II DOMINGO DO TEMPO COMUM DO ANO C
O AMOR TRANSFORMA O COTIDIANO EM DIVINO
20 de Janeiro de 2013
Naquele tempo ,
1houve um casamento
em Caná da Galileia. A mãe de Jesus estava presente .
2Também Jesus e seus discípulos
tinham sido convidados para
o casamento . 3Como
o vinho veio
a faltar , a mãe
de Jesus lhe disse: “Eles não têm mais vinho ”. 4Jesus
respondeu-lhe: “Mulher , por que dizes isto a mim ? Minha hora ainda não
chegou”. 5Sua mãe disse aos que
estavam servindo: “Fazei o que ele vos
disser”. 6Estavam seis talhas de pedra
colocadas aí para
a purificação que
os judeus costumam fazer .
Em cada
uma delas cabiam mais ou menos cem litros . 7Jesus
disse aos que estavam servindo: “Enchei
as talhas de água ”.
Encheram-nas até a boca .
8Jesus disse: “Agora tirai e
levai ao mestre-sala ”. E eles levaram. 9O mestre-sala
experimentou a água , que se tinha
transformado em vinho .
Ele não
sabia de onde vinha ,
mas os que
estavam servindo sabiam, pois eram eles que tinham
tirado a água . 10O mestre-sala chamou então
o noivo e lhe
disse: “Todo mundo
serve primeiro o vinho
melhor e, quando
os convidados já
estão embriagados, serve o vinho menos bom . Mas tu
guardaste o vinho bom
até agora !”
11Este foi o início dos sinais
de Jesus. Ele o realizou em Caná da Galileia e manifestou a sua glória , e seus discípulos
creram nele.
**********
A transformação da água em vinho é o primeiro sinal operado
por Jesus no evangelho
de João. O evangelista João jamais emprega
a palavra “milagre ”
(dýnamis, grego , como
ato de poder
e de força ) que
aparece com muita
freqüência nos
sinóticos. Em vez
disso, ele usa
o termo “sinal ”
(seméion, grego ). Este
termo pertence
ao vocabulário técnico
do quarto evangelho ,
onde aparece 17 vezes ,
sobretudo na primeira
metade . Em
João, “sinal ” é ação /obra realizada por
Jesus que , sendo visível ,
leva por
si ao conhecimento
de realidade superior .
O “sinal ” remete a outra
coisa . Os “sinais
joaninos ”, porém ,
não somente
apontam para uma realidade
que está além
da coisa ou acontecimento visível ,
mas contém já
em si
mesmos a realidade
significada . Eles
são , de certo
modo , uma manifestação
da “glória ” de Jesus. Enquanto o milagre ,
pelo poder surpreendente
que ele
força a constatar ,
tem por função
orientar em direção à pessoa e à dignidade do seu
autor . O “sinal ”
visa a outra
realidade além
de si mesmo .
Este termo
joanino inclui sempre
dois aspectos :
demonstrativo , o sinal
suscita a fé dos discípulos
em Jesus; expressivo ,
ele manifesta
a glória daquele que
o opera. Encontram-se no Evangelho de
João sete sinais
de Jesus (2,1-11: bodas de Caná; 4,46-54:
a cura do filho
do funcionário real ;
5,1-9: a cura do paralítico ; 6,1-15: a partilha dos pães ; 6,16-21: Jesus caminha
sobre as águas ;
9,1-41: a cura do cego de nascença ;
11,1-44: a reanimação de Lázaro ). Por isso , a primeira
parte do Evangelho
de João (1,19-12,50) chama-se o livro
dos sinais . Enquanto
a segunda parte
(13,1-20,29) chama-se o Grande Sinal que fala da paixão ,
morte e ressurreição
de Jesus.
O objetivo
principal de todos
os sinais relatados no Quarto
Evangelho é a fé ,
como João deixa
claro no final :
os sinais feitos
por Jesus foram escritos
“para que acrediteis
que Jesus é o Cristo ,
o Filho de Deus ,
e para que ,
crendo, tenhais a vida eterna em seu nome ”
(Jo 20,31). Isto quer
nos dizer que diante dos sinais operados por
Jesus é necessário tomar
uma decisão (Jo 7,31;9,16;11,47). Sem tomar uma decisão positiva
(crer em
Jesus), os sinais se tornarão juízo de acusação
contra os que
se mostram incrédulos (cf. Jo 12,37ss).
O episódio
de Caná, isto é, o primeiro
sinal de Jesus, acontece num casamento /bodas . Na linguagem bíblica/teológico-simbólica, o casamento /bodas é símbolo da aliança
com Deus ,
sublinhando a relação de amor e fidelidade
entre Deus
e o povo (Is 49,14-26;54,48;62,4-5;Jr
2;Ez 16). A eleição do povo e a aliança
foram expressão do amor
de Deus por
ele (Dt 4,37;7,7s;10,15). Os profetas usaram muitas vezes
a imagem de casamento
para falar do amor mútuo entre Deus e
Israel (Is 62,4-5;Os 2,18-22). Portanto ,
o casamento em
Caná é simbólico. O verdadeiro esposo da humanidade
é Jesus (3,29), pois foi assim
que João Batista
o anunciou (cf. 1,15.27.30). E toda a Igreja é uma esposa .
A mãe
de Jesus estava nas bodas de Cana . No evangelho
de João a mãe de Jesus (Maria) aparece somente duas vezes , mas nos momentos mais importantes . Maria, em
primeiro lugar ,
atua na realização do primeiro
sinal de Jesus, no momento
em que
Jesus inaugura sua missão
pública (Jo 2,1-11). Em segundo lugar , Maria permanece ao pé
da cruz , no momento
da morte de Jesus, no final
de sua missão
nesse mundo (cf. Jo 19,25-27). O evangelista João quer
nos dizer que Maria tem um
lugar especial
no seu evangelho ,
pois ela se
faz presente nos
momentos mais
importantes da vida
e da missão de Jesus. Tudo que se
prefigura no primeiro sinal
se cumpre na cena da mãe de Jesus ao lado
da cruz .
Nas núpcias
de Caná “estava ali a mãe de Jesus”. Para o evangelista João, a figura
da mãe de Jesus também
é central , pois
a partir dela é que
a atenção se projetará sobre Jesus. A manifestação
da glória de Cristo
passa através
da mãe .
Na festa
de casamento em
Caná, ou seja, na antiga
aliança faltou vinho .
O vinho , na Bíblia ,
simboliza/representa o amor (cf. Ct
1,2;7,10;8,2). A antiga aliança , portanto ,
não tem mais
sentido , pois
o amor foi substituído pela Lei . Os seis enormes potes de pedra que serviam para os ritos de purificação
dos judeus (v.6), representam a falta de amor
na relação com
Deus e com
o próximo . Além
disso, estão vazios , ou seja, não
têm mais nada
a dar .
A mãe
de Jesus reconhece isso , pois
em vez
de se dirigir ao organizador
da festa , vai diretamente
a Jesus e lhe diz: “Eles
não têm mais
vinho ” (v.3). A expressão
é semelhante à usada pelos apóstolos
antes do milagre
da multiplicação dos pães : “Eles não têm mais nada para comer ”
(cf. Mc 8,2;Mt 15,32). Maria vê o conjunto , ou
seja ela tem a visão
do conjunto e compreende aquilo que é essencial . Este
é o espírito contemplativo de Maria, o seu dom de síntese , a capacidade
de dar atenção
às coisas particulares .
Maria consegue ver o ponto
central com
a inteligência do coração
e não através
do raciocínio ou
da análise imediata
de todos os elementos .
Quando o coração
superar as razões ,
a caridade começará a agir ,
pois a caridade
sempre parte
do coração . Quando
negarmos o que o coração
pedir , começaremos a criar
muitas desculpas , mas
depois cairemos num remorso ,
pois razão
nenhuma pode negar o que
o coração pede. “Eis o meu segredo ,
disse a raposa ao Pequeno
Príncipe . É muito
simples : Só
se vê bem com o coração .
O essencial é invisível
para os olhos ”
(Antoine De Saint-Exupéry, em : O Pequeno
Príncipe ). Maria percebe o gemido
mudo da humanidade
e simplesmente o exprime: “Eles não têm mais vinho ”.
Maria se identifica com as pessoas numa situação
sufocante , e por
isso pede com
naturalidade uma solução
para o seu Filho , Jesus Cristo ,
o Salvador da humanidade .
A partir
de Maria precisamos descobrir o que
falta na nossa
vida , na nossa
vida religiosa ,
na nossa convivência ,
na nossa comunidade ,
no casamento , na família
com o intuito
de sofrer e amar juntos e não para acusar ou recriminar ninguém . O que falta em mim ? Talvez
sejam pequenas ou
grandes coisas
que me
faltam; talvez faltem perdão e renúncia
ou tensões
a cobrir ou pequenas palavras
a frear . Ou
de modo geral ,
talvez falte muita
coisa para que eu possa ser “o bom vinho ” para mim , para os outros , e para Deus .
A resposta
de Jesus é aparentemente negativa ; e aparentemente ,
formal e mesmo
dura : “Que
temos nós com
isso , mulher ?
A minha hora
ainda não
chegou” (v.4). A expressão é um semitismo freqüente no Antigo
Testamento e que
aparece também algumas vezes no Novo Testamento (cf. Mt 8,29;Mc 1,24;5,7;Lc 4,34;8,28). A expressão em si não supõe
rejeição frontal , nem
sequer distanciamento
ou falta
de afeto . A resposta
de Jesus serve como um
convite feito
diretamente ao leitor
para compreender o que vai acontecer num horizonte mais amplo .
O termo
“mulher ” usado por
Jesus para sua
mãe não
é uma expressão de desrespeito
ou de distância
na relação mãe- filho ,
mas para acentuar o respeito e
a reverência . Como
entre nós
a palavra “senhora ”
é usada para dirigir-se à própria
mãe . Jesus usará o apelativo
“mulher ” com
freqüência ao dirigir-se às mulheres em contextos de elogio
(cf. Mt 15,28;Lc 13,12; Jo 4,21;8,10;20,13.15).
Maria não
discute com Jesus. Ela
volta-se para os serventes :
“Fazei tudo o que
ele vos
disser”. Maria percebe a gravidade da situação , mas não se apavora. Estas palavras
mostram que Maria não
considerou a resposta de Jesus como uma recusa definitiva .
Ela não
tem dúvida alguma de que Jesus vai fazer algo ou vai dar um jeito . Só não sabe como . Assim , entregou-se com
inteira submissão
e confiança total
ao mistério da “hora ”.
Ela tem certeza
de que seu
filho atenderá porque
é o Filho de Deus .
Maria é persistente . (cf. 15,21-28;Mc
7,24-30).
O que
o quarto evangelho
quer sublinhar
não é, porém ,
o poder de intercessão
de Maria. Mesmo as palavras
finais de Maria: “Fazei tudo o que ele vos
disser”, sublinham a soberania de Jesus
e não a impetração
de Maria. A mãe deixa
tudo nas mãos
do Filho , ainda
que não
o chame de Filho : “Fazei tudo o que ele vos
disser”. Não se pode, contudo , negar que foi o pedido
de Maria o que iniciou o processo
que desembocou na decisão
de Jesus de realizar o primeiro
sinal .
Maria também
nos convida a viver
uma virtude que
se chama “atenção ”. A atenção é um comportamento vigilante do eu sobre os outros ; é uma transparência
de olhar , uma prontidão
em notar sinais de sofrimento em
volta de si ,
um doar-se. Ela
é amor verdadeiro ,
delicado , desinteressado
e previdente . Ela
é uma qualidade humana
necessária e preliminar
no caminho espiritual .
Jesus faz o primeiro
sinal de forma
discreta . Tudo
na simplicidade . Ele
manda encher
os potes de água .
O primeiro sinal
de Jesus pretende começar a revelar
quem é Jesus para
nós . A partir
do sinal , entendemos que o próprio Jesus é o vinho novo da nossa vida . Ele é capaz de transformar as situações
em que
tudo parece “água ”,
sem sabor
nem cor ,
no líquido da festa
e da alegria . A partir
de Jesus começou o tempo da graça . Quem está
com Jesus tem vida
sobrando. A abundância de vinho
(em torno
de 600 litros ) revela o amor extraordinário
de Deus presente
na vida e na ação
de Jesus.
O resultado
da ação de Jesus conforme
o texto : “Jesus manifestou sua glória e seus discípulos
creram nele” (v.11). A glória para Jesus não é o poder e a fama , mas a capacidade
de realizar o bem e fazer Deus conhecido e amado .
Essa glória consiste na revelação de Deus
através dos “sinais ”
que ele
opera. A glória de Deus
agora se torna
visível para sempre em
Jesus.
“E os discípulos
creram nele”. Aqui chega
ao seu clímax
o chamamento dos discípulos . O crer em Jesus do v.11
é a culminação do seguimento iniciado
em 1,37. Quem
crê, vê além
do sinal . O sinal
não força
ninguém a acreditar ,
só abre a porta
do coração para
a fé . Para
João, crer em
Jesus como o Cristo
é crer no amor
superabundante de Deus
que enche de alegria
o coração dos homens
e lhes dá a plenitude
da vida . Crer
em Jesus é crer
que ele
realiza a união de Deus
com seu
povo através
de sua vida ,
morte e ressurreição .
Crer em Jesus
é crer que Deus se revela e atua amorosamente
em favor dos homens através
da humanidade de Jesus. Na fé dos primeiros
discípulos de Jesus, começa a fé da Igreja . Essa mesma
fé é solicitada de todos
ao situar-nos diante de Jesus, o portador da salvação definitiva
oferecida por Deus
ao mundo .
Revivendo hoje
o momento em
que o Filho
de Deus transforma a água em vinho para os convivas de Caná, é preciso
levarmos em consideração
alguns pontos
seguintes :
·
Deveríamos ter a capacidade de perceber que uma das mais
exaltantes mensagens do cristianismo é a mensagem
de alegria . Deus
quer que
haja o vinho nupcial da alegria , a alegria
de permanecer unidos. Temos que
proclamar as razões
da alegria , não
da tristeza ; temos que
apontar os motivos
do otimismo , não
do pessimismo ; temos que promover a vida , não a morte . A alegria
deveria ser característica
de quem vive na fé
e caminha para
o Reino de Deus .
É claro que
a fé não
nos põe a salvo
do sofrimento e dos vários motivos de tristeza . Contudo , é preciso
que deixemos transparecer
a certeza de que
toda nossa
dor se transformará em
alegria , pois
Deus nos
ama . É o testemunho
que o mundo
espera de nós .
· O vinho da nova e
definitiva aliança
é o amor . Jesus nos
revelou através de sua
vida que
este amor
é exatamente amor
ao Pai e amor
universal . O objetivo
da missão não
é outra coisa
a não ser a ativação
desse amor único
a escala da humanidade .
É a civilização do amor
divino no amor
fraterno . A alma
de toda missão
é o amor . A missão
é, antes de tudo ,
o serviço do amor
ao Pai no irmão
(cf. Mt 25,40.45). O essencial na Igreja de Cristo
é o amor , sem
o qual a Igreja
deixaria de existir .
· No Antigo Testamento
Deus deu ao seu
povo o alimento ,
a água e a lei .
No Novo Testamento
Jesus Cristo está no nosso meio para nos dar , não a água , e sim o vinho dos convivas
da mesa divina ;
não o maná
e sim o alimento
do Seu Corpo
glorioso para
nós , peregrinos ,
rumo à Casa
do Pai (cf. Jo 1-6). Trata-se da refeição que antecipa
o eterno Banquete
com o Pai
na comunhão eterna .
· O resultado do primeiro sinal operado
por Jesus é a fé
dos discípulos em
Jesus: “... seus discípulos creram nele”. Aqui
“crer ” significa participar
da identidade de Jesus, e nunca mais morrer (cf. Jo 11,26); é apegar-se ao vinho
da sua divindade
e nunca mais
desejar as antigas águas
do poço de nossa
própria vida
que criam a sede
sem fim :
“Aquele que
crê em mim
jamais terá sede ”
(Jo 6,35b). Crer significa amar
a Jesus (Jo 16,27) e deixar-se amar por Ele . Crer é estar permanentemente
com Jesus a fim
de chegar a experimentar
Sua ressurreição
e viver na glória
eterna .
P.
Vitus Gustama,svd
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