06/03/2020
A
CONVERSÃO É CRER NO DEUS DA MISERICÓRDIA E DA COMPAIXÃO QUE QUER VIDA PARA
TODOS
Sexta-Feira da I Semana da Quaresma
Assim fala o Senhor: 21 “Se o ímpio se arrepender de todos os pecados
cometidos, e guardar todas as minhas leis, e praticar o direito e a justiça,
viverá com certeza e não morrerá. 22 Nenhum dos pecados que cometeu será
lembrado contra ele. Viverá por causa da justiça que praticou. 23 Será que
tenho prazer na morte do ímpio? — oráculo do Senhor Deus. Não desejo, antes,
que mude de conduta e viva? 24 Mas, se o justo desviar de sua justiça e
praticar o mal, imitando todas as práticas detestáveis feitas pelo ímpio,
poderá fazer isso e viver? Da justiça que ele praticou, nada mais será
lembrado. Por causa da infidelidade e do pecado que cometeu, por causa disso
morrerá. 25 Mas vós andais dizendo: ‘A conduta do Senhor não é correta’. Ouvi,
vós da casa de Israel: É a minha conduta que não é correta, ou antes é a vossa
conduta que não é correta? 26 Quando um justo se desvia da justiça, pratica o
mal e morre, é por causa do mal praticado que ele morre. 27 Quando um ímpio
se arrepende da maldade que praticou e observa o direito e a justiça, conserva
a própria vida. 28 Arrependendo-se de todos os seus pecados, com certeza
viverá; não morrerá”.
Naquele
tempo , disse Jesus aos seus discípulos :
20 Se a vossa justiça não for
maior que
a justiça dos mestres
da Lei e dos fariseus ,
vós não
entrareis no Reino dos Céus . 21 Vós
ouvistes o que foi dito
aos antigos : 'Não
matarás! Quem matar
será condenado pelo tribunal '.
22 Eu , porém ,
vos digo: todo aquele
que se encoleriza com
seu irmão
será réu em
juízo ; quem
disser ao seu irmão :
'patife !' será condenado pelo
tribunal ; quem
chamar o irmão
de 'tolo ' será condenado ao fogo do inferno .
23 Portanto , quando
tu estiveres levando a tua oferta para o altar , e ali te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, 24 deixa
a tua oferta ali
diante do altar ,
e vai primeiro reconciliar-te com
o teu irmão .
Só então
vai apresentar a tua oferta .
25 Procura reconciliar-te com
teu adversário ,
enquanto caminha
contigo para
o tribunal . Senão
o adversário te
entregará ao juiz , o juiz te
entregará ao oficial de justiça , e tu
serás jogado na prisão . 26 Em verdade eu te digo:
dali não sairás, enquanto
não pagares
o último centavo .
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A liturgia da
Palavra de Deus neste dia é uma catequese sobre a justiça cristã. Quem é justo
diante de Deus? Como podemos ser justificados? Ela também nos apresenta a nova
lei, a lei de Cristo ou a nova justiça.
Deus não quer a
morte do pecador e sim que se converta de sua conduta, e viva. Mas há que ter
presente a liberdade e responsabilidade pessoais, já que a relação com Deus de
Amor está muito longe de ser uma pura obediência mecânica ou um fatalismo
irreversível. Por sua liberdade interior, o homem pode, em todo momento,
converter-se e orientar sua vida para Deus. A Quaresma nos urge a fazer esta
experiência. Uma das características da Quaresma é penitencial.
O cristianismo é a
religião da interioridade e não a da ostentação e vã aparência diante dos
homens. A piedade cristã tem por único objeto a Deus e a sua vontade. E o
fundamento desta piedade é o amor. A conversão há de mostrar-se nas boas obras:
ser mais carinhosos, mais amáveis, mais desprendidos, mais bondosos e caridosos.
Deus Quer a Vida Para Os Homens e Não Sua Perda Eterna
“Será que tenho prazer na morte do ímpio? —
oráculo do Senhor Deus. Não desejo, antes, que mude de conduta e viva?” (Ez
18,23).
A Primeira Leitura tirada do livro do profeta
Ezequiel nos apresenta a ideia bíblica bastante avançada sobre justiça. Para
falar sobre justiça Ezequiel fala sobre Deus.
Para o profeta
Ezequiel o Deus do AT é também um Deus de amor, um verdadeiro Pai para suas
criaturas. Este Deus é a Vida. Por ser a Vida, Ele não pode querer o contrário.
Para todas as criaturas Ele é um Deus de vida. Consequentemente, Ele quer a
vida para suas criaturas e não o castigo: “Será
que tenho prazer na morte do ímpio? — oráculo do Senhor Deus. Não desejo, antes, que mude de conduta e
viva?” (Ez 18,23; cf. Os 11,8-9). A vida aqui deve ser entendida como a
comunicação, o amor, a plenitude, a participação no gozo da verdadeira vida, na
graça do Ser que é o próprio Deus. Trata-se da vida em plenitude.
“Será que tenho prazer na morte do ímpio? Não desejo, antes, que mude de conduta e viva?”
O profeta Ezequiel nos apresenta a compaixão de Deus. Em Deus há uma paixão; o
amor para o homem caído (cf. Jo 3,16). Em Deus há compaixão e misericórdia.
Aqui se fundamenta a paixão e compaixão de Jesus (cf. Lc 6,36).
Este Deus de
compaixão e de misericórdia há de castigar o pecado de acordo com a verdade,
mas por outro lado, Ele não pode destruir a vida, pois seria contra a Si mesmo
porque Ele mesmo é a Vida (cf. Jo 14,6; 11,25). A misericórdia de Deus
atravessa a História sem fim, por mil gerações. O profeta Ezequiel insiste
nisso. E esta misericórdia se tornou carne em Jesus Cristo. Jesus Cristo é a
misericórdia feita carne.
Além de apresentar
o Deus da compaixão e da misericórdia, o profeta Ezequiel derruba todo o gênero
de coletivismo sobre o pecado.
A teologia
tradicional judaica afirmava que o castigo, o sofrimento, dor do presente são
consequências do pecado ou de pecados do passado, cometidos por si mesmo que os
sofre ou por algum antepassado seu. É a teologia da responsabilidade coletiva
que ouvimos dos lábios de Jó, dos dirigentes judeus diante do cego de nascença
(cf. Jo 9,2-3) e de tantos pregadores recentes. Os desterrados de Babilônia
expressavam esta ideia com a seguinte frase: “Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos se embotaram”
(Jr 31,29; Ez 18,2). O conceito de comunidade, de povo era como um “dogma” na
mentalidade semítica: a comunidade se salva, a comunidade perece. O individual
se dilui no coletivo com todas as suas consequências.
Sem anular o
princípio da responsabilidade coletiva (que liga solidariamente os membros da
comunidade entre si e com seus antepassados), o profeta Ezequiel desenvolve o
princípio da responsabilidade pessoal, que supõe uma avança revolucionária na
teologia. Este princípio reza assim: “Eu
vos julgarei a cada um conforme o seu procedimento” (Ez 18,30). O homem,
cada homem sempre será dono de seu destino, e por isso, poderá escolher entre o
bem e o mal, entre a morte e a vida, mas tudo depende dele (cf. Ez 18,5ss).
Assim é possível romper a cadeia do passado, já que o Senhor não quer a morte
de nenhum homem. No entanto, para obter a vida não bastam os atos isolados, é
necessário uma atitude firme e decidida: “Quando
um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal
praticado que ele morre. Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e
observa o direito e a justiça, conserva a própria vida. Arrependendo-se de
todos os seus pecados, com certeza viverá; não morrerá” (Ez 18,26-28). A responsabilidade
recai sobre cada pessoa humana (responsabilidade individual). Para o profeta
Ezequiel cada um é responsável pelos seus atos, de modo que, quem pecar, morrerá
(Ez 18,4.18.20.24.26). Resta apenas a possibilidade de converter-se para viver
(Ez 18,32), pois Deus é misericordioso que não quer a morte do pecador e sim
sua conversão.
Em teoria, todos
nós estamos de acordo com o princípio de responsabilidade individual, mas a
práxis é outra coisa. Por causa do erro de um sacerdote, condenamos todos os
sacerdotes; por causa da culpa ou do crime de um membro de um partido ou de uma
instituição, logo dizemos que tal partido ou tal instituição não vale para
nada! Emitimos juízos categóricos e rotundos/redondos contra aquele partido ou
aquele grupo ou instituição. O profeta
Ezequiel nos ensina que devemos nos despojar de uma mentalidade religiosa
baseada nos méritos contraídos. Cada coisa deve ser tratada como uma coisa. Ou
cada caso é um caso como dizemos frequentemente. Assim também cada pessoa deve
ser tratada como uma pessoa. O descobrimento da unicidade da pessoa é o coração
da liberdade. Este descobrimento é o fruto da fé em Deus-pessoa ou provem do
Deus-pessoa. Este Deus não é instrumento da escravidão. O valor indestrutível
da pessoa depende da presença de um Deus pessoal.
” Será que tenho prazer na morte do ímpio? —
oráculo do Senhor Deus. Não desejo, antes, que mude de conduta e viva.... Quando
um justo se desvia da justiça, pratica o mal e morre, é por causa do mal
praticado que ele morre. Quando um ímpio se arrepende da maldade que praticou e
observa o direito e a justiça, conserva a própria vida. Arrependendo-se de
todos os seus pecados, com certeza viverá; não morrerá”. É o recado de Deus
para cada um de nós através da boca do profeta Ezequiel.
Deus nos ama como
pessoas; Deus nos chama com um nome pessoal, conhecido unicamente por Ele (cf.
Is 43; 49,16) e por aquele que recebe a chamada.
Ser Melhor Cristão
O texto
do evangelho deste dia faz parte do Sermão da Montanha (Mt 5-7). O cristão deve
recordar que já não está no Sinai e sim na Montanha das Bem-aventuranças
(Sermão da Montanha); que não é um seguidor de Moises e sim um discípulo de
Jesus que deve viver no amor, com amor e por amor.
O texto
do evangelho de hoje
inicia com a confrontação entre a justiça
dos escribas e dos fariseus
e a justiça exigida para
os cristãos: “Se a vossa
justiça não
for maior que
a dos mestres da lei
e dos fariseus, vós
não entrareis no reino
dos céus” (Mt 5,20). É um princípio ético fundamental
de Jesus. Para Jesus não basta ser bom, mas tem que ser melhor. “O bom é inimigo
do ótimo”, dizia São João Bosco. A justiça
do Reino de Deus
é o sinônimo de amor
misericordioso, de solidariedade fraterna, de perdão reconciliador, de
igualdade respeitosa, de empenho por construir a paz, e a recusa de toda forma
de idolatria e de injustiça.
Através desta afirmação que serve de alerta
para quem
quiser ser cristão,
Jesus quer desenvolver
o sentido profundo
da Lei cristã. Por
isso, o olhar
se detém primeiramente nos deveres sociais (Mt 5) para passar às obras
religiosas (Mt 6).
A primeira
das oposições concerne ao ensinamento do quinto
mandamento: “Não
matarás”. Jesus propõe uma interpretação
mais exigente
desta disposição que
abarca não
somente as ações
ou os atos
culpáveis nessa ordem, mas também a raiz de onde
brotam essas ações ou
esses atos:
o sentimento e a interioridade do ser humano. A proibição do homicídio
inclui na nova interpretação
de Jesus a proibição de todo
sentimento de ira
e animosidade, maledicência,
insulto, desprezo
contra o irmão:
“Eu, porém,
vos digo: todo aquele que se encoleriza
com seu irmão será réu em juízo; quem disser ao seu irmão: 'patife!' será
condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de 'tolo' será condenado ao fogo
do inferno”. Segundo Jesus a ira e
as palavras ofensivas
contra o irmão
são equiparadas ao homicídio.
Nas suas palavras Jesus enfatiza que a relação
com o irmão
adquire uma tal seriedade
que com
ela se chega
a decidir o destino definitivo da pessoa humana diante
de Deus: “Quem chamar o irmão de 'tolo' será condenado ao fogo do inferno”.
Segundo Jesus o mandamento de “não matar”
somente ficará superado no momento em que se pensar num amor universal que leva
a amar e a perdoar. Uma sociedade não se torna justa somente por não matar.
Somente o amor sem medida, convertido em solidariedade e igualdade de direitos
para todos pode formar uma sociedade justa. O que está mandado não é “não
matar” e sim “amar”. O pecado não é somente o mal que fazemos e sim o bem que
deixamos de fazer (pecado de omissão).
Ser Cristão Reconciliado
Logo depois
que apresentou a nova
formulação da antiga
lei, Jesus passa
a expor sua
concretização em forma
de um caso
para enfatizar até que ponto essa nova lei deve ser observada.
Trata-se de uma explicitação que indica
a radicalidade de sua aplicação
com a ajuda
de um exemplo
(cf. Mt 5,23-26). O cristão que se aproxima do Senhor
da Vida deve reconciliar-se primeiro com o irmão: “Quando
tu estiveres levando a tua oferta para o altar, e ali te lembrares que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa a tua oferta
ali diante
do altar, e vai primeiro
reconciliar-te com o teu irmão. Só então vai apresentar a tua oferta”.
Se há discórdia entre os homens, a
relação com Deus se rompe. Como se Deus quisesse nos dizer: “Antes de ter
relações corretas comigo, tenham primeiro entre vocês, homens, essas relações
corretas”. Não somente quem
ofendeu está obrigado a se reconciliar, mas também quem
sofreu uma ofensa. Sublinha-se o caráter urgente
deste dever diante
do qual perde a importância
de ter ou
de não ter
a razão no conflito.
Cada um
é chamado à superação de qualquer tipo
de divisão comunitária
que lhe
afete.
Jesus chama os cristãos a fazerem uma
passagem urgente: de uma prática religiosa formalista que põe ênfase sobre o
cumprimento cultual (cumprir apenas preceitos) para a vivência do amor
fraterno. O amor fraterno passa diante do culto. O primeiro de tudo e o mais
essencial para cada cristão é o amor, pois “a caridade é a plenitude da lei”
(Rm 13,10). Por isso, “Quanto mais tu amas, mais alto tu sobes” (Santo
Agostinho).
Para Jesus a
reconciliação é tarefa prioritária: a reconciliação está antes
de qualquer culto
a Deus, está antes
que ir à missa, antes que rezar, porque o projeto
de Deus sobre
a humanidade é nada
mais do que
criar um mundo de irmãos
onde todos
podem chamar a Deus
de Pai. É uma sociedade
nova onde
regem as relações humanas próprias do amor mútuo. Uma
oferenda só
é agradável a Deus,
se, quem a oferece, não
guarda, em
seu coração,
ódio, nem
rancor nem
ressentimento contra o próximo.
A oferenda a Deus
seria inútil, se o coração
do oferente fosse contaminado pela
inimizade e o seu relacionamento com alguém
estivesse rompido. Trata-se de uma exigência
radical que
escandalizam até os nossos
sentimentos humanos.
Se houver discórdia entre os homens, a
relação com Deu se rompe. Deus quer nos dizer: “Antes de ter relações corretas
comigo, vocês devem tê-las entre vocês”. A caridade fraterna passa adiante do
culto. A reconciliação é um princípio essencial de sobrevivência para as
pessoas, as famílias, as profissões, as etnias de uma geração em geração.
Portanto, convém
reconciliar-se, pôr-se de acordo, antes que
chegue o momento do juízo
definitivo de Deus.
Não se esqueça: “O bom
é inimigo do ótimo”.
Somos chamados a ser melhores
diariamente no amor fraterno
para ser dignos do Reino
de Deus e para
sermos reconhecidos como seguidores de Jesus (Jo 13,35).
Todos nós somos pecadores e devemos ter
consciência de pecadores. Ninguém pode olhar para o outro e dizer que o outro é
mau. Se tivermos uma boa formação de nossa consciência e se trabalharmos
seriamente na nossa sensibilidade, a consciência nos acusará como pecadores. O
insensível carece de consciência e nisto consiste a ruína. Somente um santo é
que capaz de se reconhecer pecador, pois ele está sempre frente a frente com o
Deus santo.
Para viver a vida cristã e a fé cristã temos
necessidade de viver da superabundância da misericórdia de Deus. E somente tendo
acolhido essa misericórdia infinita do Pai é que poderemos, por nossa vez,
perdoar nossos irmãos. Amar é perdoar. Guardar rancor contra alguém é privar-se
da bênção divina. De fato, cada pessoa não tem senão um só coração e não saberá
parti-lo em dois, sob o risco de vê-lo dilacerar-se e morrer. A unidade do
coração repousa sobre essa dupla misericórdia. O nosso mundo morre por falta de
misericórdia, pois o mundo está repleto de agressividade de todos os tipos. Não
tenhamos medo de denunciar esse drama, inclusive o mesmo drama que tem dentro
de nosso coração.
P. Vitus Gustama,svd
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