quarta-feira, 12 de agosto de 2015

18/08/2015
BENS MATERIAIS E SALVAÇÃO:
SOMOS VALORIZADOS PELOS VALORES VIVIDOS E NÃO PELOS BENS POSSUIDOS

Terça-Feira da XX Semana Com


Evangelho: Mt 19,23-30

Naquele tempo, 23 Jesus disse aos discípulos: “Em verdade vos digo, dificilmente um rico entrará no reino dos Céus. 24 E digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus”. 25 Ouvindo isso, os discípulos ficaram muito espantados, e perguntaram: “Então, quem pode ser salvo?” 26 Jesus olhou para eles e disse: “Para os homens isso é impossível, mas para Deus tudo é possível”. 27 Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: “Vê! Nós deixamos tudo e te seguimos. Que haveremos de receber?” 28 Jesus respondeu: “Em verdade vos digo, quando o mundo for renovado e o Filho do Homem se sentar no trono de sua glória, também vós, que me seguistes, havereis de sentar-vos em doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. 29 E todo aquele que tiver deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos, campos, por causa do meu nome, receberá cem vezes mais e terá como herança a vida eterna. 30 Muitos que agora são os primeiros, serão os últimos. E muitos que agora são os últimos, serão os primeiros.
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O texto do evangelho lido neste dia é a continuação do texto do evangelho do dia anterior. No evangelho do dia anterior o jovem rico recusou o convite de Jesus para vender tudo o que tinha e deu aos pobres para depois seguir a Jesus. “Quando ouviu isso (convite), o jovem foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico”, assim terminou o evangelho do dia anterior. Escravo da riqueza, tudo se desvaneceu, e o jovem rico se viu impedido de trilhar a vereda da vida eterna. As riquezas são boas em si, a não ser que seja fruto da injustiça (corrupção, roubalheira, exploração...). O que não é bom é ser escravo do dinheiro (bens materiais) e não utilizá-lo para o que Deus quer, isto é, para partilhá-lo com os necessitados.


A história do jovem rico que não está preparado para viver no amor, na partilha, na solidariedade, na entrega da própria vida aos irmãos, serve a Jesus para dar uma exortação para todos: "Em verdade vos digo, dificilmente um rico entrará no reino dos Céus. É mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus”. A imagem do camelo, que jamais pode passar pelo buraco de uma agulha a aplica a imagem da “porta estreita” para a vida (cf. Mt 7,13s). Jesus cita o pequeno buraco de uma agulha e o camelo, um dos maiores animais da terra, para expressar com uma metáfora a impossibilidade. “Dificilmente...”. São João Crisostomo comentou: “Depois de dizer será difícil para um rico entrar no Reino dos céus, Jesus vai além e demonstra que é impossível; e não só impossível e sim absolutamente impossível, e o dá a entender com os exemplos da agulha e do camelo”.


“Entrar no Reino” equivale a seguir Jesus: “Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e terás um tesouro no céu (=entrar no Reino). Depois, vem e segue-me” (Mt 19,21). O “Reino de Deus”  designa a comunidade messiânica que Jesus denomina “minha Igreja” (cf. Mt 16,18-19). E nesse Reino tem Deus como Rei (cf. Mt 5,3; 19,14). Com a hipérbole do camelo e da agulha Jesus quer afirmar a impossibilidade de um rico, como o jovem rico, de ser seu discípulo por causa do espírito materialista.


Diante da afirmação de Jesus de que dificilmente um rico entrar no Reino dos céus, os discípulos perguntam a Jesus: “Então, quem pode ser salvo?”  O Senhor responde que a salvação não está no poder dos homens e sim está no poder de Deus. Tudo é possível para Deus, mesmo que seja impossível para o homem: “Para os homens isso é impossível, mas para Deus tudo é possível” (Mt 19,26; cf. Lc 1,37). A dedução é bem clara: a salvação é um dom. O bem que fazemos, as boas obras que realizamos não merecem a salvação (salvação como mérito), mas nos fazem e nos mantêm sempre abertos a Deus, abertos ao Seu dom e nos fazem vivermos já agora essa vida de salvos que será perfeita na face a face com Deus no céu. É a promessa que Jesus faz para todos os seguidores.


O ser humano tem tendência por natureza para o desenvolvimento de si mesmo, de melhorar sua situação econômica. Como garantia deste seu direito o ser humano procura apropriar-se das coisas que o rodeiam no intuito de utilizá-los ou de usá-los como meio. Trata-se de uma aspiração legítima. Por isso, Jesus não condena a riqueza, mas a ansiedade de acumular fortunas de forma gananciosa. O ideal do cristão não é a pobreza nem a fome nem a nudez, mas a divisão fraterna dos bens que Deus pôs à disposição de todos. Pecado não é ficar rico, mas ficar rico só por si, às vezes como fruto de exploração dos outros, deixando a maioria sem nada para sua sobrevivência. A riqueza possui uma potencialidade sedutora que procura subjugar o homem. Além disso, Na avareza está oculta uma ofensa social. Não é fácil conciliar a riqueza excessiva de alguns com os direitos que os outros têm ao necessário. Ao dizer: "É mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus”, Jesus quer sacudir, chocar e conscientizar os homens sobre a seriedade da situação. A advertência de Jesus é muito dura porque o perigo é maior. O que tem por trás não é a condenação e sim um convite para usar os bens como meio e não como fim sem perder o aspecto transcendente da vida. A vida está muito além do aspecto econômico apenas.


O alerta de Jesus sobre os perigos da riqueza não é somente para os ricos, de fato, mas para todos quantos queiram ser seus discípulos e entrar na vida eterna. O dinheiro é o deus que tem seu altar em cada coração humano: no jovem e no adulto, no leigo e no religioso/sacerdote. Seria ingênuo negá-lo. É um ensinamento para todos, pois todos nós temos “alma de rico”, incluindo os pobres que são cobiçosos, avarentos e apegados ao pouco que possuem. Em todos os níveis sociais se busca a riqueza material, frequentemente com espírito de cobiça, e se põe nele a confiança mais que em Deus. A avareza é um desvio do significado de infinito, uma transposição do absoluto para o que é relativo. A avareza consiste em acreditar que a riqueza não é um meio para se viver, mas a própria razão de ser da vida.


“O que preciso fazer de bom para alcançar a vida eterna” é uma questão que inquieta todos os que acreditam em Deus. A vida eterna é sempre um dom gratuito de Deus, fruto da sua bondade, da sua misericórdia, do seu amor pelo homem; no entanto, é um dom que o homem aceita, acolhe e com o qual se compromete. Se a vida eterna é um dom gratuito com o qual devemos nos comprometer, isto significa que nós todos somos chamados a ser generosos. Ser generoso é um sinal de gratidão e de liberdade interior. Tudo o que somos, tudo o que podemos temos é precioso se o apreciarmos como um dom do amor de Deus. Se apreciarmos realmente que o esplendor daquilo que temos vem de Deus, consequentemente, não nos agarraremos aos nossos bens materiais, mas procuraremos ser cada vez mais generosos. Isso é uma maneira de viver desde já a vida eterna. A vida eterna é uma realidade que deve marcar cada passo da nossa existência terrena diariamente e que atingirá a plenitude na comunhão plena com Deus no nosso encontro derradeiro com Ele. Nós, cristãos, sabemos que os bens deste mundo, embora nos proporcionem bem estar e segurança, não nos oferecem a vida eterna, pois tudo será deixado aqui nesta terra assim que partirmos deste mundo. Essa vida eterna que buscamos ansiosamente está no caminho de amor, de serviço, de dom da vida que Cristo nos ensinou a percorrer.


O cristão não é um pobre coitado condenado a passar ao lado da felicidade, pois a felicidade é o projeto de Jesus (cf. Mt 5,1-12); mas é uma pessoa que renuncia a certas propostas falíveis e parciais de felicidade, pois sabe que a vida plena está em viver de acordo com os valores eternos propostos por Jesus. Sem dúvida, as nossas opções cristãs são criticadas, incompreendidas, e apresentadas como realidades incompreensíveis e ultrapassadas por aqueles que representam a ideologia dominante, que fazem a opinião pública. Precisamos, todavia, estar conscientes de que a perseguição e a incompreensão são realidades inevitáveis, que não podem desviar-nos das opções que fizemos. O Senhor nos pede que abramos nossos olhos e nosso coração diante da realidade da pobreza e da opressão que afeta grandes setores de nossa sociedade. Nós que cremos em Cristo não podemos sequestrar o amor, a alegria, a paz nem a dignidade humana de nosso próximo em função de nossos interesses pessoais. Nós cristãos e todas as pessoas de boa vontade não podemos enterrar o amor, a fraternidade, a igualdade, a partilha, a compaixão, a solidariedade e assim por adiante. Os cristãos e as pessoas de boa vontade não podem fazer o mundo surdo e anestesiado diante dos valores acima mencionados e outros valores reconhecidos universalmente.  Os cristãos calados diante dos valores pisados em certo sentido são coniventes. Se o mal e a maldade avançam e porque os cristãos permanecem em silêncio.


Podemos não ser ricos em dinheiro. Mas podemos ter alguma tipo de “posse” ou “riqueza” que nos enche e que pode nos fazer autossuficientes e até endurecer nossa sensibilidade tanto para com os pobres/necessitados como para Deus (ficar cego diante do necessitado e diante de Deus  que  se identifica com o necessitado. Cf. Mt 25,40.45). O risco que temos é, em vez de possuirmos o bens, os bens acabam nos possuindo (ser escravo dos bens e por isso, perdemos a liberdade). Não se pode servir a Deus e a Mamon (dinheiro), como disse Jesus no Sermão da Montanha (cf. Mt 6,24).


Não nos esqueçamos que que seguimos a Jesus por amor, pois Ele nos chamou, escolheu por puro amor e nos enviou para colaborarmos na obra do amor a fim de salvar o mundo.


Todos precisam estar conscientes de que a vida eterna, a felicidade não está no ter e sim no ser. E para ser é indispensável a liberdade interior. E a liberdade interior se manifesta na doação, na partilha, na solidariedade, na compaixão, na caridade fraterna. Quem vive esses valores é porque rico por dentro a ponto de partilhar tudo que tem. Quem agarra tudo para si é porque pobre interiormente a ponto de não ter nada para partilhar. Enfim, a felicidade está no amor vivido na convivência com os demais. Por este caminho só há felicidade e terminará na comunhão plena com Deus Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis que nos deu graciosamente e gratuitamente. Deus é tão Pai a ponto de criar primeiro as coisas para o bem do homem e depois, Ele criou o ser humano. Segundo o livro de Gênesis, antes da criação do homem, já existiam as coisas no universo (Cf. Gn 1-2). Vivemos realmente no mundo da graça e da gratuidade que devem nos fazer mais generosos, solidários, compassivos e caridosos para com os irmãos necessitados.


Lembremo-nos de que o animal só deseja o tanto de que precisa. O ser humano, ao contrário, pode ultrapassar sua medida em sua avidez. Em sua falta de medida ou falta de valores o homem torna-se dependente das posses. Consequentemente, em vez de usufruir o que possui, volta os olhos sempre para acumular os bens sem necessidade real. O valor de uma pessoa não se mede pelo que possui, mas pelo que é. O ordenamento do ser é fruto da graça de Deus. O uso correto exige um abandonar do usado.

P.Vitus Gustama, svd

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