiro, pois ele deixou de ser o sal da terra para converter-se em adoçante. Tirar do evangelho de Jesus o que possa ferir os que podem matar porque têm em suas mãos os poderes mortíferos da terra significa trair o evangelho e parar de ser cristão. O teste para verificar a fidelidade a Jesus de cada cristão, de cada comunidade cristã, e da Igreja como um todo, é ser ou não ser perseguido pelas forças do anti-Reino porque as razões da perseguição só podem ser mentirosas e as testemunhas só podem ser falsas. No caso de perseguição (como também na primeira bem-aventurança), a promessa é formulada no presente: “Deles é o Reino dos céus”. O reino lhes pertence desde agora.


Portanto, que cada um de nós que se chama cristão, se pergunte: o que falta ainda em mim destas bem-aventuranças? Quais delas tenho vivido? E por que ainda não tenho vivido algumas dessas bem-aventuranças? 


P. Vitus Gustama,svd

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