18/06/2015
ABBÁ, PAIZINHO NOSSO QUE
ESTÁ NO CÉU
Quinta-Feira da XI
Semana Comum
Evangelho: Mt 6,7-15
Naquele tempo, disse Jesus aos seus
discípulos: 7 ”Quando orardes, não useis muitas palavras, como fazem os pagãos.
Eles pensam que serão ouvidos por força das muitas palavras. 8 Não sejais como
eles, pois vosso Pai sabe do que precisais, muito antes que vós o peçais. 9 Vós
deveis rezar assim: Pai nosso que estás nos céus, santificado seja o teu nome;
10 venha o teu Reino; seja feita a tua vontade, assim na terra como nos céus.
11 O pão nosso de cada dia dá-nos hoje. 12 Perdoa as nossas ofensas, assim como
nós perdoamos a quem nos tem ofendido. 13 E não nos deixes cair em tentação,
mas livra-nos do mal. 14 De fato, se vós perdoardes aos homens as faltas que
eles cometeram, vosso Pai que está nos céus também vos perdoará. 15 Mas, se vós
não perdoardes aos homens, vosso Pai também não perdoará as faltas que vós
cometestes”.
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Estamos ainda no Sermão da Montanha
(Mt 5-7) onde podemos encontrar vários ensinamentos fundamentais de Jesus para
nós, seus seguidores. No evangelho de hoje Jesus nos dá seu conselho sobre
oração através da oração do Pai Nosso. É uma oração profunda. Tertuliano
(155-220) chegou a comentar: “O Pai-Nosso é o resumo de todo evangelho” (Breviarium
totius evangelii. De oratione 1,6: CSEL). Também o famoso Santo Tomás de
Aquino (1225-1274) comentou: “A oração do Senhor é perfeitíssima porque, como
diz Sto. Agostinho, se oramos reta e congruentemente, nada absolutamente
podemos dizer que não esteja contido nesta oração. Porque sendo a oração como
que um intérprete dos nossos desejos diante de Deus, somente podemos pedir com retidão
o que retamente podemos desejar. Ora, na oração dominical não só se pedem todas
as coisas que retamente podemos desejar, mas até pela mesma ordem em que
devemos desejá-las; e assim esta oração não só nos ensina a pedir, mas informa
e retifica todos os nossos afetos e desejos” (S. Th., II-II, 83,9).
Rezar significa abrir-se para Deus.
Nossa vida não pode estar centrada em nós mesmos ou só nas coisas deste mundo.
Rezar é saber escutar a Palavra d’Aquele que é maior do que nosso cérebro e
dirigir-lhe, pessoal e comunitariamente nossa palavra de louvor e de súplica
com confiança de filhos. A oração é mais do que recitar umas fórmulas, é,
sobretudo, uma convicção íntima de que Deus é nosso Pai e que quer nosso bem. A
oração nos situa diante de Deus e nos faz reconhecer tal como somos já que
somos criados à imagem de Deus. A oração vai nos descobrindo o que temos de ser
em cada momento. A oração nos humaniza, faz-nos mais humanos, mais criaturas, e
não criadores. Se não rezarmos é impossível que nos conheçamos a fundo, porque
não saberemos o que poderíamos ser, não saberemos até onde vamos. A oração nos
possibilita dizermos em profundidade o que somos, o que pensamos e o que
vivemos e para onde vamos.
No texto do evangelho anterior o
aspecto individual da oração é destacado com a advertência sobre o perigo de
exibicionismo: “Quando orardes, não sejais como os hipócritas,
que gostam de rezar em pé, nas sinagogas e nas esquinas das praças, para serem
vistos pelos homens” (Mt 6,5). Na prática de Jesus a oração
individual e a oração comunitária são da mesma importância.
Há duas partes principais da oração
do Pai Nosso. A primeira parte é centrada sobre Deus como protagonista, e por
isso, trata-se da relação com Deus. Encontramos o adjetivo “Teu” na primeira
parte: Santificado seja o teu Nome;
venha o teu Reino; seja feita a tua Vontade. Isso significa que a primeira atitude na oração
é o descentramento, isto é, descobrir na própria vida a relação profunda
com Deus. Através desta primeira parte Jesus revela Deus para nós como Senhor, Soberano,
Salvador e Santo. Cada homem, por poderoso que pareça ser, é simplesmente uma
criatura de Deus. Não há senhor acima de Deus.
Na segunda parte da oração do Pai
Nosso fala-se da relação com os outros. Na segunda parte não se encontra mais o
acento sobre “teu”, mas sobre “o nosso
pão”, “as nossas dívidas
(ofensas)”, “não nos deixar cair”,
“mas livrai-nos”. Aqui se
enfatiza o plural “nós”. A segunda parte, portanto, fala sobre nós, irmãos-comunidade,
com todas as suas necessidades. Isso quer nos dizer que o Pai Nosso é uma oração
do “nós”, uma oração dos discípulos ou dos seguidores de Jesus. Jesus nos
ensina a rezar como irmãos, filhos e filhas do mesmo Pai do céu e portanto,
como comunidade que tem relação filial com Deus.
“Vós, portanto, orai assim: Pai
nosso que estás nos céus....”, diz nos Jesus. De todas as revoluções do Evangelho, a mais profunda e a mais radical é a
revelação de Deus como Pai, e conseqüentemente Deus como amor, como o Pai mais
carinhoso e entranhável. A tradução mais fiel da palavra “Abba” não é
simplesmente “Pai” e sim “Papaizinho”. Qualquer pai sabe muito bem como se
sente ao ouvir o apelido “paizinho”. E qualquer filho sabe muito bem como se
sente ao chamar seu pai de “paizinho”. Só pode ser uma grande intimidade e
ternura. Ao ensinar seus discípulos a chamarem Deus como Pai na oração, Jesus
quer enfatizar a simplicidade, a proximidade e a familiaridade. A palavra “pai”
é algo que tem a ver com a família, a intimidade e a informalidade.
Além disso, na segunda parte da oração,
percebemos que o Evangelho se interessa pela saúde, pelo pão, pela justiça nas relações
(perdão dos pecados) e pela superação do mal na sua forma extrema que é a crise
(Não nos deixar cair em tentação).
O Pai-Nosso não é uma simples oração
apesar de ser breve. O Pai-Nosso é uma síntese de tudo o que Jesus viveu e
sentiu a propósito de Deus, do mundo e de seus discípulos.
Chamar
Deus de “Pai” é algo insólito, inimaginável que expressa a máxima confiança,
proximidade e ternura. Jesus quer nos dizer que Deus é o nosso Pai que está
sempre ao nosso lado, cheio de cuidados e ternura para cada um de seus filhos e
filhas. Com a palavra “Pai” abre-se um mundo novo nas relações de Deus para com
o homem. A vida cristã está banhada de alegria, pois sabemos que somos filhos e
filhas de Deus independentemente de nossa situação e de nosso modo de
viver. Sentir-nos filhos e filhas do
Papaizinho do céu nos traz paz, serenidade, confiança. O clima de filiação é o
que dá sabor para a vida toda de Jesus e consequentemente, para a vida de todos
os cristãos. Jesus nos ensina como deve ser o nosso relacionamento com Deus:
deve ser pessoal, filial, familiar, comunitário.
Além do mais, ao chamar Deus de Pai
devemos estar conscientes de que precisamos viver como irmãos e irmãs, como
recorda Santo Tomás de Aquino: “Ao dizermos Pai, recordemos duas obrigações
que temos para com os semelhantes: Primeiro, devemos amá-los
porque são nossos irmãos, pelo fato de serem filhos de Deus (cf. 1Jo 4,20).
Segundo, devemos reverenciá-los, tratando-os como filhos de Deus
(cf. Ml 2,10; Rm 12,10; Hb 5,9) “. A relação com Deus como Pai-Nosso se torna
fundamento das relações fraterno-comunitárias. Não podemos chamar Deus de Pai
quando continuamos a maltratar os outros que são filhos e filhas de Deus.
Rezar o Pai-Nosso é seguir Jesus
Cristo, aprendendo dele a maneira de viver, de escolher e também o modo de
enfrentar a morte; quais são as razões profundas, as raízes da própria
existência. Dizer “Pai” nos torna disponíveis, enche-nos de confiança, facilita
a nossa entrega, pois estamos certos de sermos ouvidos, e isto nos permite
superar as barreiras do medo e da incerteza. Dizer “Pai” significa que eu devo
me comportar como filho diante dele e como irmão diante dos outros, pois eu sou
irmão de muitos outros irmãos. Dizer “Pai” faz nascer a certeza de que somos
amados, isto é, nos leva a um ato de inteiro abandono em Deus. Quem chama Deus
de “Paizinho” (Abba) jamais pode perder a perspectiva na vida apesar dos problemas
e da idade avançada. Em Deus Pai sempre ganhamos novas perspectivas e o maior
horizonte na nossa frente, pois Deus Pai está nos nossos olhos para podermos
ver muito além da visão humana.
O Pai-Nosso é um modelo de oração
que Jesus nos ensina. Primeiro, esta oração nos faz pensar em Deus que é nosso
Pai: Seu nome, Seu Reino, Sua vontade. Jesus quer estejamos em sintonia com
Deus, nosso Pai. Logo em seguida, passa para nossas necessidades que devemos
pedir ao Pai: o pão de cada dia, o perdão de nossas faltas, a força para não
cair em tentação e vencer o mal. Trata-se de uma oração de uma espiritualidade
equilibrada. E esta oração confirma nossa condição de filhos para Deus e também
nossa condição de irmãos dos demais, dispostos a perdoar, porque todos nós somos
filhos do mesmo Pai.
Diante de um mundo que prescinde de
Deus, Jesus propõe como primeira petição, como ideal supremo do discípulo, o
desejo da glória de Deus: “Santificado seja Vosso nome!”. Nessa petição situa
Deus acima de tudo e de todos, exalta sua majestade e deseja que seja
proclamada sua glória.
Diante de um mundo onde predomina o
ódio, a violência, a vingança, a crueldade, Jesus pede que seja instaurado o
Reino de Deus, o Reino de justiça, de amor, de compaixão, de paz, de
fraternidade onde um cuida do outro, pois o outro é o filho de Deus e por isso,
é meu irmão. Só assim será instaurado o Reino de Deus nesta terra.
E como uma comunidade de irmãos,
filhos do mesmo Pai celeste, os seguidores de Jesus precisam diariamente do pão
que sustenta a vida, pois a vida é sagrada, do perdão mútuo, pois todos são
pessoas com suas limitações e fraquezas, e da ajuda de Deus para manter-se
firmes. Por isso, a partir da dimensão comunitária (Pai nosso), a oração do Pai
nosso é um convite para estabelecermos com Deus uma relação de confiança e
intimidade e uma relação de fraternidade com os demais com uma disposição
constante de perdão.
P. Vitus Gustama, SVD
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