sábado, 5 de novembro de 2011

APRENDER A VIVER NA PRUDÊNCIA DIARIAMENTE NA ESPERA DO ENCONTRO DERRADEIRO COM DEUS

Reflexão Para XXXII Domingo do Ano Litúrgico A

(Para os lugares que celebram a Festa de Todos os Santos neste Domingo [06/11] veja a segunda reflexão do dia 01 de Novembro. Porém aqui coloquei em seguida uma reflexão a partir de Mt 5,1-12 sobre as bem-aventuranças)

Texto de Leitura: Mt 25,1-12
        
Os capítulos 24-25 de Mt constituem o quinto e último discurso de Jesus no Evangelho de Mateus. Este quinto discurso é conhecido como o “Discurso escatológico” (discurso apocalíptico). Mt elabora notavelmente o discurso escatológico de Mc (Mc 13) e o amplia com uma série de parábolas e com uma impressionante descrição do julgamento final (Mt 25,31-46), cuja principal intenção é orientar os cristãos sobre como preparar a vinda do Senhor. Mt não trata, como em Mc, dos sinais que precederam a destruição do Templo e sim da vinda do Filho do Homem e das atitudes necessárias com que os discípulos devem preparar esta vinda. 

          
Com o discurso escatológico Mt quer responder à situação em que a sua comunidade vive. Por um lado, a comunidade vê que a segunda vinda de Jesus se atrasa, enquanto que diante dela aparece a história como espaço para o compromisso (Não podemos nos esquecer que este discurso é uma elaboração do discurso de Mc 13. Na comunidade de Mc, a destruição de Jerusalém e do Templo que ocorreu no ano 70 d.C., resultou em surgimento de uma onda de entusiasmo apocalíptico. Os profetas fáceis interpretaram o acontecimento como um sinal de que o fim do mundo estava próximo). Por outro lado, o evangelista contempla com preocupação os sinais de abandono, preguiça espiritual, relaxamento moral, rotina e esfriamento que começam a aparecer na comunidade. Nesta situação, Mt descobre que aquelas palavras de Jesus contém um profundo ensinamento e servem de exortação para os cristãos. A exortação se fundamenta numa profunda convicção: a vinda do Filho do Homem é certa, porém, não acontecerá em seguida (o momento é incerto). Por isso, chegou o momento de preparar-se para este grande acontecimento vivendo segundo os ensinamentos de Jesus. 

          
A linguagem destes capítulos pode provocar temor. Mas, na verdade, trata-se de uma linguagem apocalíptica que era relativamente freqüente entre alguns grupos judeus e cristãos. Chama-se de linguagem apocalíptica porque tem como objetivo manifestar uma revelação escondida (apocalypsis). Em muitas ocasiões esta revelação é dirigida a grupos ou comunidades que vivem uma situação de perseguição, com a intenção de animá-los e encorajá-los em suas lutas e tribulações. Por isso, não há motivo nenhum de alguém ver nestes textos uma ameaça e sim, uma mensagem de esperança.

          
O “discurso apocalíptico” de Mt pode-se dividir em duas partes. A primeira (Mt 24,1-35) segue, com pequenos variantes, o texto de Mc (Mc 13) e trata de identificar os sinais que precedem e acompanham a vinda do Filho do Homem. A segunda, própria de Mt (Mt 24,36-25,46) mostra as atitudes com que os cristãos devem preparar esta vinda.

         
A parábola das dez virgens complementa a parábola do servo fiel e do infiel que a antecede imediatamente (Mt 24,45-51). Ela, então, está muito relacionada com a parábola precedente. Esta parábola se encontra somente em Mt. Pela sua introdução, a parábola é qualificada como parábola do Reino: “...O Reino de Deus é como...” (v.1). E pela introdução, a parábola não se refere à espera da vinda do Senhor, e sim a chegada do Reino. Mas pelo contexto em que se encontra, ela tem ligação com a vinda final de Cristo (parusia).

          
Esta parábola, se olharmos do ponto de vista da prudência, pois a parábola trata das cinco virgens prudentes (phronimoi) e outras cinco insensatas (morai), nos faz lembrar também da conclusão do Sermão da Montanha que compara um homem néscio a um homem prudente (Mt 7,24-27). Na literatura sapiencial o prudente é aquele que age de acordo com as exigências de Deus; o insensato, ao contrário, age conforme sua cabeça. E sabedoria sempre leva vantagem sobre a loucura (cf. Ecl 2,12-17). Da conclusão do Sermão da Montanha sabemos que um que é néscio construiu a casa sobre a areia e o outro que é prudente sobre a rocha. A casa do néscio desmoronou, pois sem nenhuma base sólida, enquanto que a do outro fica firme diante da tempestade, pois foi construída sobre a rocha.


Na parábola de dez virgens encontra-se novamente o contraste entre prudente e néscio. A palavra “prudência” provém do latim “prudens, prudentis” que na acepção própria significa precavido, competente. A prudência é a capacidade de ver, de compenetrar-se e de ajustar-se à realidade tal como ela é. A prudência oferece a possibilidade de discernir o correto do incorreto, o bom do mau, o verdadeiro do falso, o sensato do insensato para guiar o bom rumo de nossas ações. É a faculdade que nos permite ver e compreender a realidade tal como é. O homem sábio é sempre guiado pela prudência e a verdade é a regra de sua ação. A prudência determina o que é necessário escolher e o que é necessário evitar.  Ela separa a ação do impulso. “A prudência é um amor que escolhe com sagacidade”, dizia Santo Agostinho. Prudentes são aqueles que escutam a Palavra de Deus e a praticam. Ao contrário, néscios são aqueles que a escutam, mas não vivem de acordo com a Palavra de Deus. As cinco virgens levam o azeite suficiente, pensando na chegada atrasada do noivo, enquanto que as outras cinco não pensam nisso. Como é importante estar preparado, tanto para as surpresas agradáveis como para as desagradáveis na vida.

          
O azeite é a Palavra de Deus vivida no dia a dia que se resume no amor. Diz Santo Agostinho: “Coisa grande, verdadeiramente muito grande significa o azeite (óleo). Só pode ser amor” (Aliquid magnum significat oleum, valde magnum. Putas non caritas est?).Nem todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas sim aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus”, concluiu o Sermão da Montanha (Mt 7,21). E aqui nesta parábola lemos que as cinco virgens insensatas gritam: “Senhor! Senhor! Abre-nos a porta!”(v.11). Mas a porta continua fechada. Quem vive segundo a Palavra de Deus tem a chave na mão para abrir a porta (do céu). As palavras da profissão “Senhor, Senhor” só salvam quem as professa, se viver de acordo com essa profissão. Chamamos e professamos Deus de Senhor porque queremos que ele assenhore nossa vida, e guie nossos atos e decisões, que ele seja o centro de nossa vida, que a vontade dele prevaleça na nossa vida, pois tudo que Deus quer é só salvar. Quem de nós não quer ser salvo? 

          
Esta parábola é contada por Mt para fazer a advertência à própria comunidade e também para as comunidades cristãs (veja o contexto acima dito). Todas as dez virgens são escolhidas para esperar e aguardar a mesma coisa: a vinda do noivo. Mas algumas perdem a esperança e a persistência muito cedo. A comunidade mateana, embora acredite na mensagem, começa a perder a fé por causa da demora do dia do Senhor. Como conseqüência, vem o declínio e a apatia no cumprimento das exigências evangélicas. Por isso, esta parábola tem como motivo opor-se a esse declínio ou à apatia da comunidade. Ele enfatiza que nunca se sabe, nem se pode ter certeza sobre o fim da história. O que a comunidade precisa fazer é manter a esperança e estar pronta em todos os momentos para a chegada do Senhor. Por isso, no fim da parábola, Mt pede que a comunidade esteja sempre vigilante (v.13), pois o Senhor pode chegar no momento menos esperado (à meia noite. v. 6). Para Mt, estar vigilante e preparado significa escutar e colocar em prática as palavras de Jesus que podem resumir-se no mandamento do amor. A verificação da autêntica vigilância e da esperança cristãs consiste no cumprimento do mandamento do amor.  Vigiar significa dar-se conta da realidade, estar atento ao essencial. Evita-se assim uma fuga da responsabilidade do presente. A mensagem de Mt é, por isso, esta: o atraso da volta de Jesus não pode levar ao adormecimento e ao descuido, nem pode levar os cristãos a ficarem relaxados nos seus compromissos. Ao contrário, a certeza da vinda do Senhor e incerteza do momento da chegada devem motivá-los a assumir seus compromissos com as palavras de Jesus ativamente. A comunidade cristã deve se preparar para o futuro salvífico através do cumprimento fiel das exigências de Deus reveladas por Cristo.

          
As cinco virgens prudentes estão de prontidão e prestam atenção às coisas essenciais. Enquanto as cinco insensatas pensam em tudo, menos naquilo que, de fato, tem importância. Acontece também em nossos dias, talvez em todos os tempos, a mesma coisa. Há pessoas que perdem o rumo por causa das coisas efêmeras: dinheiro, poder, prazeres etc. e não se dão conta de estarem perdendo um tempo valioso, não se lembram dos valores autênticos como caridade, justiça, paz, verdade, reconciliação etc. pelos quais vale a pena comprometer-se. O homem tão pendente das coisas passageiras que lhe falta interesse pelas de Deus. “Diz o insensato em seu coração: Não há Deus” (Sl 13,1). O homem tão ocupado com as mil coisas que não deixam mais do que efêmeras satisfações que se esgotam logo que se produzem, e que não tem tempo para Deus. Um sábio diz que há esquecimento por falta de memória, mas há esquecimento por falta de amor. Esquecemos Deus não por falta de memória, mas por falta de amor para com ele. Não é fácil imaginar que uma pessoa que ama se esqueça daquilo que agrada ao ser amado. Quantos se interessam hoje em dia por averiguar quais razões que Deus terá tido para os chamar à vida, em vez de qualquer outra das inúmeras criaturas que poderiam ter nascido em seu lugar? 


Na íntima consciência, a cada instante, está iminente a eternidade do Deus santo, que será nosso Salvador, ou...nosso Juiz. O perigo é que, sem luz, por falta de azeite, na hora da verdade podemos nos encontrar, tal como as cinco virgens insensatas, na rua e diante de uma recusa aterradora: “Em verdade Eu vos digo: Não vos conheço!” (v.12). Todos nós somos convidados, como as dez virgens, a participar da celebração do casamento de Jesus com a humanidade. Contudo, devemos estar conscientes de que a porta estará aberta para uns e fechada para outros. Não é que Deus não queira, mas a opção pessoal é que determina a entrada ou não na sala do banquete eterna com Jesus, o noivo celeste.

          
O que nos chama a nossa atenção é o aparente egoísmo e aparente falta de solidariedade das cinco virgens prudentes que não dividiram seu azeite para as insensatas. E a aparente falta de amor do noivo que não abriu a porta para as cinco insensatas também chama a nossa atenção. A parábola quer destacar uma responsabilidade pessoal que não é substituível por ninguém diante de Deus no fim dos tempos. Ninguém pode prestar contas em nome de ninguém diante de Deus nesse momento. Cada um é único diante do Deus único. As qualidades interiores, as qualidades do espírito que temos ou não as temos, não podem ser emprestadas ou repartidas diante da seriedade do momento. É insubstituível o compromisso pessoal da vigilância.

          
O juízo particular é tema que desperta não só responsabilidade, mas também esperança e otimismo. Deus não empurra ninguém para o céu ou para o inferno. É a própria pessoa quem decide sobre isso durante sua vida. Não é uma sentença divina que vai declarar a pessoa culpada ou inocente, e sim é a atitude, é o modo de vida da pessoa que vão condicionando sua opção por Deus. O juízo particular é processo histórico que a própria pessoa vai tecendo.

           
Este pensamento nos leva a perguntar sobre o destino do companheiro ou da companheira que está ao nosso lado. Quem ele/ela é? Será que ele/ela tem azeite suficiente até a chegada do noivo celeste? Será que a porta estará aberta ou fechada para ele/ela? A mesma pergunta é dirigida para cada um de nós. Temos um desejo comum: que a porta esteja aberta para nós na hora da verdade. Mas para isso, que tenhamos a chave desta porta em uma mão e com o óleo de amor fraterno em outra mão.


P. Vitus Gustama,svd


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SER FELIZ SEGUNDO AS BEM-AVENTURANÇAS
Mt 5,1-12: O texto lido na Festa de Todos os Santos

O texto do evangelho deste domingo pertence ao “Sermão da Montanha” (Mt 5-7). É  evidente que com a expressão “sermão da montanha” o evangelista Mateus não esteja registrando um discurso único pronunciado de uma só vez no mesmo lugar, mas sim, ele reúne e organiza pequenos grupos de ditos de Jesus sobre o discipulado tirados de várias ocasiões durante o ministério de Jesus. Dificilmente qualquer mestre condensaria tanta instrução em um único sermão e numa única vez e no mesmo local.

Mateus inicia o Sermão da Montanha com as bem-aventuranças. As bem-aventuranças são descrições das qualidades que devem ser encontradas na vida dos que se submetem à soberania de Deus. Elas são também uma declaração das bênçãos ou uma proclamação da felicidade (não só promessas da felicidade) para todos os que revelem tais virtudes.

Jesus pronuncia as bem-aventuranças, consciente do seu significado, e alcance; e propô-las então e as propõe hoje a todo o homem e mulher que queiram seguir seu caminho, porque são as atitudes básicas para ser seu discípulo, para assimilar o espírito do Reino e para conseguir a felicidade em plenitude pelo caminho da libertação.

Jesus começa o seu sermão dizendo: “Felizes...”. Todo o homem e mulher quer ser feliz; em conseqüência, procura o modo de o conseguir, segundo o que cada um entende por felicidade: riqueza e dinheiro, êxito e posição social, segurança e amor, poder e domínio, sexo e prazer, viagem e lazer...etc..

Jesus conhece o coração humano, sedento de felicidade. Por isso, Jesus quer fazer seus discípulos felizes (veja Jo 15,11); não imagina que alguém possa ser seu discípulo e não ser feliz. Se um seguidor ou um cristão não estiver feliz, deve-se perguntar por quê. Quando nos falta a felicidade, não será porque, nesse momento não procuramos a Deus de verdade, no trabalho, naqueles que nos rodeiam, nas dificuldades? Não será porque não nos submetemos à vontade de Deus? 

Mas quando se fala da felicidade devemos estar conscientes de que a felicidade da qual falam as bem-aventuranças não exclui as contradições e o sofrimento. Não existe felicidade sem sacrifício. A felicidade verdadeira passa pelo caminho da cruz. Jesus proclama as bem-aventuranças porque ele as viveu primeiro. As bem-aventuranças refletem sua experiência, na sua prática concreta de fé e de esperança, perpassada pelo sofrimento e pela perspectiva da cruz. Jesus é, por isso, garantia e modelo da existência feliz. A vida de Jesus constitui a melhor chave de interpretação das bem-aventuranças. Ele foi pobre e sofredor, teve fome e sede de justiça, criou paz e reconciliação, foi perseguido e morreu pela nossa salvação. Encarnando na sua pessoa as bem-aventuranças, estas convertem-se para seu discípulo em programa realizável e operativo. As bem-aventuranças devolvem a dignidade perdida, o Reino,  a esperança e a felicidade em plenitude aos homens de qualquer lugar e época.



As bem-aventuranças começam com dois versículos introdutórios bem densos teologicamente: “Vendo Jesus as multidões, subiu à montanha. Ao sentar-se, aproximaram-se dele os seus discípulos. E pôs-se a falar e os ensinava...”
Jesus vê as multidões. O olhar de Jesus é o olhar de Deus: penetrante e fascina. O olhar que não fica na superfície, mas penetra profundamente, atinge o coração e vê o que está no íntimo do homem. Os olhos de Jesus são os que sabem comunicar para estabelecer um contato. E quando Jesus convida os discípulos a se aproximarem dele e permanecerem ao seu lado, o seu olhar de amor dirige-se sempre às multidões. As multidões que Jesus enxerga diante de si são aquelas que lhe seguiram, aquela massa heterogênea, vindo de todas as partes de Israel(Mt 4,25). O discurso vai-se dirigir, portanto, a toda a terra de Israel, aos representantes de todos os distritos e de todas as tribos. Isto já basta para sublinhar a importância do discurso que vem em seguida.

Não nos podemos aproximar de Jesus e conhecer-lhe as intenções cheias de amor por nós, se não tivermos como Cristo este amoroso olhar pelas pessoas. Por isso, até aqui, podemos olhar para nossa vida e perguntar: que tipo de olhar que tenho para os outros: um olhar cínico, um olhar clínico, um olhar de censura, um olhar crítico, um olhar que sempre descobre facilmente os erros dos outros ou um olhar amoroso? Devemos ficar verdadeiramente perto de Jesus para podermos comunicar às pessoas o nome de Jesus, que é Deus Conosco, Emanuel. Quem não se encontrar perto de Jesus nada poderá compreender das bem-aventuranças e do próprio Cristo, que é a fonte das bem-aventuranças, a manifestação visível da beatitude de Deus Uno e Trino.

Jesus subiu ao monte. A palavra “monte” simboliza o lugar de Deus e o de sua manifestação (Sinai, Horeb, Tabor etc.), a esfera divina, o lugar do encontro com Deus. Mas aqui Jesus é aquele que fala da revelação e dá a Lei; ele fala no lugar de Deus. Jesus nos convida a subir ao monte. Nossa vida deve ser sempre uma subida espiritual até chegar a Deus, à esfera divina. Quando o cristão estiver no lugar de Deus, ele poderá enxergar melhor sua vida e as pessoas ao seu redor. Conseqüentemente, à vaidade ele opõe a humildade, às blasfêmias a exortação, à arrogância uma educação sem falha e ele transforma sua crítica em humildes sugestões, sua lucidez em vigilância, sua força em persuasão e sua caridade em delicadeza.

Jesus sentou-se. “Estar sentado” é a atitude própria do mestre. Nas sinagogas sentados os rabinos ensinavam na cátedra de Moisés(Mt 23,2). Jesus sentou-se porque este era a postura antiga de mestres, um sinal de seu dignidade e autoridade. E a solenidade é acrescentada com a fórmula,” e ele abriu sua boca”.  Esta observação, sentar-se, revela que se trata de uma instrução importante, de um ensinamento oficial. A expressão também enfatiza a importância do ensinamento que vai começar imediatamente. Com isso, Jesus interpreta normativamente a Palavra de Deus. E ele traduz a Palavra de Deus para aquela multidão, mais acostumada a ouvir do que a ler, como chamas que iluminam e esquentam, mas que também queimam.

Os discípulos aproximaram-se de Jesus. A palavra “discípulo” aqui significa literalmente “aprendizes” ou “estudantes”. A palavra “discípulo” é uma das palavras preferidas de Mateus e “membros de sua comunidade”. Ao dizer que os discípulos aproximaram-se de Jesus, Mateus quer nos dizer que não existe mais a distância que separe o ser humano de Deus. Se no Antigo Testamento só Moisés que subiu ao monte para encontrar-se com Deus e para receber o decálogo(cf. Ex 19-20), agora a partir de Jesus, qualquer ser humano tem o acesso a Deus. Mateus justamente quer nos mostrar, através de seu evangelho, que Deus é Emanuel, Deus conosco(Mt 1,23;18,20;28,20). A aproximação/subida dos discípulos mostra que não há mais distância entre Deus e o homem. Pela adesão a Jesus, superou a distância que os separava do Reinado de Deus(Mt 4,17: o Reino dos céus está próximo). Quem aderir a Jesus também não criará distância dos outros, pois os outros são passagem obrigatória para chegar até Deus.

Jesus nos chama junto a si, convida-nos a vivermos ao lado dele não só para nos instruir a respeito do caminho da salvação, mas também para irradiar, para comunicar vitalmente sua alegria. Jesus é o Evangelho em pessoa. E ele quer que sejamos o Evangelho em pessoa, para que possamos sempre irradiar nosso e o caminho dos outros para chegar até encontro com Deus.


Jesus pôs-se a falar e os ensinava. Ensinar é uma atividade característica de Jesus (Mt 4,23-25;9,35;11,1), que os discípulos só poderão assumir depois de ver Jesus Ressuscitado (Mt 28,16-20).

Através das Bem-aventuranças Jesus nos indica o caminho para alcançar a verdadeira felicidade.

O segredo da felicidade é viver no espírito da pobreza. O termo “espírito” na concepção semita conota sempre força e atividade vital. Os pobres em espírito são os “curvados de espírito” (anawim: os oprimidos socialmente, incapazes de fazer respeitar seus direitos, forçados a se curvar diante dos ricos e dos poderosos), os que se submetem interiormente, uma disposição espiritual, sem resistência, à vontade de Deus, os que aceitam humildemente o senhorio de Deus sobre suas vidas, aqueles que esperam tudo das mãos de Deus. Esta atitude de humildade diante de Deus, nascida da fé, se traduz em atitudes e condutas de desapego aos bens materiais, de bondade, de partilha que é a alma do projeto/plano de Deus, e de solidariedade. Esta primeira bem-aventurança é básica, porque exprime a atitude fundamental necessária para a pertença do Reino: a atitude de receptividade(diante da soberania de Deus). Sem ela, é impossível deixar-se enriquecer, viver e crescer na comunhão com Deus e os outros.

Na medida em que confiarmos totalmente em Cristo e o seguirmos como pobres no espírito, nós seremos libertados de todo desejo de dominação e de posse, e seremos construtores da paz. Além do mais, onde o Reino de Deus for acolhido com alegria e gratidão, ninguém mais explorará o pobre, o marginalizado, o que é objeto de toda espécie de competições; ninguém mais deixar-se-á dominar pelo egoísmo. A opressão, a injustiça, o racismo não terão mais lugar onde for verdadeiramente acolhido o grande dom, a riqueza infinita do Reino de Deus. E fazer bom uso da graça, de todas as nossas capacidades e dos bens materiais, significa sempre servir a Deus no próximo. 

Se estivermos infelizes tempo todo, vamos parar para verificar nossa vida. Talvez construamos nossa vida sobre outro fundamento. Por isso, em vez de melhorar, nós pioramos nossa vida e toda convivência. Mas a partir do momento em que nos submetermos à vontade de Deus, e construirmos nossa vida sobre Cristo, como pedra angular, seremos felizes apesar de vários tipos de tempestades desta vida, e a casa de nossa vida não cairá nunca.

Por isso, que cada um de nós se pergunte: sobre qual fundamento você constrói sua vida e sua família até seu trabalho?

Jesus declara felizes não os que são mansos por temperamento(v.4), mas os que, apesar de disporem de meios para fazer valer seus direitos, não são violentos nem agressivos mas pacientes e indulgentes pois a justiça do Reino não será imposta através da violência que destrói, nem pelo “extermínio dos filhos das trevas” mas através da força de Deus e como fruto da confiança inabalável na justiça de Deus em favor dos injustiçados e humilhados. O manso é aquele que não se deixa dominar pelas contradições da vida e sabe manter-se paciente na espera da plenitude. O manso não procura exercer violência sobre Deus, arrancar dele tudo que deseja. O manso aceita o tempo de Deus e a maneira de Deus. Por isso, o manso não é um fraco, mas um crente que tem força da alma. A mansidão é o sinal visível da benevolência e do respeito. Em Cristo encontramos o modelo perfeito da mansidão: “...aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração...” (cf. Mt 11,29).

Jesus proclama bem-aventurados os aflitos porque serão consolados (v.5). O termo grego que se usa é penthos que designa sofrimento muito intenso, uma dor viva quase desesperadora. Esses aflitos são muito concretamente: choram seus pais, seus amigos, suas seguranças sociais desaparecidas ou ameaçadas. É claro que Jesus não canoniza a tristeza nem condena a alegria quando proclama essa bem-aventurança. Jesus declara felizes os que estão aflitos (v.5) por experimentarem a ausência da justiça de Deus mas continuam esperando em Deus pois só Ele pode converter a tristeza em alegria e o pranto em canto. Todos os que se afligem diante das manifestações do anti-Reino serão consolados com a certeza do amor de Deus, mesmo no meio das maiores aflições. E com a certeza de que os frutos do que agora semeiam com lágrimas, a bondade, a justiça, a lealdade, serão colhidos com cânticos.
Para Jesus são felizes aqueles que praticam a justiça e não iniqüidade (v.6). A “justiça nova” proclamada por Jesus é o tema central do Sermão da Montanha. Esta palavra aparece cinco vezes no Sermão da Montanha, de um total de sete vezes em todo o evangelho (3,15;5,6.10.20;6,1.33;21,32). A justiça aqui significa viver em conformidade com a vontade de Deus, submeter-se a Ele sem restrições. É a prática dessa justiça, a conduta em conformidade com a vontade de Deus, que dá acesso ao Reino de Deus.

Jesus proclama bem-aventurados os misericordiosos. A misericórdia é a atitude divina que perdoa as faltas cometidas e a mercê ativa de Deus em relação às pessoas na necessidade. Deus manifesta sua misericórdia pela nossa salvação perdoando nossos pecados. É, portanto, essencial, para nós, perdoar generosamente a quem nos ofende e se nos opõe, a fim de merecermos ser filhos de Deus. O perdão é a obra de misericórdia por excelência. Misericórdia é ter o coração atento às misérias. Trata-se de um estado interior de bondade que se traduz no agir. Os misericordiosos são aqueles que, efetivamente, abrem seu coração para os outros e executam gestos concretos para aliviar sua aflição. Os felizes não são os que, por índole natural, têm um coração sensível e sentimentos de compaixão (v.7), mas os que fazem gestos concretos de misericórdia, ajudando e servindo os necessitados. O justo é aquele que é misericordioso e doa (Sl 37,21). Não se reduz a um puro sentimento afetivo; exige um movimento efetivo em direção ao necessitado. Exige emoção no sentido mover-se em direção ao outro e com o outro. Ao sentir-se “comovidos” pelo sofrimento dos outros, os misericordiosos entram em ação para aliviar e, se possível, curar o sofrimento atacando suas causas. O amor misericordioso constitui o centro do mistério de Deus revelado em Jesus Cristo. Tudo que Jesus faz, nasce de suas entranhas de misericórdia. A misericórdia pertence ao núcleo da pregação de Jesus em Mateus (5,17-20;9,13;12,7;25,31-46; cf. também 18,23-35;6,14s).

Se a misericórdia se tornar o empenho fundamental da nossa vida, do nosso modo de pensar, de falar e de agir, na hora de nossa partida desta terra iremos ao encontro de Cristo com confiança absoluta, pois alcançaremos misericórdia.

Jesus declara bem-aventurados os puros de coração, pois verão a Deus. Na Bíblia, o coração é a sede do pensamento, da vontade e dos sentimentos. A pureza de coração consiste não somente no nível de comportamento exterior, mas nas disposições interiores. “Eles verão a Deus”, no sentido de não somente olharmos para Deus como para um objeto ou um espetáculo, mas tendo acesso a ele, pertenceremos à sua roda, gozando da sua familiaridade. Para isso, devemos ter um coração puro. Os que olham o mundo, as pessoas com os olhos de Deus são declarados felizes (v.8), pois tudo isso é a expressão da pureza do coração, um coração limpo, simples e sincero. É declarado feliz quem se põe a serviço de Deus e dos homens sem cálculos interesseiros e sem falsa piedade; o feliz é quem é transparente no pensar e no agir.

O homem de lábios impuros, que vive no meio de um povo de lábios impuros, será e permanecerá cego.

Os felizes não são os que têm temperamento tranqüilo, que desfrutam da paz interior do coração e que não perturbam os outros. Este tipo de paz diz respeito aos próprios sujeitos. Mas nesta bem-aventurança trata-se dos que fazem, constróem, promovem a paz no dia-a-dia (v.9), tecendo laços novos de solidariedade, de verdade e de justiça (cf. Sl 34,14s). A paz (shalom) é síntese de todos os bens messiânicos, como dom aos homens que Deus ama (Lc 2,14). Aos construtores da paz é feita a promessa solene de que no juízo final lhes será dado o maior de todos os títulos: “Serão chamados filhos de Deus”.

E na última bem-aventurança (vv.10-12) se sublinha uma verdade: se não sofremos nenhuma forma de perseguição, de injúrias e calúnias por causa do Evangelho é sinal de que não optamos verdadeiramente por Jesus e seu Reino, pois o Evangelho que não incomoda mais não é mais o evangelho. Quem, ao anunciar o Evangelho, for aplaudido por todos e sobretudo pelos donos de poder, pode estar certo de que ele ainda não é o profeta verdadeiro, pois ele deixou de ser o sal da terra para converter-se em adoçante. Tirar do evangelho de Jesus o que possa ferir os que podem matar porque têm em suas mãos os poderes mortíferos da terra significa trair o evangelho e parar de ser cristão. O teste para verificar a fidelidade a Jesus de cada cristão, de cada comunidade cristã, e da Igreja como um todo, é ser ou não ser perseguido pelas forças do anti-Reino porque as razões da perseguição só podem ser mentirosas e as testemunhas só podem ser falsas. No caso de perseguição (como também na primeira bem-aventurança), a promessa é formulada no presente: “Deles é o Reino dos céus”. O reino lhes pertence desde agora.

Portanto, que cada um de nós que se chama cristão, se pergunte: o que falta  ainda em mim destas bem-aventuranças ? Quais delas tenho vivido? E por que ainda não tenho vivido algumas dessas bem-aventuranças? 

P. Vitus Gustama,svd



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