07/07/2015
PALAVRA
DE DEUS MEDITADA E VIVIDA NOS TORNA LÚCIDOS E COMPASSIVOS
Terça-Feira
da XIV Semana Comum
Evangelho: Mt 9,32-38
Naquele tempo, 32 apresentaram a Jesus um
homem mudo, que estava possuído pelo demônio. 33 Quando o demônio foi expulso,
o mudo começou a falar. As multidões ficaram admiradas e diziam: “Nunca se viu
coisa igual em Israel”. 34 Os fariseus, porém, diziam: “É pelo chefe dos
demônios que ele expulsa os demônios”. 35 Jesus percorria todas as cidades e
povoados, ensinando em suas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino, e curando
todo o tipo de doença e enfermidade. 36 Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se
delas, porque estavam cansadas e abatidas, como ovelhas que não têm pastor.
Então disse a seus discípulos: 37 “A messe é grande, mas os trabalhadores são
poucos. 38 Pedi pois ao dono da messe que envie trabalhadores para a sua
colheita!”
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Palavra Na Nossa Vida Cotidiana
A primeira parte do evangelho de hoje
fala da cura de um mudo que logo em seguida ele começou a falar.
Deus criou o homem dotado de fala. A palavra
é um dos grandes meios de comunicar-se com os irmãos (através da própria
palavra pronunciada ou através de algum gesto para transmitir alguma mensagem).
A palavra é que nos vincula aos outros. A palavra pontua nossa vida cotidiana.
A palavra é também algo que nos liga a nós mesmos. Quantas vezes, ao acordar de
manhã ou em determinadas situações na nossa vida cotidiana, nós falamos a nós
mesmos. A palavra nos acompanha quase o tempo todo, até mesmo, paradoxalmente,
o silêncio, que se tornou tão raro no mundo moderno, tem significado por causa
dela. O silêncio dá conteúdo para nossas palavras. Sem o silêncio, nossas
palavras se tornarão ocas. Há profissões que usam menos palavra. Mas há também
profissões que trabalham com palavra e dependem da palavra para transmitir sua
mensagem ou seu ponto de vista sobre algo na vida ou na sociedade. A palavra
está no âmago de nossa vida pessoal, familiar, social e profissional. Já
imaginou se você pudesse contar quantas palavras ditas diariamente por você?
Creio que você mesmo ficaria assustado ou admirado por tantas palavras ditas em
vão, ao mesmo tempo por tantas palavras que saíram de sua boca que ajudaram
tantas pessoas por terem sido boas! Milhares e milhares de pessoas mudaram de
qualidade de vida por causa da palavra ouvida de outras pessoas ou lida em um
bom livro. Cada palavra representa uma realidade ou um mundo contido nela. Você
já pensou quantos mundos contidos numa frase que pronunciamos ou escrevemos?
Mas será que cada frase pronunciada ou escrita representa mesmo a realidade ou
inventamos frases e frases para enganar os outros? Será que em cada frase
contém a verdade? Será que levamos em conta a caridade e a fraternidade ao
soltar/pronunciar ou ao escrever alguma frase?
Deus quer que o homem se comunique. Se alguém
não se comunicar, se está sempre quieto ou mudo, é sinal de que alguma coisa
está errada nele fisicamente, ou psiquicamente ou espiritualmente. A fala é dom
de Deus, tanto que São João, no Prólogo de seu evangelho dá um titulo muito
significativo a Jesus: Palavra ou Verbo (Jo 1,1-14). Jesus é a Palavra de Deus
para nós; é a comunicação de Deus para nós. Através de Jesus é que Deus fala
conosco: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1,14). O próprio Pedro, no seu discurso no livro dos
Atos dos Apóstolos, nos disse: “Deus enviou a sua palavra aos filhos de
Israel, anunciando-lhes a boa nova da paz, por meio de Jesus Cristo. Este é o
Senhor de todos” (At 10,36). Como é que opera a Palavra de Deus na vida do
homem? O autor da Carta aos Hebreus responde: “A palavra de Deus é viva,
eficaz, mais penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão
da alma e do corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções
do coração. Nenhuma criatura lhe é invisível. Tudo é nu e descoberto aos olhos
daquele a quem havemos de prestar contas” (Hb 4,12-13). Mas nem a boca santa de Jesus que emite a
Palavra de Deus terá qualquer efeito na nossa vida, se nós estivermos surdos a
ela.
É bom notar que seremos também julgados pelas
palavras que dizemos ou pronunciamos sobre os outros, além dos atos que
praticamos. O livro de Provérbio nos alerta: “Nas muitas palavras não falta
ofensas; quem retém os lábios é prudente” (Pr 10,19). “A boca dos justos
é fonte de vida, mas a boca dos ímpios encobre violência” (Pr 10,11). Da
mesma forma são Tiago nos diz: “Aquele que não peca no falar é realmente um
homem perfeito, capaz de frear todo o seu corpo” (Tg 3,2b). Que nossas
palavras não ultrapassem nossos atos para não sermos chamados de mentirosos ou
falsos. Por isso, São Tiago nos alerta: “Tornai-vos praticantes da
Palavra(de Deus) e não simples ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg
1,22).
A cura do mudo no texto do evangelho de hoje
se refere àquele que não quer escutar a voz de Deus, que não quer seguir Seu
projeto porque há outras coisas que o ensurdecem. Biblicamente o surdo-mudo (o termo grego “kôphos” significa surdo, mudo e
surdo-mudo)
é aquele que perde o contato com sua própria realidade de filho de Deus. Aqui se
enfatiza a mudez, isto é, o homem incapaz de comunicação. Ele vive paralisado
porque está privado da comunicação com o único que o faz livre: Deus (através
de Sua Palavra). Sua enfermidade não é física, mas causada por demônio. Aqui “estar
endemoninhado” significa fechar-se à comunicação. O mudo, aqui, simboliza
Israel que se fecha a si mesmo. A mudez se deve à mentalidade exclusivista, consequência
do nacionalismo que a concepção do Messias nacionalista implica. Israel tem que
abrir-se para a humanidade. Por isso, a cura do surdo-mudo (cf. Mt 11,5), assim
como a cura dos cegos, alude a Is 35,5 onde se anuncia o êxodo definitivo, a
volta dos resgatados pelo Senhor (Is 35,10).
Jesus veio ao mundo unicamente para fazer o
bem, como pregou o Apóstolo Pedro: “Vós sabeis como Deus ungiu a Jesus de
Nazaré com o Espírito Santo e com o poder, como ele andou fazendo o bem e
curando todos os oprimidos do demônio, porque Deus estava com ele” (At
10,38). Mas sabemos muito bem que até para fazer o bem encontramos dificuldades
e críticas como aconteceu com Jesus no texto do evangelho de hoje. Jesus
libertou um surdo de sua mudez e começou a falar. Jesus foi criticado por causa
disso: “Os fariseus, porém, diziam: É pelo príncipe dos demônios que ele
expulsa os demônios” (Mt 9,34). A reação dos fariseus é amarga. Eles são incapazes
de sair de seus esquemas mentais. Como tradicionalistas e legalistas, eles não conseguem
ver em Jesus a revelação da bondade e misericórdia de Deus. Para eles, Jesus não
pode vir de Deus porque sua forma de atuar choca com as tradições “sãs” e com o
conhecimento de Deus que é, para eles, o único verdadeiro. Mas “a acusação
teológica (dos fariseus) não é mais que um pretexto que apenas dissimula sua
sede de autoridade (poder) sobre o povo”, comentou P. Bonnard. Atrás de uma
acusação ou crítica há interesse escondido. Mas a questão é esta: que tipo de
interesse?
Os homens se dividem diante do anúncio do
Reino. Os que, por meio da fé, o acolhem e se salvam. Os que o recusam, se
excluem. Mas Deus continua esperando a volta de qualquer um dos seres humanos
com misericórdia, como o pai que espera a volta do filho pródigo (cf. Lc
15,11-32). A leitura nos quer transmitir uma verdade de que todo crente ou
leitor se encontra sempre diante da necessidade de decidir-se. A vida humana
consiste num mecanismo de escolha, de preferência e de postergação. Toda escolha
é exclusão. Toda determinação é negação. Vivemos desta maneira todos os dias. Toda escolha tem
suas consequências positivas como também suas consequências negativas. Temos que
saber se as consequências positivas são maiores do que as consequências negativas.
Sabemos que há situações sem escolha. Mas trata-se de uma coisa rara. A partir
de Mt 10 em diante se falará muito desta escolha.
Ser Compassivo Como Cristo
A segunda parte do texto do
evangelho de hoje (Mt 9,35-38), na verdade, é uma introdução para o discurso de
Jesus sobre a missão (Mt 9,35-10,16).
Esta segunda parte fala da compaixão de Jesus
pela multidão: “Vendo Jesus as multidões, compadeceu-se delas...”.
Jesus sempre se compadece pelos que sofrem como o mudo no evangelho de hoje. A
compaixão é uma das características de Deus.
Uma verdadeira compaixão não olha o
necessitado de cima para baixo (sentimento de superioridade), mas é capaz de padecer-com,
sentir-com para daí atuar. Cada compaixão sempre tem a ver com o deixar
aproximar-se, prestar atenção, sentar-se à mesma mesa, chamar pelo nome,
perceber a necessidade, oferecer a ajuda. A compaixão é comover-se até as
entranhas, solidarizar-se profundamente, sentir-se a partir de outrem; é sofrer
com (Latim: pati + cum, compaixão = sofrer com). A compaixão requer
que estejamos com as pessoas que sofrem e dispostos a partilhar nosso tempo com
elas. É estar no lugar do outro para sentirmos o que ele sente e ajudar no que
puder dentro do limite da capacidade. Por isso, pode-se dizer que a verdadeira
compaixão é muito humana e divina simultaneamente. Quando compartilhamos nosso
coração e tempo com uma pessoa que sofre, uma parte do sofrimento dela será
aliviada. Vamos deixar o resto com Deus desde que façamos nossa parte até o
limite de nossa capacidade. Somos seguidores do Deus da Compaixão que se tornou
carne em Jesus Cristo. A compaixão deve se tornar carne também em nós.
P. Vitus Gustama,svd
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