quinta-feira, 25 de março de 2021

Terça-feira Da Semana Santa,30/03/2021

TRAIÇÃO FATAL E SUA LIÇÃO PARA NÓS

Terça-Feira da Semana Santa

Primeira Leitura: Is 49,1-6

1 Nações marinhas, ouvi-me, povos distantes, prestai atenção: o Senhor chamou-me antes de eu nascer, desde o ventre de minha mãe ele tinha na mente o meu nome; 2 fez de minha palavra uma espada afiada, protegeu-me à sombra de sua mão e fez de mim uma flecha aguçada, escondida em sua aljava, 3 e disse-me: “Tu és o meu Servo, Israel, em quem serei glorificado”. 4 E eu disse: “Trabalhei em vão, gastei minhas forças sem fruto, inutilmente; entretanto o Senhor me fará justiça e o meu Deus dará recompensa”. 5 E agora me diz o Senhor – ele que me preparou desde o nascimento para ser seu servo – que eu recupere Jacó para ele e faça Israel unir-se a ele; aos olhos do Senhor esta é a minha glória. 6 Disse ele: “Não basta seres meu Servo para restaurar as tribos de Jacó e reconduzir os remanescentes de Israel: eu te farei luz das nações, para que minha salvação chegue até aos confins da terra”. 

Evangelho: Jo 13,21-33.36-38

Naquele tempo, estando à mesa com seus discípulos, 21Jesus ficou profundamente comovido e testemunhou: “Em verdade, em verdade vos digo, um de vós me entregará”. 22Desconcertados, os discípulos olhavam uns para os outros, pois não sabiam de quem Jesus estava falando. 23Um deles, a quem Jesus amava, estava recostado ao lado de Jesus. 24Simão Pedro fez-lhe um sinal para que ele procurasse saber de quem Jesus estava falando. 25Então, o discípulo, reclinando-se sobre o peito de Jesus, perguntou-lhe: “Senhor, quem é?” 26Jesus respondeu: “É aquele a quem eu der o pedaço de pão passado no molho”. Então Jesus molhou um pedaço de pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. 27Depois do pedaço de pão, Satanás entrou em Judas. Então Jesus lhe disse: “O que tens a fazer, executa-o depressa”. 28Nenhum dos presentes compreendeu por que Jesus lhe disse isso. 29Como Judas guardava a bolsa, alguns pensavam que Jesus lhe queria dizer: ‘Compra o que precisamos para a festa’, ou que desse alguma coisa aos pobres. 30Depois de receber o pedaço de pão, Judas saiu imediatamente. Era noite.  31Depois que Judas saiu, disse Jesus: “Agora foi glorificado o Filho do Homem, e Deus foi glorificado nele. 32Se Deus foi glorificado nele, também Deus o glorificará em si mesmo, e o glorificará logo. 33Filhinhos, por pouco tempo estou ainda convosco. Vós me procurareis, e agora vos digo, como eu disse também aos judeus: ‘Para onde eu vou, vós não podeis ir’”. 36Simão Pedro perguntou: “Senhor, para onde vais?” Jesus respondeu-lhe: “Para onde eu vou, tu não me podes seguir agora, mas seguirás mais tarde”. 37Pedro disse: “Senhor, por que não posso seguir-te agora? Eu darei a minha vida por ti!” 38Respondeu Jesus: “Darás a tua vida por mim? Em verdade, em verdade te digo: o galo não cantará antes que me tenhas negado três vezes”.

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Jesus é o Servo de Deus Que Sofre Pela Sua Fidelidade à Vontade de Deus

O texto da Primeira Leitura é o segundo poema do Servo do Senhor. Este poema faz parte de um conjunto de poesias chamado “Cânticos do Servo de Javé (Deus)” no livro do profeta Isaías. O Servo é chamado por Deus já desde o ventre materno, com uma eleição gratuita, para que cumpra seus projetos de salvação: “O Senhor chamou-me antes de eu nascer, desde o ventre de minha mãe ele tinha na mente o meu nome”. O servo de Deus tem consciência de ser chamado para ser porta-voz de uma palavra salvífica aos próximos e aos distantes.

Encontramos quatro cânticos sobre o Servo de Deus no livro do profeta Isaias:

·        Is 42,1-4: o canto da missão do servo (de Deus). Ele é chamado por Deus para estabelecer a justiça e ser fiel na Aliança.

·        Is 49,1-6: é o canto da resposta do servo (de Deus) à chamada de Deus.

·        Is 50,4-9ª: é o canto da lamentação do servo (de Deus). Apela na justiça de Deus. Por isso, ele não tem medo dos flageladores nem dos perseguidores, pois ele tem certeza da fidelidade de Deus.

·        Is 52,13-53,12: é o canto da vitória do servo (de Deus). Aqui se descreve o sofrimento do servo de Deus: sua dor não somente no nível físico, mas também se estende ao nível psicológico e moral. Ele sofre no lugar dos outros. Mas no fim do sofrimento há vitória, pois Deus está com ele.

Nos quatro cânticos do servo de Deus tem as seguintes características do servo de Deus: Primeiro, ele é um homem de dores. Ser porta-voz da novidade de Deus tanto no conteúdo como na forma (não grita), solidário com os humildes e em atitude sempre de discípulo deixa entrever contestações, sofrimentos e maus tratos. Segundo, ele é um homem inocente. A inocência do servo de Deus é proclamada abertamente no fim do quarto cântico do servo de Deus. Terceiro, ele é um homem justo. Esta característica está em estreita relação com sua inocência. O servo de Deus é justo enquanto comprometido a obedecer aos desígnios salvíficos de Deus ou aos mandamentos de Deus. Graças a sua fidelidade que o servo de Deus é capaz de conseguir a salvação para os homens. Ele “carrega sobre si” (Is 53,11b) e “leva” a maldade (Is 53,12b) e as transgressões de muitos. O servo de Deus assume livremente a responsabilidade das culpas dos demais “oferecendo sua vida como sacrifício” (Is 53,10ª). 

A leitura unitária dos Cânticos do servo de Deus faz pensarmos que se trata de um único personagem histórico e ao mesmo tempo escatológico: Jesus Cristo. Jesus Cristo é o Servo de Deus. A leitura atenta dos evangelhos e de outros textos do Novo Testamento nos leva a considerarmos a figura de Jesus em estreita relação com a expressão veterotestamentária de Servo de Javé (Deus). A figura do justo que sofre teve uma função de primeira ordem na reflexão inicial da primitiva comunidade cristã para superar o escândalo da morte de Jesus na cruz. Mt 8,17; Lc 22,37 e Jo 12,38 citam explicitamente os Cânticos do Servo (de Deus) para mostrar sua relação com Jesus. Jesus faz sua a missão do Servo de Deus. Como o Servo de Deus, Jesus é afável (Mt 11,29) e está em meio dos seus “como aquele que serve” (Lc 22,27). Como o servo de Deus, também Jesus dá sua vida pela redenção da multidão dos pecadores (Mc 10,43ss; Mt 20,28); é imolado sobre a cruz (Mc 14,24; At 8,32), sabendo que Deus o ressuscitará segundo o que está escrito do Filho do Homem (Mc 8,31; 9,31). Jesus, assumindo a condição de Servo (Fl 2,5-11), nos abre o caminho da salvação (At 4,10ss). 

Somos seguidores de Jesus Cristo, o Servo de Deus, e optamos pela Sua vida. Por isso, somos chamados, como cristãos, a servir aos demais homens com o intuito de salvá-los. Servir faz parte de nossa missão como cristãos. Cristão que não serve aos demais, não serve como cristão. Serviremos ao Senhor quando servirmos ao irmão, especialmente aos mais necessitados com quem o Senhor se identifica (cf. Mt 25,40.45). Servir é fazer o outro crescer. Servir é dar a vida. Servir aos demais significa querer imitar Cristo que “não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (Mc 10,45). 

De que maneira vivemos a vida de Jesus como Servo de Deus? Será que mantemos nossa inocência? Será que somos fieis aos ensinamentos de Jesus Cristo apesar dos sofrimentos? Aceitamos sacrificar nosso tempo, nosso talento, nossos bens e nossa vida pela salvação dos outros? 

Somos Tentados Permanentemente a Ser Traidores dos Ensinamentos de Jesus Cristo 

Em verdade, em verdade vos digo, um de vós me entregará”.

É muito difícil compreender a profundidade dos sentimentos de Jesus na véspera de sua morte. Além disso, é bastante difícil chegar a saber que possa sentir o coração de Jesus quando para a sua morte iminente se acrescenta ainda mais a traição vinda dos próprios apóstolos. Trata-se da amargura atrás de amargura. É um grande alerta para todos os cristãos que a traição pode fazer ninho na alma dos chamados dirigentes. 

O texto do evangelho deste dia produz uma emoção singular em qualquer leitor piedoso e sensível. Poucas passagens têm semelhança ao texto de hoje: por sua profundidade psicológica, pela força de seus símbolos, e pelas perspectivas teológicas que nos abrem.

Profundidade psicológica porque o Mestre está profundamente comovido pela magnitude da revelação que vai fazer: “Em verdade, em verdade Eu vos digo: um de vós me entregará” ou “um de vós vai me trair”. De fato, um discípulo com quem o Mestre compartilhou sua vida, dons e pregação, vai trair seu próprio Mestre.               

A palavra “traição” é muito dura. Apenas a usamos em nosso vocabulário quando se trata de uma verdadeira relação. Falar da traição supõe fazer referência a uma relação de amor e fidelidade frustrada. Somente se trai o que se ama. “Quando se enfraquece o amor, também se enfraquece o fervor” (Santo Agostinho). Quem muito ama, muito sofre com a ingratidão ou com a traição do amado. No contexto do evangelho de hoje o traidor é um exemplo das trevas sobre as quais brilhou em vão a luz. Judas deixou de estar em sintonia com Jesus. “Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me pensar nesta frase de Léon Bloy: ‘Quem não reza ao Senhor, reza ao diabo’. Quando não confessa Jesus Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo do demônio’”, disse Papa Francisco.               

Nós traímos Jesus quando convertemos Jesus num objeto para alcançar nossos caprichos. Nós começaremos a trair Jesus Cristo, se deixarmos de estar em sintonia com sua pessoa e com seus ensinamentos. Nós O trairemos quando Jesus nos oferece a amizade e não buscamos cultivá-la diariamente. Nós O traímos quando repetimos muito seu nome nas nossas orações, em nossos louvores e em nossos cantos ou cânticos, mas não estamos dispostos a nos deixar transformar por Ele. Nós trairemos Jesus quando usarmos as pessoas para valorizar dinheiro, em vez de usar o dinheiro para valorizar mais pessoas.

Cada um de nós tem que saber se cuidar para poder cuidar dos demais; tem que saber se valorizar para valorizar os outros; tem que saber colocar o ser humano acima das coisas, em vez de as coisas acima do ser humano. “Se você não é fiel a si mesmo, também nunca será fiel aos outros. Se você quiser ser fiel até a morte deve estar disposto a mudar durante toda a sua vida (René Juan Trossero).               

Também é profundidade na surpresa dos discípulos. Os discípulos se sentem débeis, pobres, desagradecidos; porém na consciência de quase todos é inimaginável uma traição de tal qualidade que não tem piedade em entregar o próprio Mestre aos inimigos. Tem que ser muito pecador e muito traidor para fazer uma maldade desse tamanho. Judas desvaloriza o amor pelo Mestre para valorizar o dinheiro pelo qual ele vendeu o seu Mestre. 

É profundidade também no gesto de amor. Jesus umedeceu um pedaço de pão no molho e deu a Judas. Nas refeições solenes, na época, dar um pedaço de pão umedecido no molho era sinal de carinho especial. Com este gesto, o evangelho dá a entender que Jesus ama extraordinariamente aquele que O trairá. Ou seja, Jesus ama Judas até as últimas consequências. No entanto, Judas se recusa ao amor sem limites de Jesus. De fato, ele recebeu o pedaço de pão umedecido e saiu imediatamente do grupo. O evangelho não diz se ele comeu ou não esse pão.

Ao desprezar o amor de Jesus, Satanás toma posse do coração de Judas, privando-o de toda luz, pois ele é totalmente dominado pelas trevas. Por isso, o evangelista João conscientemente acrescenta esta expressão: “Era noite”. Para o evangelho de João “trevas” ou “treva” é tudo que se opõe ao projeto ou ao plano de Deus; é aquilo que oculta o homem do plano de Deus. Consequentemente, aquele que é dominado pelas trevas vive sem rumo e sem a alegria de viver. Mas aquele que aceita ser amado por Jesus vive na alegria apesar dos problemas encontrados no caminho da vida, pois Jesus é a Luz que ilumina a vida de cada um de nós (Jo 8,12). 

No evangelho de hoje encontramos dois homens que falham: Judas e Pedro. Mas seu pecado tem origem diversa. O pecado de Judas é a avareza que odeia. A avareza é um desvio do significado do infinito para o que é relativo. O pecado de Pedro é a debilidade que ama. Por isso, o seu final é diferente. Judas se desespera e suicida. Pedro se arrepende porque ele não deixa o amor por Jesus morrer. 

Temos sempre momentos de debilidade ou de fraqueza que nos faz desviarmos do caminho do Senhor. Mas que nosso amor por Jesus não morra como o amor de Pedro a Jesus. Esse amor nos devolverá a alegria de viver e a força para continuar nossa luta de cada dia pelo bem. É preciso que estejamos com Jesus, Luz do mundo (Jo 8,12) para que as trevas não nos dominem. Na ausência de Jesus, Luz do mundo, nossa vida se transforma em uma escuridão total.

“Quando caminhamos sem a Cruz, edificamos sem a Cruz ou confessamos um Cristo sem a Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor”. (Papa Francisco)

Judas traiu seu Mestre. De que maneira você traiu Jesus? De que modo você traiu os ensinamentos de Cristo? Na Igreja de Jesus cada um deve estar consciente de que se esquecermos a justiça, a misericórdia, o perdão, a honestidade, a retidão e os demais ensinamentos do Senhor, nós trairemos o Senhor do mesmo jeito. Deixemos que a luz do Senhor brilhe sobre nós para que possamos descobrir nossas sombras. Somente a Luz do Senhor pode nos dizer em que estado nos encontramos e a ela vai nos mostrar o caminho pelo qual podemos sair de nossa escuridão. 

Somos amigos de Jesus (cf. Jo 15,15b). Será que é verdade aquilo que Victor Hugo dizia: “A metade de um amigo é a metade de um traidor”? Uma pessoa boa continua sendo honesta em qualquer situação. Mas uma pessoa covarde se esconde atrás de mentiras e traições. A vida é dura. Perder alguém é mais duro ainda. Mas tendo coração ferido causado pela traição de uma pessoa que você ama e quer bem pode fazer você morrer lentamente no coração desta pessoa. Será que vale a pena trair os valores mesmo que estejamos diante das vantagens materiais?

P. Vitus Gustama,svd

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