ESTAR
CONSCIENTE DE SER VERDADEIRO TEMPLO DE DEUS
Quarta-feira, 09 de Novembro de 2011
Festa da Dedicação da Basílica do Latrão
Texto da Leitura: Jo 2,13-22
O evangelho diz que Jesus vai ao
Templo por ocasião da festa da Páscoa (Jo 2,13). Jesus foi educado a respeitar
o Templo (Lc 2,22.41-42.46), subiu a Jerusalém para celebrar a Páscoa (Jo
2,13), pagou seu tributo ao Templo (Mt 17,23-26)etc.. E por ocasião da Páscoa
Jesus vai ao Templo. A Páscoa judaica é uma festa que celebra a libertação do
povo de Deus do Egito: o fim da escravidão e a origem de Israel como povo de
Deus, povo da Aliança. Por isso, é uma festa principal para os judeus. A Páscoa
também era uma festa familiar, celebrada na casa de família, na qual a parte
principal cabe ao pai (Ex 12,1-11).
Mas Jesus vê os comerciantes fazem
seus negócios no Templo. Ao ver os negociantes de bois, ovelhas e pombas e os
cambistas no Templo Jesus faz um chicote para expulsá-los e diz: “Tirai tudo
isto daqui; não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio” (v.16).
O que tem por trás do gesto de
Jesus?
Em primeiro lugar, a Páscoa que era uma
festa familiar e festa de libertação se transforma em uma festa da maior
exploração. Os peregrinos que vêm de longe não podem trazer consigo os animais
para serem sacrificados no Templo. Eles compram, por isso, os animais no
próprio Templo. E os donos dos animais são os latifundiários pertencentes à
elite religiosa. A Páscoa para eles é o momento de lucro, pois eles aumentam o
preço dos animais exageradamente. E os peregrinos não têm outra opção a não ser
comprar esses animais apesar do preço alto. A Páscoa não é mais um momento de
celebrar e de reviver a libertação, mas se torna uma festa de exploração. As
elites religiosas exploram o povo por meio do culto. O “deus” do Templo, para
estas elites religiosas, é o dinheiro. A religião se transforma num instrumento
que acoberta a injustiça e exploração. Por isso já não é mais “a casa de meu
Pai”, e sim um mercado. Eles se esquecem que a relação com Deus como Pai não se
estabelece por meio de dinheiro.
Em segundo lugar, quem pode comprar os
animais maiores (como boi, ovelhas) são os ricos. Surge aqui outra mentalidade.
O sacrifício se torna como que uma moeda pela qual compra-se de Deus a
salvação. A salvação não mais depende de dois lados simultaneamente (de Deus
que oferece e do homem que corresponde), mas somente do homem que a compra.
Isto quer dizer que quem não for capaz de “comprar” a salvação, ficará fora
dela. E os pobres e miseráveis?
A salvação não se compra nem com
dinheiro, nem com promessas, nem com devoções, pois Deus não é um comerciante,
mas é um Pai-Mãe. Pai ou mãe faz tudo pelos filhos não pelo merecimento, mas
porque quer o bem deles. O que se pede de cada crente é a convivência fraterna
como conseqüência da vivência da filiação divina.
No quarto Evangelho, o que nos
chama atenção é o fato de Jesus se dirigir somente aos vendedores de pombas.
Para eles é que Jesus diz: “Tirai tudo isto daqui; não façais da casa de meu
Pai uma casa de comércio” (v.16). Porque a pomba era o animal sacrificado nos
holocaustos (Lv 1,14-17) e nos sacrifícios (Lv 12,8;15,14.29) oferecidos
especialmente pelos pobres, por meio dos sacerdotes, para reconciliar-se com
Deus e para purificar-se (Lv 5,7;14,22.30-31; cf. Lc 2,44: os pais de Jesus
eram pobres). Os vendedores de pombas são os que, por dinheiro, oferecem aos
pobres a reconciliação com Deus, e representam os sacerdotes do Templo que
fazem comércio com a graça de Deus. Em outras palavras, a hierarquia sacerdotal
explora especificamente os pobres, oferecendo-lhes por dinheiro para ganhar
favores ou benefícios de Deus. Eles apresentam Deus como um comerciante, pois
convertem a casa de Deus num mercado.
O gesto de Jesus de expulsar os
comerciantes do Templo suscita duas reações. Os discípulos reagem pensando que
Jesus seja um grande reformador da instituição. Somente após a ressurreição
eles entenderão que Jesus não é um reformador do Templo, mas aquele que o
substitui (v.22).
E os que sentem o seu lucro
ameaçado, os dirigente, pedem de Jesus uma explicação da origem de sua
autoridade: “Que sinal nos mostras para agires assim?” (v.18). O homem gosta de
exibir poder. Deus não é assim. Se Jesus faz milagres, especialmente para os
simples e pobres, é para mostrar que Deus está sempre ao lado deles, e não para
exibir poder. O poder de Deus consiste em amar o ser humano sem medida (Jo
3,16).
Diante da estrutura civil e
religiosa dos judeus centrada no Estado do Templo, Jesus anuncia o fim dos
templos: “Destruí este templo, e em três dias eu o levantarei” (v.19; cf. Jo
4,20-21) para começar o novo culto “ao Pai em espírito e verdade” (Jo 4,23-24).
Jesus mostra que a verdadeira habitação de Deus entre os seres humanos é Ele
mesmo. Ele deve ser adorado “em espírito e verdade” (Jo 4,23). A pessoa de
Jesus substitui o Templo, pois nele o Pai está presente (Cl 1,19).
E as pedras vivas deste edifício
espiritual são os que pertencem ao novo povo de Deus que também são templos de
Deus (cf. 1Cor 3,16-17). Deus habita no próprio ser humano, e não em edifícios (2Cor
6,16). Cada cristão é ele próprio templo de Deus enquanto membro do Corpo de
Cristo (1Cor 3,16). Assim quem desrespeita o ser humano está desrespeitando o
próprio Deus e toda a pessoa humana, chamada a ser templo de Deus (1Cor 3,17).
O homem vale aquilo que vale para Deus. Quem avalia o homem são o coração e os
olhos de Deus, Autor da humanidade. A vida de Deus é que sustenta a vida do
homem. Nenhum outro vivente possui o hálito divino nele soprado no início da
criação (cf. Gn 2,7; cf. Jo 20,22). Por este hálito divino a vida do homem é
divina e por isso, não pode ser sacrificada, maltratada, vendida ou comprada.
Conseqüentemente, os direitos humanos, a partir deste ângulo, se transformam em
direitos divinos. Escravizar o homem e maltratá-lo significa atingir a Deus em
seu ponto mais sensível.
Jesus não é indiferente frente ao
culto do templo. É necessário construir templos ou igrejas ou capelas para
neles podemos celebrar o Senhor e a vida que vivemos. Mas a nossa oferenda cultual
terá sua validade, se tudo isto for uma expressão do serviço fraternal, se não
há separação entre o culto e a vida, se não maltratar o ser humano cujo autor é
o próprio Deus. O culto não vale pela observância de preceitos nem pela oferta
de objetos. O culto verdadeiro consiste na mais profunda união do homem ao
divino, na mais pura e incondicional entrega à vontade de Deus e no respeito
pelo ser humano. O culto do cristão é um culto de Espírito (Jo 4,23). O templo
não santifica o nosso culto, e sim o nosso culto santifica o lugar e a
comunidade. O homem deve limpar sempre a morada de Deus que é ele mesmo de todo
tipo de “sujeira” através de uma conversão contínua todos os dias de sua vida.
P. Vitus Gustama,svd
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