APRENDER A VIVER NA PRUDÊNCIA DIARIAMENTE
NA ESPERA DO ENCONTRO DERRADEIRO COM DEUS
Reflexão Para XXXII Domingo do Ano Litúrgico A
(Para os lugares que celebram a Festa de Todos os
Santos neste Domingo [06/11] veja a segunda reflexão do dia 01 de Novembro. Porém aqui coloquei em seguida uma reflexão a partir de Mt 5,1-12 sobre as bem-aventuranças)
Texto de Leitura: Mt 25,1-12
Os capítulos 24-25 de Mt constituem
o quinto e último discurso de Jesus no Evangelho de Mateus. Este quinto
discurso é conhecido como o “Discurso escatológico” (discurso apocalíptico). Mt
elabora notavelmente o discurso escatológico de Mc (Mc 13) e o amplia com uma
série de parábolas e com uma impressionante descrição do julgamento final (Mt
25,31-46), cuja principal intenção é orientar os cristãos sobre como preparar a
vinda do Senhor. Mt não trata, como em Mc, dos sinais que precederam a
destruição do Templo e sim da vinda do Filho do Homem e das atitudes
necessárias com que os discípulos devem preparar esta vinda.
Com o discurso escatológico Mt quer
responder à situação em que a sua comunidade vive. Por um lado, a comunidade vê
que a segunda vinda de Jesus se atrasa, enquanto que diante dela aparece a
história como espaço para o compromisso (Não podemos nos esquecer que este
discurso é uma elaboração do discurso de Mc 13. Na comunidade de Mc, a
destruição de Jerusalém e do Templo que ocorreu no ano 70 d.C., resultou em
surgimento de uma onda de entusiasmo apocalíptico. Os profetas fáceis
interpretaram o acontecimento como um sinal de que o fim do mundo estava
próximo). Por outro lado, o evangelista contempla com preocupação os sinais de
abandono, preguiça espiritual, relaxamento moral, rotina e esfriamento que
começam a aparecer na comunidade. Nesta situação, Mt descobre que aquelas
palavras de Jesus contém um profundo ensinamento e servem de exortação para os
cristãos. A exortação se fundamenta numa profunda convicção: a vinda do Filho
do Homem é certa, porém, não acontecerá em seguida (o momento é incerto). Por
isso, chegou o momento de preparar-se para este grande acontecimento vivendo
segundo os ensinamentos de Jesus.
A linguagem destes capítulos pode
provocar temor. Mas, na verdade, trata-se de uma linguagem apocalíptica que era
relativamente freqüente entre alguns grupos judeus e cristãos. Chama-se de
linguagem apocalíptica porque tem como objetivo manifestar uma revelação
escondida (apocalypsis). Em muitas
ocasiões esta revelação é dirigida a grupos ou comunidades que vivem uma
situação de perseguição, com a intenção de animá-los e encorajá-los em suas
lutas e tribulações. Por isso, não há motivo nenhum de alguém ver nestes textos
uma ameaça e sim, uma mensagem de esperança.
O “discurso apocalíptico” de Mt
pode-se dividir em duas partes. A primeira (Mt 24,1-35) segue, com pequenos
variantes, o texto de Mc (Mc 13) e trata de identificar os sinais que precedem
e acompanham a vinda do Filho do Homem. A segunda, própria de Mt (Mt
24,36-25,46) mostra as atitudes com que os cristãos devem preparar esta vinda.
A parábola das dez virgens
complementa a parábola do servo fiel e do infiel que a antecede imediatamente (Mt
24,45-51). Ela, então, está muito relacionada com a parábola precedente. Esta
parábola se encontra somente em Mt. Pela sua introdução, a parábola é
qualificada como parábola do Reino: “...O Reino de Deus é como...” (v.1). E
pela introdução, a parábola não se refere à espera da vinda do Senhor, e sim a
chegada do Reino. Mas pelo contexto em que se encontra, ela tem ligação com a
vinda final de Cristo (parusia).
Esta parábola, se olharmos do ponto
de vista da prudência, pois a parábola trata das cinco virgens prudentes (phronimoi) e outras cinco insensatas (morai), nos faz lembrar também da
conclusão do Sermão da Montanha que compara um homem néscio a um homem prudente
(Mt 7,24-27). Na literatura sapiencial o prudente é aquele que age de acordo com as exigências
de Deus; o insensato, ao contrário, age conforme sua cabeça. E sabedoria sempre
leva vantagem sobre a loucura (cf. Ecl 2,12-17). Da conclusão do Sermão
da Montanha sabemos que um que é néscio construiu a casa sobre a areia e o
outro que é prudente sobre a rocha. A casa do néscio desmoronou, pois sem
nenhuma base sólida, enquanto que a do outro fica firme diante da tempestade,
pois foi construída sobre a rocha.
Na parábola de dez virgens
encontra-se novamente o contraste entre prudente e néscio. A palavra “prudência” provém do latim
“prudens, prudentis” que na acepção própria significa precavido, competente. A prudência
é a capacidade de ver, de compenetrar-se e de ajustar-se à realidade tal como
ela é. A prudência oferece a possibilidade de discernir o correto do incorreto,
o bom do mau, o verdadeiro do falso, o sensato do insensato para guiar o bom
rumo de nossas ações. É a faculdade que nos permite ver e compreender a
realidade tal como é. O homem sábio é sempre guiado pela prudência e a verdade é
a regra de sua ação. A
prudência determina o que é necessário escolher e o que é necessário evitar. Ela separa a ação do impulso. “A prudência é um amor que escolhe
com sagacidade”, dizia Santo Agostinho. Prudentes são aqueles que escutam
a Palavra de Deus e a praticam. Ao contrário, néscios são aqueles que a
escutam, mas não vivem de acordo com a Palavra de Deus. As cinco virgens levam
o azeite suficiente, pensando na chegada atrasada do noivo, enquanto que as
outras cinco não pensam nisso. Como é importante estar preparado, tanto para as
surpresas agradáveis como para as desagradáveis na vida.
O azeite é a Palavra de Deus vivida
no dia a dia que se resume no amor. Diz Santo Agostinho: “Coisa grande,
verdadeiramente muito grande significa o azeite (óleo). Só pode ser amor” (Aliquid magnum significat oleum, valde
magnum. Putas non caritas est?). “Nem
todo aquele que me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no Reino dos Céus, mas sim
aquele que pratica a vontade de meu Pai que está nos céus”, concluiu o
Sermão da Montanha (Mt 7,21). E aqui nesta parábola lemos que as cinco virgens
insensatas gritam: “Senhor! Senhor!
Abre-nos a porta!”(v.11). Mas a porta continua fechada. Quem vive segundo a
Palavra de Deus tem a chave na mão para abrir a porta (do céu). As palavras da
profissão “Senhor, Senhor” só salvam quem as professa, se viver de acordo com
essa profissão. Chamamos e professamos Deus de Senhor porque queremos que ele
assenhore nossa vida, e guie nossos atos e decisões, que ele seja o centro de
nossa vida, que a vontade dele prevaleça na nossa vida, pois tudo que Deus quer
é só salvar. Quem de nós não quer ser salvo?
Esta parábola é contada por Mt para
fazer a advertência à própria comunidade e também para as comunidades cristãs (veja
o contexto acima dito). Todas as dez virgens são escolhidas para esperar e
aguardar a mesma coisa: a vinda do noivo. Mas algumas perdem a esperança e a
persistência muito cedo. A comunidade mateana, embora acredite na mensagem,
começa a perder a fé por causa da demora do dia do Senhor. Como conseqüência,
vem o declínio e a apatia no cumprimento das exigências evangélicas. Por isso,
esta parábola tem como motivo opor-se a esse declínio ou à apatia da
comunidade. Ele enfatiza que nunca se sabe, nem se pode ter certeza sobre o fim
da história. O que a comunidade precisa fazer é manter a esperança e estar
pronta em todos os momentos para a chegada do Senhor. Por isso, no fim da
parábola, Mt pede que a comunidade esteja sempre vigilante (v.13), pois o
Senhor pode chegar no momento menos esperado (à meia noite. v. 6). Para Mt, estar vigilante e preparado significa
escutar e colocar em prática as palavras de Jesus que podem resumir-se no
mandamento do amor. A verificação da autêntica vigilância e da esperança
cristãs consiste no cumprimento do mandamento do amor. Vigiar significa dar-se conta da realidade,
estar atento ao essencial. Evita-se assim uma fuga da responsabilidade do
presente. A mensagem de Mt é, por isso, esta: o atraso da volta de Jesus não
pode levar ao adormecimento e ao descuido, nem pode levar os cristãos a ficarem
relaxados nos seus compromissos. Ao contrário, a certeza da vinda do Senhor e
incerteza do momento da chegada devem motivá-los a assumir seus compromissos
com as palavras de Jesus ativamente. A comunidade cristã deve se preparar para
o futuro salvífico através do cumprimento fiel das exigências de Deus reveladas
por Cristo.
As cinco virgens prudentes estão de
prontidão e prestam atenção às coisas essenciais. Enquanto as cinco insensatas
pensam em tudo, menos naquilo que, de fato, tem importância. Acontece também em
nossos dias, talvez em todos os tempos, a mesma coisa. Há pessoas que perdem o
rumo por causa das coisas efêmeras: dinheiro, poder, prazeres etc. e não se dão
conta de estarem perdendo um tempo valioso, não se lembram dos valores
autênticos como caridade, justiça, paz, verdade, reconciliação etc. pelos quais
vale a pena comprometer-se. O homem tão pendente das coisas passageiras que lhe
falta interesse pelas de Deus. “Diz o insensato em seu coração: Não há Deus” (Sl
13,1). O homem tão ocupado com as mil coisas que não deixam mais do que
efêmeras satisfações que se esgotam logo que se produzem, e que não tem tempo
para Deus. Um sábio diz que há esquecimento por falta de memória, mas há esquecimento por falta de
amor. Esquecemos Deus não por falta de memória, mas por falta de
amor para com ele. Não é fácil imaginar que uma pessoa que ama se esqueça
daquilo que agrada ao ser amado. Quantos se interessam hoje em dia por
averiguar quais razões que Deus terá tido para os chamar à vida, em vez de
qualquer outra das inúmeras criaturas que poderiam ter nascido em seu
lugar?
Na íntima consciência, a cada
instante, está iminente a eternidade do Deus santo, que será nosso Salvador,
ou...nosso Juiz. O perigo é que, sem luz, por falta de azeite, na hora da
verdade podemos nos encontrar, tal como as cinco virgens insensatas, na rua e
diante de uma recusa aterradora: “Em verdade Eu vos digo: Não vos conheço!” (v.12).
Todos nós somos convidados, como as dez virgens, a participar da celebração do
casamento de Jesus com a humanidade. Contudo, devemos estar conscientes de que
a porta estará aberta para uns e fechada para outros. Não é que Deus não
queira, mas a opção pessoal é que determina a entrada ou não na sala do
banquete eterna com Jesus, o noivo celeste.
O que nos chama a nossa atenção é o
aparente egoísmo e aparente falta de solidariedade das cinco virgens prudentes
que não dividiram seu azeite para as insensatas. E a aparente falta de amor do
noivo que não abriu a porta para as cinco insensatas também chama a nossa
atenção. A parábola quer
destacar uma responsabilidade pessoal que não é substituível por ninguém diante
de Deus no fim dos tempos. Ninguém pode prestar contas em nome de ninguém
diante de Deus nesse momento. Cada um é único diante do Deus único. As
qualidades interiores, as qualidades do espírito que temos ou não as temos, não
podem ser emprestadas ou repartidas diante da seriedade do momento. É insubstituível
o compromisso pessoal da vigilância.
O juízo particular é tema que
desperta não só responsabilidade, mas também esperança e otimismo. Deus não
empurra ninguém para o céu ou para o inferno. É a própria pessoa quem decide
sobre isso durante sua vida. Não é uma sentença divina que vai declarar a
pessoa culpada ou inocente, e sim é a atitude, é o modo de vida da pessoa que
vão condicionando sua opção por Deus. O juízo particular é processo histórico
que a própria pessoa vai tecendo.
Este pensamento nos leva a
perguntar sobre o destino do companheiro ou da companheira que está ao nosso
lado. Quem ele/ela é? Será que ele/ela tem azeite suficiente até a chegada do
noivo celeste? Será que a porta estará aberta ou fechada para ele/ela? A mesma
pergunta é dirigida para cada um de nós. Temos um desejo comum: que a porta
esteja aberta para nós na hora da verdade. Mas para isso, que tenhamos a chave
desta porta em uma mão e com o óleo de amor fraterno em outra mão.
P. Vitus Gustama,svd
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SER FELIZ SEGUNDO AS BEM-AVENTURANÇAS
Mt 5,1-12: O texto lido na Festa de
Todos os Santos
O texto do evangelho deste domingo
pertence ao “Sermão da Montanha” (Mt 5-7). É
evidente que com a expressão “sermão da montanha” o evangelista Mateus
não esteja registrando um discurso único pronunciado de uma só vez no mesmo
lugar, mas sim, ele reúne e organiza pequenos grupos de ditos de Jesus sobre o
discipulado tirados de várias ocasiões durante o ministério de Jesus.
Dificilmente qualquer mestre condensaria tanta instrução em um único sermão e
numa única vez e no mesmo local.
Mateus inicia o Sermão da Montanha
com as bem-aventuranças. As bem-aventuranças são descrições das qualidades que
devem ser encontradas na vida dos que se submetem à soberania de Deus. Elas são
também uma declaração das bênçãos ou uma proclamação da felicidade (não só
promessas da felicidade) para todos os que revelem tais virtudes.
Jesus pronuncia as bem-aventuranças,
consciente do seu significado, e alcance; e propô-las então e as propõe hoje a
todo o homem e mulher que queiram seguir seu caminho, porque são as atitudes
básicas para ser seu discípulo, para assimilar o espírito do Reino e para
conseguir a felicidade em plenitude pelo caminho da libertação.
Jesus começa o seu sermão dizendo:
“Felizes...”. Todo o homem e mulher quer ser feliz; em conseqüência, procura o
modo de o conseguir, segundo o que cada um entende por felicidade: riqueza e
dinheiro, êxito e posição social, segurança e amor, poder e domínio, sexo e
prazer, viagem e lazer...etc..
Jesus conhece o coração humano,
sedento de felicidade. Por isso, Jesus quer fazer seus discípulos felizes (veja
Jo 15,11); não imagina que alguém possa ser seu discípulo e não ser feliz. Se
um seguidor ou um cristão não estiver feliz, deve-se perguntar por quê. Quando
nos falta a felicidade, não será porque, nesse momento não procuramos a Deus de
verdade, no trabalho, naqueles que nos rodeiam, nas dificuldades? Não será
porque não nos submetemos à vontade de Deus?
Mas quando se fala da felicidade
devemos estar conscientes de que a felicidade da qual falam as bem-aventuranças
não exclui as contradições e o sofrimento. Não existe felicidade sem
sacrifício. A felicidade verdadeira passa pelo caminho da cruz. Jesus proclama
as bem-aventuranças porque ele as viveu primeiro. As bem-aventuranças refletem
sua experiência, na sua prática concreta de fé e de esperança, perpassada pelo
sofrimento e pela perspectiva da cruz. Jesus é, por isso, garantia e modelo da
existência feliz. A vida de Jesus constitui a melhor chave de interpretação das
bem-aventuranças. Ele foi pobre e sofredor, teve fome e sede de justiça, criou
paz e reconciliação, foi perseguido e morreu pela nossa salvação. Encarnando na
sua pessoa as bem-aventuranças, estas convertem-se para seu discípulo em
programa realizável e operativo. As bem-aventuranças devolvem a dignidade
perdida, o Reino, a esperança e a
felicidade em plenitude aos homens de qualquer lugar e época.
As bem-aventuranças começam com
dois versículos introdutórios bem densos teologicamente: “Vendo Jesus as multidões, subiu à
montanha. Ao sentar-se, aproximaram-se dele os seus discípulos. E pôs-se a
falar e os ensinava...”
Jesus vê as multidões.
O olhar de Jesus é o olhar de Deus: penetrante e fascina. O olhar que não fica
na superfície, mas penetra profundamente, atinge o coração e vê o que está no
íntimo do homem. Os olhos de Jesus são os que sabem comunicar para estabelecer
um contato. E quando Jesus convida os discípulos a se aproximarem dele e
permanecerem ao seu lado, o seu olhar de amor dirige-se sempre às multidões. As multidões que Jesus enxerga
diante de si são aquelas que lhe seguiram, aquela massa heterogênea, vindo de
todas as partes de Israel(Mt 4,25). O discurso vai-se dirigir, portanto, a toda
a terra de Israel, aos representantes de todos os distritos e de todas as
tribos. Isto já basta para sublinhar a importância do discurso que vem em
seguida.
Não nos podemos aproximar de Jesus
e conhecer-lhe as intenções cheias de amor por nós, se não tivermos como Cristo
este amoroso olhar pelas pessoas. Por isso, até aqui, podemos olhar para nossa
vida e perguntar: que tipo de olhar que tenho para os outros: um olhar cínico,
um olhar clínico, um olhar de censura, um olhar crítico, um olhar que sempre
descobre facilmente os erros dos outros ou um olhar amoroso? Devemos ficar
verdadeiramente perto de Jesus para podermos comunicar às pessoas o nome de
Jesus, que é Deus Conosco, Emanuel. Quem não se encontrar perto de Jesus nada
poderá compreender das bem-aventuranças e do próprio Cristo, que é a fonte das
bem-aventuranças, a manifestação visível da beatitude de Deus Uno e Trino.
Jesus subiu ao monte. A palavra “monte” simboliza o lugar de Deus
e o de sua manifestação (Sinai, Horeb, Tabor etc.), a esfera divina, o lugar do
encontro com Deus. Mas aqui Jesus é aquele que fala da revelação e dá a Lei;
ele fala no lugar de Deus. Jesus nos convida a subir ao monte. Nossa vida deve
ser sempre uma subida espiritual até chegar a Deus, à esfera divina. Quando o
cristão estiver no lugar de Deus, ele poderá enxergar melhor sua vida e as
pessoas ao seu redor. Conseqüentemente, à vaidade ele opõe a humildade, às
blasfêmias a exortação, à arrogância uma educação sem falha e ele transforma
sua crítica em humildes sugestões, sua lucidez em vigilância, sua força em
persuasão e sua caridade em delicadeza.
Jesus sentou-se.
“Estar sentado” é a atitude própria do mestre. Nas sinagogas sentados os
rabinos ensinavam na cátedra de Moisés(Mt 23,2). Jesus sentou-se porque este
era a postura antiga de mestres, um sinal de seu dignidade e autoridade. E a
solenidade é acrescentada com a fórmula,” e ele abriu sua boca”. Esta observação, sentar-se, revela que se
trata de uma instrução importante, de um ensinamento oficial. A expressão
também enfatiza a importância do ensinamento que vai começar imediatamente. Com
isso, Jesus interpreta normativamente a Palavra de Deus. E ele traduz a Palavra
de Deus para aquela multidão, mais acostumada a ouvir do que a ler, como chamas
que iluminam e esquentam, mas que também queimam.
Os discípulos aproximaram-se
de Jesus. A palavra “discípulo” aqui significa literalmente “aprendizes” ou
“estudantes”. A palavra “discípulo” é uma das palavras preferidas de Mateus e
“membros de sua comunidade”. Ao dizer que os discípulos aproximaram-se de
Jesus, Mateus quer nos dizer que não existe mais a distância que separe o ser
humano de Deus. Se no Antigo Testamento só Moisés que subiu ao monte para
encontrar-se com Deus e para receber o decálogo(cf. Ex 19-20), agora a partir
de Jesus, qualquer ser humano tem o acesso a Deus. Mateus justamente quer nos
mostrar, através de seu evangelho, que Deus é Emanuel, Deus conosco(Mt
1,23;18,20;28,20). A aproximação/subida dos discípulos mostra que não há mais
distância entre Deus e o homem. Pela adesão a Jesus, superou a distância que os
separava do Reinado de Deus(Mt 4,17: o Reino dos céus está próximo). Quem
aderir a Jesus também não criará distância dos outros, pois os outros são
passagem obrigatória para chegar até Deus.
Jesus nos chama junto a si, convida-nos a
vivermos ao lado dele não só para nos instruir a respeito do caminho da
salvação, mas também para irradiar, para comunicar vitalmente sua alegria.
Jesus é o Evangelho em pessoa. E ele quer que sejamos o Evangelho em pessoa,
para que possamos sempre irradiar nosso e o caminho dos outros para chegar até
encontro com Deus.
Jesus pôs-se a falar e os
ensinava. Ensinar é uma atividade característica de Jesus (Mt
4,23-25;9,35;11,1), que os discípulos só poderão assumir depois de ver Jesus
Ressuscitado (Mt 28,16-20).
Através das Bem-aventuranças Jesus
nos indica o caminho para alcançar a verdadeira felicidade.
O segredo da felicidade é viver no
espírito da pobreza. O termo “espírito” na concepção semita conota sempre força
e atividade vital. Os pobres em espírito são os “curvados de espírito” (anawim:
os oprimidos socialmente, incapazes de fazer respeitar seus direitos, forçados
a se curvar diante dos ricos e dos poderosos), os que se submetem
interiormente, uma disposição espiritual, sem resistência, à vontade de Deus,
os que aceitam humildemente o senhorio de Deus sobre suas vidas, aqueles que
esperam tudo das mãos de Deus. Esta atitude de humildade diante de Deus,
nascida da fé, se traduz em atitudes e condutas de desapego aos bens materiais,
de bondade, de partilha que é a alma do projeto/plano de Deus, e de
solidariedade. Esta primeira bem-aventurança é básica, porque exprime a atitude
fundamental necessária para a pertença do Reino: a atitude de
receptividade(diante da soberania de Deus). Sem ela, é impossível deixar-se
enriquecer, viver e crescer na comunhão com Deus e os outros.
Na medida em que confiarmos totalmente
em Cristo e o seguirmos como pobres no espírito, nós seremos libertados de todo
desejo de dominação e de posse, e seremos construtores da paz. Além do mais,
onde o Reino de Deus for acolhido com alegria e gratidão, ninguém mais
explorará o pobre, o marginalizado, o que é objeto de toda espécie de
competições; ninguém mais deixar-se-á dominar pelo egoísmo. A opressão, a
injustiça, o racismo não terão mais lugar onde for verdadeiramente acolhido o
grande dom, a riqueza infinita do Reino de Deus. E fazer bom uso da graça, de
todas as nossas capacidades e dos bens materiais, significa sempre servir a
Deus no próximo.
Se estivermos infelizes tempo todo,
vamos parar para verificar nossa vida. Talvez construamos nossa vida sobre
outro fundamento. Por isso, em vez de melhorar, nós pioramos nossa vida e toda
convivência. Mas a partir do momento em que nos submetermos à vontade de Deus,
e construirmos nossa vida sobre Cristo, como pedra angular, seremos felizes
apesar de vários tipos de tempestades desta vida, e a casa de nossa vida não
cairá nunca.
Por isso, que cada um de nós se
pergunte: sobre qual fundamento você constrói sua vida e sua família até seu
trabalho?
Jesus declara felizes não os que
são mansos por temperamento(v.4), mas os que, apesar de disporem de meios para
fazer valer seus direitos, não são violentos nem agressivos mas pacientes e
indulgentes pois a justiça do Reino não será imposta através da violência que
destrói, nem pelo “extermínio dos filhos das trevas” mas através da força de
Deus e como fruto da confiança inabalável na justiça de Deus em favor dos
injustiçados e humilhados. O manso é aquele que não se deixa dominar pelas
contradições da vida e sabe manter-se paciente na espera da plenitude. O manso
não procura exercer violência sobre Deus, arrancar dele tudo que deseja. O
manso aceita o tempo de Deus e a maneira de Deus. Por isso, o manso não é um
fraco, mas um crente que tem força da alma. A mansidão é o sinal visível da
benevolência e do respeito. Em Cristo encontramos o modelo perfeito da
mansidão: “...aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração...” (cf.
Mt 11,29).
Jesus proclama bem-aventurados os
aflitos porque serão consolados (v.5). O termo grego que se usa é penthos que designa sofrimento muito
intenso, uma dor viva quase desesperadora. Esses aflitos são muito
concretamente: choram seus pais, seus amigos, suas seguranças sociais
desaparecidas ou ameaçadas. É claro que Jesus não canoniza a tristeza nem
condena a alegria quando proclama essa bem-aventurança. Jesus declara felizes
os que estão aflitos (v.5) por experimentarem a ausência da justiça de Deus mas
continuam esperando em Deus pois só Ele pode converter a tristeza em alegria e
o pranto em canto. Todos os que se afligem diante das manifestações do
anti-Reino serão consolados com a certeza do amor de Deus, mesmo no meio das
maiores aflições. E com a certeza de que os frutos do que agora semeiam com
lágrimas, a bondade, a justiça, a lealdade, serão colhidos com cânticos.
Para Jesus são felizes aqueles que
praticam a justiça e não iniqüidade (v.6). A “justiça nova” proclamada por
Jesus é o tema central do Sermão da Montanha. Esta palavra aparece cinco vezes
no Sermão da Montanha, de um total de sete vezes em todo o evangelho (3,15;5,6.10.20;6,1.33;21,32).
A justiça aqui significa viver em conformidade com a vontade de Deus,
submeter-se a Ele sem restrições. É a prática dessa justiça, a conduta em
conformidade com a vontade de Deus, que dá acesso ao Reino de Deus.
Jesus proclama bem-aventurados os
misericordiosos. A misericórdia é a atitude divina que perdoa as faltas
cometidas e a mercê ativa de Deus em relação às pessoas na necessidade. Deus
manifesta sua misericórdia pela nossa salvação perdoando nossos pecados. É,
portanto, essencial, para nós, perdoar generosamente a quem nos ofende e se nos
opõe, a fim de merecermos ser filhos de Deus. O perdão é a obra de misericórdia
por excelência. Misericórdia é ter o coração atento às misérias. Trata-se de um
estado interior de bondade que se traduz no agir. Os misericordiosos são
aqueles que, efetivamente, abrem seu coração para os outros e executam gestos
concretos para aliviar sua aflição. Os felizes não são os que, por índole
natural, têm um coração sensível e sentimentos de compaixão (v.7), mas os que fazem gestos concretos de misericórdia,
ajudando e servindo os necessitados. O justo é aquele que é misericordioso e
doa (Sl 37,21). Não se reduz a um puro sentimento afetivo; exige um movimento
efetivo em direção ao necessitado. Exige emoção no sentido mover-se em direção
ao outro e com o outro. Ao sentir-se “comovidos” pelo sofrimento dos outros, os
misericordiosos entram em ação para aliviar e, se possível, curar o sofrimento
atacando suas causas. O amor misericordioso constitui o centro do mistério de
Deus revelado em Jesus Cristo. Tudo que Jesus faz, nasce de suas entranhas de
misericórdia. A misericórdia pertence ao núcleo da pregação de Jesus em Mateus (5,17-20;9,13;12,7;25,31-46;
cf. também 18,23-35;6,14s).
Se a misericórdia se tornar o
empenho fundamental da nossa vida, do nosso modo de pensar, de falar e de agir,
na hora de nossa partida desta terra iremos ao encontro de Cristo com confiança
absoluta, pois alcançaremos misericórdia.
Jesus declara bem-aventurados os
puros de coração, pois verão a Deus. Na Bíblia, o coração é a sede do
pensamento, da vontade e dos sentimentos. A pureza de coração consiste não
somente no nível de comportamento exterior, mas nas disposições interiores.
“Eles verão a Deus”, no sentido de não somente olharmos para Deus como para um
objeto ou um espetáculo, mas tendo acesso a ele, pertenceremos à sua roda,
gozando da sua familiaridade. Para isso, devemos ter um coração puro. Os que
olham o mundo, as pessoas com os olhos de Deus são declarados felizes (v.8),
pois tudo isso é a expressão da pureza do coração, um coração limpo, simples e
sincero. É declarado feliz quem se põe a serviço de Deus e dos homens sem
cálculos interesseiros e sem falsa piedade; o feliz é quem é transparente no
pensar e no agir.
O homem de lábios impuros, que vive
no meio de um povo de lábios impuros, será e permanecerá cego.
Os felizes não são os que têm
temperamento tranqüilo, que desfrutam da paz interior do coração e que não
perturbam os outros. Este tipo de paz diz respeito aos próprios sujeitos. Mas
nesta bem-aventurança trata-se dos que fazem,
constróem, promovem a paz no dia-a-dia (v.9), tecendo laços novos de
solidariedade, de verdade e de justiça (cf. Sl 34,14s). A paz (shalom) é
síntese de todos os bens messiânicos, como dom aos homens que Deus ama (Lc
2,14). Aos construtores da paz é feita a promessa solene de que no juízo final
lhes será dado o maior de todos os títulos: “Serão chamados filhos de Deus”.
E na última bem-aventurança (vv.10-12)
se sublinha uma verdade: se não sofremos nenhuma forma de perseguição, de
injúrias e calúnias por causa do Evangelho é sinal de que não optamos
verdadeiramente por Jesus e seu Reino, pois o Evangelho que não incomoda mais
não é mais o evangelho. Quem, ao anunciar o Evangelho, for aplaudido por todos
e sobretudo pelos donos de poder, pode estar certo de que ele ainda não é o
profeta verdadeiro, pois ele deixou de ser o sal da terra para converter-se em
adoçante. Tirar do evangelho de Jesus o que possa ferir os que podem matar
porque têm em suas mãos os poderes mortíferos da terra significa trair o
evangelho e parar de ser cristão. O teste para verificar a fidelidade a Jesus
de cada cristão, de cada comunidade cristã, e da Igreja como um todo, é ser ou
não ser perseguido pelas forças do anti-Reino porque as razões da perseguição só
podem ser mentirosas e as testemunhas só podem ser falsas. No caso de
perseguição (como também na primeira bem-aventurança), a promessa é formulada
no presente: “Deles é o Reino dos céus”. O reino lhes pertence desde agora.
Portanto, que cada um de nós que se
chama cristão, se pergunte: o que falta
ainda em mim destas bem-aventuranças ? Quais delas tenho vivido? E por
que ainda não tenho vivido algumas dessas bem-aventuranças?
P. Vitus Gustama,svd
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