18/08/2015
BENS
MATERIAIS E SALVAÇÃO:
SOMOS VALORIZADOS PELOS
VALORES VIVIDOS E NÃO PELOS BENS POSSUIDOS
Terça-Feira da XX Semana Com
Evangelho: Mt 19,23-30
Naquele tempo, 23 Jesus
disse aos discípulos: “Em verdade vos digo, dificilmente um rico entrará no
reino dos Céus. 24 E digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco de
uma agulha, do que um rico entrar no Reino de Deus”. 25 Ouvindo isso, os
discípulos ficaram muito espantados, e perguntaram: “Então, quem pode ser
salvo?” 26 Jesus olhou para eles e disse: “Para os homens isso é impossível,
mas para Deus tudo é possível”. 27 Pedro tomou a palavra e disse a Jesus: “Vê!
Nós deixamos tudo e te seguimos. Que haveremos de receber?” 28 Jesus respondeu:
“Em verdade vos digo, quando o mundo for renovado e o Filho do Homem se sentar
no trono de sua glória, também vós, que me seguistes, havereis de sentar-vos em
doze tronos para julgar as doze tribos de Israel. 29 E todo aquele que tiver
deixado casas, irmãos, irmãs, pai, mãe, filhos, campos, por causa do meu nome,
receberá cem vezes mais e terá como herança a vida eterna. 30 Muitos que agora
são os primeiros, serão os últimos. E muitos que agora são os últimos, serão os
primeiros.
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O texto do
evangelho lido neste dia é a continuação do texto do evangelho do dia anterior.
No evangelho do dia anterior o jovem rico recusou o convite de Jesus para
vender tudo o que tinha e deu aos pobres para depois seguir a Jesus. “Quando ouviu isso (convite), o jovem foi
embora cheio de tristeza, porque era muito rico”, assim terminou o evangelho do dia anterior. Escravo da riqueza, tudo
se desvaneceu, e o jovem rico se viu impedido de trilhar a vereda da vida
eterna. As riquezas são boas em si, a não ser que seja fruto da injustiça
(corrupção, roubalheira, exploração...). O que não é bom é ser escravo do
dinheiro (bens materiais) e não utilizá-lo para o que Deus quer, isto é, para
partilhá-lo com os necessitados.
A história do jovem rico que não está
preparado para viver no amor, na partilha, na solidariedade, na entrega da
própria vida aos irmãos, serve a Jesus para dar uma exortação para todos:
"Em verdade vos digo, dificilmente um rico entrará no reino dos Céus.
É mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha, do que um rico
entrar no Reino de Deus”. A imagem do camelo, que jamais pode passar
pelo buraco de uma agulha a aplica a imagem da “porta estreita” para a vida
(cf. Mt 7,13s). Jesus cita o pequeno buraco de uma agulha e o camelo, um dos
maiores animais da terra, para expressar com uma metáfora a impossibilidade.
“Dificilmente...”. São João Crisostomo
comentou: “Depois de dizer será difícil para um rico entrar no Reino dos
céus, Jesus vai além e demonstra que é impossível; e não só impossível e sim
absolutamente impossível, e o dá a entender com os exemplos da agulha e do
camelo”.
“Entrar no Reino” equivale a seguir Jesus: “Se
queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá o dinheiro aos pobres e
terás um tesouro no céu (=entrar no Reino). Depois, vem e segue-me” (Mt
19,21). O “Reino de Deus” designa a
comunidade messiânica que Jesus denomina “minha Igreja” (cf. Mt 16,18-19). E
nesse Reino tem Deus como Rei (cf. Mt 5,3; 19,14). Com a hipérbole do camelo e da
agulha Jesus quer afirmar a impossibilidade de um rico, como o jovem rico, de
ser seu discípulo por causa do espírito materialista.
Diante da afirmação de Jesus de que
dificilmente um rico entrar no Reino dos céus, os discípulos perguntam a Jesus:
“Então, quem pode ser salvo?” O
Senhor responde que a salvação não está no poder dos homens e sim está no poder
de Deus. Tudo é possível para Deus, mesmo que seja impossível para o homem: “Para
os homens isso é impossível, mas para Deus tudo é possível” (Mt 19,26; cf.
Lc 1,37). A dedução é bem clara: a salvação é um dom. O bem que fazemos, as
boas obras que realizamos não merecem a salvação (salvação como mérito), mas
nos fazem e nos mantêm sempre abertos a Deus, abertos ao Seu dom e nos fazem
vivermos já agora essa vida de salvos que será perfeita na face a face com Deus
no céu. É a promessa que Jesus faz para todos os seguidores.
O ser humano tem tendência por natureza para
o desenvolvimento de si mesmo, de melhorar sua situação econômica. Como
garantia deste seu direito o ser humano procura apropriar-se das coisas que o
rodeiam no intuito de utilizá-los ou de usá-los como meio. Trata-se de uma
aspiração legítima. Por isso, Jesus não condena a riqueza, mas a ansiedade de
acumular fortunas de forma gananciosa. O ideal do cristão não é a pobreza nem a
fome nem a nudez, mas a divisão fraterna dos bens que Deus pôs à disposição de
todos. Pecado não é ficar rico, mas ficar rico só por si, às vezes como fruto
de exploração dos outros, deixando a maioria sem nada para sua sobrevivência. A
riqueza possui uma potencialidade sedutora que procura subjugar o homem. Além
disso, Na avareza está oculta uma ofensa social. Não é fácil conciliar a
riqueza excessiva de alguns com os direitos que os outros têm ao necessário. Ao
dizer: "É mais fácil um camelo entrar pelo buraco de uma agulha, do
que um rico entrar no Reino de Deus”, Jesus quer sacudir, chocar e
conscientizar os homens sobre a seriedade da situação. A advertência de Jesus é
muito dura porque o perigo é maior. O que tem por trás não é a condenação e sim
um convite para usar os bens como meio e não como fim sem perder o aspecto
transcendente da vida. A vida está muito além do aspecto econômico apenas.
O alerta de Jesus sobre os perigos da riqueza
não é somente para os ricos, de fato, mas para todos quantos queiram ser seus
discípulos e entrar na vida eterna. O dinheiro é o deus que tem seu altar em
cada coração humano: no jovem e no adulto, no leigo e no religioso/sacerdote.
Seria ingênuo negá-lo. É um ensinamento para todos, pois todos nós temos “alma
de rico”, incluindo os pobres que são cobiçosos, avarentos e apegados ao pouco
que possuem. Em todos os níveis sociais se busca a riqueza material, frequentemente
com espírito de cobiça, e se põe nele a confiança mais que em Deus. A avareza é
um desvio do significado de infinito, uma transposição do absoluto para o que é
relativo. A avareza consiste em acreditar que a riqueza não é um meio para se
viver, mas a própria razão de ser da vida.
“O que preciso fazer de bom para alcançar a
vida eterna” é uma questão que inquieta todos os que acreditam em Deus. A vida
eterna é sempre um dom gratuito de Deus, fruto da sua bondade, da sua
misericórdia, do seu amor pelo homem; no entanto, é um dom que o homem aceita,
acolhe e com o qual se compromete. Se a vida eterna é um dom gratuito com o
qual devemos nos comprometer, isto significa que nós todos somos chamados a ser
generosos. Ser generoso é um sinal de gratidão e de liberdade interior. Tudo o
que somos, tudo o que podemos temos é precioso se o apreciarmos como um dom do
amor de Deus. Se apreciarmos realmente que o esplendor daquilo que temos vem de
Deus, consequentemente, não nos agarraremos aos nossos bens materiais, mas
procuraremos ser cada vez mais generosos. Isso é uma maneira de viver desde já
a vida eterna. A vida eterna é uma realidade que deve marcar cada passo da
nossa existência terrena diariamente e que atingirá a plenitude na comunhão
plena com Deus no nosso encontro derradeiro com Ele. Nós, cristãos, sabemos que
os bens deste mundo, embora nos proporcionem bem estar e segurança, não nos
oferecem a vida eterna, pois tudo será deixado aqui nesta terra assim que
partirmos deste mundo. Essa vida eterna que buscamos ansiosamente está no
caminho de amor, de serviço, de dom da vida que Cristo nos ensinou a percorrer.
O cristão não é um pobre coitado condenado a
passar ao lado da felicidade, pois a felicidade é o projeto de Jesus (cf. Mt
5,1-12); mas é uma pessoa que renuncia a certas propostas falíveis e parciais
de felicidade, pois sabe que a vida plena está em viver de acordo com os
valores eternos propostos por Jesus. Sem dúvida, as nossas opções cristãs são
criticadas, incompreendidas, e apresentadas como realidades incompreensíveis e
ultrapassadas por aqueles que representam a ideologia dominante, que fazem a
opinião pública. Precisamos, todavia, estar conscientes de que a perseguição e
a incompreensão são realidades inevitáveis, que não podem desviar-nos das
opções que fizemos. O Senhor nos pede que abramos nossos olhos e nosso coração
diante da realidade da pobreza e da opressão que afeta grandes setores de nossa
sociedade. Nós que cremos em Cristo não podemos sequestrar o amor, a alegria, a
paz nem a dignidade humana de nosso próximo em função de nossos interesses
pessoais. Nós cristãos e todas as pessoas de boa vontade não podemos enterrar o
amor, a fraternidade, a igualdade, a partilha, a compaixão, a solidariedade e
assim por adiante. Os cristãos e as pessoas de boa vontade não podem fazer o
mundo surdo e anestesiado diante dos valores acima mencionados e outros valores
reconhecidos universalmente. Os cristãos
calados diante dos valores pisados em certo sentido são coniventes. Se o mal e
a maldade avançam e porque os cristãos permanecem em silêncio.
Podemos não ser ricos em dinheiro. Mas podemos
ter alguma tipo de “posse” ou “riqueza” que nos enche e que pode nos fazer autossuficientes
e até endurecer nossa sensibilidade tanto para com os pobres/necessitados como
para Deus (ficar cego diante do necessitado e diante de Deus que se
identifica com o necessitado. Cf. Mt 25,40.45). O risco que temos é, em vez de
possuirmos o bens, os bens acabam nos possuindo (ser escravo dos bens e por
isso, perdemos a liberdade). Não se pode servir a Deus e a Mamon (dinheiro),
como disse Jesus no Sermão da Montanha (cf. Mt 6,24).
Não nos esqueçamos que que seguimos a Jesus
por amor, pois Ele nos chamou, escolheu por puro amor e nos enviou para colaborarmos
na obra do amor a fim de salvar o mundo.
Todos precisam estar conscientes de que a
vida eterna, a felicidade não está no ter e sim no ser. E para ser é
indispensável a liberdade interior. E a liberdade interior se manifesta na
doação, na partilha, na solidariedade, na compaixão, na caridade fraterna. Quem
vive esses valores é porque rico por dentro a ponto de partilhar tudo que tem.
Quem agarra tudo para si é porque pobre interiormente a ponto de não ter nada
para partilhar. Enfim, a felicidade está no amor vivido na convivência com os
demais. Por este caminho só há felicidade e terminará na comunhão plena com
Deus Criador de todas as coisas visíveis e invisíveis que nos deu graciosamente
e gratuitamente. Deus é tão Pai a ponto de criar primeiro as coisas para o bem
do homem e depois, Ele criou o ser humano. Segundo o livro de Gênesis, antes da
criação do homem, já existiam as coisas no universo (Cf. Gn 1-2). Vivemos
realmente no mundo da graça e da gratuidade que devem nos fazer mais generosos,
solidários, compassivos e caridosos para com os irmãos necessitados.
Lembremo-nos de que o animal só deseja o
tanto de que precisa. O ser humano, ao contrário, pode ultrapassar sua medida
em sua avidez. Em sua falta de medida ou falta de valores o homem torna-se
dependente das posses. Consequentemente, em vez de usufruir o que possui, volta
os olhos sempre para acumular os bens sem necessidade real. O valor de uma
pessoa não se mede pelo que possui, mas pelo que é. O ordenamento do ser é
fruto da graça de Deus. O uso correto exige um abandonar do usado.
P.Vitus
Gustama, svd
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