14/08/2015
MATRIMÔNIO
E SUA INDISSOLUBILIDADE NO PLANO DE DEUS
Sexta-Feira
da XIX Semana Comum
Evangelho: Mt 19, 3-12
Naquele tempo, 3alguns fariseus
aproximaram-se de Jesus, e perguntaram, para tentá-lo: “É permitido ao homem
despedir sua esposa por qualquer motivo?” 4 Jesus respondeu: “Nunca lestes que
o Criador, desde o início, os fez homem e mulher? 5 E disse: ‘Por isso, o homem
deixará pai e mãe, e se unirá à sua mulher, e os dois serão uma só carne’? 6 De
modo que eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o
homem não separe”. 7 Os fariseus perguntaram: “Então, como é que Moisés mandou
dar certidão de divórcio e despedir a mulher?” 8 Jesus respondeu: “Moisés
permitiu despedir a mulher, por causa da dureza do vosso coração. Mas não foi
assim desde o início. 9 Por isso, eu vos digo: quem despedir a sua mulher – a
não ser em caso de união ilegítima – e se casar com outra, comete adultério”.
10 Os discípulos disseram a Jesus: “Se a situação do homem com a mulher é
assim, não vale a pena casar-se”. 11 Jesus respondeu: “Nem todos são capazes de
entender isso, a não ser aqueles a quem é concedido. 12 Com efeito, existem
homens incapazes para o casamento, porque nasceram assim; outros, porque os
homens assim os fizeram; outros, ainda, se fizeram incapazes disso por causa do
Reino dos Céus. Quem puder entender entenda”.
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Depois que concluiu sua missão na Galileia,
Jesus conduz seus discípulos a caminho da Judeia. Tanto para o evangelista
Mateus como para Marcos, a Galileia é o lugar onde Jesus se revelou (cf. Mt
4,12-17). Enquanto que a Judeia é o lugar de rejeição e de morte. A partir de
Mt 19 até Mt 23,39 acompanharemos a crescente oposição a Jesus da parte dos
dirigentes do povo e que terminará na morte de Jesus na cruz. Mesmo tendo a
oposição, a multidão continua vai atrás de Jesus (Mt 19,2).
Terminado o discurso sobre a vida
comunitário ou discurso eclesial (Mt 18), seguem algumas recomendações de Jesus
em seu caminho para Jerusalém. Desta vez é sobre a questão de divórcio.
Na época de Jesus, a Lei permitia a
possibilidade de um homem repudiar a mulher (mas nenhuma mulher tinha direito
de repudiar seu marido). A lei determina que o homem (marido) dê um documento
legal de divórcio, que a deixe livre para se casar novamente (Dt 24,1-4; Jr
3,8). O Deuteronômio dá uma razão geral para o marido divorciar-se da mulher: “Esta
não encontra mais graça aos seus olhos, porque viu nela algo de inconveniente”
(Dt 24,1). Expressa, então, a superioridade do homem e seu domínio sobre a
mulher e reflete a opressão exercida em todos os níveis da sociedade na época.
A mulher é considerada como objeto ou propriedade do homem (uma moça solteira
era propriedade de seu pai; uma mulher casada era propriedade de seu marido).
Questionando Jesus sobre o divórcio, os
fariseus se aproximam de Jesus para tentá-lo: “É lícito a um marido
repudiar sua mulher?”. Há três personagens importantes na tradição rabínica
que cada um dá sua afirmação a respeito do divórcio. (1). Rabi Shamai. Para ele, o divórcio só pode ser feito em casa de
nudez (porneía, em grego), traição. (2).
O famoso rabi Hillel. Para ele,
somente um motivo grave poderia justificar o repúdio. Para ele o motivo grave
inclui: muito sal na comida, casa mal cuidada, descuido com os filhos. (3). O rabi Aquiba. Para ele pode ter o repúdio/divórcio
por qualquer motivo (Cf. Mt 19,3). Basta encontrar uma moça mais bonita na rua
do que a esposa em casa bastaria para acontecer o divórcio.
Moisés não legislou sobre o divórcio. A lei
da expulsão da mulher foi elaborada pelos reformadores no período de Esdras
(cf. Esd 9-10). A pergunta dos fariseus é sobre a liceidade do divórcio (é lícito
ou não?). A resposta de Jesus é sobre a moralidade da expulsão da mulher. No AT
o próprio livro do Cântico dos Cânticos é uma reação à lei de Esdras. O profeta
Malaquias (Ml 2,14-15) também condena a lei de separação pela cultura machista
judaica. O homem e a mulher têm a mesma dignidade desde o princípio (Gn 1,27). Os
dois foram criados à imagem e semelhança de Deus.
“É lícito a um marido repudiar sua mulher?”.
Se responder “sim”, Jesus se mostrará como seguidor de Moisés, assim Jesus não
será maior do que Moisés. Se responder “não”, Jesus estará em oposição à lei de
Moisés. Logo Jesus será desprezado pelo povo.
Jesus, porém, não está preocupado com a lei
que mantém a lógica dominante. Ele levanta duas questões: Por que Moisés
escreveu tal lei? E será que Moisés a escreveu com intenção de permitir o
divórcio? Por isso, Jesus responde: “Foi por causa da dureza do coração de
vocês que Moisés escreveu esse mandamento. Mas, desde o início da criação, Deus
os fez homem e mulher...os dois serão uma só carne/ser”. Para o hebreu,
coração significa o centro da pessoa, da sua liberdade, dos seus
relacionamentos: lá onde a pessoa se abre e se dá na conversão, no amor e no
compromisso. A vitória do Reino será justamente a transformação do coração
humano. A condição de “dureza de coração” impede que se perceba o valor que
cada pessoa tem aos olhos de Deus (3,5); e ela causa cegueira diante da
manifestação do Amor de Deus (Mt 6,52;8,17).
“O
que Deus uniu o homem não separe”, afirma Jesus. Todo o ato de separação é uma
adulteração de um compromisso ou promessa feita no casamento. Toda separação no
matrimonio fere o amor, fere a família, fere os filhos, fere a comunidade. Jesus
deixa de lado a casuística e afirma a indissolubilidade do matrimônio,
recordando o plano de Deus: “Desde o início da criação, Deus os fez homem e
mulher...os dois serão uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não
separe ”. O plano é de Deus: Ele é quem quer que exista essa atração e esse
amor entre o homem e a mulher com uma admirável complementaridade, e, além
disso, com a abertura ao milagre da vida (gerar) no qual colaboram com o
próprio Deus Criador.
No Sermão da Montanha Jesus desautorizava o
divórcio (Mt 5,31-32). Aqui apela para a vontade original de Deus, que comporta
uma união mais séria e estável, não sujeita a um sentimento passageiro ou a um
capricho. O texto mostra que a união matrimonial, no plano de Deus, transforma
os cônjuges em “companheiros de eternidade”: “O que Deus uniu...”. Para
Jesus a mais alta concepção humana do amor conjugal é um dom de Deus. Isso
significa que para se casar o homem e a mulher devem se deixar inspirar por
Deus para poderem amar indissoluvelmente, fielmente e infinitamente.
Ao mesmo tempo, negando o divórcio, Jesus
estabelece a dignidade da mulher, que não pode ser tratada como a era tratada naquele tempo com a visão
machista. O que Deus quer é a igualdade entre as pessoas. Por isso, o homem não
é superior à mulher. E Jesus nos chama a valorizarmos as pessoas conforme o
plano de Deus e não para tirar vantagens de uma relação.
Tudo que Jesus afirma nos recorda a
necessidade de cada comunidade eclesial levar a sério o matrimônio: a
preparação humana e psicológica do matrimônio, sua celebração, seu
acompanhamento depois..., pois o amor que Deus quer é estável, fiel e maduro.
Se o matrimônio se aceita com todas as conseqüências, não buscando somente a si
mesmo, mas a admirável comunhão de vida que supõe a vida conjugal evidentemente
é comprometido, nobre e gozoso.
A definitividade do matrimônio faz com que o
amor se torne cada vez mais maduro, pois ele é refletido toda vez que encontra
sua dificuldade e seus obstáculos. Precisamente na medida em que os momentos de
crise matrimonial se superam, cresce também uma nova dimensão do amor e ao
mesmo tempo se abre uma porta para uma dimensão da vida. Na superação de cada
momento de crise abre-se uma porta para uma nova dimensão da convivência
matrimonial e familiar. Com efeito, a verdadeira beleza do matrimônio não
consiste apenas na sua harmonia, mas também na superação de cada momento de
crise.
A
beleza do matrimônio também consiste em ser ninho do amor e de outros valores.
A família é o ambiente em que cada um aprende a dar e a receber o amor; a
sacrificar pelo outro, a ser solidário com o outro, a carregar juntos o fardo
que se encontra na caminhada, a perdoar mutuamente pelas ofensas que muitas
vezes são frutos não da maldade, mas das limitações naquele momento em que elas
ocorreram. A grandeza de um matrimônio e de uma família consiste na entrega
sincera de si mesmo ao outro, de ser fiel um ao outro. “Se você quiser ser
fiel até a morte, deve estar disposto a mudar durante toda a sua vida. Os
esposos fiéis podem olhar-se nos olhos sem temores” (René Juan Trossero).
Por isso, a beleza de um matrimônio consiste
na transmissão dos valores para os filhos. Nada pode substituir a existência de
uma família, pois ela é a base de uma história, de um crescimento, da
maturidade humana e cristã. A família é um bem necessário para cada ser humano
para toda a sua vida. Não é por acaso que cada família cristã é chamada de
Igreja doméstica, pois através da vivência dos valores a família se torna uma
comunidade de graça e uma escola das virtudes humanas e cristãs. A linguagem da
fé de cada cristão se aprende no lar. A fé e a ética cristã se aprendem no lar
que vão marcar a vida de cada membro para o resto da vida. Nenhum de nós
adquiriu por si só os conhecimentos básicos para a vida. Cada um recebe de outros,
principalmente da família, a vida e as verdades básicas para viver uma vida
sadia pessoal, social e comunitariamente. Neste sentido, os próprios pais são
exemplo e professores das virtudes humanas e cristãs. Somente desta maneira
cada família pode superar a cultura que exalta o egoísmo e o individualismo
como se cada um se fizesse só e se bastasse a si mesmo esquecendo o valor de
uma relação com os outros e sua responsabilidade diante dos outros.
Ao lermos este texto sabemos que Jesus não
queria ensinar que o casamento é um simples contrato legal que não pode ser
dissolvido. Pois um simples contrato pode sempre ser dissolvido, porque se
trata apenas de um acordo entre duas vontades humanas. Com sua resposta, Jesus
quer mostrar que o casamento é mais do que uma lei. Ele é graça de Deus. É uma união de amor. “O amor é o único jogo no qual dois podem jogar e ambos ganharem”
(Erma Freesman). “O fundo de uma agulha é bastante espaçoso para um casal que se ama; mas
o mundo todo é pequeno para dois inimigos” (Solomon Ibn Gabirol). É neste nível que deve ser compreendido, e é
neste plano que os esposos devem viver. Jesus dá, então, ao casamento uma
dignidade nova.
Se a instituição do matrimônio é tão
ameaçada atualmente talvez porque nossa cultura tenha aspectos que favoreçam a
condição de dureza de coração. Valoriza-se a liberdade, mas sem compromissos.
Cria-se um conceito da afetividade e sexualidade que é baseado mais no egoísmo
do que no respeito pela dignidade do outro, e no espírito de doação.
Hoje sentimos como é necessário ajudar as
pessoas a conhecerem a pessoas de Jesus, e a encarar a vida conjugal como uma
vocação, ou seja, como um chamamento a viver o Amor do Reino neste estado de
vida. Continuamos na obrigação de educar para um amor capaz de assumir
compromissos definitivos. Isso se faz para valorizar a confiança mútua, a
fidelidade ao outro e a si mesmo, para dar uma chance à felicidade que estava
no plano de Deus desde o começo. Não vemos casamento indissolúvel como uma obrigação
a ser carregada, e sim como um direito que não deve ser sacrificado num mundo
que fez do descartável um modo de vida. Responsabilidade, desejo de fidelidade,
seriedade na palavra empenhada têm muito a ver com o direito de ser e fazer
feliz.
“Não separe o homem o que Deus uniu”,
diz Jesus. Jesus está sempre contra a corrente. Palavra incompreensível para
muitos homens e mulheres, qualquer seja a sua idade. O ser humano foi criado à
imagem de Deus por amor. O casal humano é chamado por Deus a tornar-se o
primeiro lugar de encarnação deste movimento de amor. O amor humano, sob todas
as suas formas, não nasceu dos acasos da evolução biológica. É dom de Deus.
Quando os homens recusarem este dom, impedirão Deus de imprimir neles a sua
imagem. O casamento indissolúvel é um grito para todas as pessoas ao redor que
existe o amor. É o mesmo que dizer: Deus existe, pois ele é Amor (1Jo 4,8.16).
A lição da fidelidade estável vale
igualmente para os que optaram por outro caminho, o do celibato. Disso fala
Jesus hoje quando afirma que há quem renuncia ao matrimônio e se mantém
celibatário “pelo Reino dos Céus”, como fazem os ministros ordenados e os
religiosos: não para não amar e sim para amar mais e de outro modo, para
dedicar sua vida inteira, também como sinal, a colaborar na salvação do mundo.
Jesus apresenta o celibato como um dom de Deus, e não como uma opção que seja
possível para todos.
Deus abençoe todas as famílias, todos os
casados e todos os futuros casados, todos os ministros ordenados e religiosos.
P.Vitus Gustama, svd
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