16/11/2015
SENHOR,
QUE EU VEJA TUDO QUE ME SALVA
Segunda-Feira
da XXXIII Semana Comum
Evangelho: Lc 18,35-43
35
Quando Jesus se aproximava de Jericó, um cego estava sentado à beira do
caminho, pedindo esmolas. 36 Ouvindo a multidão passar, ele perguntou o que
estava acontecendo. 37 Disseram-lhe que Jesus Nazareno estava passando por ali.
38 Então o cego gritou: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” 39 As
pessoas que iam na frente mandavam que ele ficasse calado. Mas ele gritava mais
ainda: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” 40 Jesus parou e mandou que
levassem o cego até ele. Quando o cego chegou perto, Jesus perguntou: 41 “Que
queres que eu faça por ti?” O cego respondeu: “Senhor, eu quero enxergar de
novo”. 42 Jesus disse: “Enxerga, pois, de novo. A tua fé te salvou”. 43 No
mesmo instante, o cego começou a ver de novo e seguia Jesus, glorificando a
Deus. Vendo isso, todo o povo deu louvores a Deus.
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Continuamos escutando as ultimas e
importantes lições dadas por Jesus no seu caminho para Jerusalém (Lc
9,51-19,28). Trata-se das Lições do Caminho dadas no fim da vida terrestre de
Jesus, pois ele está diante da morte iminente, tragicamente.
No Evangelho deste dia o evangelista Lucas
conta como Jesus, depois de anunciar sua Paixão e ressurreição, curou um cego
dentro do contexto de uma subida para Jerusalém. A incredulidade dos apóstolos
é um tema freqüente nos anúncios da Paixão e da subida para Jerusalém. Os
apóstolos ficam como que cegos diante deste anúncio. Jesus continua dando
lições para que os apóstolos possam entender o sentido da missão de Jesus que,
um dia, eles devem levá-la adiante.
Por isso, a intenção do evangelista Lucas é
bem clara ao colocar este episódio aqui: para compreender o mistério da Paixão,
Morte e Ressurreição de Jesus é preciso abrir os olhos da fé para poder
entender as Escrituras. Os meios humanos são inadequados. É preciso deixar-se
conduzir por outro para descobrir a Luz.
Como Deus é Luz, ele colocou seus olhos nos
olhos de Jesus para poder olhar para nosso mundo como ninguém neste mundo. E
como Jesus é a Luz do mundo (cf. Jo 8,12), ele devolveu a visão para o mendigo
cego: “Enxerga, pois, de novo. Tua fé te salvou!”, disse Jesus ao cego.
O cego está sentado pedindo esmola. Seus olhos
podem ser cegos, mas seus ouvidos ficam atentos e no seu coração há a esperança
da chegada do Messias prometido para recuperar a dignidade humana. Quando perguntou
à multidão o que estava acontecendo, veio a resposta: Jesus Nazareno. Nada mais.
Porém o cego confessa: “Jesus, filho de Davi tem piedade de mim!”. O cego é
capaz de ver na pessoa de Jesus o Messias real, descendente da estirpe de Davi.
O Messias é anunciado pelos profetas como Aquele que cura os cegos (Is 35,5s); é
enviado e ungido para restituir os cegos (Is 61,1s; Lc 4,18); para evangelizar
os pobres (Lc 4,18). Com o seu grito, o cego confessa sua fé em Jesus como
Messias: “Jesus, filho de
Davi tem piedade de mim!”. Com sua confissão, o cego se transforma em “vidente”,
pois muitos viram as obras de Jesus, no entanto continuam cegos sobre a
identidade messiânica de Jesus. Deus prepara essa confissão para Jesus porque
Ele se dispõe a ir ao encontro da morte pelo bem que fez (cf. At 10,38). O cego
consegue ver em Jesus o Messias prometido, pois ele vê com coração. O coração
sente aquilo que os olhos não veem. O coração compreende aquilo que a mente
desconhece.
Quando Jesus perguntou: “Que queres que eu
te faça?”, na sua resposta, o cego chama Jesus de “Senhor”: “Senhor que eu veja”.
“Senhor” é o título de nobreza de Jesus, título pós-pascal. Jesus Nazareno é o Filho de Davi (Messias,
Cristo) e Senhor (Kyrios).
Para o pedido do cego Jesus respondeu: “Enxerga, pois, de novo. A tua fé te salvou”.
A fé salvou o cego e ele segue o Salvador (Jesus: Deus salva). A verdadeira fé
nos faz caminharmos atrás de Jesus para aprender como devemos viver e como
devemos tratar os outros. O cristão existe para ajudar e salvar os outros. O cristão,
a exemplo de Jesus, deve passar a vida fazendo o bem. Se não, para que, então,
o cristo vive neste mundo?
O cego crê em Jesus e pede insistentemente a
Jesus que veja. Ele não pede dinheiro ou cargo. Ele pede simplesmente a
capacidade de enxergar. Deus em Jesus percebe o pedido tão sincero do cego e
lhe concedeu a capacidade de ver tudo com claridade. Ele enxerga o essencial e
segue Aquele que o salvou: Jesus.
Um provérbio árabe diz: “Vem a mim com teu
coração e eu te darei meus olhos”. Jesus também nos diz: “Vem a mim com teu
coração!”. Temos que nos aproximar de Jesus com nosso coração, com nossa
coragem de ver, de vê-Lo todo e de ver o mundo e os outros homens como Deus os
vê: com amor e compaixão. A fé também é um grito de socorro: “Jesus, tem
piedade de mim!”. Jamais podemos desistir de gritar a Jesus para pedir socorro,
como pediu o cego mendigo. Somente os olhos de Jesus podem nos fazer ver com
alegria a vida até nas suas dores.
Não há nada que seja mais belo ou formoso na
vida do que poder ver: ver o rosto da mãe ou do pai, ver o sorriso de uma
criança, ver os olhos da pessoa amada, ver uma passagem, ver o sol, a natureza,
a obra dos homens, ver “as obras dos dedos de Deus” (Sl 8,4) e assim por
diante. Jesus nos chamou para ver: “Venham e vejam!” (Jo 1,39), disse Jesus aos
dois discípulos de João que mais tarde se tornarão discípulos seus. É para ver
a vida a partir de uma perspectiva especial para poder caminhar na direção
certa.
O olhar é um dom precioso e fascinante legado
pelo Criador. É uma das áreas humanas que mais chama a atenção das pessoas. O
olhar é como uma bússola a guiar nossos passos, nossos gestos, nossas atitudes.
O olhar sempre está aí atento a um ou outro detalhe. Os olhos determinam um
pouco ou muito do que somos. E o olhar é sempre anterior às nossas palavras.
É tão natural olhar, que nem nos damos conta
desse misterioso gesto. Muitas vezes olhamos; poucas vezes, porém, nos
encontramos. Alguns se limitam a olhar os outros para anotar seus possíveis
defeitos. Não deixa de ser a mais trágica expressão de nossa crueldade. O olhar
superficial jamais enxerga alguém; os outros são objetos de curiosidade, de
conversa.
O cego da nossa história está sentado à
beira do caminho e pede esmola. O estar sentado significa acomodação,
instalação, conformismo. Ele está privado da luz e da liberdade e está
conformado com a sua triste situação, sabendo que, por si só, é incapaz de sair
dela. E o pedir esmola indica a situação de escravidão e de dependência em que
o homem se encontra.
Num diálogo público com o cego, Jesus
pergunta ao cego sobre o que ele quer: “O que queres que eu faça por ti?”.
E o cego sabe muito bem daquilo que ele quer: “Senhor, que eu veja!”.
“Enxerga, pois, de novo. Tua fé te salvou” é a resposta de Jesus. E aconteceu o
milagre. A Palavra de Jesus devolve ao cego a vista como símbolo da fé. Por
isso, o evangelista Lucas nota que esse homem, depois que ficou curado, “seguia
a Jesus”. É um corte radical com o passado, com a vida velha, com a anterior
situação, com tudo aquilo em que se apostou anteriormente, a fim de começar uma
vida nova ao lado de Jesus.
Diante de Jesus e com Jesus não há situação
por difícil que seja que não haja solução. É preciso, no entanto, que não nos
fechemos no nosso egoísmo e na nossa auto-suficiência, surdos e cegos aos
apelos de Deus; é preciso que as nossas preocupações com os valores efêmeros
não nos distraiam do essencial; é preciso que aprendamos a reconhecer os
desafios de Deus nesses acontecimentos banais com que, tantas vezes, Deus nos
interpela e questiona.
Uma das razões que nos impedem de sermos
autenticamente nós mesmos e encontrar nosso caminho é não compreender até que
ponto estamos cegos. Mas a tragédia está no fato de que não estamos conscientes
de nossa cegueira. Vivemos num mundo de coisas que captam ou chamam nossa
atenção e se impõem. O que é invisível, ao contrário, que não se impõe, nós
devemos buscá-lo e descobri-lo. O mundo exterior pretende nossa atenção.
Enquanto que Deus se dirige a nós com discrição.
Ser incapaz de perceber o invisível, ou ver
somente o mundo da experiência significa ficar-se fora do mundo da experiência,
significa ficar-se fora do pleno conhecimento, significa ficar-se fora da
experiência da realidade total que é o mundo de Deus e Deus no coração do
mundo.
Além de ser incapaz de perceber o invisível,
o egoísmo reduz o homem a seus próprios desejos e interesses, lhe fecha os
olhos e o coração, o paralisa à margem do caminho por onde percorre a vida. O
homem que vegeta em seu egoísmo tem um coração demasiado estreito para acolher
o próximo e demasiado estreito para receber Deus.
O encontro com o próximo é indispensável
para o encontro com Deus, pois isto é o primeiro que cremos: que Deus se fez
homem (Jo 1,14). Não é possível escutar a Palavra de Deus, se não estamos
dispostos a escutar os homens. Por isso, a dificuldade da fé não é outra coisa
que nosso próprio egoísmo, nossa auto-suficiência, porque a fé é abertura,
encontro, aceitação.
O cego que voltou a ver é o símbolo de todos
os homens que desejam ver, caminhar e viver. Sobretudo é um símbolo para todos
em tempos de crise, de obscuridade, de desorientação. É um símbolo para o homem
que, apesar de tudo, busca e continua buscando sua direção ou seu guia para sua
vida. Junto ao homem que busca, Jesus passa como a Vida, a Luz e o Caminho para
o homem. Com Jesus o homem se encontra consigo mesmo e com Deus que direciona a
vida para sua plenitude. A fé em Jesus é uma luz que ilumina a vida. A luz da
fé ilumina e dá sentido à nossa vida porque põe claridade na origem, de onde
viemos e no término, no fim de nosso destino.
O cego não pede outra coisa a não ser a
capacidade de enxergar de novo: “Senhor, que eu possa enxergar de novo”. A luz
divina que opera nele não lhe permite ver outra coisa na vida a não ser o
caminho que Jesus traçou que ele precisa trilhar para chegar à vida eterna.
E os nossos olhos servem para enxergar o
caminho de Jesus ou para ver os defeitos dos outros? Quem enxerga apenas os
defeitos dos outros é porque a luz divina ainda não operou na sua vida.
Precisamos rezar com o cego mendigo: “Senhor que eu possa enxergar de novo!”.
P. Vitus Gustama,svd
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