SERVIR
DESPRETENSIOSAMENTE, POIS TUDO É DOM DE DEUS
Terça-feira, 08 de Novembro de 2011
Texto de Leitura: Lc 17,7-10
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“O serviço do Senhor é livre. É um serviço de total liberdade, no qual
não é a necessidade quem serve, e sim o amor. Faz-te escravo da caridade, uma
vez que a verdade te faz livre” (Santo Agostinho.
In ps. 99,7)
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“Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”
O texto do evangelho de hoje nos
narra a parábola do agricultor que explora sem remorso seu servo. Precisamos
saber de que no costume da antigüidade não existia contrato de trabalho que
determinasse os limites de horário de trabalho ou reconhecesse horas extras de
trabalho. O servo era propriedade do seu senhor, sem direitos à recompensa e ao
reconhecimento. Por isso, se lêssemos literalmente esta parábola, ela traria um
choque para nós ou se justificaria todo tipo de escravidão existente ainda na
sociedade. Mas as parábolas de Jesus se servem das experiências reais para
falar de outra coisa. É claro que Jesus não aprova a conduta daquele senhor que
é abusiva e arbitrária, mas serve-se de uma realidade do seu tempo para
ilustrar qual deve ser a atitude da criatura (ser humano) em relação ao Criador
(Deus). Tudo de bom procede do Senhor.
Logo depois de dizer que a fé nos
faz realizar grandes obras no texto anterior, Jesus nos mostra que, nem por
isso, temos que ficar nos exibindo, vaidosos com o que pudermos realizar. Se
fazemos algo, em primeiro lugar, é porque a graça de Deus nos acompanha. Servo
inútil, no Evangelho de hoje, é aquele que une com simplicidade fé e serviço
sem esperar outra recompensa que não seja a alegria de estar trabalhando por
uma boa causa. Com isso, quer-se afirmar firmemente que a fé é antes de tudo um
dom. Nossa capacidade de viver a fé, de cumprir o “que lhe havia mandado” (v.10)
é também graça. Por isso, Santo Ambrósio comenta: “Não te julgues mais por tu seres chamado filho de Deus, deves, sim,
reconhecer a graça, mas não deves esquecer a tua natureza, nem te envaideças
por teres servido fielmente, já que esse era o teu dever. O sol cumpre a sua
tarefa, a lua obedece, os anjos também servem”. Se Deus não nos ajudar,
seremos incapazes de levar a cabo o que Ele nos encomendou. A graça divina é a
única coisa que pode potenciar os nossos talentos humanos para trabalharmos por
Cristo. Sem a graça santificante, para nada serviríamos. Santo Agostinho
compara a necessidade do auxílio divino à da luz para podermos ver. É o olho
que vê, mas não poderia fazê-lo se não houvesse luz.
Lucas também quer sublinhar o tema
da gratuidade da fé. Quer-se afirmar
firmemente que a fé é antes de tudo um
dom. Nossa capacidade de viver a fé, de cumprir o “que lhe havia mandado” é
também graça. Deus nos dá o tempo
suficiente para viver nossa fé. Por isso, a afirmação de “inutilidade”, de que
somos pobres servidores, é perfeitamente coerente com uma fé profundamente
comprometida. A vida de fé é sempre um dom que acolhemos na medida em que
amamos Deus e os demais.
Em conseqüência, paradoxalmente, os
servos verdadeiramente úteis são os que se reconhecem “inúteis”. Somente os que
vivem e reconhecem esse dom podem ser portadores da gratuidade do amor de Deus
aos demais.
A alegria de um cristão consiste em
entregar-se sem reservas, à missão recebida, sem nada exigir. Basta-lhe a
consciência do dever cumprido. A partir desta humildade na fé, tudo quanto
façamos, por mais duro e esgotante que seja, resta-nos somente dizer: “Fiz tudo
o que devia fazer”. Tudo mais está entregue à benevolência de Deus.
Todos na comunidade, na verdade,
somos pobres e simples servos de Deus. São Paulo diz: “Evangelizar não é
glória para mim, senão necessidade. Ai de mim se não evangelizar. Eu que, sendo
totalmente livre, fiz-me escravo de todos para ganhar a todos...” (1Cor
9,16.19). Este texto é convite para
vestirmos a humildade, pois, na verdade, fazemos muito pouco para Deus no
próximo em comparação às bênçãos de Deus que recebemos diariamente.
Com esta parábola, Jesus também
quer dizer a todos os cristãos, seguidores de Cristo, que o serviço prestado
deve ser desinteressado e gratuito. Assim está sendo desmantelada toda
pretensão humana que tenta de alguma maneira servir-se de Deus ou condicioná-lo
através de uma relação religiosa de tipo contratual ou contabilizável, segundo
o modelo farisaico. E esta crítica à religiosidade mercantil e pretensiosa é
tanto mais urgente quanto mais na comunidade a função ou o serviço goza de
certo prestígio ou de responsabilidade. Não é por acaso que a parábola do servo
sem pretensões é dirigida aos discípulos. Todos na comunidade são pobres e
simples servos (cf. 1 Cor 9,16.19-23).
Outro cerne dessa parte diz
respeito à atitude da pessoa. A atitude de um arrogante vê Deus muito feliz
pelo fato da pessoa realizar o bom serviço. No entanto, a atitude adequada é a
de agradecimento por termos privilégio e a oportunidade de servir a Deus. Seja
qual for a recompensa que obtivermos por servir a Deus, na verdade, não a
merecemos, mas a ganhamos porque Deus é gracioso. Nenhum cristão pode gabar-se
diante de Deus (Rm 3,27). Os servos fiéis entendem isso, pelo que prosseguem em
seu trabalho para Deus, motivados pelo amor a Deus e não por um senso de
importância própria ou cobiça pela recompensa. Deus nos criou e tudo de bom vem
dele. Não podemos, por isso, nos
vangloriar de nenhum bem que tenhamos recebido de Deus (cf. Ef 2,8). Todos os
nossos méritos provêm de Deus. Evita-se assim qualquer auto-justificação
farisaica. O que temos que fazer diante de tudo isto é agradecer a Deus. Temos
que procurar sempre as razões para agradecer a Deus e não os motivos para
reclamar a Deus por tudo que não anda bem na nossa vida. Deus já deu tudo para
nós. O que fazemos é muito pouco em comparação com tudo que Deus nos deu
através da sua criação. Somos nós que não sabemos nos comportar diante de
tantos dons divinos que recebemos. Somos, às vezes, como os peixes que nadam na
água que ainda perguntam se existe a água ou onde está a água.
Para chegar até este ponto, para a
fé ser viva e atuante, precisamos alimentá-la de diversas formas, todos os
dias, sobretudo com a oração, com a reflexão, com a leitura da Palavra de Deus,
com a participação na vida da Igreja e com o serviço ao próximo. Sem
alimentarmos a nossa fé com tudo isso, ficaremos frágeis e nos tornamos
inconstantes.
P. Vitus Gustama,svd
“Não queiras entender para crer, crê para que possas entender. Se não
crês, não entenderás” (Santo Agostinho.
Serm. 118,1)
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