02/09/2015
JESUS
NOS LIBERTA PARA SERVIRMOS O PRÓXIMO
Quarta-Feira da XXII Semana Comum
Evangelho: Lc 4,38-44
Naquele tempo, 38 Jesus saiu da sinagoga e
entrou na casa de Simão. A sogra de Simão estava sofrendo com febre alta, e
pediram a Jesus em favor dela. 39 Inclinando-se sobre ela, Jesus ameaçou a
febre, e a febre a deixou. Imediatamente, ela se levantou e começou a
servi-los. 40 Ao pôr do sol, todos os que tinham doentes atingidos por diversos
males, os levaram a Jesus. Jesus punha as mãos em cada um deles e os curava. 41
De muitas pessoas também saíam demônios, gritando: “Tu és o Filho de Deus”.
Jesus os ameaçava, e não os deixava falar, porque sabiam que ele era o Messias.
42 Ao raiar do dia, Jesus saiu e foi para um lugar deserto. As multidões o
procuravam e, indo até ele, tentavam impedi-lo de as deixar. 43 Mas Jesus
disse: “Eu devo anunciar a Boa Nova do Reino de Deus também a outras cidades,
porque para isso é que eu fui enviado”. 44 E pregava nas sinagogas da Judéia.
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O que Jesus anunciou na sinagoga de Nazaré,
no seu discurso programático (Lc 4,14-30), ele vai o cumprindo. Aplicando para
si a profecia de Isaias, Jesus diz que vem anunciar a salvação aos pobres e
curar os cegos e dar a liberdade aos oprimidos.
Hoje lemos o programa de uma jornada de Jesus
“ao sair da sinagoga”: curar a febre da sogra de Pedro, impor as mãos e curar
os enfermos que as pessoas trouxeram para Jesus, libertar os possuídos pelo
demônio e não se cansar de ir ao encontro do povo para anunciar o Reino de
Deus. Mas, no meio de suas atividades missionárias, Jesus nunca deixa de buscar
momentos de paz para rezar pessoalmente num lugar solitário.
Depois de sair da Sinagoga, em Nazaré, Jesus
e alguns discípulos foram para a casa de Simão Pedro. Jesus saiu de um lugar
oficial (sinagoga é lugar de oração, de ensino e de catequese para os judeus)
para um ambiente familiar: casa. Em casa todos tem seu espaço e cada um é chamado
pelo nome e não pelo título (se é um doutor, deputado, presidente e assim por
diante). Cada um é gente em casa. Em casa um se preocupa com o outro. Basta um
membro sofrer, todos sofrerão. Basta um membro ter sucesso, todos
experimentarão a felicidade. Ninguém fica feliz sozinho como também ninguém
sofre sozinho, pois não somente vivemos, mas convivemos. Nossa vida é cercada
por outras vidas. Oxalá possamos viver a espiritualidade familiar também fora
de nossa família, como Jesus nos diz hoje: “Eu devo anunciar a Boa Nova do
Reino de Deus também a outras cidades, porque para isso é que eu fui enviado”
(Lc 4,43). O cristão existe para os outros. Nisto consiste o sentido de sua
vida de cristão.
Pedro encontra sua sogra com febre em sua
casa. No pensamento daquela época, a febre era causada pelo demônio. Com um
gesto familiar, Jesus se aproximou da mulher, tocou-a e a ajudou a se levantar,
e a febre desapareceu. A sogra de Pedro começou a servir a todos imediatamente.
A febre representa tudo que nos impede de
servirmos aos outros. Cada um pode descobrir que tipo de “febre” que o impede
de servir aos outros, “febre” que faz a vida perder seu sentido (ficar deitado
todo tempo). O que é que me faz viver uma “vida deitada”, isto é, sem ação, sem
ânimo, sem perspectivas. Eu preciso convidar Jesus para entrar na minha casa
onde estou “deitado” para que ele se aproxime de mim, me toque e me ajude a me
levantar. A palavra “levantar-se” no Novo Testamento, em outros contextos,
também significa ressuscitar. Eu preciso me levantar de uma vida estéril
(deitar) para uma vida fecunda (servir). Eu preciso me levantar de uma situação
que torna “morto” para uma vida cheio de ânimo. Para isso, eu preciso abrir a “casa”
de minha vida, deixar a mão de Jesus segurar a minha mão, mão de Jesus que me
potencia, mão que me levanta, mão que me cura e liberta, mão que me torna uma
mão que ajuda os outros.
No texto do evangelho de hoje o evangelista
Lucas revele a identidade de Jesus na boca dos demônios. Jesus é revelado como o Filho de Deus que no entendimento de
Lucas significa o Messias de Israel (Lc 4,41). Os homens são incapazes de
reconhecer a identidade de Jesus, mas os demônios a captam cuja existência é
ameaçada pelo poder messiânico de Jesus. Jesus não deixava os demônios falarem,
mas logo os expulsou (Lc 4,41). Nesta marca comum nos antigos exorcismos se
descobre que é preciso lutar contra o mal sem deter-se em discutir suas
pretensões.
Todos nós sabemos que o mal pode vestir-se de
uma aparência boa, enganando os que procuram escutar suas “orações” ou
“pedidos”. Jesus não ficou parado nisto. Jesus sabe que tudo que destrói o
homem é perverso e Jesus tem o poder para vencê-lo, devolvendo assim a
dignidade para as pessoas sofridas.
Outro detalhe que
chama bastante nossa atenção é que diante da obra de Jesus surge uma reação
bastante egoísta entre as pessoas: querem monopolizar o aspecto mais extenso da
atividade de Jesus e utilizá-lo como um simples curandeiro: “As multidões o
procuravam e, indo até ele, tentavam impedi-lo de as deixar”. O povo quer reter de Jesus somente a sua força milagrosa. O povo quer
se aproveitar de Jesus e de seu poder para i próprio interesse. Mas Jesus foge
disso, pois sua missão é fundamentalmente itinerante e Jesus vai ao encontros
dos outros sofredores para ajudá-los.
Podemos ter a
tentação ou a tendência para este tipo de relacionamento com Jesus no sentido
de que nós aceitamos Jesus simplesmente na medida em que ele nos ajuda a
resolver nossos problemas para garantir tranqüilidade psicológica ou uma ordem
na família, ou uma garantia na vida financeira. Santo Agostinho nos relembra
que a razão de nossa existência neste mundo é a vida eterna. Temos que viver e
conviver dentro desta dimensão. Conseqüentemente eu sou uma ocasião de salvação
para o próximo e o próximo é uma ocasião de salvação para mim. Jesus nos salva
na medida em que cada um se torna uma ocasião de salvação para o outro (cf. Mt
25,40.45; veja também Lc 22,31-32). Estando conscientes disso entenderemos que
Jesus é muito maior do que um fazedor de milagres. Ele é a nossa Salvação (cf.
Jo 6,68-69). Que Jesus Cristo é nosso Salvador é uma das afirmações mais
sólidas e repetidas do Novo Testamento. É a primeira noticia do céu à terra
através do anjo falando a uns pastores: “Hoje,
na cidade de Davi, nasceu para vós um Salvador que é o Cristo Senhor” (Lc
2,11). A salvação alcança o que foi criado, pessoas humanas em umas condições
concretas. Anunciar a salvação é anunciar a vida em todas as suas dimensões,
inclusive em algo tão relativo como a saúde (a palavra “salus”
[salvar/salvação] exige previamente uma cura. Para um cego, depois da
recuperação de vista, Jesus disse: “Tua fé te salvou” [Mc 10,52]). Cada cristão
existe para ajudar, proteger e salvar o outro. Se um cristão é egoísta é porque
ele deixa de ser cristão. Se um cristão é desonesto, injusto, incoerente, etc.,
ele não pode mais ser chamado de cristão, como dizia Santo Agostinho: “O nome de cristão traz em si a conotação de
justiça, bondade, integridade, paciência, castidade, prudência, amabilidade,
inocência e piedade. Como podes explicar a apropriação de tal nome se tua
conduta mostra tão poucas dessas muitas virtudes?” (De vit. christ. 6).
A resposta de
Jesus, para a tentação de monopólio, é clara: “Eu devo anunciar a Boa Nova
do Reino de Deus também a outras cidades, porque para isso é que eu fui enviado”
(Lc 4,43). Sua exigência se traduz em um dom que fica aberto para todos os que
O esperam. Certamente o Evangelho é um presente que enriquece a existência,
porém um presente que não se pode encerrar e sim um presente que nos abre sem
cessar para os outros.
Podemos revisar alguns traços significativos
do texto do evangelho lido neste dia. Em
primeiro lugar, o texto diz que Jesus foi para casa de Pedro ao sair da
sinagoga. Trata-se de um bom programa para qualquer cristão. “Ao sair da
sinagoga...”. Ou seja, na nossa linguagem “ao sair de nossa missa ou de nossa
oração”, nos espera uma jornada de trabalho, de pregação e evangelização, de
serviço curativo para os demais traduzindo nossas orações em ações. É colocar a
oração na vida e a vida na oração. Em
segundo lugar, Jesus, em meio de uma jornada com um horário intensivo
de trabalho e dedicação missionária, encontra momentos para rezar sozinho. Um
evangelizador sem oração não poder ser um bom evangelizador. “O ORADOR SE
PROCURA A SI. O PREGADOR PROCURA DEUS”, dizia são João Crisóstomo. Em terceiro lugar, Jesus não
quer “se instalar” num lugar onde ele é bem acolhido: “Eu devo anunciar a
Boa Nova do Reino de Deus também a outras cidades, porque para isso é que eu
fui enviado”. É preciso que nós evitemos dois perigos: o ativismo
exagerado, descuidando da oração (espiritualidade) e a tentação de ficarmos no
ambiente em que somos bem recebidos, descuidando da universalidade de nossa
missão. É preciso que olhemos para Cristo para saber o que precisamos fazer:
Jesus é evangelizador itinerante, libertador, orante.
Uma das atitudes fundamentais de Jesus, que
Lucas nos descreveu no seu evangelho, é a sua grande misericórdia. A
misericórdia leva Jesus a ser disponível para os demais. Por causa da
misericórdia, para Jesus não há momento determinado para ajudar, para curar e
para atender aos que O procuram e necessitam dele. Todo tempo de Jesus é para os
necessitados, para os quais ele foi enviado (cf. Lc 4,18-19). E todos encontram
nele alívio, consolo e força para continuar a seguir adiante na vida. Servir é
amar. E amar é viver para sempre, pois “Deus é amor” (1Jo 4,8.16).
Que “motor” que nos move a trabalharmos como
cristãos tanto na Igreja como na sociedade em geral? Como está nossa
disponibilidade como cristãos? Existe algum momento dedicado para os outros no
nosso dia-a-dia para ajudar, consolar, aconselhar ou simplesmente para escutar
o outro?
P. Vitus Gustama,svd
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