quarta-feira, 25 de março de 2020

27/03/2020
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A VIDA DO JUSTO ESTÁ NAS MÃOS DE DEUS QUE TEM A ÚLTIMA PALAVRA SOBRE O HOMEM
Sexta-Feira da IV Semana da Quaresma


I Leitura: Sb 2,1. 12-22
1ª Dizem entre si os ímpios, em seus falsos raciocínios: 12 “Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e nos reprova as faltas contra a nossa disciplina. 13 Ele declara possuir o conhecimento de Deus e chama-se ‘filho de Deus’. 14 Tornou-se uma censura aos nossos pensamentos e só o vê-lo nos é insuportável; 15 sua vida é muito diferente da dos outros, e seus caminhos são imutáveis. 16Somos comparados por ele à moeda falsa e foge de nossos caminhos como de impurezas; proclama feliz a sorte final dos justos e gloria-se de ter a Deus por pai. 17 Vejamos, pois, se é verdade o que ele diz, e comprovaremos o que vai acontecer com ele. 18 Se, de fato, o justo é ‘filho de Deus’, Deus o defenderá e o livrará das mãos dos seus inimigos. 19 Vamos pô-lo à prova com ofensas e torturas, para ver a sua serenidade e provar a sua paciência; 20 vamos condená-lo à morte vergonhosa, porque, de acordo com suas palavras, virá alguém em seu socorro”. 21 Tais são os pensamentos dos ímpios, mas enganam-se; pois a malícia os torna cegos, 22 não conhecem os segredos de Deus, não esperam recompensa para a santidade e não dão valor ao prêmio reservado às vidas puras.


Evangelho: Jo 7,1-2.10.25-30       
Naquele tempo, 1Jesus andava percorrendo a Galileia. Evitava andar pela Judeia, porque os judeus procuravam matá-lo. 2Entretanto, aproximava-se a festa judaica das Tendas. 10Quando seus irmãos já tinham subido, então também ele subiu para a festa, não publicamente mas sim como que às escondidas. 25Alguns habitantes de Jerusalém disseram então: “Não é este a quem procuram matar? 26Eis que fala em público e nada lhe dizem. Será que, na verdade, as autoridades reconheceram que ele é o Messias? 27Mas este, nós sabemos donde é. O Cristo, quando vier, ninguém saberá donde ele é”. 28Em alta voz, Jesus ensinava no Templo, dizendo: “Vós me conheceis e sabeis de onde sou; eu não vim por mim mesmo, mas o que me enviou é fidedigno. A esse, não o conheceis, 29mas eu o conheço, porque venho da parte dele, e ele foi quem me enviou”. 30Então, queriam prendê-lo, mas ninguém pôs a mão nele, porque ainda não tinha chegado a sua hora.
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Viver Como Justo É Estar Com Deus Da Vida Eternamente


Dizem entre si os ímpios, em seus falsos raciocínios: ‘Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e nos reprova as faltas contra a nossa disciplina. Ele declara possuir o conhecimento de Deus e chama-se ‘filho de Deus’. Tornou-se uma censura aos nossos pensamentos e só o vê-lo nos é insuportável; sua vida é muito diferente da dos outros, e seus caminhos são imutáveis. Somos comparados por ele à moeda falsa e foge de nossos caminhos como de impurezas; proclama feliz a sorte final dos justos e gloria-se de ter a Deus por pai”. Assim lemos alguns versículos da Primeira Leitura tirada do Livro de Sabedoria.


Na primeira leitura, o autor do livro de Sabedoria nos apresenta como as forças do mal, encarnadas nos ímpios, querem afogar a força de Deus que se manifesta na vida dos justos. É o conflito de sempre, que atravessa o coração do homem. Este fragmento do livro de Sabedoria é dirigido diretamente aos judeus fiéis de Alexandria que são perseguidos e desprezados pelos judeus renegados e pelos pagãos. A Igreja vê neste texto um anúncio da paixão de Cristo, o homem bom por excelência.


Esta passagem do livro de Sabedoria parece uma análise antecipada do que acontecerá durante a Paixão. À medida que a Semana Santa se aproxima, seria conveniente dedicar-nos mais à contemplação do Cristo sofredor: o que ele sofreu ao ver o cerco vai se apertando antes de sua morte. É uma experiência de estar cercada pelo ódio, de ser encurralada pelo desejo profundo de matar Jesus, da parte dos seus inimigos.


O autor do livro de Sabedoria nos apresenta neste fragmento (Sb 2,1-20) um dos mais belos de todo o livro por seu estilo e vigor, os sentimentos dos ímpios a respeito da vida presente (Sb 2,1-5), sua atitude diante dos prazeres da vida (Sb 2,6-9) e sua conduta frente o justo (Sb 2,10-20). Os ímpios aos quais o autor refere aqui poderiam ser também judeus apóstatas que influenciados pelo ateísmo e materialismo abandonaram a Lei e as tradições patrísticas.


A vida é curta assim começam a dizer os ímpios. Esta frase repetimos também para nós mesmos e para os outros. As primeiras palavras de um verso de Horácio (Odes, Livro I 11,8) diz: “Carpe diem quam minimum credula postera”, “Aproveita o dia (de hoje), confiada o menos possível no de amanhã”. No Evangelho conhecemos um grupo que vive desta maneira: os saduceus. Os saduceus não acreditam na ressurreição. Para eles a vida termina aqui. Consequentemente, eles vivem em função do puro prazer e vivem sem moral. Para os saduceus, a religião só vale dentro do templo. Fora dele cada um pode fazer o que quiser.


Dada a brevidade da vida e o vazio que existe no pensamento dos ímpios pela certeza da morte, não há outra conclusão lógica que desfrutar dos prazeres da vida presente até o máximo possível: “Aproveitemo-nos das boas coisas que existem! Vivamente gozemos das criaturas durante nossa juventude! Inebriemo-nos de vinhos preciosos e de perfumes, e não deixemos passar a flor da primavera!” (Sb 2,6-7). São Paulo vê nesta conclusão como uma negação da ressurreição dos mortos (cf. 1Cor 15,32). A juventude é o tempo mais propício para gozar da vida com toda intensidade. O vinho de que se fala simboliza os prazeres da mesa. Os perfumes podem referir-se ao costume oriental de misturá-lo com o vinho ou para perfumar o corpo que os orientais introduzem nos judeus.


O autor do Livro dos Provérbios afirma que “as entranhas dos malvados são cruéis” (Pr 12,10). Com efeito eles são cruéis e desumanos com os justos, pois a presença dos justos é uma censura para a leviandade dos ímpios: “Armemos ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e nos reprova as faltas contra a nossa disciplina”, lemos na Primeira Leitura de hoje.


Os grandes libertinos são frequentemente os mais cruéis perseguidores. As primeiras vítimas da crueldade dos libertinos, dos ímpios são os débeis, os justos, as viúvas, os anciãos que não podem sair em defesa própria por falta de recursos materiais e humanos. A impiedade, a libertinagem e o materialismo matam os sentimentos de compaixão, de solidariedade e de caridade que todo coração nobre tem e sente. Quando estes sentimentos faltarem, a única lei que vai funcionar é a lei da força. E o débil fica sem direito a viver e parece destinado a perecer sob a opressão dos tiranos, dos libertinos. A impiedade do coração e a entrega aos prazeres materiais nublam a inteligência e lhe impede de ver a luz das verdades ultra terrenas ou sobrenaturais. Assim os ímpios não descobriram os misteriosos desígnios de Deus.


Mas os justos se gloriam de possuir o verdadeiro conhecimento de Deus e ser membros do povo eleito. A consciência e o profundo convencimento que têm desta realidade é o que mantém os justos firmes em sua fé ainda que estejam cercados pelas dificuldades, pois a esperança dos justos está em Deus que tem palavra final para a vida humana.


Chama a atenção o parecido de Sb 2,10-20 com o Sl 22 e o poema do Servo de Javé (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-9; 52,13-53,12) e a semelhança de atitude dos ímpios a respeito dos justos que aqui se refere (alusão) à conduta de Cristo observada por parte de seus inimigos. Um bom número dos Padres da Igreja (São Hipólito, Orígenes, Santo Atanásio, São Cipriano, Santo Ambrósio, São Cirilo, Santo Agostinho) interpretou a perícope em sentido literal do Messias, vendo no justo que sofre uma profecia da Paixão de Cristo. Cremos que, em sentido literal histórico, o autor sagrado se refere aos israelitas justos que sofreram perseguições por parte dos pagãos e dos judeus apóstatas. Mas tendo em conta que o Espírito Santo é o Autor principal da Sagrada Escritura, não é difícil descobrir um sentido típico em relação ao Messias, pois o que o Livro da Sabedoria diz dos israelitas justos se verifica e de maneira eminente em Jesus Cristo. Jesus Cristo é o Justo por antonomásia (perífrase).


Em outras palavras, esse justo é um personagem típico, que pode representar grupos e indivíduos: o povo de Israel entre os pagãos, os israelitas fieis entre seus patriotas apóstatas, os justos perseguidos que rezam nos Salmos. Sobretudo, representa Jesus, o Filho de Deus, o Inocente que morrendo, ressuscita dando a vida para todos.


Somos Chamados a Ser Justos Como Jesus


Jesus subiu a Jerusalém para a festa dos Tabernáculos. É a festa judaica de maior concorrência, que celebrava o final da colheita e preparava a próxima sementeira. As solenidades no templo se prolongavam durante oito dias: “Quando seus irmãos já tinham subido, então também ele subiu para a festa, não publicamente, mas sim como que às escondidas” (Jo 7,10). Por si mesmo, Jesus não busca conflitos. Mas o conflito sempre vem porque Jesus permanece fiel à missão recebida do Pai para devolver a dignidade do homem e para salvá-lo. Mesmo assim, Ele é cercado de ódio dos adversários. O ódio mortal.


O texto do Livro de Sabedoria lido neste dia nos apresenta como as forças do mal, encarnadas nos ímpios, querem e tentam sufocar a força de Deus que se manifesta ou que se encarna na vida dos justos. “Ímpio” é aquele que não respeita os valores comumente admitidos ou é aquele que revela impiedade, ou aquele que tem desprezo pela religião. Os ímpios, com seus atos, geram a morte. Sua visão materialista da vida os incapacita a valorizarem o que ultrapassa a razão: “... a malícia os torna cegos, não conhecem segredos de Deus, não esperam recompensa para a santidade e não dão valor ao prêmio reservado às vidas puras” (Sb 2,21-22). 


“Malícia” é aptidão ou inclinação para fazer o mal; má índole; malignidade, maldade; ou habilidade para enganar, despistar. Todo ímpio tem malicia. Os ímpios se deixam levar por uma existência sem sentido. Eles vivem somente em função dos prazeres, pois para eles não há outra vida além desta vida. Eles detestam a censura permanente que a vida do justo constitui para sua vida depravada. Quem vive somente em função dos prazeres é porque não tem prazer de viver. A vaidade torna qualquer um cego.


O justo, ao contrário, se gloria de ter Deus como Pai, e Deus como Pai não faz mal a ninguém, somente faz o bem. O justo tem uma escala de valores e por isso, constitui uma acusação contra as convicções mundanas dos ímpios. Por ser uma censura viva para seu modo de viver, o justo é eliminado pelos ímpios. Mas “a vida dos justos está nas mãos de Deus e nenhum tormento os atingirá” (Sb 3,1).


Para que o mundo não se torne surdo, Deus precisa permanentemente dos justos, dos honestos, dos verdadeiros, dos coerentes e assim por diante. Jesus Cristo é o Justo por excelência e é o protótipo do justo, pois seu alimento é fazer a vontade de Deus: “Meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra” (Jo 4,34). Por Jesus ser justo em tudo, os seus adversários querem silenciá-lo para sempre. Todas as acusações dos adversários contra Jesus nascem do ódio e da raiva mórbida.


No evangelho de João a ameaça sobre a morte de Jesus é constante. À medida que ficamos próximos da Semana santa será importante que dediquemos mais tempo para contemplar o Cristo sofre por nossa causa: Ele está cercado de morte, fruto de um ódio fatal de seus adversários. Trata-se de uma experiência de estar rodeado e encurralado de ódio. É sempre ter gente que está contra e busca nos prejudicar ou acabar com nossa vida por vivermos uma vida digna, honesta e justa, como acabaram com a vida terrestre de Jesus. Ao pé da cruz alguém vai fazer a gozação contra Jesus: “Se tu és Filho de Deus...!”. Estas palavras continuam ressonando: “Se tu és justo, bom, religioso, frequentador da Igreja e tens vida honesta e correta, por que Deus permite as coisas ruins na tua vida?”. Jesus enfrenta tudo na serenidade porque Ele se sabe amado por Deus apesar do sofrimento. No mesmo momento em que é odiado, acusado, isolado, Jesus se sabe amado. Jesus é um homem cheio de paz ainda que esteja rodeado de homens rancorosos, porque vive sua relação profunda com o Pai.


Não sejamos os justos cansados por causa do mal que é, aparentemente, onipresente e onipotente. O mal e a maldade não têm futuro. Jesus Cristo veio manifestar o amor de Deus que nos espera como um Pai amoroso para nos receber nas moradas eternas depois de termos caminhado por esta vida fazendo o bem a todos. Para os justos, a exemplo de Jesus, a morte não tem a última palavra e sim a vida. A vida dos justos está nas mãos de Deus. Nossa passagem por este mundo nos conduzirá para a possessão dos bens eternos na medida em que abandonarmos nossos egoísmos e amarmos com lealdade nosso próximo na mesma forma que Deus nos ama (cf. Jo 15,12). Deus está sempre próximo daqueles que sabem amar e vivem fieis.


A Palavra de Deus foi e é proclamada sobre nós para que ela se converta em nossa salvação. E ao entrar em comunhão de vida com Jesus na Eucaristia é porque queremos entregar todo nosso ser para o bem, para a salvação de todos. O mal não tem futuro algum. Acaba destruindo-se a si mesmo. É essa a profunda convicção de Jesus. Por isso, ele não pede ao Pai nenhum poder destruidor; não pede legiões de anjos que o protejam. Tampouco o crucificado devolve o mal pelo mal, nem insulto por insulto, nem profere ameaças (1Pd 2,23). Um poder desarmado e vulnerável pode ser também um poder que desarma. O poder de Deus é o poder do amor que se encarna na vida de Jesus. É esse poder do amor o que lhe permite exclamar: “Pai, perdoa-lhes porque não sabem o que fazem” (Lc 23,34), pois ele sabe que o mal não tem futuro, somente o bem.


Jesus nos ensina que temos que nos apegar a Deus para manter nossa paz e serenidade apesar da realidade dura que nos cerca, e não ao caminho que temos para ir até Ele. Não podemos nos escravizar a uma maneira como a única maneira para chegar até Deus, pois nos colocaremos como superiores e fiscalizadores dos outros. Temos que estar abertos para qualquer forma que Deus queira para se apresentar ou para se revelar. Deus sempre quer nos surpreender em todos os momentos. “Se dizes ‘já basta’, estás perdidos. Aumenta sempre, progride sempre, avança sempre, não pares no caminho, não voltas atrás, não te desvies”, dizia Santo Agostinho.
P. Vitus Gustama,svd

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