quarta-feira, 24 de março de 2021

Domingo de Ramos,28 de Março de 2021

DOMINGO DE RAMOS

Com o Domingo de Ramos inicia-se a “Grande Semana”. Neste Domingo, a Igreja faz a memória da entrada de Cristo Senhor em Jerusalém para aí realizar o seu mistério pascal: Paixão, Morte e Ressurreição. Mas não se trata de fazer uma piedosa recordação ou de fazer memória de um acontecimento do passado, e sim de tornar presente “hoje” o acontecimento, através da celebração litúrgica, e de vive-lo na fé. “Hoje” somos chamados a reconhecer a divindade de Jesus, a sua messianidade, isto é, a sua ação de salvação em favor da humanidade. “Hoje” somos chamados a entrar com Jesus no drama da sua Paixão para compartilhá-la. A Igreja ter por vocação ser instrumento de Cristo em favor da redenção do mundo.

O significado da celebração está bem resumido e apresentado na admoestação inicial, proposta no Missal para introduzir os fiéis no espirito do rito: “Meus irmãos e minhas irmãs: durante as cinco semanas da Quaresma preparamos os nossos corações pela oração, pela penitência, pela caridade. Hoje aqui nos reunimos e vamos iniciar, com toda a Igreja, a celebração da Páscoa de nosso Senhor. Para realizar o mistério de sua morte e ressurreição, Cristo entrou em Jerusalém, sua cidade. Celebrando com fé e piedade a memória desta entrada, sigamos os passos de nosso Salvador para que, associados pela graça à sua Cruz, participemos também de sua ressurreição e de sua vida”. 

Na liturgia revivem e se revelam os dois aspectos fundamentais da Páscoa: a entrada messiânica de Jesus em Jerusalém, como anúncio e figura do triunfo da sua ressurreição, e a memória da sua Paixão, que marcará a libertação da humanidade do pecado e da morte. É o único Domingo no qual se faz tal memória da Paixão do Senhor.

Todos os evangelistas colocam em destaque esta entrada solene de Jesus na Cidade Santa, acalmado pela multidão dos hebreus como Messias (Filho de Davi). O fato tem um profundo significado de fé. Enquanto os chefes do Sinédrio pensam na eliminação de Jesus, nesse mesmo momento o grão de trigo que morre começa a dar frutos: alguns pagãos pedem para ver Jesus. Este pequeno grupo de estrangeiros é o núcleo da futura Igreja. O Filho do Homem é glorificado e reconhecido pelo resto de Israel e pelas primícias dos povos pagãos (Cf, Jo 12,12-50). 

O Domingo de Ramos é o último domingo da Quaresma, que serve de pórtico para a Semana Santa. Do ponto de vista cristão, a Semana Santa, denominada antigamente “Semana Maior” ou “Grande Semana”, é a semana que comemora o mistério pascal de Jesus Cristo (Paixão, Morte e Ressurreição). É o tempo de mais intensidade litúrgica de todo o ano. A Semana Santa é a Semana das semanas do ano. É o coração de toda a nossa fé.

No Domingo de Ramos, a liturgia e a piedade popular se unem na síntese deste dia, verdadeira celebração dominical da Paixão, e, ao mesmo tempo, a comemoração da entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. O título de domingo “de Ramos e de Paixão do Senhor” revela bem o caráter paradoxal e de contraste que associa o triunfo da entrada com o drama da paixão (sofrimento). 

A diferença de outros domingos, o Domingo de Ramos tem um desenvolvimento original e pedagógica para introduzir na dinâmica do mistério pascal: benção dos ramos, proclamação da entrada solene em Jerusalém, procissão à igreja, leitura da paixão, para terminar na Eucaristia do Ressuscitado. 

Como indicam as orações de benção, os RAMOS são destinados, antes de tudo, a festejar a Cristo Rei e a aclamar o triunfo de Cristo. Por isso, teria que ressaltar com algum gesto festivo, por exemplo, levantando os ramos uniformemente em alguns momentos do canto, seu significado de aclamação.  O altar ou a cruz poderiam estar ornamentados com alguns ramos. 

I. A ENTRADA EM JERUSALÉM DE UM REI HUMILDE QUE SALVA 

Os evangelistas (Mt 21,1-11; Mc 11,1-11; Lc 19,28-38; Jo 12,12-16) entendem a entrada histórica de Jesus em Jerusalém como uma apresentação pública, que Jesus faz de si mesmo como Messias, disposto a assumir sua missão até o final aceitando a entrega e a própria morte de cruz. É uma entrada de rosto triunfal e coração amargo, onde uns (os simples) o aclamam e acolhem, enquanto outros (chefes do Sinédrio) o recusam e condenam. 

A entrada de Jesus na cidade santa de Jerusalém (cidade da paz) é um gesto simbólico que quer pôr em destaque o caráter messiânico da pessoa e da obra de Jesus Cristo. Jesus é Rei-Messias anunciado pelos profetas e por isso, entra solenemente na cidade santa e é aclamado pelo povo como Enviado de Deus. 

Mas as características externas desta entrada “triunfal” não tem nada de triunfalistas. Jesus não se apresenta como um vencedor militar diante de um exército (militar) e sim como um rei da “gente boa” do povo. Gente boa e gente simples tem poder de atrair qualquer pessoa, pois no seu coração não há maldade. 

Ao comemorar ritualmente este episódio da vida de Cristo nós desejamos proclamar que Jesus é nosso Rei. Mas Sua realeza não consiste na possessão do domínio universal e sim que foi conquistada ao preço do sacrifício de sua própria vida. Ele chegou à realeza passando pela humilhação. Ele chegou ao domínio total graças à obediência perfeita à vontade do Pai. Nosso Rei é um Rei sofredor que conserva as cicatrizes gloriosas das chagas. Penetrar no sentido deste paradoxo que é o sentido do mistério da Páscoa é uma graça própria do domingo de Ramos. 

Ele vem como Rei e Messias original, não em poder e glória como vingador de inimigos e salvador de amigos e sim em humildade e simplicidade, como Salvador dos pobres e empobrecidos, dos marginalizados e excluídos, dos abandonados e dos oprimidos, dos discriminados e dos desprezados, e assim por diante. Este Messias não responde às expectativas políticas da tradição. Jesus sabe que somente aceitando a missão sem engano nem mentira é que salvará os que o esperam cujo número é majoritário, sem se esquecer dos minoritários que precisam ser salvos e das ovelhas de outro rebanho (Cf. Jo 10,16). O triunfo de Jesus está selado com a dor. Somente pela cruz se chegará à glória. A subida de Jesus a Jerusalém é um peregrinar para a Páscoa, para cumprir até o fundo a missão. 

Na sua entrada em Jerusalém, Jesus tem necessidade de um JUMENTINHO. Os guerreiros montam o cavalo. No antigo Oriente, a mula, e não jumento, era usado para os reis montarem e pessoas nobres (Cf. 1Rs 1,33.38.44). O jumentinho ou asno era usado pelos pobres para ser montado, e também pelos pessoas de paz. 

Os evangelistas querem ressaltar o significado pacifico, prioritariamente espiritual e interior da ação de Jesus Cristo. Jesus não é o rei guerreiro que vem conquistar pela força nem um libertador político rodeado de carros de guerra, e sim o Messias da paz que traz a salvação, a vida em plenitude para os homens; uma vida que surge de seu próprio interior como uma fonte (cf. Jo 4,14). Tal é o rei de Israel querido por Deus.

A observação de Marcos e Lucas sobre o asno ou jumentinho “que nunca montou pessoa alguma” (Mc 11,2; Lc 19,30) tem sua importância. Mc e Lc querem sublinhar a dignidade de Jesus. Segundo os textos do AT, tudo quanto se utiliza no serviço de Deus não deve ser usado antes (Nm 19,2; Dt 21,3). Com este detalhe os evangelistas nos mostram todo o respeito que sentem pelo Mestre, e mostram também que Jesus é o Senhor ou Deus-conosco, segundo evangelista Mateus (Mt 1,23; 18,20; 28,20).

Chama nossa atenção também que Jesus se designa a si mesmo com “o Senhor”: “Se alguém vos disser qualquer coisas (sobre o jumento), respondei-lhe que o Senhor necessita dele....” (Mt 21,3). Poucos dias depois Jesus será humilhado e crucificado, estará maltratado com crueldade humana. Mas agora nos é advertido, antecipadamente, que esse homem maltratado e assassinado é realmente “o Senhor”. 

II. DOMINGO DE RAMOS E SUA DUPLA FACE

O Domingo de Ramos é o começo da Semana Santa na qual se situa o Tríduo Pascal. A segunda parte da Semana Santa está constituída pelo Tríduo Pascal, que comemora, passo a passo, os últimos acontecimentos da vida de Jesus, desenvolvidos em três dias. Domingo de Ramos é como um prelúdio ou um pórtico pascal que anuncia a grande celebração do Tríduo. Em outras palavras, a Semana Santa é inaugurada pelo Domingo de Ramos, no qual é celebrada a dupla face do mistério pascal: a vida ou o triunfo, mediante a procissão de reamos em honra de Cristo Rei, e a morte ou o fracasso, mediante a leitura da Paixão correspondente aos evangelho sinóticos (a de são João é lida na Sexta-feira Santa). Devido à dupla face que tem este domingo, se denomina “Domingo de Ramos” (face vitoriosa) ou “Domingo da Paixão” (face dolorosa). Por esta razão, o Domingo de Ramos compreende duas celebrações: a procissão de ramos e a Eucaristia. O que importa na primeira parte não é o ramo bento e sim a celebração do triunfo de Jesus. Do aspecto glorioso dos ramos passamos ao aspecto doloroso da paixão. Esta transição não se deduz somente do modo histórico em que transcorreram os fatos, e sim porque o triunfo de Jesus no Domingo de Ramos é sinal de seu triunfo definitivo. Os ramos nos mostram que Jesus vai sofrer, mas como vencedor; vai morrer, mas para ressuscitar. Em resumo, o Domingo de Ramos é inauguração da Páscoa, ou passagem das trevas à luz, da humilhação à glória, do pecado à graça e da morte à vida. 

No Domingo de Ramos são unidos, então, os elementos triunfais (procissão, entrada) e elementos dolorosos (paixão). A proclamação da Paixão de Jesus indica claramente a intenção de unir desde o princípio as duas faces do mistério pascal: fracasso e triunfo, morte e ressurreição, dor e alegria.

Na liturgia do Domingo de Ramos a ordem é o seguinte: primeiro, o triunfo (procissão, entrada solene) e logo, o fracasso (paixão). É uma forma de Igreja atualizar o mistério sem divisão, convidando-nos desde o princípio a seguir Jesus Cristo até a cruz para podermos participar também de Sua ressurreição. A vida não fracassa quando é dada pelo bem dos demais. Somente subindo à cidade (santa) e sentindo o grito simples das crianças e dos pobres e olhando com os olhos da fé e o coração para Aquele que vem num jumento é que poderemos compreender a grandeza da missão.

No cortejo triunfal Jesus caminha obediente até a morte e morte de cruz. Ele assume sua missão totalmente e definitivamente. Ele não se rebaixa nem foge de sua missão apesar de tudo. Esta é a entrada de Jesus em Jerusalém que se realizou dentro de sua alma no umbral da Semana Santa. Ele escuta o grito “Hosana” da multidão, mas seu pensamento está fixado nas palavras de João Batista: Eis aqui Aquele que tira o pecado do mundo.

Para qualquer seguidor de Jesus Cristo, a partir do mistério do Domingo de Ramos, existe uma chamada e exigência a fazer da vida e da missão como uma entrega por amor aos demais. É amar para salvar. A “entrada interior” na missão se produz quando se assume radicalmente esta missão em seu pleno sentido cristão e em suas verdadeiras repercussões humanas e sociais, e se produz quando não nos deixamos abrigar nem fascinar pelo triunfo externo e sim pela verdade interna; quando não nos deixamos vencer pela dor e sim pelo amor; quando não buscamos a maneira de utilizar os demais em nome de nossos interesses egoístas e sim de servir a todos. 

2.1. RAMOS NA PROCISSÃO: FACE TRIUNFAL

Nosso caminho de conversão se une hoje ao caminho de Jesus através da procissão para aprender dele que o mais importante da vida é pô-la ao serviço de uma causa digna. Se nos esforçamos por mudar de atitude e afinar nossos sentimentos durante as semanas da Quaresma é simplesmente para nos identificar melhor com este Jesus que hoje entra triunfante em Jerusalém, e compreender que a alegria e a felicidade fazem parte de nosso ser cristão. Mas também para saber compartilhar na intimidade e na ternura familiar da Quinta-Feira Santa as emoções e a sensibilidade do irmão. Para assumir com fortaleza e decisão as dificuldades que comportam nossa vocação cristã de tantas Sextas-Feiras Santas de nossa vida. Para viver com esperança os momentos de vazio e de aflição de tantos Sábados (santos) de solidão de um túmulo onde Jesus foi sepultado. Para celebrar e viver mais autenticamente unidos a Cristo Ressuscitado a nova vida que Ele nos oferece no Domingo da Páscoa. 

Nosso caminhar ao lado de Jesus ao longo desta semana santa é a melhor escola que podemos frequentar para nossa vida de cada dia. Triunfar (Domingo de Ramos), Amar (Quinta-Feira Santa), Morrer (Sexta-feira Santa) e Ressuscitar para uma vida nova e renovada (Domingo da Páscoa) fazem parte inseparável da vida cristã e são interconectados. Com a segurança de que nosso caminho já não o fazemos sozinhos e sim com Jesus da Semana Santa e com tantos irmãos e irmãs na fé que têm nossos mesmos gozos e esperanças, nossos mesmos anseios e inquietudes. Hoje nos é ensinado a caminharmos juntos sempre ao lado de Jesus para, no fim, triunfarmos com Ele. Jesus, os irmãos e eu devemos caminhar juntos.

A PALMA ou OS RAMOS são símbolo de martírio. Ao levá-los queremos manifestar a Cristo que estamos dispostos a dar-lhe testemunho como os mártires, tanto com nossa vida como com nossas boas obras de cada dia e com nossa luta incessante contra a injustiça, a corrupção, a desigualdade e exclusão social e assim por diante. 

Somente o evangelista João menciona os ramos de palmeira/palmas (Jo 12,13). Mc e Mt falam de ramos de árvores. O uso dos ramos palmas se associava à comemoração anual do triunfo de Macabeus que significava a libertação de Jerusalém (1Mac 13,50-52; 2Mac 10,1-8). Ao mencionar os ramos, João quer expressar que a multidão viu em Jesus Aquele que, unindo em si o poder espiritual e o poder temporal, levará a feliz término a libertação desejada ao estilo ocorrido em tempos de Macabeus.

Por isso, os ramos também são símbolos da vitória. O ramo de palma é símbolo da vitória e se levava nos cortejos triunfais (1Mac 13,51; Ap 7,9). Com os ramos nas mãos queremos manifestar que vencemos o diabo, isto é, aquele que é causador da desunião e da divisão dentro da pessoa e entre as pessoas. Unir e reunir é salvar. Dividir e desunir significa ficar fora da salvação. Quando tudo for dividido e desunido, o inimigo tem facilidade de dominar e de explorar e até de matar a comunhão, a família, a amizade, a fraternidade e assim por diante. Para ser lógicos e coerentes com nossa fé é necessário que a realidade se ajuste ao simbolismo. É necessário que o que expressamos externamente seja uma manifestação do que possuímos dentro de nós. 

Participar na liturgia do Domingo de Ramos (Domingo da Paixão) faz possível que façamos parte da multidão que acompanhou o Senhor naquele dia. Vivamos a procissão de ramos como expressão de nosso desejo e compromisso de viver em comunhão com o Senhor durante esses dias nos quais somos convidados a participar nos Sacramentos pascais.

2.2. FACE DOLOROSA: PAIXÃO DE JESUS CRISTO 

O relato da Paixão de Jesus é muito rico em detalhes. Por ser tão rico, escolhemos apenas alguns detalhes para a nossa reflexão ou meditação. É impossível pregar todos os detalhes dentro de um tempo limitado. Mas o caminho se abre para quem quiser aprofundar outros temas, pois o evangelho é rico e o Espírito Santo sempre renova a nossa maneira de ler e interpretar a Palavra de Deus dentro de nosso contexto, desde que estejamos em sintonia com o Espírito de Deus, fonte de toda a inspiração, o próprio Autor da Palavra de Deus.

2.2.1. A Traição de Judas e Nossas Traições         

Judas, que faz parte do pequeno círculo de homens chamados por Jesus, é uma figura em grande evidência no relato da paixão de Jesus. Ele trai o próprio Mestre para entregá-lo aos seus inimigos. As autoridades planejam a eliminação de Jesus, mas Judas sugere a maneira de executá-la.          

A traição de um amigo esconde sempre um engano. Mas escolher o beijo como sinal significa levar o engano ao extremo. O beijo na mão ou na testa era um gesto de veneração e de amizade. Isto quer nos dizer que Judas trai, fingindo um grande amor. O provérbio diz: “Os golpes do amigo são leais, e mentirosos são os beijos do inimigo” (Pr 27,6).          

Em relação a esta traição o evangelista Mateus acrescenta ainda sobre o preço pago a Judas para que ele possa entregar o Mestre, pois o próprio Judas pede algo em troca: “O que me dareis se eu o entregar?” (Mt 26,15). O desejo pelo dinheiro (riqueza material) pode ser uma coisa terrível. Este desejo pode fazer alguém cego para decência, honestidade e honra.  Ficará pior ainda se este desejo dominar quem é chamado para formar o círculo de pessoas chamadas para estar com Jesus.          

O relato sobre a traição de Judas termina com o relato sobre o abandono. Todos abandonam Jesus.  No início da caminhada os discípulos abandonaram o trabalho (Mc 1,18), a família (Mc 1,20), tudo (Mc 10,28). Por Jesus, encontraram a coragem de abandonar tudo. Agora, no momento do perigo, o seu abandono se inverte. Por medo, eles abandonaram Jesus. O medo vence completamente a sua lealdade. Apesar disso, Jesus anuncia um novo reencontro: “...Ferirei o pastor e as ovelhas se dispersarão. Mas, depois que eu ressurgir, eu vos precederei na Galileia” (Mc 14,27-28).          

A traição de Judas não deve nos levar a condenarmos Judas, mas deve sim nos levar a fazermos uma reflexão séria, pois no fundo do nosso coração mora um possível santo ou um possível traidor. Somos convidados a fazer a revisão de vida pessoal e comunitária sobre a nossa resposta ao amor imenso que nos precedeu, o amor de Deus visível em Jesus Cristo. 

2.2.2. A Negação De Pedro          

Em Cesareia de Filipe, Pedro professou, sem hesitação, que Jesus era o Messias (Mc 8,29). Aqui ele renega Jesus três vezes repetidamente. No entanto, no relato, Pedro se distingue dos outros discípulos, pois somente ele quem segue Jesus na sua Paixão, apesar de ele “seguir de longe” (Mc 14,54). Encontramos aqui um paradoxo. A negação de Pedro não está ligada ao abandono, e sim à tentativa de seguir Jesus. Pedro renega o Mestre porque procura segui-Lo. Mas não é possível, efetivamente, um seguimento “de longe”, pois este tipo de seguimento não admite compromissos. Não se pode estar com Jesus e ao mesmo tempo colocar ao abrigo a si mesmo. Pedro tenta seguir a Jesus também no momento da Paixão, mas com a pretensão de permanecer na sombra. Mas o caminho do seguimento possui um só êxito, não dois. Por isso, exige-se do discípulo um grande amor e uma imensa coragem ao mesmo tempo.          

Mas a história de Pedro não se fecha com a negação, e sim com a “recordação” de uma palavra de Jesus: “Em verdade te digo, hoje, nesta mesma noite, antes que o galo cante duas vezes, três vezes me terás negado” (Mc 14,30) e com o “choro” (pranto) do arrependimento. “Recordar” é um verbo religiosamente importante, pois significa não apenas conservar, mas principalmente colocar em jogo o coração e não somente a memória. A Palavra de Deus pronunciada no passado se torna viva, contemporânea, salvífica e dirigida pessoalmente a cada um. Aqui, a memória e o pranto mantém aberta a história de Pedro.          

Pedro e Judas testemunham a fraqueza do homem e, por conseguinte, o dever da vigilância. Testemunham também as duas faces do mistério: a grandeza do perdão de Deus e a terrível possibilidade do Juízo. Toda queda pode ser a última, diz o destino de Judas (Mt 27,5). Mas pode ser, igualmente, o início de uma profunda conversão, diz a negação de Pedro. Pedro reaparecerá para recomeçar. Como o Mestre, também ele percorrerá o caminho do martírio. Além disso, o relato mostra dois homens que falham, mas cada um tem o pecado de origem diferente: um é o pecado de avareza que odeia, o outro é o pecado de debilidade que ama. E seu final é muito diferente: Judas desespera, Pedro se arrepende. Naturalmente, quem ama, conhece melhor Jesus do que quem o odeia.

Na Paixão encontramos dois homens que falham: Judas e Pedro. Mas seu pecado tem origem diversa. O pecado de Judas é a avareza que odeia. A avareza é um desvio do significado do infinito para o que é relativo. O pecado de Pedro é a debilidade que ama. Por isso, o seu final é diferente. Judas se desespera e suicida. Pedro se arrepende porque ele não deixa o amor por Jesus morrer.

Temos sempre momentos de debilidade ou de fraqueza que nos faz desviarmos do caminho do Senhor. Mas que nosso amor por Jesus não morra como o amor de Pedro a Jesus. Esse amor nos devolverá a alegria de viver e a força para continuar nossa luta de cada dia pelo bem. 

2.2.3. As Mulheres Que Acompanham e Dão Continuidade Ao Testemunho De Jesus                     

Encontra-se também no relato da Paixão do Senhor um grupo de mulheres. São mulheres que acompanham Jesus no momento mais atormentado e perigoso da vida de Jesus (Mc 15,41). A presença destas mulheres junto da cruz é importante, porque são elas que farão a ligação entre o acontecimento da cruz e o da ressurreição, e entre os discípulos que abandonaram Jesus crucificado e o Jesus ressuscitado que quer reuni-los novamente (Mc 16,1-8). Elas são justamente que dão continuidade ao testemunho de Jesus no momento decisivo e conclusivo da sua vida: a cruz (Mc 15,40s), a sepultura (Mc 15,47), e a ressurreição (Mc 16,1-8).          

A atitude principal destas mulheres neste três episódios e que faz uma ligação entre os três episódios é “olhar” (além de dois outros verbos “seguir” e “servir”). “Olhar” caracteriza estas mulheres. As mulheres tiveram a coragem de permanecer junto de Jesus. Mas apesar disto elas demonstrarão mais adiante o medo: “E nada contaram a ninguém, pois tinham medo” (Mc 16,8).          

O que é que o relato sobre a presença das mulheres quer nos transmitir? Para que sejamos discípulos verdadeiros e autênticos exige-se seguir, servir, olhar e dizer (testemunhar). O dizer requer coragem. Assim como pode existir o medo de seguir e servir e o medo de estar presente para olhar e observar, pode também existir o medo de anunciar. Em que etapa estamos?

Hoje Jesus quer também entrar triunfante na vida dos homens, em cada coração, em cada família, na sua família, e quer que demos testemunho dele com a simplicidade do nosso trabalho bem feito, com a nossa preocupação pelos outros, com nosso respeito pelos outros. Quer fazer-se presente em nós através das circunstâncias do viver humano vividas na simplicidade e na humildade. Deus criou tudo porque ele é generoso. E os mais humildes costumam ser mais generosos. E a generosidade é uma forma de prolongar o ato criador de Deus que criou tudo gratuitamente.

P. Vitus Gustama,svd

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