10/11/2015
SERVIR
COM AMOR E COM O ESPÍRITO DE GRATIDÃO
Terça-Feira
da XXXII Semana Comum
Evangelho: Lc 17,7-10
Naquele tempo, disse Jesus: 7 “Se algum de
vós tem um empregado que trabalha a terra ou cuida dos animais, por acaso vai
dizer-lhe, quando ele volta do campo: ‘Vem depressa para a mesa?’ 8 Pelo
contrário, não vai dizer ao empregado: ‘Prepara-me o jantar, cinge-te e
serve-me, enquanto eu como e bebo; depois disso poderás comer e beber?’ 9 Será
que vai agradecer ao empregado, porque fez o que lhe havia mandado? 10 Assim também
vós: quando tiverdes feito tudo o que
vos mandaram, dizei: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer’”.
______________
Continuamos a acompanhar Jesus no seu
caminho para Jerusalém onde será crucificado, morto e glorificado (Lc
9,51-19,28). Continuamos também a escutar atentamente suas ultimas e
importantes lições para todos nós, cristãos. Por isso, essa parte é chamada de
Lições do caminho.
O texto do evangelho de hoje nos narra a
parábola do agricultor que explora sem remorso seu servo. Precisamos estar
cientes de que no costume da antigüidade não existia contrato de trabalho que
determinasse os limites de horário de trabalho ou reconhecesse horas-extra de
trabalho. O servo era propriedade do seu senhor, sem direitos à recompensa e ao
reconhecimento. Por isso, se lêssemos literalmente esta parábola, ela traria um
choque para nós ou se justificaria todo tipo de escravidão existente ainda na
sociedade atual. Mas as parábolas de Jesus se servem das experiências reais
para falar de outra coisa. É claro que Jesus não aprova a conduta daquele
senhor que é abusiva e arbitrária, mas serve-se de uma realidade do seu tempo
para ilustrar qual deve ser a atitude da criatura (ser humano) em relação ao
Criador (Deus). O ser humano deve estar consciente de que tudo de bom procede
do Senhor. O ser humano faz apenas o mínimo. Mas muitas das vezes acontece que
nem o mínimo fazemos.
Logo depois de dizer que a fé nos faz
realizar grandes obras no texto do evangelho do dia anterior (cf. Lc 17,1-6),
Jesus nos mostra que, nem por isso, temos que ficar nos exibindo, vaidosos com
o que pudermos realizar. Quando nós fazemos algo, em primeiro lugar, é porque a
graça de Deus nos acompanha. Deus nos dá força e tempo para fazermos algo de
bom na vida: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”. Servo inútil, no Evangelho de hoje, é aquele
que une com simplicidade fé e serviço sem esperar outra recompensa que não seja
a alegria de estar trabalhando por uma boa causa. Por isso, Santo Ambrósio
comenta: “Não
te julgues mais por tu seres chamado filho de Deus, deves, sim, reconhecer a
graça, mas não deves esquecer a tua natureza, nem te envaideças por teres servido
fielmente, já que esse era o teu dever. O sol cumpre a sua tarefa, a lua
obedece, os anjos também servem”.
Serviço a Deus no próximo é serviço de
servo. Gratuitamente! A atitude de serviço ao próximo aproxima o cristão da atitude de Jesus que “veio não para ser servido e sim para servir e dar a sua vida em resgate
de muitos” (Mc 10,45). Uma única forma de ser discípulo, neste contexto, é
servir ao próximo como Jesus fez (cf. Jo 13,1ss). Quando tivermos a consciência
da importância do serviço para salvar o
próximo e como uma forma de participação na missão de Jesus, descobriremos o
sentido de nossa vida. Seremos felizes quando formos capazes de fazer os outros
felizes. Se quisermos felizes, devemos estar prontos para ajudar ou servir ao
outro, especialmente aos mais necessitados.
Servir ao Senhor no irmão e pela comunidade
é uma graça que Deus nos dá. Temos que agradecer a Deus por ser úteis para os
outros no serviço fraterno. Mas temos que admitir também que se Deus não nos
ajudar, seremos incapazes de levar a cabo o que Ele nos encomendou, pois não há
tarefa ou missão que seja isenta de dificuldades. A graça divina é a única
coisa que pode potenciar os nossos talentos humanos para trabalharmos por
Cristo no irmão com quem ele se identifica (cf. Mt 25,40.45). Sem a graça
santificante, para nada serviríamos. Santo Agostinho compara a necessidade do
auxílio divino à da luz para podermos ver. É o olho que vê, mas não poderia
fazê-lo se não houvesse luz, pois mesmo que tenhamos olhos saudáveis, eles não
funcionam na escuridão. Do mesmo modo, podemos abrir as janelas de nossa casa,
mas se não houver a luz (sol), a sala não será iluminada. Mesmo que abramos a
janela à noite escura, a sala continuará escura, se não houver nenhuma lâmpada
(luz).
Lucas também quer sublinhar o tema da gratuidade da fé. Quer-se afirmar
firmemente que a fé é antes de tudo um dom. Nossa capacidade de viver a fé, de
cumprir o “que lhe havia mandado” é também graça. Deus nos dá o tempo suficiente para viver nossa fé. Por
isso, a afirmação de “inutilidade”, de que somos pobres servidores, é
perfeitamente coerente com uma fé profundamente comprometida. A vida de fé é
sempre um dom que acolhemos na medida em que amamos Deus e os demais. Fazemos o
mínimo, de acordo com nossa capacidade, e Deus faz o máximo: “Somos servos
inúteis; fizemos o que devíamos fazer”.
Em conseqüência, paradoxalmente, os servos
verdadeiramente úteis são os que se reconhecem “inúteis”. “O serviço do Senhor
é livre. É um serviço de total liberdade, no qual não é a necessidade quem
serve, e sim o amor. Faz-te escravo da caridade, uma vez que a verdade te faz
livre” (Santo Agostinho). Somente os que vivem e reconhecem esse dom podem ser
portadores da gratuidade do amor de Deus aos demais.
A alegria de um cristão consiste em
entregar-se sem reservas, à missão recebida, sem nada exigir. Basta-lhe a
consciência do dever cumprido. A partir desta humildade na fé, tudo quanto
façamos, por mais duro e esgotante que seja, resta-nos somente dizer: “Fiz tudo
o que devia fazer”. Tudo mais está entregue à benevolência de Deus. O cristão
que não serve, não serve como cristão. “O amor autêntico é sempre
contemplativo, permitindo-nos servir o outro não por necessidade ou vaidade,
mas porque ele é belo, independentemente da sua aparência: Do amor, pelo qual
uma pessoa é agradável a outra, depende que lhe dê algo de graça” (Papa
Francisco: Evangelii Gaudium
n. 199).
Todos na comunidade, na verdade, somos
pobres e simples servos de Deus. São Paulo diz: “Evangelizar não é glória
para mim, senão necessidade. Ai de mim se não evangelizar. Eu que, sendo
totalmente livre, fiz-me escravo de todos para ganhar a todos...” (1Cor
9,16.19). Este texto é convite para
vestirmos a humildade, pois, na verdade, fazemos muito pouco para Deus no
próximo em comparação às bênçãos de Deus que recebemos diariamente,
especialmente a vida que é dada a cada um de nós por pura misericórdia de Deus.
Com esta parábola, Jesus também quer dizer a
todos os seguidores de Cristo, que o serviço prestado deve ser desinteressado e
gratuito. Assim está sendo desmantelada toda pretensão humana que tenta de
alguma maneira servir-se de Deus ou condicioná-lo através de uma relação
religiosa de tipo contratual ou contabilizável, segundo o modelo farisaico. E
esta crítica à religiosidade mercantil e pretensiosa é tanto mais urgente
quanto mais na comunidade a função ou o serviço goza de certo prestígio ou de
responsabilidade. Não é por acaso que a parábola do servo sem pretensões é
dirigida aos discípulos. Todos na comunidade são pobres e simples servos (cf. 1
Cor 9,16.19-23).
Outro cerne dessa parte diz respeito à
atitude da pessoa. A atitude de um arrogante vê Deus muito feliz pelo fato de a
pessoa realizar o bom serviço. No entanto, a atitude adequada é a de
agradecimento por termos privilégio e a oportunidade de servir a Deus. Seja
qual for a recompensa que obtivermos por servir a Deus, na verdade, não a
merecemos, mas a ganhamos porque Deus é gracioso. Nenhum cristão pode gabar-se
diante de Deus (Rm 3,27). Os servos fiéis entendem isso, pelo que prosseguem em
seu trabalho para Deus, motivados pelo amor a Deus e não por um senso de
importância própria ou cobiça pela recompensa. Deus nos criou e tudo de bom vem
dele. Não podemos, por isso, nos vangloriar
de nenhum bem que tenhamos recebido de Deus (cf. Ef 2,8). Todos os nossos
méritos provêm de Deus. Evita-se assim qualquer auto-justificação farisaica. O
que temos que fazer diante de tudo isto é agradecer a Deus. Temos que procurar
sempre as razões para agradecer a Deus e não os motivos para reclamar a Deus
por tudo que não anda bem na nossa vida. Deus já deu tudo para nós. O que
fazemos é muito pouco em comparação com tudo que Deus nos deu através da sua
criação. Somos nós que não sabemos nos comportar diante de tantos dons divinos
que recebemos. Somos, às vezes, como os peixes que nadam na água que ainda
perguntam se existe a água, ou onde está a água.
Para chegar até este ponto, para a fé ser
viva e atuante, precisamos alimentá-la de diversas formas, todos os dias,
sobretudo com a oração, com a reflexão, com a leitura da Palavra de Deus, com a
participação na vida da Igreja e com o serviço ao próximo etc.. Sem
alimentarmos a nossa fé com tudo isso, ficaremos frágeis e nos tornamos
inconstantes.
Senhor, ajuda-me a ser aquele que espera sem
cansaço, escuta sem fadiga, recebe com bondade, dá com amor. Ajuda-me a ser
aquela presença que atrai, a amizade repousante e enriquecedora, a paz que
irradia alegria e serenidade. Amém!
P. Vitus Gustama,svd
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