A
VIDA DO JUSTO ESTÁ NAS MÃOS DAQUELE QUE TEM A ÚLTIMA PALAVRA SOBRE O HOME: DEUS
Sexta-Feira
da IV Semana da Quaresma
I Leitura: Sb 2,1. 12-22
1ª Dizem entre si os ímpios, em seus falsos raciocínios: 12 “Armemos
ciladas ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso
modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e nos reprova as faltas
contra a nossa disciplina. 13 Ele declara possuir o conhecimento de Deus e
chama-se ‘filho de Deus’. 14 Tornou-se uma censura aos nossos pensamentos e só
o vê-lo nos é insuportável; 15 sua vida é muito diferente da dos outros, e seus
caminhos são imutáveis. 16Somos comparados por ele à moeda falsa e foge de
nossos caminhos como de impurezas; proclama feliz a sorte final dos justos e
gloria-se de ter a Deus por pai. 17 Vejamos, pois, se é verdade o que ele diz,
e comprovaremos o que vai acontecer com ele. 18 Se, de fato, o justo é ‘filho
de Deus’, Deus o defenderá e o livrará das mãos dos seus inimigos. 19 Vamos
pô-lo à prova com ofensas e torturas, para ver a sua serenidade e provar a sua
paciência; 20 vamos condená-lo à morte vergonhosa, porque, de acordo com suas
palavras, virá alguém em seu socorro”. 21 Tais são os pensamentos dos ímpios,
mas enganam-se; pois a malícia os torna cegos, 22 não conhecem os segredos de
Deus, não esperam recompensa para a santidade e não dão valor ao prêmio
reservado às vidas puras.
Evangelho: Jo 7,1-2.10.25-30
Naquele
tempo, 1Jesus andava percorrendo a Galileia. Evitava andar pela
Judeia, porque os judeus procuravam matá-lo. 2Entretanto,
aproximava-se a festa judaica das Tendas. 10Quando seus irmãos já
tinham subido, então também ele subiu para a festa, não publicamente mas sim
como que às escondidas. 25Alguns habitantes de Jerusalém disseram
então: “Não é este a quem procuram matar? 26Eis que fala em público
e nada lhe dizem. Será que, na verdade, as autoridades reconheceram que ele é o
Messias? 27Mas este, nós sabemos donde é. O Cristo, quando vier,
ninguém saberá donde ele é”. 28Em alta voz, Jesus
ensinava no Templo, dizendo: “Vós me conheceis e sabeis de onde sou; eu não vim
por mim mesmo, mas o que me enviou é fidedigno. A esse, não o conheceis, 29mas
eu o conheço, porque venho da parte dele, e ele foi quem me enviou”. 30Então,
queriam prendê-lo, mas ninguém pôs a mão nele, porque ainda não tinha chegado a
sua hora.
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Viver Como Justo É Estar
Com Deus Da Vida Eternamente
“Dizem
entre si os ímpios, em seus falsos raciocínios: ‘Armemos ciladas ao justo,
porque sua presença nos incomoda:
ele se opõe ao nosso modo de agir, repreende em nós as transgressões da lei e
nos reprova as faltas contra a nossa disciplina. Ele declara possuir o
conhecimento de Deus e chama-se ‘filho de Deus’. Tornou-se uma censura aos
nossos pensamentos e só o vê-lo nos é insuportável; sua vida é muito diferente
da dos outros, e seus caminhos são imutáveis. Somos comparados por ele à moeda
falsa e foge de nossos caminhos como de impurezas; proclama feliz a sorte final
dos justos e gloria-se de ter a Deus por pai”. Assim lemos alguns versículos da Primeira
Leitura tirada do Livro de Sabedoria.
Na primeira leitura, o autor do livro de
Sabedoria nos apresenta sobre como as forças do mal, encarnadas nos ímpios,
querem afogar a força de Deus que se manifesta na vida dos justos. É o conflito
de sempre, que atravessa o coração do homem. Este fragmento do livro de
Sabedoria é dirigido diretamente aos judeus fiéis de Alexandria que são
perseguidos e desprezados pelos judeus renegados e pelos pagãos. A Igreja vê
neste texto um anúncio da paixão de Cristo, o homem bom por excelência.
Esta passagem do livro de Sabedoria parece
uma análise antecipada do que acontecerá durante a Paixão. À medida que a
Semana Santa se aproxima, seria conveniente dedicar-nos mais à contemplação do
Cristo sofredor: o que ele sofreu ao ver o cerco vai se apertando antes de sua
morte. É uma experiência de estar cercada pelo ódio, de ser encurralada pelo
desejo profundo de matar Jesus, da parte dos seus inimigos. A presença do Justo
por excelência incomoda aqueles que vivem na injustiça, na desonestidade, na
corrupção. Os que vivem desta maneira não querem que sejam revelada sua vida
desonesta e corrupta com a presença de quem luta pela honestidade, pela justiça
social, pela igualdade e assim por diante. Quem vive na escuridão odeia a
presença da luz, pois a luz revela tudo e torna tudo clro.
O autor do livro de Sabedoria nos apresenta
neste fragmento (Sb 2,1-20) um dos mais belos de todo o livro por seu estilo e
vigor, os sentimentos dos ímpios a respeito da vida presente (Sb 2,1-5), sua
atitude diante dos prazeres da vida (Sb 2,6-9) e sua conduta frente o justo (Sb
2,10-20). Os ímpios aos quais o autor refere aqui poderiam ser também judeus
apóstatas que influenciados pelo ateísmo e materialismo abandonaram a Lei e as
tradições patrísticas.
A vida é curta assim começam a dizer os
ímpios. Esta frase repetimos também para nós mesmos e para os outros. As
primeiras palavras de um verso de Horácio (Odes, Livro I 11,8) diz: “Carpe diem quam minimum credula postera”,
“Aproveita o dia (de hoje), confiada o menos possível no de amanhã”. No
Evangelho conhecemos um grupo que vive desta maneira: os saduceus. Os saduceus
não acreditam na ressurreição. Para eles a vida termina aqui. Consequentemente,
eles vivem em função do puro prazer e vivem sem moral. Para os saduceus, a
religião só vale dentro do templo. Fora dele cada um pode fazer o que quiser.
Dada a brevidade da vida e o vazio que existe
no pensamento dos ímpios pela certeza da morte, não há outra conclusão lógica
que desfrutar dos prazeres da vida presente até o máximo possível: “Aproveitemo-nos das boas coisas que existem!
Vivamente gozemos das criaturas durante nossa juventude! Inebriemo-nos de vinhos
preciosos e de perfumes, e não
deixemos passar a flor da primavera!” (Sb 2,6-7). São Paulo vê nesta
conclusão como uma negação da ressurreição dos mortos (cf. 1Cor 15,32). A
juventude é o tempo mais propício para gozar da vida com toda intensidade. O
vinho de que se fala simboliza os prazeres da mesa. Os perfumes podem
referir-se ao costume oriental de misturá-lo com o vinho ou para perfumar o
corpo que os orientais introduzem nos judeus.
O autor do Livro dos Provérbios afirma que
“as entranhas dos malvados são cruéis” (Pr 12,10). Com efeito eles são cruéis e
desumanos com os justos, pois a presença dos justos é uma censura para a
leviandade dos ímpios: “Armemos ciladas
ao justo, porque sua presença nos incomoda: ele se opõe ao nosso modo de agir,
repreende em nós as transgressões da lei e nos reprova as faltas contra a nossa
disciplina”, lemos na Primeira Leitura de hoje.
Os grandes libertinos são frequentemente os
mais cruéis perseguidores. As primeiras vítimas da crueldade dos libertinos,
dos ímpios são os débeis, os justos, as viúvas, os anciãos que não podem sair
em defesa própria por falta de recursos materiais e humanos. A impiedade, a
libertinagem e o materialismo matam os sentimentos de compaixão, de
solidariedade e de caridade que todo coração nobre tem e sente. Quando estes
sentimentos faltarem, a única lei que vai funcionar é a lei da força. E o débil
fica sem direito a viver e parece destinado a perecer sob a opressão dos
tiranos, dos libertinos. A impiedade do coração e a entrega aos prazeres
materiais nublam a inteligência e lhe impede de ver a luz das verdades ultra
terrenas ou sobrenaturais. Assim os ímpios não descobriram os misteriosos
desígnios de Deus.
Mas os justos se gloriam de possuir o
verdadeiro conhecimento de Deus e ser membros do povo eleito. A consciência e o
profundo convencimento que têm desta realidade é o que mantém os justos firmes
em sua fé ainda que estejam cercados pelas dificuldades, pois a esperança dos
justos está em Deus que tem palavra final para a vida humana.
Chama a atenção o parecido de Sb 2,10-20 com
o Sl 22 e o poema do Servo de Javé (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-9;
52,13-53,12) e a semelhança de atitude dos ímpios a respeito dos justos que
aqui se refere (alusão) à conduta de Cristo observada por parte de seus
inimigos. Um bom número dos Padres da Igreja (São Hipólito, Orígenes, Santo
Atanásio, São Cipriano, Santo Ambrósio, São Cirilo, Santo Agostinho)
interpretou a perícope em sentido literal do Messias, vendo no justo que sofre
uma profecia da Paixão de Cristo. Cremos que, em sentido literal histórico, o
autor sagrado se refere aos israelitas justos que sofreram perseguições por parte
dos pagãos e dos judeus apóstatas. Mas tendo em conta que o Espírito Santo é o
Autor principal da Sagrada Escritura, não é difícil descobrir um sentido típico
em relação ao Messias, pois o que o Livro da Sabedoria diz dos israelitas
justos se verifica e de maneira eminente em Jesus Cristo. Jesus Cristo é o
Justo por antonomásia (perífrase).
Em outras palavras, esse justo é um
personagem típico, que pode representar grupos e indivíduos: o povo de Israel
entre os pagãos, os israelitas fieis entre seus patriotas apóstatas, os justos
perseguidos que rezam nos Salmos. Sobretudo, representa Jesus, o Filho de Deus,
o Inocente que morrendo, ressuscita dando a vida para todos.
Somos Chamados a Ser Justos
Como Jesus
Jesus subiu a Jerusalém para a festa dos Tabernáculos.
É a festa judaica de maior concorrência, que celebrava o final da colheita e
preparava a próxima sementeira. As solenidades no templo se prolongavam durante
oito dias: “Quando seus irmãos já tinham subido, então também ele subiu para
a festa, não publicamente, mas sim como que às escondidas” (Jo 7,10). Por
si mesmo, Jesus não busca conflitos. Mas o conflito sempre vem porque Jesus
permanece fiel à missão recebida do Pai para devolver a dignidade do homem e
para salvá-lo. Mesmo assim, Ele é cercado de ódio dos adversários. O ódio
mortal.
O texto do Livro de Sabedoria lido neste dia
nos apresenta como as forças do mal, encarnadas nos ímpios, querem e tentam
sufocar a força de Deus que se manifesta ou que se encarna na vida dos justos.
“Ímpio” é aquele que não respeita os valores comumente admitidos ou é aquele
que revela impiedade, ou aquele que tem desprezo pela religião. Os ímpios, com
seus atos, geram a morte. Sua visão materialista da vida os incapacita a
valorizarem o que ultrapassa a razão: “... a malícia os torna cegos,
não conhecem segredos de Deus, não esperam recompensa para a santidade e não
dão valor ao prêmio reservado às vidas puras” (Sb 2,21-22).
“Malícia” é aptidão ou inclinação para fazer
o mal; má índole; malignidade, maldade; ou habilidade para enganar, despistar.
Todo ímpio tem malicia. Os ímpios se deixam levar por uma existência sem
sentido. Eles vivem somente em função dos prazeres, pois para eles não há outra
vida além desta vida. Eles detestam a censura permanente que a vida do justo
constitui para sua vida depravada. Quem vive somente em função dos prazeres é
porque não tem prazer de viver. A vaidade torna qualquer um cego.
O justo, ao contrário, se gloria de ter Deus
como Pai, e Deus como Pai não faz mal a ninguém, somente faz o bem. O justo tem
uma escala de valores e por isso, constitui uma acusação contra as convicções
mundanas dos ímpios. Por ser uma censura viva para seu modo de viver, o justo é
eliminado pelos ímpios. Mas “a vida dos justos está nas mãos de Deus e
nenhum tormento os atingirá” (Sb 3,1).
Para que o mundo não se torne surdo, Deus
precisa permanentemente dos justos, dos honestos, dos verdadeiros, dos
coerentes e assim por diante. Jesus Cristo é o Justo por excelência e é o
protótipo do justo, pois seu alimento é fazer a vontade de Deus: “Meu
alimento é fazer a vontade daquele que me enviou e consumar a sua obra” (Jo
4,34). Por Jesus ser justo em tudo, os seus adversários querem silenciá-lo para
sempre. Todas as acusações dos adversários contra Jesus nascem do ódio e da
raiva mórbida.
No evangelho de João a ameaça sobre a morte
de Jesus é constante. À medida que ficamos próximos da Semana santa será
importante que dediquemos mais tempo para contemplar o Cristo sofre por nossa
causa: Ele está cercado de morte, fruto de um ódio fatal de seus adversários.
Trata-se de uma experiência de estar rodeado e encurralado de ódio. É sempre
ter gente que está contra e busca nos prejudicar ou acabar com nossa vida por
vivermos uma vida digna, honesta e justa, como acabaram com a vida terrestre de
Jesus. Ao pé da cruz alguém vai fazer a gozação contra Jesus: “Se tu és
Filho de Deus...!”. Estas palavras continuam ressonando: “Se tu és
justo, bom, religioso, frequentador da Igreja e tens vida honesta e correta,
por que Deus permite as coisas ruins na tua vida?”. Jesus enfrenta tudo na
serenidade porque Ele se sabe amado por Deus apesar do sofrimento. No mesmo
momento em que é odiado, acusado, isolado, Jesus se sabe amado. Jesus é um
homem cheio de paz ainda que esteja rodeado de homens rancorosos, porque vive
sua relação profunda com o Pai.
Não sejamos os justos cansados por causa do
mal que é, aparentemente, onipresente e onipotente. O mal e a maldade não têm
futuro. Jesus Cristo veio manifestar o amor de Deus que nos espera como um Pai
amoroso para nos receber nas moradas eternas depois de termos caminhado por
esta vida fazendo o bem a todos. Para os justos, a exemplo de Jesus, a morte
não tem a última palavra e sim a vida. A vida dos justos está nas mãos de Deus.
Nossa passagem por este mundo nos conduzirá para a possessão dos bens eternos
na medida em que abandonarmos nossos egoísmos e amarmos com lealdade nosso
próximo na mesma forma que Deus nos ama (cf. Jo 15,12). Deus está sempre
próximo daqueles que sabem amar e vivem fieis.
A Palavra de Deus foi e é proclamada sobre
nós para que ela se converta em nossa salvação. E ao entrar em comunhão de vida
com Jesus na Eucaristia é porque queremos entregar todo nosso ser para o bem,
para a salvação de todos. O mal não tem futuro algum. Acaba destruindo-se a si
mesmo. É essa a profunda convicção de Jesus. Por isso, ele não pede ao Pai
nenhum poder destruidor; não pede legiões de anjos que o protejam. Tampouco o
crucificado devolve o mal pelo mal, nem insulto por insulto, nem profere
ameaças (1Pd 2,23). Um poder desarmado e vulnerável pode ser também um poder
que desarma. O poder de Deus é o poder do amor que se encarna na vida de Jesus.
É esse poder do amor o que lhe permite exclamar: “Pai, perdoa-lhes porque
não sabem o que fazem” (Lc 23,34), pois ele sabe que o mal não tem futuro,
somente o bem.
Jesus nos ensina que temos que nos apegar a
Deus para manter nossa paz e serenidade apesar da realidade dura que nos cerca,
e não ao caminho que temos para ir até Ele. Não podemos nos escravizar a uma
maneira como a única maneira para chegar até Deus, pois nos colocaremos como
superiores e fiscalizadores dos outros. Temos que estar abertos para qualquer
forma que Deus queira para se apresentar ou para se revelar. Deus sempre quer nos
surpreender em todos os momentos. “Se dizes ‘já basta’, estás perdidos. Aumenta sempre,
progride sempre, avança sempre, não pares no caminho, não voltas atrás, não te
desvies”, dizia Santo Agostinho.
P. Vitus Gustama,svd
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