Domingo,08/03/2020
TRANSFIGURAÇÃO
DO SENHOR
É
PRECISO ESCUTAR E VIVER A PALAVRA DE DEUS PARA SER TRANSFIGURADO
II DOMINGO DA QUARESMA ANO A
I Leitura: Gn 12,1-4a
1Naqueles dias, o Senhor
disse a Abrão: “Sai da tua terra, da tua família e da casa do teu pai, e vai
para a terra que eu te vou mostrar. 2Farei de ti um grande povo e te
abençoarei; engrandecerei o teu nome, de modo que ele se torne uma bênção.
3Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti
serão abençoadas todas as famílias da terra!”. 4aE Abrão partiu, como o Senhor
lhe havia dito.
Segunda Leitura: 2Tm 1,8b-10
Caríssimo: 8bSofre
comigo pelo Evangelho, fortificado pelo poder de Deus. 9Deus nos salvou e nos
chamou com uma vocação santa, não devido às nossas obras, mas em virtude do seu
desígnio e da sua graça, que nos foi dada em Cristo Jesus, desde toda a
eternidade. 10Esta graça foi revelada agora, pela manifestação de nosso
Salvador, Jesus Cristo. Ele não só destruiu a morte, como também fez brilhar a
vida e a imortalidade por meio do Evangelho.
Evangelho: Mt 17,1-9
Naquele tempo, 1Jesus
tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e os levou a um lugar à parte,
sobre uma alta montanha. 2E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou
como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz. 3Nisto apareceram-lhe
Moisés e Elias, conversando com Jesus. 4Então Pedro tomou a palavra e disse:
“Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para
ti, outra para Moisés e outra para Elias”. 5Pedro ainda estava falando, quando
uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia: “Este é
o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o!” 6Quando
ouviram isto, os discípulos ficaram muito assustados e caíram com o rosto em
terra. 7Jesus se aproximou, tocou neles e disse: “Levantai-vos e não tenhais
medo”. 8Os discípulos ergueram os olhos e não viram mais ninguém, a não ser
somente Jesus. 9Quando desciam da montanha, Jesus ordenou-lhes: “Não conteis a
ninguém esta visão até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos”.
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Sentido Global Da
Transfiguração
O Segundo
Domingo da Quaresma não é a festa da Transfiguração do Senhor (6 de Agosto: A festa da Transfiguração), mas este mistério
está intimamente vinculado na liturgia romana a esta etapa do itinerário para a
Páscoa a partir da formação desta preparação de quarenta dias.
O conjunto das leituras deste Domingo do
Ciclo A (São Mateus) se apresenta como explicação de um duplo itinerário: o itinerário do homem para Deus e o itinerário de Deus
para o homem. No entanto, a iniciativa em ambos os itinerários,
pertence a Deus: Deus é quem chama o homem: Abraão (Primeira Leitura) e nos chama (Segunda Leitura),
com uma vocação santa para uma benção misteriosa. Agora é Deus Quem apresenta,
aos homens, Jesus Cristo, Seu Filho, o Amado, Seu Predileto, para que O escutem
e O sigam, e sejam assim participantes de Sua glória.
O Salmo Responsorial (Sl 32/33) é uma súplica serena que contempla ambos os aspectos do
itinerário: o amor de Deus que acompanha o homem em seu itinerário de busca, e
a ação de Deus para o homem, libertando-o da morte, fundamento de nossa
esperança: “O Senhor pousa o olhar sobre
os que o temem, e que confiam esperando em seu amor, para da morte libertar as
suas vidas e alimentá-los quando é tempo de penúria. No Senhor nós esperamos
confiantes, porque ele é nosso auxílio e proteção! Sobre nós venha, Senhor, a
vossa graça, da mesma forma que em vós nós esperamos!”.
No contexto quaresmal, o itinerário do homem sublinha a continuidade com o tema do
Domingo anterior: estamos no “tempo”, especialmente dedicado a refazer ou
renovar nossa vida cristã; o itinerário
de Deus para o homem sublinha a condição salvífica do mistério pascal:
o Senhor veio para nos salvar por amor.
O prefácio da missa é o da própria Transfiguração.
Este prefácio está vinculado estreitamente ao nexo Paixão-Ressurreição. Com efeito,
nos evangelhos, a narração forma unidade com o bloco confissão de Pedro-Anúncio
da Paixão-Transfiguração.
O prefácio sublinha duas questões: por um
lado, a revelação da glória de Jesus como chave de compreensão de sua morte. Por
outro lado, o caráter pascal, isto é, transitivo, do mistério da salvação. A Páscoa
é a passagem da morte para a vida gloriosa. Além disso, ambas são enquadradas
no testemunho do Antigo testamento (Moisés e Elias), e destinadas aos discípulos.
Diante da Transfiguração, os discípulos experimentam
e contemplam algo da realidade profunda de Jesus: sua glória, seu esplendor, “o
seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz”. Por
isso, Jesus não é simplesmente um homem como os demais; Ele é Filho de Deus a
Quem há que escutar, porque o Pai O enviou para nos revelar que nos ama. Se somente
fosse um homem, sua mensagem acabaria com uma morte injusta. Mas porque é o
Filho de Deus, esta morte é o ato supremo de fidelidade ao Pai, a explosão do
amor divino-humano que salva os homens.
A Eucaristia deste Domingo constitui uma
oportunidade para entrar a fundo em tudo o que significa a Transfiguração no
caminho quaresmal de renovação cristã: lugar privilegiado para ESCUTAR o Filho
de Deus, Jesus Cristo, Palavra do Pai, e para a tomada de consciência na fé de
nossa condição de filhos de Deus por vocação santa, entrada real na participação
da ressurreição de Cristo pela participação de Seu Corpo glorioso.
Estendamos um pouco mais nossa reflexão sobre o texto do
Evangelho de hoje que nos fala da Transfiguração de Jesus Cristo!
Os três evangelhos sinóticos (Mc, Mt, Lc)
narram o episódio da transfiguração de Jesus com algumas diferenças (cf. Mc
9,2-13; Lc 9,28-36). Os três colocam esse episódio logo depois da confissão da
fé de Pedro, do primeiro anúncio da paixão de Jesus, e das condições para
seguir a Jesus (cf. Mt 16,13-28; Mc 8,27-38; Lc 9,18-27). Mt segue a linha
narrativa de Mc, enquanto Lc segue uma tradição própria.
A transfiguração é, literalmente, uma
teofania, uma manifestação de Deus. No At encontram-se várias manifestações de
Deus. A maioria é sempre acompanhada pelos mesmos elementos comuns como: Acontece
num monte ou lugar sagrado; Nessa manifestação acontecem fenômenos
extraordinários (aparição, voz do céu, etc.) que provocam medo ou perturbação
naquele(s) que presencia(m) o fato. A transfiguração de Jesus segue o mesmo
esquema do AT.
Para entender o seu sentido, temos que ler o
relato da transfiguração de Jesus junto ao capítulo anterior (Mt 16,13-28).
Efetivamente é outra face do mistério de Cristo: a cruz e a glória. Através da
Transfiguração, Jesus apresenta aos discípulos as duas faces do mistério da
salvação que se realiza nele: a face tenebrosa (o sofrimento, a humilhação e a
morte) e a face gloriosa (a ressurreição e a glória). Por isso, cada um dos
três anúncios da Paixão acrescenta o anúncio da ressurreição “ao terceiro dia”
(Mt 16,21;17,22;20,19). Os discípulos só olham para o sofrimento e a paixão e
não para a ressurreição. A subida para Jerusalém, que para Jesus é o caminho
necessário para chegar à glória, para os discípulos é o caminho para a morte.
Os discípulos só superarão o escândalo da “necessidade” da Paixão depois da
Páscoa e de Pentecostes: depois de verem Jesus na sua glória de ressuscitado e
de serem fortalecidos pelo Espírito Santo.
Jesus quer dizer aos discípulos que não podem
ter medo da cruz, das dificuldades, das críticas em nome do bem praticado, em
nome da salvação de todos, pois atrás da cruz há ressurreição, atrás da morte
há o Espirito de Deus que vivifica.
Lendo os dois capítulos juntos (Mt 16,13-28 e
Mt 17,1-13) nos damos conta de que se convocam em torno do mistério de Jesus
todos os principais personagens em ordem crescente: a multidão (Mt 16,13), os
discípulos (Mt 16,16), Jesus (Mt 16,21) e a Voz celeste (Mt 17,5). E cada um
expressa sua opinião: um profeta (opinião da multidão), o Filho de Deus vivo
(profissão de Pedro), o Filho do Homem que deve sofrer muito (o próprio Jesus
afirma), o Filho amado (afirmação da Voz celeste).
Como em Marcos, também para Mateus a
transfiguração cumpre uma função bem precisa na progressiva revelação do
mistério de Cristo e no itinerário da fé dos discípulos. Os discípulos já
compreenderam que Jesus é o Messias, o Ungido de Deus, o Filho do Deus vivo e
são persuadidos de que seu caminho conduz à cruz. Porém, eles não conseguem
compreender que a Cruz de Jesus (e a cruz deles) pode encobrir a glória. Por
isso, Deus lhes concede, por instante, antecipar a Páscoa-Ressurreição, a Vida
gloriosa. Mas trata-se de uma antecipação fugaz e provisional, pois o caminho
que há que percorrer continua sendo o da cruz. Por isso, é preciso descer da
montanha gloriosa para continuar a missão de salvar os outros homens para que
um dia experimentem a vida gloriosa.
De fato, os três discípulos prediletos
(Pedro, Tiago e João), chamados a presenciar, por antecipação, a glória de
Cristo são os mesmos que dentro de algum tempo em Getsêmani, serão chamados a
presenciar a aparente debilidade de Cristo. Tudo isso é muito importante. No
entanto, temos a impressão de que não é o ponto central. O ponto central se
encontra nas palavras da Voz celeste: “Este é meu Filho amado” e no mandato: “Escutai-O!”.
Todo o resto serve de algum modo para entender este ponto central. De fato, a
escuta é o que define o discípulo.
A Palavra de Deus que devemos escutar e viver
se manifesta nas palavras e na existência de Jesus que vai percorrer o caminho
da cruz. Trata-se de uma palavra que nos transmite ou conta quem é Deus, quem
somos nós e qual é o sentido da história que vivemos. Portanto, é uma palavra
que indica o que devemos fazer e a regra a seguir para chegar à glória celeste
(ressurreição). Tudo isso se alcança através da escuta da Palavra de Deus com o
coração atento, e vive-la com obediência e conversão.
O episódio da transfiguração confirma a autoridade
de Jesus Cristo: Ele é lei e norma para todos os cristãos, e por isso, é
preciso escutá-Lo: “Escutai- O!”.
Portanto, a transfiguração de Jesus é uma
resposta de Deus ao escândalo causados nos discípulos pelo anúncio da paixão e
pelas exigências do seguimento. A transfiguração tem como objetivo fortalecer a
fé dos discípulos, mostrando-lhes antecipadamente, mesmo sendo num instante só,
a glória do Filho de Deus e a glória futura dos que seguem a Jesus até o fim. A
transfiguração é uma palavra de ânimo, pois nela se manifesta a glória de Jesus
e se antecipa sua vitória sobre a cruz, como mostram as numerosas referências à
ressurreição: as roupas ficaram brancas como a luz, as mesmas que os anjos usam
quando eles anunciarão a ressurreição de Jesus (Mt 28,3).
Outras Mensagens Do Relato da transfiguração
1.
A Transfiguração Acontece Numa Montanha
A transfiguração ocorre numa montanha. A
montanha é um lugar de silêncio. Certamente, quando o homem se calar (entrar em
silêncio), Deus começará a falar ou começará a fazer-se escutar. Depois de
fazer-se silêncio, escuta-se melhor. O silêncio supõe o vazio e o vazio
possibilita a ressonância à palavra dita por outrem.
No AT “o monte” (montanha) dá o sentido da
proximidade de Deus e é o “lugar” que Deus escolhe para se manifestar. Os evangelista falam de um monte, mas sem
nenhuma localização precisa (exata), pois eles não pretendem falar de monte
real, mas antes do lugar da presença e da ação divinas. O monte denota a esfera
divina em contato com a história humana. Por isso, no “monte” se realizam ações
de grande significado, que estão em ligação com a esfera divina (o decálogo, o
Sermão da Montanha etc...). Para Mt a montanha é um dos seus símbolos
favoritos. Ela é o “lugar” do encontro com Deus, lugar da revelação. Sobre uma
montanha é que Jesus proclama as bem-aventuranças e todo o Sermão da montanha (Mt
5-7). Num monte na Galileia Jesus marca o último encontro com os seus
discípulos antes da ascensão (Mt 28,16). E Jesus leva consigo o grupo especial
dos três: Pedro, Tiago e João (compare com Ex 24,1) para a montanha.
2.
A Transfiguração Aconteceu “De Pois De Seis Dias”
A transfiguração acontece “depois de seis dias” (v. 1). Há várias
interpretações a respeito: seis dias é o tempo que se conta entre a confissão
de Pedro até a transfiguração (John P. Meier e outros). Segundo P. Bonnard, (cf.
Evangelio Segun San Mateo, Madrid,1983), “seis dias” é uma alusão aos seis dias
que separam o grande dia da Expiação do começo da festa dos Tabernáculos (cf.
Lv 23,27.34). Por isso, mais adiante Mt usa a palavra “tenda” no desejo de Pedro em fazer três tendas para os três
personagens (Mt 17,4b). Os outros especialistas dizem que o sexto dia foi o dia
da criação do homem, coroamento de toda a obra da criação. E o estado de
glória, em que se vai mostrar Jesus, representa o êxodo final da criação, a
realização plena do projeto de Deus sobre o homem. Santo Irineu costumava dizer
que, logo depois de Deus ter pronunciado sua palavra na pessoa de Jesus,
silenciou-se perenemente. Isto quer dizer que em Jesus Cristo aconteceu a
expressão total e definitiva de Deus. Por isso, o modo como entendermos o
homem, a partir de Jesus, realização plena do projeto de Deus, será o modo como
nos entendermos a nós mesmos. A vocação e o destino do homem é realizar aquilo
que Deus sonha para ele desde antes mesmo da criação do mundo. A vocação é um
chamado permanente para que o homem seja livre interna e externamente. Deus
sonha com o homem vivo e livre, pois ele foi criado para viver em liberdade.
Por isso, escravizar o homem significa atingir a Deus em seu ponto mais
sensível. O destino terreno do homem é conviver e compartilhar a vida com Deus
e caminhar juntos para que o homem possa chegar à sua plena realização.
3.
Na Montanha Jesus Foi Transfigurado Diante Dos Três Discípulos
Jesus costuma retirar-se a só para rezar.
Desta vez, ele leva consigo três dos seus discípulos: Pedro, Tiago e João. Os
três foram testemunhas da ressurreição da filha de Jairo (Mc 5,37). Os três vão
ser também as testemunhas da agonia de Jesus no Getsêmani (Mt 26,36-46). E
nesta transfiguração os três são as testemunhas do episódio.
Ficamos perguntando, por que somente os três?
É um privilégio? É um mistério da escolha de Deus? Sabemos apenas o significado
do número três: o três indica o completo e o definitivo. Quem sabe os três
representam bem o conjunto dos discípulos de Jesus por este significado. Quem
sabe o texto quer nos dizer que realmente, por completo Jesus é o Senhor, o
glorioso.
Na transfiguração a aparência de Jesus se
transformou. A verdadeira essência de Jesus se faz visível na transfiguração
aos três discípulos escolhidos. O texto diz: “Jesus foi transfigurado”. O uso da voz passiva” foi transfigurado”
indica que se trata de uma ação de Deus. Por isso, se chama o passivo divino (passivum
divinum) que indica veladamente uma ação de Deus. O rosto e as roupas radiantes
mostram que Jesus pertence ao mundo celeste ou ao mundo divino, o mundo da luz (cf.
Mt 13,43;28,3).
O texto diz: “Ele foi transfigurado diante
deles” (v.2a). Jesus não se transfigura diante de qualquer um, mas somente
diante de alguns, diante daqueles que deixaram tudo: parentes, amigos, trabalho
etc., e aceitaram seu convite de subir ao “monte da transfiguração”. Jesus se
transfigura diante daqueles e naqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de
Deus. Em Jesus transfigurado, em quem acreditamos e depositamos toda a nossa
esperança e em quem encontramos toda a nossa certeza contemplamos também todo o
nosso futuro glorioso que já começou nesta terra a partir do momento em que
acreditamos em Jesus Cristo e vivemos os seus ensinamentos.
Os três discípulos experimentaram o momento
da transfiguração. A luz do transfigurado brilhou até eles a ponto de poder
vê-la. Quem realiza em sua vida as obras de Jesus torna visível a presença de
Deus-Pai (Mt 5,16). De fato, conhecemos muitas pessoas que não perdem jamais o
irresistível poder de manifestar algo de Deus. Essas pessoas vivem de tal modo
que são capazes de nos levar até Deus, pois percebemos que possuem, de certo
modo, a experiência da “montanha”, da transfiguração com Jesus.
O texto também nos diz que “O seu rosto
resplandece como o sol e as suas vestes tornaram-se alvas como a luz” (v.2b).
Nesta descrição a luz não se projeta de fora sobre Jesus, mas provém de seu
interior. Seu rosto não está simplesmente “iluminado”, mas “brilha”. Na
transfiguração, a luz, que simboliza a presença divina, não vem de fora nem
paira “sobre” Jesus. Essa luz sai “de dentro dele”, emana dele próprio, porque
lhe pertence substancialmente. Jesus brilha com a luz própria, não refletida,
pois Ele é a própria Luz do mundo (Jo 8,12). A fonte desse esplendor é a glória
de Deus que faz brilhar a carne de Jesus. A glória que brilha na carne de Jesus
revela que Jesus é “o esplendor da glória de Deus, a expressão do seu ser” (Hb
1,3). Este é o ser profundo de Jesus, o estado natural da pessoa de Jesus. Ele
é Deus mesmo (cf. Jo 1,1.14). Mas quando ele se esvaziou a si mesmo (cf. Fl
2,6-7), quando ele “se fez carne e acampou no meio de nós” (Jo 1,14), o Messias
Jesus passou a ser visto pelos homens como um homem entre tantos. Mas muitos
homens não o conhecem: “No meio de vós, está alguém que não conheceis” (Jo
1,26b). “Veio para o que era seu e os seus não o receberam” (Jo 1,11).
4.
Aparecimento de Moisés e Elias Na Transfiguração, o Pedido de Pedro e o Mandato
Para Escutar
Os três discípulos presentes à cena, veem
também dois personagens do AT em diálogo com Jesus. Moisés personifica aqui a
lei, e Elias, os profetas. É uma forma de dizer que os dois representam todo o
AT. Os dois tiveram no monte Sinai e Horeb, respectivamente, revelações divinas
(cf. Ex 19,33s;1Rs 19,9-13). No Judaísmo acredita-se que os dois já foram
levados ao céu; e um ou ambos eram esperados sua volta nos último dias. Esses
dias, o tempo de cumprimento, já chegou com a chegada de Jesus, o Messias
esperado.
Nesse acontecimento, Pedro se dirige a Jesus
e o chama não como “Rabbi” em Marcos (sinal de incredulidade, cf. Mc 9,5), mas
simplesmente como “Senhor”, modo de um crente se dirigir a Deus (v.4). Pedro é
pessoa super confidente de Jesus diz-lhe, de maneira educada (“se queres”) que
é bom, “nós” que estamos aqui, atendermos suas necessidades. O próprio Pedro
construirá (não os três discípulos como em Marcos, cf. Mc 9,5) para o trio do
céu (Jesus, Moisés e Elias). Mateus não fala, explicitamente, da falta de
compreensão de Pedro, como em Marcos (cf. Mc 9,6). Mas implicitamente o seu
pedido manifesta sua total incompreensão daquilo que está ocorrendo. A proposta
de Pedro de fazer três tendas é uma nova tentativa de Pedro de deter Jesus em
seu caminho rumo à Paixão. É quase uma réplica daquilo que ele disse logo
depois de sua profissão de fé em Jesus como o Messias (cf. Mt 16,22). O desejo
de Pedro de fazer uma tenda para cada um dos três personagens demonstra também
a sua falta de compreensão do fato ocorrido. Pedro quer colocá-los no mesmo
plano. Ele desconhece a infinita distância existente entre Jesus, Messias e
outros dois personagens do AT.
Por isso, enquanto Pedro está falando, a
revelação atinge seu clímax quando uma nuvem radiante, símbolo da presença de
Deus, desce e encobre a cena. A nuvem que havia descido outrora sobre o monte
Sinai (Ex 24,15s), sobre a Tenda da Reunião (Ex 40,34-35), e sobre o Templo de
Salomão (1Rs 8,10-12), volta a descer agora sobre Jesus (cf. 2Pd 1,18). O céu e
a terra, Deus e os homens se encontram e se unem em Jesus Cristo. Esta mesma
nuvem envolve também os três discípulos para dizer que daqui em diante eles
fazem parte da comunidade de Jesus e por isso tomarão parte do destino de Jesus:
o sofrimento e a glória. Mas para que tudo isto possa se tornar realidade, só
tem uma condição: Escutar sempre Jesus. Um elemento ausente na revelação
batismal é a ordem: “Escutai-O!” Escutai- O, não somente quando ele confirma a
alegre revelação do Messias glorioso e Filho de Deus, mas também quando ele
acrescenta a revelação do sofrimento do Filho do Homem. Escutai- O quando desce
da montanha.
A voz não diz: “Escutai-os!” (plural), mas
“Escutai-O!” (em singular). Cristo tomou o lugar da lei e o profeta (AT). Não é
por acaso que logo depois Jesus se encontra sozinho diante dos discípulos.
Agora em diante ele é a nova lei. É ele, em tudo o que diz e faz, a expressão
definitiva e completa da vontade do Pai. É ele o profeta futuro anunciado pelo
próprio Moisés, ordenando que fosse escutado (cf. Dt 18,15). Por isso, a frase
“Escutai- O” tem um peso para Mt. Mt preocupava-se muito com a percepção da
autoridade de Jesus e os problemas que a cercavam.
6.
Jesus Quer Nos Tocar Para Nos Levantar De Nossas “Enfermidades” ou Debilidades
Quando ouvem a voz anunciando o mistério
total do Filho, muito assustados, os discípulos caem com o rosto em terra. “Cair por terra” é a
fraseologia usada em alguns textos bíblicos para descrever a reação humana
diante da manifestação divina (Ez 1,28; cf. 43,3;44,4). Esta é a reação comum
de homem fraco e mortal diante de uma visão apocalíptica (Dn 8,17;10,9-11; At
9,4;Ap 1,17). Os discípulos reagem da mesma maneira: caem com o rosto no chão.
Mas “Jesus chegou perto deles e tocando-os,
disse: ‘Levantai-vos e não tenhais medo” (v.7). O homem que cai na vida por suas “enfermidades” ou
debilidades somente Deus pode levantá-lo. Esse Deus que Jesus revelou é o Deus
que sempre chega perto para nos tocar. Somente Deus pode libertar o homem de
seus medos, de suas debilidade e fraquezas. Jesus, encarnação de Deus na terra
que acabou de se revelar aos discípulos na sua glória, põe sua mão no ombro de
cada um deles e com sua voz inconfundível os chamou: “Levantai-vos e não
tenhais medo!” O Filho do Deus vivo, que dá vida ao morto, levanta seus
prostrados discípulos e liberta-os de medo.
É esta mesma mão que se estende para tocar e
curar o leproso: “Eu quero, seja purificado!” (Mt 8,3). É esta mesma mão que
toca a mão do sogro de Pedro que faz a febre desaparecer dela (Mt 8,15). É esta
mesma mão que levanta a filha de Jairo a fim de ela voltar a viver (Mt 9,25).
São estas mesmas mãos que seguram os cinco pães para abençoá-los a fim de
saciar a fome do povo abandonado (Mt 14,1-21).
São estas mesmas mãos que se estendem para salvar Pedro do afogamento (Mt
14,30-31). São estas mesmas mãos, mesmo sendo invisíveis, das quais precisamos
segurar nesta vida.
Foi muito feliz Nelson Monteiro da Mota que
compus a música que fala de “Segura Na Mão De Deus”: “Se as águas do mar da vida quiserem te afogar, segura na mão de Deus e
vai. Se as tristezas desta vida quiserem te sufocar, segura na mão de Deus e
vai. Se a jornada é pesada e te cansas da caminhada, segura na mão de Deus e vai.
Segura na mão de Deus, pois ela te sustentará. Não temas, segue adiante e não
olhes para trás. Segura na mão de Deus e vai”. Que não tenhamos pretensão
de dispensar a mão de Deus. Precisamos da mão de Deus para nos levantar e nos
guiar para a vida gloriosa.
Na alta montanha Jesus transfigurou-se ou
transformou-se. Há várias maneira para uma pessoa transformar-se. A pessoa pode
transformar-se com uma ideia positiva e muito feliz, com uma surpresa
agradável, a tal ponto de perder a cor, conservando uma face tranquila e quase
infantil. A partir da ideia bíblica, a transfiguração tem esse último sentido,
em que o divino, fazendo-se ver de modo palpável e feliz, transforma a pessoa
de tal modo que ela chega até a perder peso e levitar. Dizem que os santos, que
adquirem alto grau de mística, passam por experiência semelhante, de levitação
e transfiguração.
Para nós, os comuns mortais, que ainda não
chegamos ao patamar da santidade que se encanta de Deus, a transfiguração tem
apenas o sentido da conversão, de mudança de vida, no desejo da santidade.
Guiados pela Palavra de Deus que devemos
escutar sempre, como manda a voz celeste, agora finalmente encontramos Cristo.
Sabemos que todas as demais luzes se apagaram, somente Jesus permaneceu e
continua permanecendo como a única luz de nossa vida. Vale a pena escutar,
meditar e viver de acordo com a Palavra de Deus! A mensagem da transfiguração é
de otimismo radical e de esperança firme, e não ilusória. Jesus é nosso
companheiro de caminhada até a luz final. Com ele somos capazes de superar a
prova da fé e experimentar a libertação gratificante da auto-renúncia e da cruz
na quaresma de nossa vida, no caminho para a Páscoa com Cristo.
P. Vitus Gustama,SVD
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