quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

02 De Janeiro de 2021

SER VOZ E REFLEXO DE JESUS NA VIDA DIÁRIA

Primeira Leitura: 1Jo 2,22-28

Caríssimos: 22Quem é mentiroso, senão aquele que nega que Jesus é o Cristo? O Anticristo é aquele que nega o Pai e o Filho. 23Todo aquele que nega o Filho também não possui o Pai. Quem confessa o Filho possui também o Pai. 24Permaneça dentro de vós aquilo que ouvistes desde o princípio. Se o que ouvistes desde o princípio permanecer em vós, permanecereis com o Filho e com o Pai. 25E esta é a promessa que ele nos fez: a vida eterna. 26Escrevo isto a respeito dos que procuram desencaminhar-vos. 27Quanto a vós mesmos, a unção que recebestes da parte de Jesus permanece convosco, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine. A sua unção vos ensina tudo, e ela é verdadeira e não mentirosa. Por isso, conforme a unção de Jesus vos ensinou, permanecei nele. 28Então, agora, filhinhos, permanecei nele. Assim poderemos ter plena confiança, quando ele se manifestar, e não seremos vergonhosamente afastados dele, quando da sua vinda.

Evangelho: Jo 1,19-28

19Este foi o testemunho de João, quando os judeus enviaram de Jerusalém sacerdotes e levitas para perguntar: “Quem és tu?” 20João confessou e não negou. Confessou: “Eu não sou o Messias”. 21Eles perguntaram: “Quem és, então? És Elias?” João respondeu: “Não sou”. Eles perguntaram: “És o Profeta?” Ele respondeu: “Não”. 22Perguntaram então: “Quem és, afinal? Temos de levar uma resposta àqueles que nos enviaram. Que dizes de ti mesmo?” 23João declarou: “Eu sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’” — conforme disse o profeta Isaías. 24Ora, os que tinham sido enviados pertenciam aos fariseus 25e perguntaram: “Por que então andas batizando, se não és o Messias, nem Elias, nem o Profeta?” 26João respondeu: “Eu batizo com água; mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis, 27e que vem depois de mim. Eu não mereço desamarrar a correia de suas sandálias”. 28Isso aconteceu em Betânia além do Jordão, onde João estava batizando.

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A Primeira Leitura, tirada da Primeira Carta de são João, se encontra na parte que fala da heresia ou do anticristo (1Jo 2,18-27). O anticristo é aquele que não tem a suficiente fé em admitir a verdadeira encarnação do Filho de Deus; é o negador do Cristo verdadeiro. Para o autor da Primeira Carta de são João aquele que nega a qualidade divina do Filho de Deus, Jesus Cristo separa-se do Pai (1Jo 2,23) e portanto, da vida eterna da qual é a fonte (1Jo 2,25). Ao contrário, aquele que “confessa” o Filho (1Jo 2,23) não é apenas aquele que reconhece especulativamente a divindade de Jesus, mas também adere a seu mandamento de amor. Não basta confessar que Jesus é Deus, mas tem que mostrar esta confissão com a vivência do amor fraterno. 

Para aquele nega a divindade de Jesus, o autor da Carta usa os termos “sedutores”, “pseudoprofetas” e “anticristos”. A palavra no singular e no plural (anticristo/anticristos) designa todos aqueles que se opõem a Cristo; eles negam que Cristo seja homem verdadeiro. Eles não admitem que o mundo de Deus (o mundo de cima) possa manchar-se tocando o mundo de baixo. Este tipo de crença se espalha dentro da comunidade para a qual a Carta foi dirigida (1Jo 2,19).

O ato de ser anticristo é uma heresia. Heresia é confundir Cristo com o nosso pensar e o nosso querer; é fabricar um Cristo a nossa imagem e semelhança. Este Cristo manipulado e tantas vezes mudado é claro que não pode ser o Cristo Salvador. A final, “Todo aquele que nega o Filho também não possui o Pai. Quem confessa o Filho possui também o Pai” (1Jo 2,23).

O fragmento da primeira leitura revela as linhas essenciais da falsa doutrina divulgada peloanticristoem uma época atormentada do final do século primeiro. Para essa falsa doutrina, Jesus não era considerado como o Messias nem como o Filho de Deus. Essa heresia cristológica considerava impossível que o Verbo Divino se fizesse carne à maneira humana. Mas para o apostolo João, testemunha ocular do Verbo Divino, o Verbo da vida (cf. 1Jo 1,1-4), negar a divindade de Jesus significa não ter comunhão com o Pai e não ter a verdadeira vida (1Jo 2,22-23; cf. Jo 20,30-31); negar a união do divino e do humano em Jesus significa seranticristoporque o humano em Jesus é o reflexo perfeito do divino, é o reflexo do Pai: “Aquele que me viu, viu o Pai(cf. Jo 14,9). E em outra ocasião Jesus disse: “Eu e o Pai somos um(Jo 10,30).

São João nessa Primeira Carta quer orientar nossa sensibilidade. Não se trata de fazer de Jesus um ídolo e sim de abrir nossos ouvidos à sua Palavra, pois Sua Palavra é vida e luz para nós todos: “No Verbo havia vida, e a vida era a luz dos homens” (Jo 1,4) e por isso nos orienta (cf. Jo 8,12). Um Jesus que não nos servir como caminho ao Pai (cf. Jo 14,6) é um Jesus que não nos interessa do ponto de vista da . Muitos querem um Jesus milagroso para ter uma vida confortável aqui neste mundo e esqueceram-se de um Jesus que os leva para a vida eterna. Jesus é o misterioso laço de união entre a humanidade caída e o Pai pronta para nos salvar: “Todo aquele que nega o Filho também não possui o Pai. Confessa o Filho possui também o Pai” (1Jo 2,23).               

Como cristãos somos essencialmente ouvintes da Palavra da Salvação, aceitadores do Filho, e escutando-O nos realizamos como filhos do Pai celeste e irmãos dos demais homens. A Igreja é formada pela escuta da e pela vivência da Palavra de Deus. O que nos é pedido não é essencialmente nosso conhecimento ou nosso saber, e sim nossa fidelidade. Fidelidade é guardar ou observar o que é ouvido da Palavra de Deus (cf. Mt 7,24; Jo 14,23). Por isso, o verbo que mais vezes se repete na primeira leitura, é “permanecer”. É um verbo que fala de fidelidade, de perseverança, de manter na verdadeira sem deixar-se enganar. Permanecer em Jesus significa ter nele.  Há várias maneiras de ser fiel: com o pensamento e o coração, com as palavras de testemunho que damos diante dos demais e com as ações, com os compromissos, com as obras e com as decisões da vida diariamente, de acordo com o mandamento do Senhor resumido no amor fraterno.   

De nós não será pedido conta de nossos conhecimentos e sim de nossa fidelidade. Seremos cristãos e seremos salvos, se aceitarmos Jesus, o Enviado do Pai e nos identificarmos com Ele. É contemplar Jesus para contemplar Deus. Jesus é a única e verdadeira revelação de Deus. Há certas afirmações típicas de são João sobre esta revelação: “Ninguém vai ai Pai senão por mim” (Jo 14,6); “Quem conhece o Filho, conhece também o Pai” (Jo 8,19); “o Filho é o único capaz de revelar o Pai” (Jo 14,7).              

E lemos no texto do Evangelho de hoje o testemunho de João Batista acerca de Cristo. Para a perguntaQuem és tu?”, João Batista confessa, evitando qualquer mal-entendido acerca de sua pessoa e de sua própria missão, que não é o Cristo, o Salvador esperado. Este testemunho em forma de afirmação negativa que sai da boca de João Batista é uma autêntica confissão de no messianismo de Jesus. João Batista se define apenas com as palavras do profeta Isaias: “Voz que clama no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’” para preparas vinda de Cristo. Ser voz é ser uma mensagem, é ser uma chamada aos demais para o bem, para a Luz que ilumina. A voz é feita para proclamar, para anunciar e para denunciar. É preciso nivelar as relações humanas, pois todos os seres humanos têm a mesma substancia humana. Não há super-criatura. É preciso aplainar. Onde houver estrada plana, haverá facilidade para caminhar. Quando um reconhece no outro como ser humano, a convivência se torna mais fácil. Ninguém tratará a outro desumanamente. Eu sou ser humano. O outro é ser humano. Deus se fez humano para salvar o ser humano. 

João Batista não é a luz. Ele é apenas uma lâmpada que tem tempo limitado de duração. Ele é apenas aquele quetestemunha da verdadeira Luz que é o próprio Jesus Cristo (cf. Jo 8,12). Ele não é a Palavra Encarnada, mas somente a voz que prepara o caminho com a purificação dos pecados através de seu batismo: Eu batizo com água; mas no meio de vós está aquele que vós não conheceis”. 

O testemunho de João Batista pretende suscitar a em todo mundo para o grande desconhecido, o Portador da salvação, que vive entre os homens (Jo 1,14). Por isso, a de João Batista está orientada ao anúncio de Jesus e não é apenas para o consumo próprio. João Batista é aquele que chama atenção, não para si mesmo e sim para Aquele é o verdadeiro Salvador. João Batista nos ensina que a deve ser transformada em anúncio, o fiel deve se tornar em anunciador da Boa Nova. Todo cristão é um propagador da Palavra de Deus na aridez espiritual de nosso mundo, um propagador que chama os outros ao encontro de Jesus Cristo que é “o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6).               

João Batista testemunha Jesus Cristo com fidelidade e valentia. Não quer falar de si mesmo, nem contar seus méritos nem suas façanhas. João Batista somente quer que os outros o considerem como “a voz que clama no deserto”, a voz que prepara os caminhos de Deus, a voz que chama todos a preparar o lugar de Deus no mundo, especialmente no coração de cada um. A voz desaparece, mas a mensagem fica. 

O cristão é chamado a ser anunciador da Boa Nova, a ser a voz que grita, com a própria vida, a verdade de Cristo apesar da pobreza que experimenta e da fragilidade de suas palavras humanas. O cristão é o homem que se define em função de Cristo, d’Aquele que vem sempre aos seus para comunicar salvação e vida. 

Como cristãos e como pessoas do bem devemos ser a voz de Deus sobre o amor neste mundo. Podemos desaparecer, mas a marca de amor que testemunhamos e transmitimos deve ficar para sempre entre as pessoas. Além disso, nós, como João Batista, deveríamos falar menos de nós mesmos, acreditar menos em nós mesmos e nos converter em “a vozquetestemunho de Deus, de seu amor presente em Jesus Cristo. Santo Agostinho comenta: João era voz, mas o Senhor é a Palavra que no princípio existia. João era uma voz provisional; Cristo, do princípio, é a Palavra eterna. Ao tirar a palavra, o que será a voz? Se não houver conceito, tudo será nada mais do que ruído vazio. A voz sem palavra chega ao ouvido, mas não edifica o coração. João é a voz que grita no deserto, a voz que rompe o silêncio...”.               

Eu sou a voz que grita no deserto: ‘Aplainai o caminho do Senhor’”. Somos chamados a ser voz do Senhor neste mundo. Ser voz é uma vocação muito humilde, mas é maior de todas. Ser voz é ser uma mensagem, é ser uma chamada aos demais para o bem, para a Luz que ilumina. A voz é feita para proclamar, para anunciar e para denunciar. A voz deixará de ser voz, se não gritar, se não proclamar, anunciar e denunciar. A voz se condenará, se deixar de anunciar a mensagem sobre o bem. Uma voz do bem é capaz de renovar o mundo. Se faltarem as vozes do bem para anunciar e denunciar, o mundo perderá sua consciência. Por esta razão, como vale e quanto vale sua voz! Como vale e quanto vale sua palavra! Como vale e quanto vale sua mensagem! Como vale e quanto vale seu grito que rompe o comodismo, que rompe o modo de viver sem vida.

Quem és tu?”. João Batista, nesta passagem, não nos indica o que devemos fazer e sim o que devemos e podemos ser. Trata-se da transparência de um homem. 

João Batista era um personagem realmente raro: vivia no deserto, mal alimentado. Mas ele se converteu em um homem perigoso, criador de um movimento popular que alarmou às autoridades supremas religioso-políticas de Jerusalém que lhe enviam uma comissão para investigar com o intuito de detê-lo se pretender ser o Messias cuja iminente chegada se esperava naquele ambiente tenso da Palestina de mediados do século I, a causa principal da miséria e da dominação romana.

A interrogação começa autoritariamente, sem fórmulas de cortesia: “Quem és tu?”. Os enviados vindos de Jerusalém querem que o próprio João Batista declare suas intenções. De maneira tão simples e direta, João responde-lhes: “Eu não sou o Messias!”. Para os judeus declarar-se Messias significava opor-se às autoridades existentes, que se sentiam inseguras diante dos movimentos populares. Porque, segundo uma opinião muito estendida na época, um dos principais objetivos do Messias haveria de ser a reforma das instituições e a destituição da hierarquia existente. Não é estranho, por isso, o alarme dos dirigentes diante da atividade de João Batista e ficam desorientados.

O evangelista João põe em boca de João Batista a triple negação, porque as três figuras vão ser apresentadas por Jesus. O Messias, Elias e o Profeta encarnavam diversos aspectos da salvação esperada com instrumentos do Espírito.

Quem és tu?”. As autoridades pedem que João Batista se defina. As autoridades querem uma resposta clara para julgar se João Batista representa um perigo. Querem saber o que pretende com sua atividade. João Batista se define como “a voz que clama no deserto”. É alguém que deve ocultar-se para não fazer sombra para Aquele que vem. João é “a voz”, Jesus é “a Palavra”.

A pergunta Quem és tu?” também é dirigida a cada um de nós. Por acaso, cada um de nós, do ponto de vista cristão, pode se definir? Se soubermos quem somos, saberemos também o que devemos fazer e o que não devemos fazer.

Para que possamos nos definir é preciso fazer o encontro pessoa com Jesus e contemplar Jesus Cristo, Luz do mundo para que sejamos reflexos de sua luz para os outros, iluminado suas vidas embora o reflexo dure apenas em pouco tempo. Ser reflexo de Cristo é levar um raio de esperança aos corações entristecidos. Ser reflexo de Cristo é levar um sorriso gratuito numa sociedade violenta. Ser reflexo de Cristo é saber apreciar o lado bom das coisas e das pessoas e entender que nem tudo é relativo, pois existe o Absoluto: Deus. Ser reflexo de Cristo é encontrar o sentido da vida a partir da luz da Palavra de Deus. Sejamos como vela. Ela se consome iluminando a circunstância. A vida de uma vela dura pouco tempo, mas é suficiente para espantar a escuridão e mostrar o caminho a seguir. Neste mundo todos os cristãos são vozes vivas de Cristo para os outros e são luzes para apontar o caminho certo a ser trilhado.

P. Vitus Gustama,svd

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