quinta-feira, 5 de março de 2020

Domingo,08/03/2020
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TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR
É PRECISO ESCUTAR E VIVER A PALAVRA DE DEUS PARA SER TRANSFIGURADO
II DOMINGO DA QUARESMA ANO A


I Leitura: Gn 12,1-4a
1Naqueles dias, o Senhor disse a Abrão: “Sai da tua terra, da tua família e da casa do teu pai, e vai para a terra que eu te vou mostrar. 2Farei de ti um grande povo e te abençoarei; engrandecerei o teu nome, de modo que ele se torne uma bênção. 3Abençoarei os que te abençoarem e amaldiçoarei os que te amaldiçoarem; em ti serão abençoadas todas as famílias da terra!”. 4aE Abrão partiu, como o Senhor lhe havia dito.


Segunda Leitura: 2Tm 1,8b-10
Caríssimo: 8bSofre comigo pelo Evangelho, fortificado pelo poder de Deus. 9Deus nos salvou e nos chamou com uma vocação santa, não devido às nossas obras, mas em virtude do seu desígnio e da sua graça, que nos foi dada em Cristo Jesus, desde toda a eternidade. 10Esta graça foi revelada agora, pela manifestação de nosso Salvador, Jesus Cristo. Ele não só destruiu a morte, como também fez brilhar a vida e a imortalidade por meio do Evangelho.


Evangelho: Mt 17,1-9
Naquele tempo, 1Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João, seu irmão, e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta montanha. 2E foi transfigurado diante deles; o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz. 3Nisto apareceram-lhe Moisés e Elias, conversando com Jesus. 4Então Pedro tomou a palavra e disse: “Senhor, é bom ficarmos aqui. Se queres, vou fazer aqui três tendas: uma para ti, outra para Moisés e outra para Elias”. 5Pedro ainda estava falando, quando uma nuvem luminosa os cobriu com sua sombra. E da nuvem uma voz dizia: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o!” 6Quando ouviram isto, os discípulos ficaram muito assustados e caíram com o rosto em terra. 7Jesus se aproximou, tocou neles e disse: “Levantai-vos e não tenhais medo”. 8Os discípulos ergueram os olhos e não viram mais ninguém, a não ser somente Jesus. 9Quando desciam da montanha, Jesus ordenou-lhes: “Não conteis a ninguém esta visão até que o Filho do Homem tenha ressuscitado dos mortos”.
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Sentido Global Da Transfiguração


O Segundo Domingo da Quaresma não é a festa da Transfiguração do Senhor (6 de Agosto: A festa da Transfiguração), mas este mistério está intimamente vinculado na liturgia romana a esta etapa do itinerário para a Páscoa a partir da formação desta preparação de quarenta dias.


O conjunto das leituras deste Domingo do Ciclo A (São Mateus) se apresenta como explicação de um duplo itinerário: o itinerário do homem para Deus e o itinerário de Deus para o homem. No entanto, a iniciativa em ambos os itinerários, pertence a Deus: Deus é quem chama o homem: Abraão (Primeira Leitura) e nos chama (Segunda Leitura), com uma vocação santa para uma benção misteriosa. Agora é Deus Quem apresenta, aos homens, Jesus Cristo, Seu Filho, o Amado, Seu Predileto, para que O escutem e O sigam, e sejam assim participantes de Sua glória.


O Salmo Responsorial (Sl 32/33) é uma súplica serena que contempla ambos os aspectos do itinerário: o amor de Deus que acompanha o homem em seu itinerário de busca, e a ação de Deus para o homem, libertando-o da morte, fundamento de nossa esperança: “O Senhor pousa o olhar sobre os que o temem, e que confiam esperando em seu amor, para da morte libertar as suas vidas e alimentá-los quando é tempo de penúria. No Senhor nós esperamos confiantes, porque ele é nosso auxílio e proteção! Sobre nós venha, Senhor, a vossa graça, da mesma forma que em vós nós esperamos!”.


No contexto quaresmal, o itinerário do homem sublinha a continuidade com o tema do Domingo anterior: estamos no “tempo”, especialmente dedicado a refazer ou renovar nossa vida cristã; o itinerário de Deus para o homem sublinha a condição salvífica do mistério pascal: o Senhor veio para nos salvar por amor.


O prefácio da missa é o da própria Transfiguração. Este prefácio está vinculado estreitamente ao nexo Paixão-Ressurreição. Com efeito, nos evangelhos, a narração forma unidade com o bloco confissão de Pedro-Anúncio da Paixão-Transfiguração.


O prefácio sublinha duas questões: por um lado, a revelação da glória de Jesus como chave de compreensão de sua morte. Por outro lado, o caráter pascal, isto é, transitivo, do mistério da salvação. A Páscoa é a passagem da morte para a vida gloriosa. Além disso, ambas são enquadradas no testemunho do Antigo testamento (Moisés e Elias), e destinadas aos discípulos.


Diante da Transfiguração, os discípulos experimentam e contemplam algo da realidade profunda de Jesus: sua glória, seu esplendor, “o seu rosto brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a luz”. Por isso, Jesus não é simplesmente um homem como os demais; Ele é Filho de Deus a Quem há que escutar, porque o Pai O enviou para nos revelar que nos ama. Se somente fosse um homem, sua mensagem acabaria com uma morte injusta. Mas porque é o Filho de Deus, esta morte é o ato supremo de fidelidade ao Pai, a explosão do amor divino-humano que salva os homens.


A Eucaristia deste Domingo constitui uma oportunidade para entrar a fundo em tudo o que significa a Transfiguração no caminho quaresmal de renovação cristã: lugar privilegiado para ESCUTAR o Filho de Deus, Jesus Cristo, Palavra do Pai, e para a tomada de consciência na fé de nossa condição de filhos de Deus por vocação santa, entrada real na participação da ressurreição de Cristo pela participação de Seu Corpo glorioso.


Estendamos um pouco mais nossa reflexão sobre o texto do Evangelho de hoje que nos fala da Transfiguração de Jesus Cristo!


Os três evangelhos sinóticos (Mc, Mt, Lc) narram o episódio da transfiguração de Jesus com algumas diferenças (cf. Mc 9,2-13; Lc 9,28-36). Os três colocam esse episódio logo depois da confissão da fé de Pedro, do primeiro anúncio da paixão de Jesus, e das condições para seguir a Jesus (cf. Mt 16,13-28; Mc 8,27-38; Lc 9,18-27). Mt segue a linha narrativa de Mc, enquanto Lc segue uma tradição própria.


A transfiguração é, literalmente, uma teofania, uma manifestação de Deus. No At encontram-se várias manifestações de Deus. A maioria é sempre acompanhada pelos mesmos elementos comuns como: Acontece num monte ou lugar sagrado; Nessa manifestação acontecem fenômenos extraordinários (aparição, voz do céu, etc.) que provocam medo ou perturbação naquele(s) que presencia(m) o fato. A transfiguração de Jesus segue o mesmo esquema do AT.


Para entender o seu sentido, temos que ler o relato da transfiguração de Jesus junto ao capítulo anterior (Mt 16,13-28). Efetivamente é outra face do mistério de Cristo: a cruz e a glória. Através da Transfiguração, Jesus apresenta aos discípulos as duas faces do mistério da salvação que se realiza nele: a face tenebrosa (o sofrimento, a humilhação e a morte) e a face gloriosa (a ressurreição e a glória). Por isso, cada um dos três anúncios da Paixão acrescenta o anúncio da ressurreição “ao terceiro dia” (Mt 16,21;17,22;20,19). Os discípulos só olham para o sofrimento e a paixão e não para a ressurreição. A subida para Jerusalém, que para Jesus é o caminho necessário para chegar à glória, para os discípulos é o caminho para a morte. Os discípulos só superarão o escândalo da “necessidade” da Paixão depois da Páscoa e de Pentecostes: depois de verem Jesus na sua glória de ressuscitado e de serem fortalecidos pelo Espírito Santo.


Jesus quer dizer aos discípulos que não podem ter medo da cruz, das dificuldades, das críticas em nome do bem praticado, em nome da salvação de todos, pois atrás da cruz há ressurreição, atrás da morte há o Espirito de Deus que vivifica.


Lendo os dois capítulos juntos (Mt 16,13-28 e Mt 17,1-13) nos damos conta de que se convocam em torno do mistério de Jesus todos os principais personagens em ordem crescente: a multidão (Mt 16,13), os discípulos (Mt 16,16), Jesus (Mt 16,21) e a Voz celeste (Mt 17,5). E cada um expressa sua opinião: um profeta (opinião da multidão), o Filho de Deus vivo (profissão de Pedro), o Filho do Homem que deve sofrer muito (o próprio Jesus afirma), o Filho amado (afirmação da Voz celeste).


Como em Marcos, também para Mateus a transfiguração cumpre uma função bem precisa na progressiva revelação do mistério de Cristo e no itinerário da fé dos discípulos. Os discípulos já compreenderam que Jesus é o Messias, o Ungido de Deus, o Filho do Deus vivo e são persuadidos de que seu caminho conduz à cruz. Porém, eles não conseguem compreender que a Cruz de Jesus (e a cruz deles) pode encobrir a glória. Por isso, Deus lhes concede, por instante, antecipar a Páscoa-Ressurreição, a Vida gloriosa. Mas trata-se de uma antecipação fugaz e provisional, pois o caminho que há que percorrer continua sendo o da cruz. Por isso, é preciso descer da montanha gloriosa para continuar a missão de salvar os outros homens para que um dia experimentem a vida gloriosa.


De fato, os três discípulos prediletos (Pedro, Tiago e João), chamados a presenciar, por antecipação, a glória de Cristo são os mesmos que dentro de algum tempo em Getsêmani, serão chamados a presenciar a aparente debilidade de Cristo. Tudo isso é muito importante. No entanto, temos a impressão de que não é o ponto central. O ponto central se encontra nas palavras da Voz celeste: “Este é meu Filho amado” e no mandato: “Escutai-O!”. Todo o resto serve de algum modo para entender este ponto central. De fato, a escuta é o que define o discípulo.


A Palavra de Deus que devemos escutar e viver se manifesta nas palavras e na existência de Jesus que vai percorrer o caminho da cruz. Trata-se de uma palavra que nos transmite ou conta quem é Deus, quem somos nós e qual é o sentido da história que vivemos. Portanto, é uma palavra que indica o que devemos fazer e a regra a seguir para chegar à glória celeste (ressurreição). Tudo isso se alcança através da escuta da Palavra de Deus com o coração atento, e vive-la com obediência e conversão.


O episódio da transfiguração confirma a autoridade de Jesus Cristo: Ele é lei e norma para todos os cristãos, e por isso, é preciso escutá-Lo: “Escutai- O!”.


Portanto, a transfiguração de Jesus é uma resposta de Deus ao escândalo causados nos discípulos pelo anúncio da paixão e pelas exigências do seguimento. A transfiguração tem como objetivo fortalecer a fé dos discípulos, mostrando-lhes antecipadamente, mesmo sendo num instante só, a glória do Filho de Deus e a glória futura dos que seguem a Jesus até o fim. A transfiguração é uma palavra de ânimo, pois nela se manifesta a glória de Jesus e se antecipa sua vitória sobre a cruz, como mostram as numerosas referências à ressurreição: as roupas ficaram brancas como a luz, as mesmas que os anjos usam quando eles anunciarão a ressurreição de Jesus (Mt 28,3).


Outras Mensagens Do Relato da transfiguração


1. A Transfiguração Acontece Numa Montanha


A transfiguração ocorre numa montanha. A montanha é um lugar de silêncio. Certamente, quando o homem se calar (entrar em silêncio), Deus começará a falar ou começará a fazer-se escutar. Depois de fazer-se silêncio, escuta-se melhor. O silêncio supõe o vazio e o vazio possibilita a ressonância à palavra dita por outrem.


No AT “o monte” (montanha) dá o sentido da proximidade de Deus e é o “lugar” que Deus escolhe para se manifestar.  Os evangelista falam de um monte, mas sem nenhuma localização precisa (exata), pois eles não pretendem falar de monte real, mas antes do lugar da presença e da ação divinas. O monte denota a esfera divina em contato com a história humana. Por isso, no “monte” se realizam ações de grande significado, que estão em ligação com a esfera divina (o decálogo, o Sermão da Montanha etc...). Para Mt a montanha é um dos seus símbolos favoritos. Ela é o “lugar” do encontro com Deus, lugar da revelação. Sobre uma montanha é que Jesus proclama as bem-aventuranças e todo o Sermão da montanha (Mt 5-7). Num monte na Galileia Jesus marca o último encontro com os seus discípulos antes da ascensão (Mt 28,16). E Jesus leva consigo o grupo especial dos três: Pedro, Tiago e João (compare com Ex 24,1) para a montanha.


2. A Transfiguração Aconteceu “De Pois De Seis Dias”


A transfiguração acontece “depois de seis dias” (v. 1). Há várias interpretações a respeito: seis dias é o tempo que se conta entre a confissão de Pedro até a transfiguração (John P. Meier e outros). Segundo P. Bonnard, (cf. Evangelio Segun San Mateo, Madrid,1983), “seis dias” é uma alusão aos seis dias que separam o grande dia da Expiação do começo da festa dos Tabernáculos (cf. Lv 23,27.34). Por isso, mais adiante Mt usa a palavra “tenda” no desejo de Pedro em fazer três tendas para os três personagens (Mt 17,4b). Os outros especialistas dizem que o sexto dia foi o dia da criação do homem, coroamento de toda a obra da criação. E o estado de glória, em que se vai mostrar Jesus, representa o êxodo final da criação, a realização plena do projeto de Deus sobre o homem. Santo Irineu costumava dizer que, logo depois de Deus ter pronunciado sua palavra na pessoa de Jesus, silenciou-se perenemente. Isto quer dizer que em Jesus Cristo aconteceu a expressão total e definitiva de Deus. Por isso, o modo como entendermos o homem, a partir de Jesus, realização plena do projeto de Deus, será o modo como nos entendermos a nós mesmos. A vocação e o destino do homem é realizar aquilo que Deus sonha para ele desde antes mesmo da criação do mundo. A vocação é um chamado permanente para que o homem seja livre interna e externamente. Deus sonha com o homem vivo e livre, pois ele foi criado para viver em liberdade. Por isso, escravizar o homem significa atingir a Deus em seu ponto mais sensível. O destino terreno do homem é conviver e compartilhar a vida com Deus e caminhar juntos para que o homem possa chegar à sua plena realização.


3. Na Montanha Jesus Foi Transfigurado Diante Dos Três Discípulos


Jesus costuma retirar-se a só para rezar. Desta vez, ele leva consigo três dos seus discípulos: Pedro, Tiago e João. Os três foram testemunhas da ressurreição da filha de Jairo (Mc 5,37). Os três vão ser também as testemunhas da agonia de Jesus no Getsêmani (Mt 26,36-46). E nesta transfiguração os três são as testemunhas do episódio.


Ficamos perguntando, por que somente os três? É um privilégio? É um mistério da escolha de Deus? Sabemos apenas o significado do número três: o três indica o completo e o definitivo. Quem sabe os três representam bem o conjunto dos discípulos de Jesus por este significado. Quem sabe o texto quer nos dizer que realmente, por completo Jesus é o Senhor, o glorioso.


Na transfiguração a aparência de Jesus se transformou. A verdadeira essência de Jesus se faz visível na transfiguração aos três discípulos escolhidos. O texto diz: “Jesus foi transfigurado”.  O uso da voz passiva” foi transfigurado” indica que se trata de uma ação de Deus. Por isso, se chama o passivo divino (passivum divinum) que indica veladamente uma ação de Deus. O rosto e as roupas radiantes mostram que Jesus pertence ao mundo celeste ou ao mundo divino, o mundo da luz (cf. Mt 13,43;28,3).


O texto diz: “Ele foi transfigurado diante deles” (v.2a). Jesus não se transfigura diante de qualquer um, mas somente diante de alguns, diante daqueles que deixaram tudo: parentes, amigos, trabalho etc., e aceitaram seu convite de subir ao “monte da transfiguração”. Jesus se transfigura diante daqueles e naqueles que se deixam conduzir pelo Espírito de Deus. Em Jesus transfigurado, em quem acreditamos e depositamos toda a nossa esperança e em quem encontramos toda a nossa certeza contemplamos também todo o nosso futuro glorioso que já começou nesta terra a partir do momento em que acreditamos em Jesus Cristo e vivemos os seus ensinamentos.


Os três discípulos experimentaram o momento da transfiguração. A luz do transfigurado brilhou até eles a ponto de poder vê-la. Quem realiza em sua vida as obras de Jesus torna visível a presença de Deus-Pai (Mt 5,16). De fato, conhecemos muitas pessoas que não perdem jamais o irresistível poder de manifestar algo de Deus. Essas pessoas vivem de tal modo que são capazes de nos levar até Deus, pois percebemos que possuem, de certo modo, a experiência da “montanha”, da transfiguração com Jesus.


O texto também nos diz que “O seu rosto resplandece como o sol e as suas vestes tornaram-se alvas como a luz” (v.2b). Nesta descrição a luz não se projeta de fora sobre Jesus, mas provém de seu interior. Seu rosto não está simplesmente “iluminado”, mas “brilha”. Na transfiguração, a luz, que simboliza a presença divina, não vem de fora nem paira “sobre” Jesus. Essa luz sai “de dentro dele”, emana dele próprio, porque lhe pertence substancialmente. Jesus brilha com a luz própria, não refletida, pois Ele é a própria Luz do mundo (Jo 8,12). A fonte desse esplendor é a glória de Deus que faz brilhar a carne de Jesus. A glória que brilha na carne de Jesus revela que Jesus é “o esplendor da glória de Deus, a expressão do seu ser” (Hb 1,3). Este é o ser profundo de Jesus, o estado natural da pessoa de Jesus. Ele é Deus mesmo (cf. Jo 1,1.14). Mas quando ele se esvaziou a si mesmo (cf. Fl 2,6-7), quando ele “se fez carne e acampou no meio de nós” (Jo 1,14), o Messias Jesus passou a ser visto pelos homens como um homem entre tantos. Mas muitos homens não o conhecem: “No meio de vós, está alguém que não conheceis” (Jo 1,26b). “Veio para o que era seu e os seus não o receberam” (Jo 1,11).


4. Aparecimento de Moisés e Elias Na Transfiguração, o Pedido de Pedro e o Mandato Para Escutar


Os três discípulos presentes à cena, veem também dois personagens do AT em diálogo com Jesus. Moisés personifica aqui a lei, e Elias, os profetas. É uma forma de dizer que os dois representam todo o AT. Os dois tiveram no monte Sinai e Horeb, respectivamente, revelações divinas (cf. Ex 19,33s;1Rs 19,9-13). No Judaísmo acredita-se que os dois já foram levados ao céu; e um ou ambos eram esperados sua volta nos último dias. Esses dias, o tempo de cumprimento, já chegou com a chegada de Jesus, o Messias esperado.


Nesse acontecimento, Pedro se dirige a Jesus e o chama não como “Rabbi” em Marcos (sinal de incredulidade, cf. Mc 9,5), mas simplesmente como “Senhor”, modo de um crente se dirigir a Deus (v.4). Pedro é pessoa super confidente de Jesus diz-lhe, de maneira educada (“se queres”) que é bom, “nós” que estamos aqui, atendermos suas necessidades. O próprio Pedro construirá (não os três discípulos como em Marcos, cf. Mc 9,5) para o trio do céu (Jesus, Moisés e Elias). Mateus não fala, explicitamente, da falta de compreensão de Pedro, como em Marcos (cf. Mc 9,6). Mas implicitamente o seu pedido manifesta sua total incompreensão daquilo que está ocorrendo. A proposta de Pedro de fazer três tendas é uma nova tentativa de Pedro de deter Jesus em seu caminho rumo à Paixão. É quase uma réplica daquilo que ele disse logo depois de sua profissão de fé em Jesus como o Messias (cf. Mt 16,22). O desejo de Pedro de fazer uma tenda para cada um dos três personagens demonstra também a sua falta de compreensão do fato ocorrido. Pedro quer colocá-los no mesmo plano. Ele desconhece a infinita distância existente entre Jesus, Messias e outros dois personagens do AT.


Por isso, enquanto Pedro está falando, a revelação atinge seu clímax quando uma nuvem radiante, símbolo da presença de Deus, desce e encobre a cena. A nuvem que havia descido outrora sobre o monte Sinai (Ex 24,15s), sobre a Tenda da Reunião (Ex 40,34-35), e sobre o Templo de Salomão (1Rs 8,10-12), volta a descer agora sobre Jesus (cf. 2Pd 1,18). O céu e a terra, Deus e os homens se encontram e se unem em Jesus Cristo. Esta mesma nuvem envolve também os três discípulos para dizer que daqui em diante eles fazem parte da comunidade de Jesus e por isso tomarão parte do destino de Jesus: o sofrimento e a glória. Mas para que tudo isto possa se tornar realidade, só tem uma condição: Escutar sempre Jesus. Um elemento ausente na revelação batismal é a ordem: “Escutai-O!” Escutai- O, não somente quando ele confirma a alegre revelação do Messias glorioso e Filho de Deus, mas também quando ele acrescenta a revelação do sofrimento do Filho do Homem. Escutai- O quando desce da montanha.


A voz não diz: “Escutai-os!” (plural), mas “Escutai-O!” (em singular). Cristo tomou o lugar da lei e o profeta (AT). Não é por acaso que logo depois Jesus se encontra sozinho diante dos discípulos. Agora em diante ele é a nova lei. É ele, em tudo o que diz e faz, a expressão definitiva e completa da vontade do Pai. É ele o profeta futuro anunciado pelo próprio Moisés, ordenando que fosse escutado (cf. Dt 18,15). Por isso, a frase “Escutai- O” tem um peso para Mt. Mt preocupava-se muito com a percepção da autoridade de Jesus e os problemas que a cercavam.


6. Jesus Quer Nos Tocar Para Nos Levantar De Nossas “Enfermidades” ou Debilidades


Quando ouvem a voz anunciando o mistério total do Filho, muito assustados, os discípulos caem com o rosto em terra. “Cair por terra” é a fraseologia usada em alguns textos bíblicos para descrever a reação humana diante da manifestação divina (Ez 1,28; cf. 43,3;44,4). Esta é a reação comum de homem fraco e mortal diante de uma visão apocalíptica (Dn 8,17;10,9-11; At 9,4;Ap 1,17). Os discípulos reagem da mesma maneira: caem com o rosto no chão.

Mas “Jesus chegou perto deles e tocando-os, disse: ‘Levantai-vos e não tenhais medo” (v.7). O homem que cai na vida por suas “enfermidades” ou debilidades somente Deus pode levantá-lo. Esse Deus que Jesus revelou é o Deus que sempre chega perto para nos tocar. Somente Deus pode libertar o homem de seus medos, de suas debilidade e fraquezas. Jesus, encarnação de Deus na terra que acabou de se revelar aos discípulos na sua glória, põe sua mão no ombro de cada um deles e com sua voz inconfundível os chamou: “Levantai-vos e não tenhais medo!” O Filho do Deus vivo, que dá vida ao morto, levanta seus prostrados discípulos e liberta-os de medo.  


É esta mesma mão que se estende para tocar e curar o leproso: “Eu quero, seja purificado!” (Mt 8,3). É esta mesma mão que toca a mão do sogro de Pedro que faz a febre desaparecer dela (Mt 8,15). É esta mesma mão que levanta a filha de Jairo a fim de ela voltar a viver (Mt 9,25). São estas mesmas mãos que seguram os cinco pães para abençoá-los a fim de saciar a fome do povo abandonado (Mt 14,1-21).  São estas mesmas mãos que se estendem para salvar Pedro do afogamento (Mt 14,30-31). São estas mesmas mãos, mesmo sendo invisíveis, das quais precisamos segurar nesta vida. 


Foi muito feliz Nelson Monteiro da Mota que compus a música que fala de “Segura Na Mão De Deus”: “Se as águas do mar da vida quiserem te afogar, segura na mão de Deus e vai. Se as tristezas desta vida quiserem te sufocar, segura na mão de Deus e vai. Se a jornada é pesada e te cansas da caminhada, segura na mão de Deus e vai. Segura na mão de Deus, pois ela te sustentará. Não temas, segue adiante e não olhes para trás. Segura na mão de Deus e vai”. Que não tenhamos pretensão de dispensar a mão de Deus. Precisamos da mão de Deus para nos levantar e nos guiar para a vida gloriosa.


Na alta montanha Jesus transfigurou-se ou transformou-se. Há várias maneira para uma pessoa transformar-se. A pessoa pode transformar-se com uma ideia positiva e muito feliz, com uma surpresa agradável, a tal ponto de perder a cor, conservando uma face tranquila e quase infantil. A partir da ideia bíblica, a transfiguração tem esse último sentido, em que o divino, fazendo-se ver de modo palpável e feliz, transforma a pessoa de tal modo que ela chega até a perder peso e levitar. Dizem que os santos, que adquirem alto grau de mística, passam por experiência semelhante, de levitação e transfiguração.


Para nós, os comuns mortais, que ainda não chegamos ao patamar da santidade que se encanta de Deus, a transfiguração tem apenas o sentido da conversão, de mudança de vida, no desejo da santidade.


Guiados pela Palavra de Deus que devemos escutar sempre, como manda a voz celeste, agora finalmente encontramos Cristo. Sabemos que todas as demais luzes se apagaram, somente Jesus permaneceu e continua permanecendo como a única luz de nossa vida. Vale a pena escutar, meditar e viver de acordo com a Palavra de Deus! A mensagem da transfiguração é de otimismo radical e de esperança firme, e não ilusória. Jesus é nosso companheiro de caminhada até a luz final. Com ele somos capazes de superar a prova da fé e experimentar a libertação gratificante da auto-renúncia e da cruz na quaresma de nossa vida, no caminho para a Páscoa com Cristo.
P. Vitus Gustama,SVD

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