19/03/2019
VIVER
NO AMOR FRATERNO E NA JUSTIÇA É VIVER UMA VERDADEIRA RELIGIÃO QUE É O FRUTO DA CONVERSÃO
PROFUNDA
Terça-Feira
da II Semana da Quaresma
Primeira Leitura: Is
1,10.16-20
10
Ouvi a palavra do Senhor, magistrados de Sodoma, prestai ouvidos ao ensinamento
do nosso Deus, povo de Gomorra. 16 Lavai-vos,
purificai-vos. Tirai a maldade de
vossas ações de minha frente. Deixai de fazer o mal!
17 Aprendei a fazer o bem!
Procurai o direito, corrigi o opressor. Julgai a causa do órfão, defendei a
viúva. 18 Vinde, debatamos — diz o Senhor. Ainda que vossos pecados sejam como púrpura, tornar-se-ão brancos como
a neve. Se forem vermelhos como o
carmesim, tornar-se-ão como lã. 19 Se consentirdes em obedecer, comereis as
coisas boas da terra. 20 Mas se recusardes e vos rebelardes, pela espada sereis
devorados, porque a boca do Senhor falou!
Evangelho: Mt 23,1-12
Naquele
tempo , 1Jesus falou às multidões e aos seus
discípulos e lhes
disse: 2“Os escribas e os fariseus estão sentados na cátedra de Moisés. 3Por isso ,
deveis fazer e observar tudo o que eles dizem. Mas
não imiteis suas
ações ! Pois eles falam e não
praticam. 4Amarram pesados fardos
e os colocam nos ombros
dos outros , mas
eles mesmos
não estão dispostos
a movê-los, nem sequer
com um
dedo . 5Fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros . Eles
usam faixas largas, com
trechos da Escritura ,
na testa e nos
braços , e põem na roupa
longas franjas . 6Gostam de lugar de honra nos banquetes e
dos primeiros lugares
nas sinagogas . 7Gostam de ser cumprimentados nas praças
públicas e de serem chamados de Mestre . 8Quanto a vós , nunca vos
deixeis chamar de Mestre ,
pois um só é vosso Mestre e todos vós sois irmãos .
9Na terra , não
chameis a ninguém de pai , pois um só é vosso Pai , aquele que está
nos céus .
10Não deixeis que vos chamem
de guias , pois
um só
é vosso Guia ,
Cristo . 11Pelo
contrário , o maior
dentre vós
deve ser aquele
que vos
serve. 12Quem se exaltar será humilhado, e quem
se humilhar será exaltado”.
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A
Verdadeira Conversão Consiste Na Prática Do Bem e Da Justiça
“Ouvi a palavra do Senhor, magistrados de Sodoma, prestai ouvidos ao
ensinamento do nosso Deus, povo de Gomorra. Lavai-vos, purificai-vos. Tirai a maldade de vossas ações de minha
frente. Deixai de fazer o mal! Aprendei a fazer o bem! Procurai o direito,
corrigi o opressor. Julgai a causa do órfão, defendei a viúva”.
Fazer o bem e buscar a justiça, tornando a
própria a causa do pobre são manifestações de que o homem realmente deseja
retornar ao Senhor, arrependido de seus pecados. A conversão profunda faz
nascer um amor libertador. O amor que se libera para o bem dos outros é o amor
que se mantém.
Este oráculo, que lemos na Primeira Leitura
de hoje, remonta aos primeiros anos do ministério do profeta Isaías. Neste
oráculo, o profeta Isaías ataca a
hipocrisia religiosa do povo e de seus dirigentes. O povo pensa que vai dar
muito prazer a Deus quando lota de gente os átrios de seu templo com oferendas
tão opulentas. Mas a impureza moral daqueles que oferecem os sacrifícios é tão
repugnante/nojenta que Deus não pode tolerar essa religião sem fé. Trata-se de
um oráculo contra a religião formalista, externa e vazia, sem amor. Este povo
podre é representado por duas cidades, Sodoma e Gomorra, que se aproveitam das
fórmulas religiosas para oprimir e explorar os necessitados.
O profeta exorta o povo a mudar de conduta e
assinala em que consiste a verdadeira religião: em obras de amor sincero que se
expressa na prática do bem e da justiça, e na defesa do oprimido, como lemos nos
textos de Isaías nos dias da semana de Cinzas: “Lavai-vos, purificai-vos. Tirai a maldade de vossas ações de minha
frente. Deixai de fazer o mal! Aprendei a fazer o bem! Procurai o direito,
corrigi o opressor. Julgai a causa do órfão, defendei a viúva”, assim
escreveu o profeta. A verdadeira penitência consiste na procura do bem e da
justiça. Caso contrário, o culto careceria de sentido. A boa relação com Deus
se mede pela boa relação com o próximo. O meu tratamento com o próximo será usado
como critério para o meu julgamento final (cf. Mt 25,31-46). Por isso, há uma
possibilidade de Deus aceitar o culto: que o povo se converta acolhendo os
pobres nas suas necessidades que são representados pelos órfãos e viúvas.
Não estamos longe da atitude do povo da época
do profeta Isaías. Temos o perigo de que nosso culto a Deus pode se situar
apenas no plano de uma religião sem fé. O rito, o culto deve traduzir sempre a
conversão pessoal e a da comunidade.
A prática do amor fraterno é a essência da
religião ou o espírito da religião. Uma religião sem o compromisso com o amor
fraterno e sem o compromisso de uma conduta coerente é um ópio que adormece a
própria consciência e um instrumento que engana os outros. Deus se importa
menos com a religião que seus adeptos praticam do que com o amor fraterno que
eles vivem (cf. Mt 25,31-46). Fiquemos atentos para que nossa prática religiosa
não seja mais importante do que o próprio Deus e nosso próximo.
É
Preciso Ter Coerência Entre Fé e Vida
“Os
escribas e os fariseus estão sentados na cátedra
de Moisés. Por isso, deveis fazer e observar tudo o que eles dizem. Mas não
imiteis suas ações! Pois eles falam e não praticam”, disse Jesus.
A “cátedra
de Moisés” é o lugar onde os profetas se sentavam para ensinar segundo
aparece em Dt 18,15.18. Este símbolo da tradição judaica, de onde foram dadas
as leis que o povo assumiu como mandadas por Deus, foi usurpado pelos poderosos
para acomodar as regras à própria vontade e não conforme a vontade de Deus. O
que menos importava para os manipuladores da Lei era a vida do povo.
Será que os nossos governantes também menos
importam a vida do povo para pensar somente na defesa do próprio interesse egoísta?
Será que os escribas e os fariseus da época de Jesus continuam vivendo entre nós?
Quem pode, como Jesus, gritar em nome do povo sofredor para os manipuladores da
vida do povo?
No evangelho de hoje, Jesus condena duramente
os fariseus “que dizem e não fazem”. Nossas palavras não podem ultrapassar
nossa vida ou nossas ações para não nos tornarmos hipócritas. O que menos
importava para os manipuladores da Lei (os escribas e fariseus) era a vida do
povo. A grandeza na nova forma de vida inaugurada por Jesus se baseava no
serviço, especialmente aos pobres, aos simples e aos que não tinham nenhum
privilegio, pois deles não se esperava nada de troca: “O maior dentre vós
deve ser aquele que vos serve”. “Prestar serviço sem humildade é, ao mesmo
tempo, egoísmo e egocentrismo” (Mahatma Gandhi). O objetivo da crítica de ambos
(Isaias e Jesus) é provocar a conversão nos seus ouvintes. Uma religião sem fé
e sem amor não leva ninguém para o céu.
Uma religião
que não
liberta as pessoas ,
mas somente
está cheia de regras por regras , não é uma verdadeira religião .
A intenção de Jesus é chamar
a atenção para
um perigo
que ronda
toda comunidade
cristã: o risco de esconder-se atrás de normas
e regras , atrás dos preceitos, o risco do abuso espiritual , de exercer o poder sobre os outros sob um pretexto religioso , o risco
de usar a moralização para
desviar a atenção
das fraquezas humanas.
A religião
real é na essência
uma relação interior
entre Deus
e o homem . As regras
são necessárias, se forem instrumentos para facilitar este
relacionamento a fim de alcançar
a graça e a misericórdia
de Deus .
É verdade que a experiência
interior precisa
achar expressão
externa , porém ,
esta expressão exterior
deve ser natural ,
sem exibicionismo
religioso . Sabemos que
o exibicionista é uma pessoa
de personalidade superficial, fraca e sem ideais sólidos . A norma
de seu comportamento
é a ostentação de si
próprio . Sua preocupação é colocar-se em
evidencia, ser notado e elogiado. Toda pessoa possui algum lado bom , e ninguém
consegue resistir à tentação
de considerar-se mais do que vale e de parecer mais do que é. Mas um exibicionista
exagera tudo .
Ele não
quer ser bom , mas quer parecer bom . Por isso , ele fica com um coração vazio . Por esta razão ,
Jesus quer que
abandonemos este comportamento
para não nos tornarmos pessoas
vazias, mas pessoas
cheias de espírito
de fraternidade e de igualdade .
A hipocrisia
consiste em enganar
os outros através dos gestos religiosos
ou das prerrogativas sacrais a quem não se tem direito. Em outras palavras,
tem-se a aparência de um santo, mas por trás há podridão. Aparentemente, o
hipócrita presta culto a Deus, mas que, na verdade, ele procura várias maneiras
para que ele esteja em destaque sempre, e não Deus. Deste modo ele toma o lugar
de Deus atribuindo a si mesmo um poder que não merece (Mt 23,8-10; cf. Mt
15,3-14). Em vez de conduzir as pessoas para Deus, o hipócrita faz com que as
pessoas estejam ao serviço de seu egoísmo. O hipócrita põe sua ciência
teológica a serviço de seu egoísmo. Por causa do desejo de querer estar sempre
em destaque o hipócrita acaba desviando o sentido das práticas religiosas.
Segundo o Evangelho de hoje hipócrita
é aquele que
diz, mas não
faz. É aparentar ser bom , sem sê-lo.
É uma incoerência de vida . É uma duplicidade, um
fingimento . Ele
extremamente se apresenta como um homem religioso ,
alguém que
faz questão de proferir palestras bonitas sobre
o amor , sobre
a paz , sobre
o respeito para
com os outros ,
mas quando
ninguém o vê
viver assim .
A condenação
da hipocrisia religiosa
por parte
de Jesus é um aviso para
todos nós
cristãos . A hipocrisia é uma tentação permanente ao longo da história da Igreja. Ela está
presente nos sacerdotes, bispos e leigos. Todo cristão
é candidato a este
sistema de falsidade
que se manifesta
de múltiplas maneiras : na dissociação de crenças
e conduta , no divórcio
entre a fé
e a vida , no orgulho
religioso de quem
se crê bom e santo
e despreza os outros
porque falham; em
contentar-se com a estrita
observância legal ,
esquecendo a conversão do coração . A dignidade
da pessoa humana
não consiste em
parecer bom , mas em ser bom .
A Palavra de Deus proclamada hoje nos chama à
conversão que se traduz no serviço despretensioso. Viver em estado
permanente de conversão é a lei de crescimento para qualquer pessoa que
acredita em Deus. “Quem não
reconhecer seus pecados ata-os às costas como uma mochila e põe em evidência os
pecados dos outros. Não por diligência, mas por inveja. Acusando o próximo,
procura esquecer a si mesmo” (Santo Agostinho. In ps. 100,3).
O móvel da conversão não é tanto a ameaça de castigo ou de perder a salvação,
quanto a fascinação de penetrar na vida do amor trinitário divino. A conversão
conduz as pessoas juntas à maturidade espiritual, que se reflete em sua aversão
ao mal e sua atração pelo bem.
Se quisermos mostrar nossa fé aos outros não
digamos em quantas verdades acreditamos; precisamos mostrar aos outros como
vivemos o amor fraterno. Não nos transformamos em crentes ou fieis quando
mudamos apenas nossa forma de pensar, e sim quando mudamos nossa forma de viver
na fraternidade. Quando deixamos de acreditar em Deus com nossa forma de viver,
começaremos a venerar muitos ídolos e explorar e oprimir os mais fracos da
sociedade.
Se nosso Deus só vende seguros para depois da
morte e não tem respostas para esta vida, muitos não vão querer partilhar de
nossa fé. Creio que muitos ateus não se opõem a Deus e sim se opõem às
caricaturas de Deus que os crentes ou fieis lhes mostram.
P. Vitus Gustama,svd
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