Domingo,14/02/2016
COM
JESUS VENCEREMOS AS TENTAÇÕES
I DOMINGO DA QUARESMA DO ANO “C”
I Leitura: Deuteronômio
26,4-10
4 O
sacerdote, recebendo o cesto de tua mão depô-lo-á diante do altar do Senhor,
teu Deus. 5 Dirás então em presença do Senhor, teu Deus: “meu pai era um arameu
prestes a morrer, que desceu ao Egito com um punhado de gente para ali viverem
como forasteiros, mas tornaram-se ali um povo grande, forte e numeroso. 6 Os
egípcios afligiram-nos e oprimiram-nos, impondo-nos uma penosa servidão. 7
Clamamos então ao Senhor, o Deus de nossos pais, e ele ouviu nosso clamor, e
viu nossa aflição, nossa miséria e nossa angústia. O Senhor tirou-nos do Egito
com sua mão poderosa e o vigor de seu braço, 8 operando prodígios e portentosos
milagres. 9 Conduziu-nos a esta região e deu-nos esta terra que mana leite mel.
10 Por isso trago agora as primícias dos frutos do solo que me destes, ó
Senhor. Dito isto, deporás o cesto diante do Senhor, teu Deus, prostrando-te em
sua presença”.
II Leitura: Romanos 10,8-13
8 Que
diz ela, afinal? “A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração”.
Essa é a palavra da fé, que pregamos. 9 Portanto, se com tua boca confessares
que Jesus é o Senhor, e se em teu coração creres que Deus o ressuscitou dentre
os mortos, serás salvo. 10 É crendo de coração que se obtém a justiça, e é
professando com palavras que se chega à salvação. 11 A Escritura diz: “Todo o
que nele crer não será confundido”. 12 Pois não há distinção entre judeu e
grego, porque todos têm um mesmo Senhor, rico para com todos os que o invocam, 13
porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
Evangelho: Lc 4,1-13
Naquele tempo ,
1 Jesus, cheio do Espírito Santo ,
voltou do Jordão, e, no deserto , ele era guiado
pelo Espírito. 2 Ali foi tentado pelo diabo durante quarenta dias. Não
comeu nada naqueles dias e, depois disso, sentiu fome. 3 O diabo disse,
então, a Jesus: “Se és Filho de Deus, manda que esta pedra se mude em pão”. 4 Jesus respondeu: “A
Escritura diz: ‘Não só de pão vive o homem’” 5 O diabo levou Jesus
para o alto, mostrou-lhe por um instante todos os reinos do mundo 6 e lhe disse: “Eu te
darei todo este poder e toda a sua glória, porque tudo isto foi entregue a mim
e posso dá-lo a quem quiser. 7 Portanto, se te prostrares
diante de mim em adoração, tudo isso será teu”. 8 Jesus respondeu: “A
Escritura diz: ‘Adorarás o Senhor teu Deus, e só a ele servirás’”. 9 Depois o diabo
levou Jesus a Jerusalém, colocou-o sobre a parte mais alta do Templo e lhe
disse: “Se és Filho de Deus, atira-te daqui abaixo! 10 Porque a Escritura
diz: ‘Deus ordenará aos seus anjos a teu respeito, que te guardem com cuidado!’
11 E mais ainda: ‘Eles te levarão nas mãos, para que não
tropeces em alguma pedra’”. 12 Jesus, porém,
respondeu: “A Escritura diz: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’”. 13 Terminada toda a
tentação, o diabo afastou-se de Jesus, para retornar no tempo oportuno.
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1.O que é a tentação, como
atuam as tentações e como evitá-las?
Tentar é uma tradução do verbo grego
“peirazo” que significa propriamente fazer uma tentativa, provar alguma coisa,
colocar alguma coisa à prova. “Prova-se alguém para se saber se está pronto
para praticar o bem... Se estiveres pronto para o bem, há indício de que é
grande tua virtude..... Deus prova alguém, não porque se Lhe esteja oculta sua
virtude, mas para que todos a conheçam e que sirva de exemplo... Deus tenta
incitando ao bem... e prova-se alguém incitando-se ao mal. Quem resistir bem à
tentação, a ela não consentindo, dará um bom indício de virtude; se a ela
sucumbir, mostra que ainda é fraco” (Sto. Tomás de Aquino, em Comentário ao Pai Nosso: Pater Noster, Expositio).
Segundo a Teologia Moral, entende-se por
tentação toda aquela sugestão interior que, procedendo de causas tanto internas
como externas, incita o homem a pecar. A tentação gostaria de alienar
definitivamente o homem de seu ser verdadeiro e real. A tentação expressa a
inclinação humana para a grave queda moral e espiritual, para a desagregação
pessoal e social. As tentações apelam para o lado mais obscuro do homem, para
as potencialidades do egocentrismo ilimitado, da soberba e presunção, da
ambição desapiedada, da desonestidade e engano, de ódio, de hostilidade e de
abuso dos outros. Somos tentados por desejos ilusórios, por um gênero de vida
unicamente existente na fantasia. Somos tentados a esconder-nos dos outros,
apresentando uma imagem de nós mesmos que não seja autêntica. Cada um é tentado
a servir-se dos outros para satisfazer a si mesmo; a manipulá-los em nome da
amizade e do amor, para subjugá-los a seus próprios desejos. O ser humano é
tentado a idolatrar a si mesmo e a idolatrar seu poder, e isto o faz cair no
pecado de soberba que perturba as relações dos homens entre si. As tentações
podem estar adormecidas, mas nunca ausentes. Elas são capacidades latentes, que
muitas vezes, escondidas sob uma variedade de atitudes virtuosas aparentes, de
valores aparentemente autênticos, de comportamentos presumidamente
respeitáveis, e possuem a capacidade de transformar qualquer coisa não
definitiva em centro de interesse definitivo. Por isso, o cristão, para poder
prosseguir sua caminhada atrás de Cristo, vencedor de todas as tentações,
precisa orar sem cessar(Lc 18,1), pois a vida cristã é constante confronto e contínua superação
das tentações diariamente. “Vigiai e orai para não cairdes em tentação”(Mt
24,41).
Como atuam as tentações na vida de um ser
humano? As tentações atuam no homem de três maneiras: 1) enganando o
entendimento com ilusões, fazendo-nos ver, por exemplo, a morte muito distante,
a salvação muito fácil, Deus é mais compassivo do que justiceiro, etc.;
2)enfraquecendo-nos a vontade, tornando-a frouxa ao cair no comodismo, na
negligência, etc.; 3)instigando os sentidos internos, principalmente a
imaginação, com pensamentos de sensualidade, de soberba, de ódio, etc. Santo
Tomás de Aquino dizia: “Quando tenta, dois artifícios usa o diabo: primeiro,
não propõe abertamente o mal, mas algo que tem a aparência do bem para, desse
modo, desviar-nos um pouco do bom propósito e, a seguir, induzindo-nos mais
facilmente ao pecado, com esse pequeno afastamento do bem. Com efeito, ‘Satanás
se transfigura em anjo de luz’[2Cor 11,14]. Depois de haver induzido ao pecado,
de tal modo o diabo procura deter o pecador que não permite facilmente que se
levante, como se pode interpretar nessa passagem do livro de Jó: ‘o vigor de
sua virilidade está posto em cadeias’[Jó 40,17]. Duas coisas, portanto, faz o
diabo: engana e, depois de enganar, detém no pecado”.
As tentações são pecado, não quando as
sentimos, mas só quando voluntariamente as consentimos. “Na verdade, a tentação
é próprio do ser humano, mas consentir é diabólico” (Sto. Tomás de Aquino).
Importa compreender com clareza que a tentação só pode “incitar” a pecar, mas
nunca obriga a vontade. Nenhuma força interna ou externa pode obrigar o homem a
pecar. Nenhuma tentação é superior às nossas forças(1Cor 10,13). Como dizia
Santo Agostinho: “A tentação é como um cão acorrentado que pode latir muito mas
não morde ninguém. Ele morde quem fica perto dele”.
A Teologia Moral nos dá os meios, que estão sempre ao nosso alcance, para
vencer as tentações: 1) os meios sobrenaturais, como a oração. Satanás
pode até fazer a “caridade” mas não é capaz de rezar. A oração é sempre uma
arma poderosa para um ser humano. Além disso, a frequência dos sacramentos. 2) o jejum e a
mortificação dos sentidos, que fortalece a vontade para poder
resistir no momento da tentação. 3) evitar a ociosidade, pois esta dá origem a
muitas dificuldades na luta contra o pecado. 4) fugir das ocasiões de pecado,
pois nunca é lícito expormo-nos voluntariamente a perigo próximo de pecar. De
certa forma, pode-se dizer que todo o desenvolvimento da vida cristã pode ser
descrito como processo de superação da tentação orientado no sentido de
possibilitar o cumprimento da total restauração em Cristo(Ef 1,4-10). A
adoração do verdadeiro Deus é a libertação da força sedutora e mortífera da
idolatria, libertação obtida através da encarnação, morte e ressurreição de
Cristo. Graças a Cristo, pois através dele foi nos dado o poder de sermos
filhos do Pai, irmãos do Filho e possuidores do Espírito do Pai e do Filho.
Cristo se situa no centro de nossa consciência amorosa, libertando-nos das
influências sedutoras e mortíferas dos deuses falsos.
2. Contexto das tentações de
Jesus
Há dois episódios que antecedem as tentações
de Jesus: o de Batismo e o da genealogia. No Batismo uma voz do céu dizia a
Jesus: “Você é o meu Filho amado, que muito Me agrada” (3,22). Aqui Deus Se
revela como Pai que gera e garante a missão do Filho. Em outras palavras Deus
quer dizer a Jesus assim : “Eu vou Te cuidar, por que te amo. Tu deves
acreditar em Mim totalmente”. E na genealogia, sendo filho de Adão, Jesus é
chamado a ser Filho de Deus. Filho de Deus é aquele que confia em Deus como Pai,
aquele que opta mais pela fragilidade sustentada por Deus, cuja força é Deus
que termina na glória eterna do que pela força mundana que terminará na
perdição e perda eternas. Ao contrário, ser filho de Adão é aquele que tem
desconfiança de Deus, que garante a própria vida, aquele que tem medo de
fragilidade humana. Como consequência de tudo isso, ele acumula riqueza ( como
segurança ), detém nas mãos o poder, prazer e saber. Nas tentações o diabo como
se dissesse a Jesus: Eu te garanto a tua vida. Mas tu precisas de poder
econômico, político e messias triunfalista. Tudo isso vai dar-te a segurança.
Deves ter a desconfiança de Deus. Jesus resiste-se diante de tudo isso porque
prefere ser Filho de Deus que não tem medo de fraqueza e da existência porque para
ele Deus é a força que dá a segurança para sua vida.
Nós nascemos como filhos de Adão e no batismo
nos tornamos filhos de Deus. Mas será que Deus é a nossa força e segurança?
3. Quem tentou Jesus?
Segundo Evangelho de Marcos, Jesus foi
tentado pelo Satanás. Esta palavra vem do grego que significa tudo aquilo que
procura incomodar e contrariar uma determinada realidade ou disposição. Ou em
sentido técnico significa o “acusador”. Pode ser uma pessoa adversária ou
inimiga, ou então, uma estrutura, instituição ou ainda um costume contrário.
Com tudo isso Mc quer dizer que Jesus teve que enfrentar muitos adversários ao
realizar o seu projeto de anunciar e tornar próximo o Reino de Deus que é
liberdade e vida para todos.
No AT “Satanás” não passa de uma figura
marginal que aparece esporadicamente como elemento poético, literário ou
mítico. “Satã” só aparece em três livros do AT: Jó, Zacarias e 1Crônicas. O
Satanás, então, praticamente está
ausente do AT. Em hebraico Satã ou Satanás se usa para descrever a inimizade, o
ódio ou o rancor entre irmãos (cf. Gn 27,41;50,15) ou entre pastores de ovelhas
(Gn 26,20s). Além disso, no AT, este termo se usa para designar o inimigo ou
adversário, ou oponente no campo político ou militar que geralmente pertence a
um outro povo (1Sm 29,4;1Rs 11,14.23.25). O “inimigo” aquele que inicia um
processo contra alguém, tornando-se, por isso, o “acusador’ (Sl 109,20.29;Esd
4,6).
Segundo Mt e Lc, Jesus foi tentado pelo
Diabo. Este termo vem do grego, do verbo “diaballo”/diábolos que quer dizer
jogar um obstáculo entre duas coisas
para provocar a sua divisão. Diabo, portanto, aquele que provoca divisão, seja
dentro da pessoa ou entre as pessoas. Por isso, ele está em todos os lugares em
que as pessoas, as estruturas e as instituições impedem a realização da justiça
que libertará as vítimas das relações desiguais que a humanidade cria e
perpetua como “ordem”, muitas vezes com a petulância de chamar isso de vontade
de Deus. Por isso, não se pode, sem mais nem menos, associar diabo à
enfermidade. Desta forma, o diabo se torna um bode expiatório muito conveniente
e desvia o homem de suas próprias responsabilidades no mundo.
O outro termo que se usa é “demônio”.
“Demônio” é um termo que vem do grego “daimon” e que era aplicado originalmente
a “deuses” e seres dotados de forças divinas, sobretudo seres malfazejos,
frente aos quais se buscava proteção por meio de magia, feitiçaria e
conjurações. O termo “demônio” aparece 19 vezes no AT em grego. Nove delas se
encontram no livro de Tobias. Trata-se do demônio Asmodeu que enamorado de
Sara, vai matando sucessivamente os sete maridos dela nas sucessivas noites de
núpcias. Em outras passagens, o termo demônio serve para designar os ídolos (Dt
32,17;Sl 96,5;106,37;Is 65,3.11;Br 4,7). Nenhum desses textos dá margem para
pensarmos que nos encontramos diante de um ser pessoal.
O que
é que os teólogos e a Igreja dizem a respeito de “Satanás” ou “Demônio”? Será
que eles existem?
A teologia católica, até os anos 50, estava
concorde com a existência dos demônios que ela considerava anjos caídos a lutar
contra Deus e os homens até o dia do juízo final. Essa concordância apoia-se na
presença de Satanás no AT e NT. Além disso,
pesava também a declaração do Concílio de Latrão IV (1215) sobre a
existência do diabo e os demais demônios que foram criados bons por Deus, mas
que eles, por si mesmos, tornaram-se maus. E o homem pecou por sugestão do
diabo. Esse pensamento de maciça unanimidade foi rompido pelo Concílio Vaticano
II que se menciona Satanás de passagem, chamando-o de “Maligno”. João XXIII, o
papa que convocou o Concílio Vaticano II, estava mais interessado em mostrar o
rosto de esperança do cristianismo do que em reafirmar o velho discurso sobre o
demônio. Mas o papa Paulo VI ,nos últimos anos de seu pontificado, chegou a
atribuir a Satanás os males da Igreja. “Uma das necessidades da Igreja é a
defesa da existência daquele mal que chamamos de demônio” dizia ele no seu
discurso em 1972. Também o recente o Novo Catecismo da Igreja Católica repete o
antigo e desgastado discurso sobre o demônio. O único progresso do Novo
Catecismo é a redução bastante do espaço sobre esse assunto (somente os n.
391-395). A maioria dos teólogos católicos tem consciência dos problemas que
implica a crença na existência pessoal de Satanás. Há muitos que optaram por
interpretar de forma simbólica a tradição que fala dele.
Geralmente, recorre-se a Satanás quando, em
épocas de profunda crise, esgotam-se os demais esquemas interpretativos da
realidade. Sua duração é normalmente maior em tempos de angústia: pestes,
guerras, calamidades, insucesso em tudo na vida de uma pessoa, etc.. Nesses
momentos recorre-se a Satanás para tentar explicar a situação existente.
Satanás se transforma, assim, no bode expiatório sobre o qual os agentes
humanos descarregam responsabilidades e protagonismos.
De toda a mensagem de Jesus se deduz que o
autêntico perigo para o homem não procede de Satanás, mas do coração humano. O
que mancha o homem, segundo Jesus, não é jamais o que vem de fora, mas o que
procede de dentro (cf. Mt 15,11;Mc 7,14-23). Jesus veio fazer o anúncio de
Deus, não de Satanás. Satanás não
pertence à essência do mundo cristão. Não há base bíblica para conceder a
Satanás caráter pessoal. A Bíblia não vê nele um agente pessoal. Satanás é um
símbolo da rebeldia perante Deus e dos poderes que escravizam o homem. Ele
simboliza o anti-reino. É possível crer em Deus sem “crer” no diabo. O demônio
não é objeto da fé nem faz parte do credo cristão. O demônio não explica a
força do mal no mundo nem pode servir de desculpa para o mal que os homens
perpetram. “Não culpas o demônio
por tudo que vai mal. Muitas vezes o homem é seu próprio demônio”, dizia
Santo Agostinho (Serm. Frangipane 5,5)
4. As
três tentações de Jesus
Jesus foi tentado “três vezes”. O três indica
o completo e o definitivo(Is 6,3:os três vezes santo). A tríplice tentação de
Jesus, portanto, compendia todas as tentações. Isto quer dizer que Jesus foi
tentado a vida inteira. Até na cruz ele foi tentado para usar o poder como Filhos
de Deus para libertar-se e libertar os dois criminosos que foram crucificados
ao seu lado(Lc 23,35.37.39).
1)
Tentação do Ter
( abundância, riqueza, dinheiro, posses, bens temporais ).
Jesus é tentado para transformar as pedras em
pão. Mas Jesus não aceita esta tentação: “Não só de pão o homem vive”. A
resposta é curta e profunda que faz o tentador partir para outra tentação. Esta
tentação é considerada como inadequada porque a vida que Cristo veio comunicar
não pode ser reduzida ao puro e simples bem-estar do corpo, pois isso seria
esquecer que a pessoa vive mais propriamente em seu pensamento, em seu amor, e
em sua liberdade.
A tentação do ter é uma tentação de toda a
pessoa humana, por conseguinte de Jesus. Esta tentação é tanto mais perigosa
por se tratar de um valor ambíguo (bom e mau ao mesmo tempo). Muitas igrejas
pregam que o ter(dinheiro) é sinal da bênção de Deus, e, assim sendo, a pobreza
é sinal de desagrado por parte de Deus. Elas seguem esta filosofia: “Ame a
Jesus e enriqueça!” Muitas igrejas estão saturadas de meios prontamente
disponíveis para se obter bem-aventurança, que vão desde fórmulas matemáticas
exatas( Deus o abençoará sete vezes mais. Deus lhe dará em dobro. Assim, Deus
sempre fica devendo, pois o homem passa a dívida para Deus sem escrúpulo para
ficar livre de qualquer cobrança), até formas muito mais sutis mas igualmente
destrutivas. O medo diante de qualquer perigo que possa ameaçar a própria
segurança e prosperidade corporal tenta o homem a esquecer os valores pessoais
mais autênticos e a perder a perspectiva correta. Sabemos que Ter é uma função
normal de nossa vida: a fim de viver nós devemos ter coisas. Além do mais
devemos ter coisas a fim de desfrutá-las. Todo ser humano tem alguma coisa: um
corpo, roupas, habitação etc. Viver sem ter alguma coisa é virtualmente
impossível. Mas para uma cultura ou uma sociedade que valoriza muito o ter cria
facilmente a divisão entre os homens e desigualdade tremenda. Porque para esta
cultura ou sociedade a essência de ser é
ter. Consequentemente quem nada tem, ele não é ou sem valor (cf. Erich Fromm:
Ter ou Ser?).
Jesus criticou a tentativa de resolver o
problema da vida através do sonho da abundância, porque atrás deste sonho se
escondem as piores injustiças. Numa situação econômica, tanto o povo daquele
tempo, como o de hoje, está disposto a entregar tudo em troca de pão; é nesse
momento que a fome do povo pode ser explorada, tornando-se instrumento de
dominação.
Jesus responde ao tentador: “Não só de pão
vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus”. Deus quer que
todos possam ter o suficiente para uma vida digna. Não basta satisfazer a fome
do pão. É preciso saciar todas as outras fomes, como roupa, moradia, escola,
assistência médica, lazer etc., sem enganar aquela fome radical de absoluto,
que mantém o homem sempre aberto para horizontes ilimitados de vida e
liberdade.
Esta tentação se apresenta para nós todos os
dias em várias formas. Ela vem como convite a um isolamento egoísta dentro de
nós mesmos, excluindo os outros e explorando o trabalho dos outros, acumulando
só para si mesmo enquanto para os outros faltam as coisas necessárias; ela vem
quando cultivamos no coração a idéia de que cada um deve se virar como pode, que
cada um deve buscar os seus interesses sem pensar nos outros. Em outras
palavras recusamos aquela atitude solidária assumida por Jesus. Nisso não somos
mais cristãos. Martinho Lutero nos disse: “Três conversões são necessárias: a
conversão do coração, a da mente e a da bolsa”.
2 ) Tentação
do Poder
(dominação, mando, autoritarismo, tirania)
O poder nos atinge em nossos
relacionamentos. Ele exerce impacto profundo sobre nossos relacionamentos
interpessoais, nossos relacionamentos sociais, e nosso relacionamento com Deus.
Nada nos toca mais profundamente para o bem ou para o mal do que o poder. O
poder pode destruir ou criar. Ele pode destruir relacionamentos, confiança,
diálogo e integridade. O pecado do poder
é o desejo de ser mais do que aquilo para o qual fomos criados. O poder precisa
obter mais a supremacia, possuir mais, acumular mais e conquistar mais para
manter-se no mesmo. O instinto de dominar sobre os outros está profundamente
arraigado no coração humano que até mesmo o pobre sente o desejo irrefreável de
prevalecer sobre quem é ainda mais fraco do que ele. Não acontece, por exemplo,
que para conseguir um documento ou um serviço ao qual tem direito, a pessoa
deva sujeitar-se a humilhações e resignar-se a ouvir palavras ofensivas até do mais
insignificante dos empregados?
Mas existe outro poder que não destrói, um
poder que cria. O poder que cria dá vida, gozo e paz. O poder que cria é um
poder espiritual, o poder que procede de Deus. Esse poder se chama autoridade,
pois ele vem do carisma. Quando se fala do carisma fala-se do Espírito Santo,
fonte de todos os carismas. O poder que cria é aquele que restaura
relacionamentos. O poder que cria liberta as pessoas. Quando um líder usa sua
posição superior para edificar a autoestima dos seus membros sob seu comando,
está usando o poder para libertá-los. O poder que cria produz união, assim por
diante.
Às vezes cedemos a esta tentação sem nem
mesmo perceber. Cede-se a esta tentação quando a autoridade, ao invés de ser
posta a serviço da comunhão, torna-se um espaço em que se celebra a própria
superioridade; onde quer que se exerça o domínio sobre a pessoa humana, onde
quer que alguém, em nome do poder que lhe foi conferido, mesmo espiritual,
venha privar os outros dos seus direitos e da sua liberdade, onde quer que
alguém seja reduzido à condição de escravo, ali entra a lógica deste mundo ou
lógica do diabo na linguagem de Lc.
A proposta de Jesus é completamente
diferente: grande é aquele que se coloca a serviço dos outros, aquele que se
ajoelha diante do irmão mais pobre para lavar-lhe os pés.
3) Tentação
do prestígio ou do valer
(nome, honrarias, títulos, status e aparências)
O homem precisa do reconhecimento dos outros.
Pelo contrário, a sua vida parece carecer de sentido. Contudo, a busca da
vaidade, da vanglória, das honrarias é um perigo, tanto mais que estas estão
normalmente aliadas à riqueza e ao poder.
A busca do maravilhoso e do espetacular é uma
tentação típica do povo, que acredita facilmente naqueles que fazem coisas fora
do comum. Todo mundo está disposto a andar atrás daqueles que conseguiram
sucesso, prestígio, status. Quem está fora sempre acaba acreditando e engolindo
que “essa pessoa é mesmo um deus”. O pior é que, como consequência inevitável,
o povo acaba pensando que ele próprio não vale nada, não é capaz e nem presta
para nada. Cada um é capaz de fazer algo na vida por isso Deus o mandou para
esta terra. Cada um está no mundo por causa de Deus. Muitas vezes confiamos
tanto em Deus, até esquecemos que Deus também deposita sua confiança em cada um
de nós. Como se Deus dissesse a cada um: “Vá meu filho/minha filha, você é
capaz”.
Jesus recusou o prestígio porque isso
falsificaria completamente o seu projeto. A regra apontada por Jesus é bastante
clara: “Quanto a vós, não permitais que vos chamem Rabi, pois um só é o vosso
Mestre e todos vós sois irmãos”.
Eu tenho que acreditar que sou aceito por
Deus tal como sou, não como deveria ser. Ele sabe o meu nome “Eu te gravei na
palma da minha mão” ( Is 49, 15-16 ).
Deus nunca pode olhar sua mão sem ver o meu nome. O próprio Deus é a razão de
ser mais profunda da minha existência. Se assim é, não preciso de vanglória,
honras e títulos. Eu creio que sou aceito por Deus tal como sou.
O evangelho deste domingo resume, de certa
maneira, como Jesus vive a sua missão salvadora até o fim. Ele é tentado a usar
do seu poder messiânico para fins egoístas. Em outras palavras, ele é tentado a
viver na autossuficiência, dispensando Deus e seu projeto de salvação. Mas
Jesus vence essas tentações, sempre. Jesus não põe Deus a seu serviço, mas ele
se põe a si mesmo totalmente a serviço de Deus e seu plano de amor.
Hoje em dia somos educados e tentados, de
muitas maneiras, a viver de maneira autossuficiente e egoísta. Somos educados a
usar os nossos conhecimentos e o nosso saber para fins egoístas, somos tentados
à “esperteza” de querer só “levar vantagem em tudo”, colocando Deus e seu
projeto de fraternidade em segundo plano. Dentro da mentalidade consumista de
hoje, que prioriza o ter acima do ser,
somos tentados a fazer até mesmo do templo e da religião um lugar onde
Deus existe apenas para nos servir. Chega de sermos consumidores de fé, vamos
ser colaboradores de Deus.
P. Vitus Gustama,SVD
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Bela e profunda reflexão.
Bela e profunda reflexão.
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