quinta-feira, 11 de março de 2021

IV Domingo Da Quaresma,14/03/2021

AMOR SEM MEDIDA DE DEUS POR NÓS: SOMOS AMADOS DE DEUS

IV DOMINGO DA QUARESMA DO ANO B

Primeira Leitura: 2Crônicas 36,14-16.19-23

Naqueles dias, 14 todos os chefes dos sacerdotes e o povo multiplicaram suas infidelidades, imitando as práticas abomináveis das nações pagãs, e profanaram o templo que o Senhor tinha santificado em Jerusalém. 15 Ora, o Senhor Deus de seus pais dirigia-lhes frequentemente a palavra por meio de seus mensageiros, admoestando-os com solicitude todos os dias, porque tinha compaixão do seu povo e da sua própria casa. 16 Mas eles zombavam dos enviados de Deus, desprezavam as suas palavras, até que o furor do Senhor se levantou contra o seu povo e não houve mais remédio. 19 Os inimigos incendiaram a casa de Deus e deitaram abaixo os muros de Jerusalém, atearam fogo a todas as construções fortificadas e destruíram tudo o que havia de precioso. 20 Nabucodonosor levou cativos para a Babilônia, todos os que escaparam à espada, e eles tornaram-se escravos do rei e de seus filhos, até que o império passou para o rei dos persas.  21 Assim se cumpriu a palavra do Senhor pronunciada pela boca de Jeremias: “Até que a terra tenha desfrutado de seus sábados, ela repousará durante todos os dias da desolação, até que se completem setenta anos”. 22 No primeiro ano do reinado de Ciro, rei da Pérsia, para que se cumprisse a palavra do Senhor pronunciada pela boca de Jeremias, o Senhor moveu o espírito de Ciro, rei da Pérsia, que mandou publicar em todo o seu reino, de viva voz e por escrito, a seguinte proclamação: 23“Assim fala Ciro, rei da Pérsia: O Senhor, Deus do céu, deu-me todos os reinos da terra, e encarregou-me de lhe construir um templo em Jerusalém, que está no país de Judá. Quem dentre vós todos pertence ao seu povo? Que o Senhor, seu Deus, esteja com ele, e que se ponha a caminho”.

Segunda Leitura: Ef 2,4-10

Irmãos: 4Deus é rico em misericórdia. Por causa do grande amor com que nos amou, 5quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo. É por graça que vós sois salvos! 6Deus nos ressuscitou com Cristo e nos fez sentar nos céus, em virtude de nossa união com Jesus Cristo. 7Assim, pela bondade que nos demonstrou em Jesus Cristo, Deus quis mostrar, através dos séculos futuros, a incomparável riqueza da sua graça. 8Com efeito, é pela graça que sois salvos, mediante a fé. E isso não vem de vós; é dom de Deus! 9Não vem das obras, para que ninguém se orgulhe. 10Pois é ele quem nos fez; nós fomos criados em Jesus Cristo para as obras boas, que Deus preparou de antemão, para que nós as praticássemos. 

Evangelho: Jo 3,14-21

Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: 14“Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, 15para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna. 16Pois Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna. 17De fato, Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por ele. 18Quem nele crê, não é condenado, mas, quem não crê, está condenado, porque não acreditou no nome do Filho unigênito. 19Ora, o julgamento é este: a luz veio ao mundo, mas os homens preferiram as trevas à luz, porque suas ações eram más. 20Quem pratica o mal odeia a luz e não se aproxima da luz, para que suas ações não sejam denunciadas. 21Mas, quem age conforme a verdade, aproxima-se da luz, para que se manifeste que suas ações são realizadas em Deus.

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Um Olhar Geral Para As Leituras Deste Domingo

Se o Domingo passado (III Domingo da Quaresma), a Cruz de Cristo se nos apresentava como “sinal de contradição”, o evangelho de hoje nos apresenta a Cruz como “sinal de atração”: “Do mesmo modo como Moisés levantou a serpente no deserto, assim é necessário que o Filho do Homem seja levantado, para que todos os que nele crerem tenham a vida eterna” (Jo 3,14-15). Na linguagem do evangelista são João, a palavra “levantar” ou “elevar” inclui, ao mesmo tempo, o fato da “crucificação” e o da” ressurreição”. Trata-se de sublinhar a unidade dinâmica do mistério pascal, formado pelos dois elementos inseparáveis da morte e da glorificação.

A Cruz de Cristo, pois, é, ao mesmo tempo, um instrumento de rebaixamento e de exaltação. É uma realidade paradoxal. Porém, trata-se de um paradoxo atraente, porque, ao fim, a Cruz é o fruto do amor. Assim diz com toda claridade o evangelho deste domingo e é fortalecido ou confirmado pelo fragmento da Carta de são Paulo aos Éfesios que lemos na Segunda Leitura: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). “Deus é rico em misericórdia. Por causa do grande amor com que nos amou, quando estávamos mortos por causa das nossas faltas, ele nos deu a vida com Cristo” (Ef 2,4-5). Para os cristãos, a contemplação da Cruz de Jesus Cristo é fonte de alegria serena, porque vemos nela a manifestação mais clara do amor de Deus.

Este Domingo é conhecido como o Domingo de Laetare; Domingo da Alegria. Dentro das leituras deste Domingo encontramos o motivo de nossa alegria: Deus nos ama! E Ele leva a sério este amor por nós a ponto de Jesus Cristo, amor encarnado do Pai, aceitar ser crucificado. “Tomou as nossas enfermidades e sobrecarregou-se dos nossos males” (Is 53,4; Mt 8,17). 

A liturgia deste domingo nos convida a meditarmos sobre o amor de Deus, que é a alma de toda a Bíblia. Deus nos ama! É a frase mais simples que se pode imaginar: um sujeito, um objeto, um verbo. Nela contém o pensamento mais vasto que o homem pode conceber: Deus e o homem, e entre eles, amor!

O amor de Deus é uma realidade única, indivisível, como o é o próprio Deus. No entanto, este se nos revelou concretamente em uma sucessão de gestos e intervenções que se chama “História da Salvação”. A história da salvação é a história de amor de Deus por nós incondicionalmente. Do livro de Gênesis até o Apocalipse se conta a história do amor de Deus por nós. 

A primeira etapa deste amor de Deus nos traslada para antes do tempo e da história, para a própria eternidade de Deus: “Deus é amor” (1Jo 4,8). Deus é amor em si mesmo, muito antes de qualquer conhecimento humano.  Este amor precede à criação. Aparentemente nesta frase estamos ausentes: Deus não tem para amar mais que a Si mesmo. Porém, sabemos que Deus não é solitário. Tem junto a Si o Filho, Sua “imagem” perfeita que ama e por quem é, por sua vez, amado com um amor tão forte que constitui uma terceira pessoa: O Espírito Santo. Há, portanto, já amor em Deus, mas uma amor trinitário, inacessível. 

No entanto, nós não estávamos nem ausentes nem eramos desconhecidos, pois Deus nos escolheu antes da criação do mundo (Cf. Ef 1,4). Estávamos já contemplados em seu amor, como criaturas escondidas no seio e no pensamento de Quem as gerou. 

A segunda etapa é a criação. A criação é a revelação deste amor escondido, o primeiro ato fundamental do amor de Deus para as criaturas. O amor divino é que as põe no ser e as faz existir. Existimos porque Deus nos ama. A razão de nossa existência é o amor divino. A criação é um ato de amor. a liturgia interpretando o pensamento teológico de todo o cristianismo, canta no cânon IV (Oração Eucarística IV) da missa: “Nós proclamamos a vossa grandeza, Pai santo, a sabedoria e o amor com quem fizestes todas as coisas”. Deus cria para difundir seu amor, pois o amor é difusivo de si mesmo. O amor tem necessidade de difundir-se, de manifestar-se. 

Não bastava a Deus amar-se a si mesmo; queria amar e ser amado por alguém, que estivesse fora dele. Este amor de Deus encontra nos profetas. Deus deu a alguns homens (profetas) um coração sensível a cada tonalidade de amor, para que revelassem aos homens algo de sua insondável amor. Os profetas fizeram o melhor. Recorreram às imagens mais fortes que conheciam: o amor de um pai e de uma mãe por seus próprios filhos (Cf. Is 1,2; 49,15-16; 62,5ss; Jr 2,2; 31,20ss; Ez 16,8ss; Os 2,21; 11,4). 

A terceira etapa que cumpre todas as etapas precedentes: “Deus amou tanto o mundo, que deu o seu Filho unigênito, para que não morra todo o que nele crer, mas tenha a vida eterna” (Jo 3,16). A terceira etapa do amor de Deus se chama, pois, Jesus Cristo. Jesus Cristo é o amor de Deus feito carne. É a manifestação tangível do amor do Pai: “Nisto se manifestou o amor de Deus para conosco: em nos ter enviado ao mundo o seu Filho único, para que vivamos por ele” (1Jo 4,9).

Mas Jesus não se contentou com ser somente a prova do amor de Deus pelos homens: Ele nos amou, por sua vez, com um amor divino e humano, porque era Deus e homem. o amor de Deus nele se fez também subjetivo: “Como o Pai me amou, assim também vos amei” (Jo 15,9); “Vós sois meus amigos” (Jo 15,14); “O amor de Cristo (por nós) ultrapassa todo conhecimento” (Ef 3,19). Em Jesus, o amor de Deus se adequou a nossa condição humana que necessita ver, sentir, tocar, dialogar. O amor de Jesus pelos homens é forte, tenro, constante até a prova suprema da vida: a morte na Cruz, pois “Ninguém tem maior amor do que aquele que dá a sua vida por seus amigos” (Jo 15,13). Jesus deu sua vida por nós.

A quarta etapa do amor de Deus (e da história da salvação) a que nos leva a nossos dias, se chama Espírito Santo. 

O amor de Deus que se manifestou em Jesus Cristo permanece entre os homens e vivifica a Igreja através do Espírito Santo. O Espírito Santo é esse amor reciproco entre o Pai e o Filho que depois da ressurreição se difundiu sobre os crentes: o amor de Deus foi derramado em nossos corações por meio do Espirito Santo que nos foi dado (Rm 5,5). Jesus nos deu seu Espírito (1Jo 4,13). Por isso, permanecemos nele e Ele em nós. O Espírito Santo é a grande prova de amor de Deus. O Espirito Santo faz com que o amor de Deus se torne uma realidade atual, de hoje e de sempre. O Espírito Santo é a memória viva de Jesus Cristo. No NT o Espírito Santo é apresentado como consolador, aquele que dá a paz, força, alento, ajuda. Ele é chamado também o “novo coração”, o “coração de carne” porque sua presença não somente nos faz amados, mas também nos faz capazes de amar: amar de um novo modo a Deus e aos irmãos. 

Portanto, “Deus amou tanto o mundo...”: aqui reside a mensagem que a Igreja nos transmite mediante os textos litúrgicos. Este amor infinito de Deus recorreu um longo caminho na história da salvação, antes de chegar a expressar-se em forma definitiva e última em Jesus Cristo (Evangelho). A Primeira Leitura nos mostra em ação o amor de Deus de um modo surpreendente, como ira e castigo, para assim suscitar no povo o arrependimento e a conversão. A Carta aos Efésios ressalta, por uma parte, nossa falta de amor que causa a morte, e o amor de Deus que nos faz retornarmos à vida junto a Jesus Cristo (Segunda Leitura). Em tudo e acima de tudo é o amor de Deus em Jesus Cristo.

Toda a história de Deus com o homem, como se apresenta na Bíblia, é uma história impressionante de amor. Deus que por amor cria, dá a vida, elege um povo para fazer-se presente entre os homens, se faz “carne” em Jesus Cristo para nos salvar a partir da carne.

O amor não busca senão o bem da pessoa amada. Mas as formas de buscar este bem podem variar. Diante de um povo ou um coração rebelde, fechado ao caminho de Deus, o amor divino adquire manifestações duras que buscam levar ao homem à reflexão, ao arrependimento e à conversão, como enfatiza a Primeira leitura. Deus atua desta maneira como esforço supremo de seu amor que quer levar os habitantes de Jerusalém para uma autêntica conversão mediante o reconhecimento do amor divino. Porém existe outra forma de amor divino, que é a graça, o dom da salvação para quem a acolhe e a faz frutificar. Os que a acolhem “fomos criados em Jesus Cristo para as obras boas, que Deus preparou de antemão, para que nós as praticássemos” (Segunda Leitura). Essas boas obras são as obras de amor, com que o cristão/fiel responde ao amor de Deus. 

Um Olhar Especifico Sobre O Evangelho Deste Domingo 

Jo 3,14-21, (o evangelho deste quarto Domingo da Quaresma), se encontra no contexto do diálogo-monólogo de Jesus com Nicodemos (Jo 3,1-21). Nicodemos, interessado seriamente por Jesus (Jo 7,50;19,39), aparece na cena como membro do Sinédrio judaico (Jo 7,48), responsável pela condenação de Jesus à morte. Mas não quer que seja conhecida sua simpatia por Jesus. Por isso, ele procura Jesus à noite. Mais tarde o evangelista dirá: “Contudo, muitos chefes creram nele (em Jesus), mas, por causa dos fariseus, não o confessavam, para não serem expulsos da sinagoga, pois amaram mais a glória dos homens do que a de Deus” (Jo 12,42).          

Jesus foi procurado por Nicodemos à noite (escuridão/ trevas). Em Jo “as trevas” (noite/escuridão) não significam uma mera ausência de luz, mas sempre representam, de um lado, entidade ativa e perversa que pretende extinguir a luz da vida (Jo 1,5) que cria barreira para dificultar o homem de ver com clareza o projeto de Deus sobre o homem. As trevas deformam a imagem de Deus. Do outro lado, as trevas representam o âmbito de obscuridade ou cegueira, como conseqüência de sua ação contra a luz, que faz o homem privado da experiência da vida e leva o homem a não conhecer o desígnio de Deus sobre o próprio homem (Jo 5,3;9,1ss).                            

O diálogo-monólogo de Jesus com Nicodemos pode-se dividir em três partes. Na primeira parte (vv.1-3) Nicodemos reconhece a autoridade de Jesus por causa de suas obras (v.2). Diante deste reconhecimento Jesus diz que essas obras não são suficientes. É preciso aceitar Jesus como o enviado, como revelador do Pai, procedente do mundo de “cima”. A segunda parte fala do novo nascimento (vv.4-8), como exigência da primeira parte. Jesus somente pode ser compreendido a partir do nascimento do alto/de cima: renascer da água e do Espírito (vv.3.5). O novo nascimento é obra do Espírito e do batismo. Sem eles não há salvação, nem vida, nem possibilidade de entrar no Reino de Deus (vv.3.5: somente nestes dois versículos aparece a expressão “Reino de Deus” em todo o quarto Evangelho. Em Jo utilizam-se mais os termos “verdade”, “vida”, “luz”, “do alto”, “de Deus” para designar o Reino de Deus). A única possibilidade de acesso ao mistério cristão é a abertura à fé e à ação do Espírito. A terceira parte(vv.9-21) se centra na descrição do acontecimento salvífico. A iniciativa procede de Deus(v.16), se realiza por meio do Filho que vem do Pai e que volta ao mesmo através da cruz- exaltação(v.14). O homem pode ser salvo mediante a fé no Enviado ou recusar a salvação por meio da incredulidade. Entra aqui o tema sobre o juízo ou julgamento. E nosso texto se encontra na terceira parte.

1. É Preciso Olhar Para Jesus “Elevado” Para Ser Salvo (vv.14-15)          

Como Moisés levantou ao alto a serpente no deserto, assim é preciso que o Filho do Homem seja enaltecido (v.14), para que quem nele crer tenha a vida eterna” (v.15). O v.14 se refere a um episódio em Nm 21,6-9, onde se relata o arrependimento do povo hebreu pela murmuração contra Deus e contra Moisés. Como conseqüência dessa murmuração o povo foi mordido e morto pelas serpentes enviadas por Deus. Diante do arrependimento, Moisés intercede pelo povo. E Deus atende o pedido e dá ordem a Moisés para que seja colocada uma serpente de bronze num poste. E quem for mordido, olhando para a serpente, será salvo. Dentro do contexto cultural de Canaã podemos entender esse episódio. Nesse contexto praticava-se o culto às serpentes como símbolos da fertilidade ou como amuletos que protegiam contra as forças do mal e curavam as enfermidades e os males. Mas, na verdade, o povo hebreu não foi curado porque dirigia seu olhar para a serpente, mas porque erguia o próprio coração para Deus. Era Deus que salvava o povo e não o objeto de bronze (Sb 16,7).          

Para a serpente de bronze levantada em um poste (Nm 21,8) o quarto Evangelho dá um bom símbolo, para expressar de forma plástica a força salvadora e o poder de curar e salvar que se difunde sobre todos os fiéis a partir de Cristo levantado na cruz. Aqui usa-se o termo “enaltecimento” ou “ser levantado em alto”. Este termo, em Jo, se refere a uma ação ascendente contínua: Jesus começa sua ascensão ao Pai quando a morte se aproxima (Jo 13,1), e este impulso não estará completo se não houver sua ascensão (Jo 20,17). O primeiro passo ascendente dar-se-á quando Jesus for levantado na cruz; o segundo terá lugar quando Jesus for ressuscitado dos mortos; e o passo final será sua exaltação aos céus. A expressão “Ser levantado em alto” (hypsoun em grego) se usa também em Atos (At 2,33;5,31) para designar a ascensão de Jesus. Em hebraico “levantar em alto” (nasah) tem duplo significado da morte e glorificação, como em Gn 40,13.19.          

O v. 15 explica porque Jesus introduz no discurso o tema de “ser levantado em alto”: Sua exaltação/enaltecimento dará passo ao dom da vida eterna para todos os que crêem nele. A vida eterna é a vida dos filhos de Deus, a vida gerada do alto, a vida gerada pelo Espírito. Quando Jesus for levantado em alto na crucificação e a ascensão, sua comunicação do Espírito será uma fonte de vida para todos os que crêem nele (Jo 7,37-39).           

Somos convidados a olhar para o alto, seguindo o exemplo de Jesus. Os olhos fixos no céu, voltados para o Pai, caracterizaram toda a vida de Jesus. Antes de multiplicar os pães, Jesus levanta os olhos ao Pai (Mt 14,19; Mc 6,41). Antes de abrir os ouvidos do surdo, Jesus olha para o céu (Mc 7,34) etc.... O olhar de Jesus indica a direção para onde deve olhar quem procura o alimento que dá vida e a palavra que cura e salva. Somente olhando para o alto, para Deus, o homem encontra o sentido da sua existência. Só do alto vem a luz que dá sentido à alegria e à dor, às vitórias e às derrotas, à solidão e à morte e assim por diante.          

Olhar para Jesus na cruz significa aceitar com fé a mensagem que ele dirige para todos os cristãos. Crer, aqui, significa identificar a própria vida com a de Cristo. Este é o caminho para alcançar a vida do alto, a salvação. 

2. O Nosso Deus É Um Deus Apaixonado Pelo Homem (v.16)          

“...Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna” (v.16). 

Esta frase é uma síntese bíblica que condensa todo o quarto Evangelho. O quarto Evangelho foi escrito para que acreditemos em Jesus, oferta de amor e salvação de Deus para a humanidade, e para que, crendo nele, tenhamos a vida em seu nome (cf. Jo 20,31). E esta oferta tem um motivo e uma finalidade e um meio. O motivo da oferta é o amor apaixonado de Deus pela humanidade: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único”. O termo “mundo” pode significar os homens em seu conjunto, ou os homens na medida em que eles se opõem à luz divina.  Neste contexto o “mundo” se refere ao gênero humano. E a finalidade desta oferta é a salvação da humanidade: “...para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. E o meio para que o amor de Deus chegue até a humanidade é a encarnação de Deus em Jesus Cristo. Jesus é a manifestação tangível do amor do Pai (1Jo 4,9). O objeto da fé em Jo é acreditar em um Deus que nos ama e que este Deus acampou no meio de nós (Jo 1,14).           

A partir da frase acima mencionada sabemos quem é Deus? Muitas definições foram feitas sobre Deus tanto a partir da filosofia como da teologia em geral e outras disciplinas científicas e exatas, mas nenhuma definição mais certa e curta que a de São João: “Deus é amor” (1Jo 4,8.16). Esta frase é carregada de mistério e de promessa, toda nossa história. É frase nuclear e radiante. Esta frase, ao meditá-la e vivê-la no dia-a-dia, tem a capacidade de manter a esperança no mundo. Ao compreendê-la e vivê-la, o homem alcançará o mistério da criação, da encarnação e da redenção e por isso, encontrará a chave para abrir o segredo de Deus e da vida: encontrará a chave do sentido e chegará à fonte da vida que é Deus. Se Deus é amor, então amor é a essência da realidade, a última palavra da compreensão, o critério da maturidade e o critério definitivo do juízo (seremos julgados sobre o amor). “Não importa se Deus existe; importa saber que Deus é amor” (S. Kierkgaard). E a Bíblia dá a garantia disso mesmo: que Deus é amor.          

Se Deus é amor, ele não pode deixar de amar. Toda a atividade de Deus é uma atividade amorosa. Se cria, cria por amor; se governa as coisas, o faz no amor; quando julga, julga com amor. Tudo quanto faz é expressão de sua natureza, e sua natureza é amar. Amar é dar-se a si mesmo. A entrega do seu Filho único ao homem por parte de Deus é a prova deste amor. Deus dá ao homem o que lhe é mais caro: seu Filho feito carne. Jesus é o amor de Deus feito carne. Nenhum espírito humano teria podido conceber fato semelhante. Num mundo acostumado ao comércio, ao preço das coisas, é difícil entender a gratuidade, é difícil entender a ação de Deus que quer dialogar, amar com liberdade a todos, oferecendo a oportunidade de salvação, graça e vida. Nós, na nossa vida cotidiana, damos uma parte de nossa vida, enquanto Deus dá tudo para a humanidade. Por isso, quando ele pedir do homem, Deus não pede muito do homem, mas pede tudo do homem.          

Deus ama não para completar-se, mas para completar; não para realizar-se, mas para realizar. Deus, amando, não procura sequer a sua glória, mas esta glória nada mais é do que amar o homem gratuitamente.          

O homem, para acontecer sua realização plena, é convidado a caminhar na direção do “Deus é amor”. O resto equivale a se perder. Basta o homem deixar-se levar por “Deus é amor”, ele terá uma força transformadora na sua vida. E com esta força o homem será capaz de apresentar-se com o aspecto mais compassivo e misericordioso, e falar com o estilo mais humano e viver com outro calor humano.

3. Eu Sou Amado De Deus E Sou Chamado A Amar          

Qual é o sentido da nossa situação humana em função da frase “Deus amou tanto o mundo, que entregou o seu Filho único, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”? A resposta é muito simples: Somos amados de Deus. Amados por Deus, qualquer que seja a obscuridade e a insignificância da nossa situação atual. Somos amados de Deus é uma mensagem transformante; é uma mensagem que abre todos os meus horizontes. Embora eu me sinta abandonado e perdido num mundo sem rumo, eu sou amado por Deus. A minha história se torna uma história da salvação porque Deus me ama. Eu tenho que tirar da minha consciência o Deus que castiga que faz a vida pesada e torna a existência incômoda. Deus se dá para mim, e ele dá para mim aquilo que ele tem de mais caro: seu Filho único, Jesus Cristo. Mas esta entrega é perene, e não é apenas um ato passado. Deus nos ama permanentemente no decorrer humano da nossa vida através de sua providência e através da eucaristia celebrada. Como dizia Madre Teresa de Calcutá: “Ao olhar para a cruz de Jesus, sabemos o quanto Deus nos amou. Ao participamos da eucaristia, sabemos o quanto Deus nos ama”.          

O amor de Deus se encarna em Jesus, o Deus entre nós. Jesus não é apenas a prova do amor de Deus para com os homens; ele nos ama com o mesmo amor com que o Pai o ama (Jo 15,9). Jesus não é apenas o Deus entre nós ou encarnação do amor de Deus, mas ele nos chama para sermos nós com ele. Como cada um de nós é amado por Deus, é querido, é recebido, é chamado, é desejado na sua solidão, nas situações em que ninguém pode ajudar, nós também devemos nos tornar a encarnação do amor de Cristo para com os outros até nas situações de abandono total. Nestas situações de abandono total é que somos resgatados pelo Deus- entre- nós e devemos fazer a mesma coisa se quisermos ser chamados de filhos de Deus.          

Estamos conscientes de que não é fácil acreditar no amor no mundo em que acontecem muitas traições e muitas desilusões. Quem foi traído ou ferido uma ou algumas vezes, tem medo de amar e de ser amado, porque sabe quanto faz mal o desengano. E assim vai cada vez mais engrossando o número daqueles que não conseguem acreditar no amor de Deus. Até o filósofo Sartre dizia: “O homem é uma paixão inútil”. Muitos consideram o homem como um desenho criado pelas ondas na praia que a onda seguinte apaga.          

Nós cristãos, temos a vocação de resgatar esse véu que tenta sempre cobrir a terra. Devemos ressuscitar nos corações dos homens que Deus nos ama independentemente da situação em que nos encontramos. Sem fé em Deus que nos ama, pereceremos e nos perdemos no vazio. Ao contrário, a vida brota em cada coração que ama. 

4. Mas Será Que Eu Amo Este Deus Apaixonado Por Mim? (Julgamento: vv.18-21)          

Embora estejamos conscientes de que Deus nos ama, mas cada um fica livre para aceitar ou recusar a oferta de amor de Deus. A responsabilidade recai sobre o homem e não sobre Deus, cujo amor não faz exceções. Diante da oferta do amor não cabe outra coisa senão a ele responder ou negar-se a aceitá-lo. Por isso, entra aqui o tema de julgamento(juízo).          

O juízo (krisis em grego) indica um processo de separação e de discriminação. O verbo “julgar” aqui significa condenar. Este verbo “julgar” pertence à linguagem bíblica, segundo a qual o julgamento somente acontecerá no fim dos tempos de acordo com a vida vivida nesta terra (cf. 2Cor 5,10). Esse julgamento decidirá o acesso de alguém à vida ou sua perda definitiva da vida. Mas em Jo, a vida eterna e o julgamento de condenação não estão reservados para o fim dos tempos. A vida eterna e o julgamento, segundo Jo, acontecem desde o encontro com Jesus. É a realidade atual, já presente e operante dentro da história e dentro da pessoa humana(v.18). Não é Deus que julga, e sim o próprio homem se julga pela atitude que adota. O próprio homem se julga pela opção feita.  Vida e morte depende da fé em Cristo. Isto quer dizer que quem acreditar em Jesus, ele tem a vida imediatamente. Ao contrário, quem recusar Jesus, ele se autodetermina para a morte (definitiva). Este é o sentido da expressão bíblica “ser julgado”.          

Por isso, nos três últimos versículos sublinha-se a norma de conduta para chegar à salvação. Para que o homem possa chegar à salvação, ele deve deixar-se questionar pela luz do Senhor. E esta luz é o Filho, nosso Senhor Jesus Cristo (Jo 8,12), na sua função salvadora de dar a vida para todos (Jo 10,10). Em outras palavras, o homem deve converter-se todos os dias. Mas devemos saber que a conversão por medo de castigo não é conversão. A verdadeira conversão acontece somente quando a pessoa sente uma vontade verdadeira de se tornar melhor cada dia.          

Os homem que não optarem pelo caminho da conversão, segundo Jo, é porque eles amam mais as trevas do que a luz (v.19). E eles amam as trevas porque as suas obras são más. Seus atores detestam a luz devido ao medo de serem reveladas essas obras más. Por isso, eles tentam afastar de qualquer maneira a presença da luz. Mas será que eles conseguirão esconder as suas obras más eternamente? O evangelista Mateus responde: “...nada há de encoberto que não venha a ser descoberto, nem de oculto que não venha a ser revelado” (cf. Mt 10,26b). Amar as trevas significa uma recusa à luz. E esta recusa é mortal. Deus sem o homem continua sendo Deus. Mas o homem sem Deus é nada.

P.Vitus Gustama,SVD

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