sábado, 9 de fevereiro de 2019

13/02/2019
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DEUS HABITA NO CORAÇÃO PURO E IMACULADO
Quarta-Feira da V Semana Comum


Primeira Leitura: Gn 2,4b-9.15-17
4b No dia em que o Senhor fez a terra e o céu, 5 ainda não havia nenhum arbusto do campo sobre a terra, e ainda nenhuma erva do campo tinha brotado, porque o Senhor Deus não tinha feito chover sobre a terra, nem existia homem para cultivar o solo. 6 Mas uma fonte brotava da terra, e lhe regava toda a superfície. 7 Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem tornou-se um ser vivente. 8 Depois, o Senhor Deus plantou um jardim em Éden, a oriente, e ali pôs o homem que havia formado. 9 E o Senhor Deus fez brotar da terra toda sorte de árvores de aspecto atraente e de fruto saboroso ao paladar, a árvore da vida no meio do jardim e a árvore do conhecimento do bem e do mal. 15 O Senhor Deus tomou o homem e colocou-o no jardim de Éden, para o cultivar e guardar. 16 E o Senhor Deus deu ao homem uma ordem, dizendo: “Podes comer de todas as árvores do jardim, 17 mas não comas da árvore do conhecimento do bem e do mal; porque, no dia em que fizeres, sem dúvida morrerás”.


Evangelho: Mc 7, 14-23
Naquele tempo, 14Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: “Escutai todos e compreendei: 15o que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior. 16Quem tem ouvidos para ouvir ouça”. 17Quando Jesus entrou em casa, longe da multidão, os discípulos lhe perguntaram sobre essa parábola. 18Jesus lhes disse: “Será que nem vós compreendeis? Não entendeis que nada do que vem de fora e entra numa pessoa pode torná-la impura, 19porque não entra em seu coração, mas em seu estômago e vai para a fossa?” Assim Jesus declarava que todos os alimentos eram puros. 20Ele disse: “O que sai do homem, isso é que o torna impuro. 21Pois é de dentro do coração humano que saem as más intenções, imoralidades, roubos, assassínios, 22adultérios, ambições desmedidas, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo. 23Todas estas coisas más saem de dentro e são elas que tornam impuro o homem”.
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Continuamaos a acompanhar, através da Primeira Leitura, a meditação sobre alguns textos do livro de Gênesis.


Os dois relatos da criação (Gn 1 e Gn 2) querem nos dizer qual é o sentido da vida do homem em meio da multiplicidade de coisas que há neste mundo.


O primeiro relato (que lemos na Segunda-Feira e Terça-feira), procedente da fonte Sacerdotal (tradição Sacerdotal) estabelece como uma divisão ou ordenação básica dos elementos do universo: o céu, o firmamento, as águas, as plantas, os animais e assim por diante. O mundo não é algo caótico, ainda que pareça ser. O mundo, por vontade de Deus, está organizado. O homem primitivo tinha necessidade de tomar consciência disto porque os fenômenos naturais o espantava. Descrever um mundo organizado por Deus é uma maneira de dominá-lo, uma maneira de sentir-se em casa, sem medo.


E como coroação de tudo, Deus fez o homem e disse: “Sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e e submetei-a; dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que rastejam sobre a terra” (Gn 1,28). É como dizer “sois os amos de tudo”. Trata-se de infundir no homem confiança acerca do mundo: Deus criou tudo e colocou tudo à disposição do homem.


O relato do Gn 2 que lemos hoje é mais antigo que o primeiro e procede da fonte Yahvista. Explica que Deus fez o homem do barro da terra. Tem outra intenção distinta da do primeiro relato que situava o homem diante das coisas externas que o rodeiavam. Agora quer explicar o sentido da vida do homem que experimenta o mal em seu interior.


Cada Homem É O Sopro De Deus


Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem tornou-se um ser vivente”. O autor do texto é a tradição Yahvista (Javista). A linguagem da Yahvista é viva, simples, ingênua. Tem o dranmatismo da ação de personagens nominados. Para o autor Javista, tudo o que entra na formação do homem provém do bom Deus, sem distinção.


Formar/modelar e soprar cujo resultado é o ser vivente. É o homem, o ´adamah que significa terra em quem o Criador insulfa algo que essencialmente é de Deus, Seu sopro que é a vida. O sopro-vida é o princípio de individuação que torna o homem uno e indivisível: é um dom divino cuja perda leva o homem à morte.


 Então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra, soprou-lhe nas narinas o sopro da vida e o homem tornou-se um ser vivente”. Isto significa que o homem é obra de Deus. O homem pertence a Deus porque é obra de suas mãos. É próprio do homem não pertencer a si mesmo. O homem é propriedade de Deus. E, na medida em que é de Deus, é de si mesmo. Pertencer a Deus não é fator de alienação e sim de afirmação. O homem bíblico não é um anônimo. A vida de Deus (sopro) é que sustenta a vida do homem. Nenhum outro vivente possui esse hálito (sopro) divino. Por isso, mesmo sendo da ordem puramente natural, a vida do homem é divina. Por isso, a vida do homem não pode ser sacrificada, vendida ou comprada.


O homem por ter sido feito do barro da terra é mortal. Mas por ser vida da vida de Deus (sopro divino), o homem é transcendente. O sopro divino é o que coloca o homem no âmbito transcendente, que o distingue dos animais.


Somos Imagens De Deus Dotados De Responsabilidade Para Praticar o Bem


Podes comer de todas as árvores do jardim, mas não comas da árvore do conhecimento do bem e do mal; porque, no dia em que fizeres, sem dúvida morrerás.


Precisamente porque somos umagens de Deus (somos sopro de Deus) e porque Deus é amor e doação de amor (criou tudo por amor para nosso bem), nós também temos de ser amor e doação de amor. E porque o amor implica a liberdade, Deus nos fez “criaturas livres”, pessoas capazes de viver essa relação paterno-filial e fraternal em relação a Deus e em relação aos outros. Deus cria o homem, mas deixando que o homem tenha sua responsabilidade. O amor é uma oferenda/oferta de liberdade. Amar não é dominar o outro ou aproveitar-se do outro: “O Senhor Deus tomou o homem e colocou-o no jardim de Éden, para o cultivar e guardar”. “Podes comer de todas as árvores do jardim”.


Deus nos deixa verdadeira liberdade, ainda que, inevitavelmente, esta liberdade esteja condicionada pela realidade de nosso ser no mundo: “Mas não comas da árvore do conhecimento do bem e do mal; porque, no dia em que fizeres, sem dúvida morrerás”. Isto quer dizer que não podemos ter a liberdade soberana e infinita de Deus, mas uma liberdade e uma responsabilidade à medida de nosso ser, fruto do amor de Deus. Por isso, Deus não se deve conceber nunca como um rival do homem.


Deus funda e sustenta as possibilidade reais do homem. Não há nada que seja autenticamente humano e humanizante que seja proibido ou limitado por Deus. Deus somente proíbe tudo que faça dano ao homem porque somente quer seu bem e sua salvação. Além disso, Deus não o proíbe de fora e sim de nossa própria natureza. É como um código genético que levamos: vivemos para fazer o bem e não para causar o mal ou o dano para o próximo. Isso está na nossa natureza como ser humano. Somos seres em relação ao amor a Deus e ao próximo. Quando duas pessoas se amam, o bem de uma se torna da outra e vice-versa (cf. At 2,42-47). Nosso bem é o bem de Deus. Como dizia Santo Irineo: “A glória de Deus é que o homem viva”.


Se eu pecar (praticar o mal), é porque deixo meu ser como criatura de Deus feita para o bem, e abandono meu destino como um homem em que Deus me colocou no mundo para o bem.


Do Coração Puro Saem Os Atos Bons


O que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior”. 


Em Mc 7,1-23 há três cenas: Jesus, de um lado e os escribas e os fariseus de outro lado numa controvérsia (Mc 7,1-13); Jesus- multidão (Mc 7,14-15) e Jesus- discípulos (Mc 7,17-23). Mas o ensinamento de Jesus tem como objetivo educar seus discípulos para que tenham um senso crítica sobre as tradições de seu povo a fim de colocar em destaque a lei de Deus.


O texto do evangelho de hoje começa com a seguinte frase: “Jesus chamou a multidão para perto de si e disse: Escutai todos e compreendei...”. A frase “chamou a multidão” é um verdadeiro ato de convocação. Jesus faz isso de maneira concisa e incisiva e convida a multidão para pensar sobre aquilo que ele vai dizer a fim de entendê-lo. Não era fácil mudar a mentalidade daqueles que estavam ali, escutando Jesus.


Depois que atacou a hipocrisia dos fariseus que honram Deus apenas com os lábios enquanto que seu coração está longe d’Ele, agora Jesus expõe para todos o princípio sobre o santo e o profano: o que separa o homem de Deus não é o que procede de fora dele: “O que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior.  E Marcos acrescentou: “Assim Jesus declarava que todos os alimentos eram puros”.


O livro de Levítico (AT) enumera uma serie de animais que são tabu para o Povo eleito. Comê-los significava tornar-se impuro e impedia a pessoa de participar no culto de Deus (cf. Lv 11). Semelhante proibição está em contradição coma palavra de Deus a Noé: “Tudo o que se move e vive vos servirá de alimento...” (Gn 9,3). No entanto, era necessário o povo eleito aceitar a proibição para se defender dos cultos pagãos que usavam amplamente determinados animais. Por isso, não comê-los se convertia num sinal de que o povo eleito queria viver separado dos cultos pagãos e disponível ao culto a Deus.


Jesus não discute essa boa vontade e sim a forma de conceber o “puro” e o “impuro”. Por isso, Jesus declara: “O que torna impuro o homem não é o que entra nele vindo de fora, mas o que sai do seu interior.  A lei de Deus não é algo exterior e sim algo presente em nosso interior, em nosso coração que nos faz tomarmos atitudes e darmos respostas adequadas para o viver de cada dia. O puro e o impuro não devem ser procurados fora do homem, mas no seu coração. Dessa maneira, Jesus está em perfeita sintonia com os profetas; não se opõe à Lei e sim a aprofunda, a espiritualiza e vai à raiz do mal. Há uma impureza muito maior e a única que realmente se afasta de Deus: quando o homem se decide, livremente, pelo mal. Esta é a impureza que deve ser eliminada da vida ou do coração do homem.


Quando se fala do “coração”, deve ser entendido no sentido de toda a interioridade da pessoa, o centro da vida, das decisões e do encontro pessoal com Deus. Se o coração for bom, os gestos de relacionamento humano obedecem aos imperativos de humanizar, de fraternizar e de santificar a convivência. A pureza do agir depende da pureza do coração. Mas se o coração for mau, a vida é envenenada pela insatisfação, pela inveja, pelo ciúme, pela disputa, pela discriminação, pelo sensualismo, pelas más intenções e assim por adiante. Para Jesus, o teste decisivo para saber se o coração está perto de Deus é o comportamento fraterno para com o próximo. O coração é o lugar onde o homem se revela e onde Deus se revela. Em outras palavras pode-se dizer que a vida cristã se resume em uma palavra: AMOR. Mas o conceito do amor tem sido tão manipulado e profanado que requer uma clarificação para dissipar possíveis confusões. O amor, núcleo da vida cristã é uma atitude. Consiste em uma entrega total e desinteressada de nossa pessoa a Deus e ao próximo. A antítese do amor cristão é o ritualismo que utiliza Deus e os demais para o proveito próprio, ou um ritualismo que se desliga dos compromissos com a vida e com os problemas humanos. A relação com Deus não depende da observância de normas ou de gestos religiosos, mas da atitude fraterna para com os demais seres humanos.


Muitas vezes, somos fiscais do comportamento alheio como os fariseus, gente sempre pronta a julgar, a criticar, a condenar o próximo a partir de detalhes, muitas vezes, mínimos. Às vezes são até pessoas aparentemente boas, que acabam estragando a convivência porque adoram exibir o seu estrito cumprimento de todas as regras, sociais e religiosas, com o intuito de diminuir os demais. “Seja humilde para evitar o orgulho, mas voe alto para alcançar a sabedoria”, dizia Santo Agostinho (In ps. 130,12). Muitas vezes também nós andamos a toda hora medindo a piedade alheia pelos padrões das nossas próprias normas, sem perceber que, ao fazermos isso, estamos bloqueando o acolhimento, o testemunho de comunhão e de fraternidade que são alguns dos valores importantes na Igreja e na vida cotidiana. Precisamos estar conscientes de que a dignidade da pessoa humana não consiste em parecer bom, mas em ser bom. “É mais fácil simular virtudes do que possuí-las. Por isso, o mundo está cheio de farsantes”, dizia Santo Agostinho (De mor. Eccl. Cath. 1,12). Tudo é puro quando sai de um coração limpo. Mas tudo pode ser inútil, se for contaminado pela vaidade, pelo exibicionismo ou pela hipocrisia. Por isso, a conversão do coração e as vitórias interiores sempre são necessárias, pois elas acabam melhorando a conduta de qualquer um de nós e a qualidade de nossa convivência.


Honrar a Deus de verdade, para Jesus, não é apenas estar em dia com os regulamentos nem seguir devoções particulares. Honrar a Deus é fazer prevalecer a caridade fraterna, estar ao lado dos que sofrem que nos exigem gestos concretos de bondade e de amor para com eles. A vida no Espírito é antes uma realidade interior. A partir daí, o exterior é manifestação de uma verdade mais profunda. A comunidade não se cria por decreto, mas nasce quando as pessoas têm um coração que sabe amar e respeitar aos outros e quando fazem circular um espírito novo, de união e de preocupação mútua pelo crescimento dos outros.


Se quisermos cumprir a lei de Deus, devemos ter em vista sempre, em primeiríssimo lugar, os objetivos do projeto de Deus. Ele quer mais vida, mais amor, mais compaixão e misericórdia, mais partilha, mais igualdade e mais justiça. Esse é o critério mais evangélico para avaliar a legitimidade de nossa vida cristã e do nosso modo de seguir a lei. Somos Igreja para nos ajudarmos uns aos outros a crescer, não para virarmos fiscais das virtudes e da vida alheias. Somos chamados a construir um mundo mais humano e fraterno, pois Deus é o Pai de todos. “É preciso amar os homens não pela simpatia que nos inspiram nem pelas qualidades que apreciamos, mas porque Deus os ama” (Martin Luther King).
 
P. Vitus Gustama,svd

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