Naquele tempo ,
disse Jesus aos seus discípulos : 1“Ficai atentos
para não praticar a vossa justiça na frente
dos homens , só
para serdes vistos
por eles .
Caso contrário ,
não recebereis a recompensa
do vosso Pai
que está nos
céus . 2Por isso ,
quando deres esmola ,
não toques
a trombeta diante
de ti, como fazem os hipócritas nas sinagogas
e nas ruas , para
serem elogiados pelos homens . Em verdade vos digo: eles já
receberam a sua recompensa .
3Ao contrário , quando deres esmola , que a tua mão esquerda não saiba o que faz
a tua mão direita ,
4de modo que
a tua esmola fique oculta. E o teu
Pai , que
vê o que
está oculto , te
dará a recompensa . 5Quando
orardes, não sejais como
os hipócritas , que
gostam de rezar de pé ,
nas sinagogas e nas esquinas
das praças , para
serem vistos pelos
homens . Em
verdade vos
digo: eles já
receberam a sua recompensa .
6Ao contrário , quando orares ,
entra no teu quarto ,
fecha a porta ,
e reza ao teu Pai
que está oculto .
E o teu Pai ,
que vê
o que está escondido, te dará a recompensa . 16Quando jejuardes, não fiqueis com
o rosto triste
como os hipócritas .
Eles desfiguram o rosto ,
para que os homens vejam que
estão jejuando. Em verdade
vos digo: eles
já receberam a sua
recompensa . 17Tu ,
porém , quando
jejuares , perfuma a cabeça
e lava o rosto ,
18para que
os homens não
vejam que tu
estás jejuando, mas somente
teu Pai ,
que está oculto .
E o teu Pai ,
que vê
o que está escondido, te dará a recompensa ”.
***********
Ao recebermos as cinzas ouvimos uma das fórmulas
usadas: “Tu és pó ,
e em pó
te hás de tornar ”
(Gn 3,19). A cinza recorda ao homem o reconhecimento
de sua origem .
A cinza é leve
e por isso ,
ela é a imagem
das coisas frágeis e efêmeras. Tudo é caduco .
E toda a vaidade ,
todo o brilho
falso e esta vida
mortal , um
dia conhecerão um
fim . Recebemos as cinzas
para nos relembrar de que
somos pó ; é uma lembrança
de que somos pó ,
de que não
temos morada certa
neste mundo , de que
a morte é a única
realidade inevitável
no futuro de nossa
existência . Na verdade ,
não é a morte
que é absurda
e sim a vida
sem a morte . Muitos se esquecem da morte
e por isso ,
acabam vivendo absurdamente e acabam
vivendo somente em
função do prazer .
Como foi dito
uma vez , quem
vive em função
do prazer , não
tem prazer de viver . O prazer deve ser resultado de um
viver bem . E para nós cristãos viver bem significa viver de acordo com os valores cristãos .
A cinza é uma lembrança
incômoda para
quem acredita que
o presente histórico
é absoluto . Mas
esta lembrança , na verdade ,
nos ajuda
a vivermos bem , a colocarmos as coisas
no seu devido
lugar para ganhar seu justo valor e sua justa perspectiva .
E somente
quando o homem
reconhece que é pó ,
que faz parte
da terra , e que
tudo o mais
provém de Deus , brotará novamente a vida
desse pó . E certamente
as cinzas usadas na Quarta-feira
de Cinzas provém das palmas do Domingo
de Ramos do ano
anterior , palmas
triunfais do Cristo
vitorioso sobre
o pecado e a morte .
Cristo , morrendo, deu nova vida à terra , conquanto o homem se reconheça como
terra , pó . A quem assim
confessa o próprio nada
faz-se ouvir a promessa
de Jesus Cristo que
vem triunfar do pecado
e da morte , consolar os
aflitos e dar-lhes, em
lugar de cinzas ,
um diadema ,
uma coroa de um
rei .
Ao receber
as cinzas , o cristão
testemunha o absoluto
de Deus em
sua vida .
E como conseqüência
da profissão sobre
o absoluto de Deus ,
o cristão relativiza todas as coisas . Isto quer dizer que as coisas somente têm seu valor em relação ao seu Criador . Sob o sinal das cinzas ,
o cristão reafirma hoje
a sua liberdade
de filho de Deus
e ao mesmo tempo
reafirma sua condição
como pó
ou criatura
e que só
pode sobreviver como
tal por
causa da misericórdia
de Deus . E Deus
não tem como
não ajudá-lo, pois
o ser humano
foi feito de acordo
com a própria
imagem de Deus
(cf. Gn 1,26). Devemos ler , portanto ,
as três práticas
de piedade apresentadas através do evangelho
deste dia que
abre nossa caminhada
quaresmal.
A leitura
do Evangelho quer
responder a seguinte
pergunta : “Como
agradar a Deus ?”.
A prática da esmola , da oração e do jejum
tem finalidade de sintonizar-nos com a vontade
do Pai , de forma
a preparar-nos da melhor maneira possível ,
para a celebração
da Páscoa .
Jesus enuncia o princípio geral
sobre a prática
dessa piedade . Estas obras de piedade
não se devem praticar
para ganhar prestígio diante
dos homens e com
isso , adquirir
posição de poder
ou privilégio .
Os que fazem assim
privam-se da comunicação divina , cessa a relação
de filho-Pai com Deus .
Segundo Jesus, ninguém
merece a graça de Deus
se ele finge executar
ação que não corresponde à atitude interior que ele chama de hipocrisia .
A esmola (vv.1-4)
A linguagem
utilizada por Mt nesta passagem e nas outras duas seguintes
revela uma forte polêmica
entre cristãos
e judeus . Os hipócritas
são os fariseus
do tempo do evangelista
que praticavam e queriam impor
aos outros um
cumprimento externo
da Lei de Moisés. Segundo
Jesus aos quer querem entrar
no Reino dos céus
devem cumprir a vontade
do Pai sem
ostentação .
A expressão
utilizada por Mt para
descrever esta atitude e comportamento (praticar a justiça ) somente aparece
neste evangelho (sete
vezes . Cinco
delas se encontram em Mt 5-7) e tem uma grande importância
para a teologia
de Mt. Mas não
se trata da justiça
como a entendemos. Quando
se fala da justiça
nos círculos
judaicos trata-se do conjunto de atos
que fazem o homem
merecedor da salvação. Entre os fariseus
do tempo de Jesus estes
atos de piedade
eram fundamentalmente três : a esmola , a oração e o jejum .
Mas para muitos estas práticas
se tornavam uma questão puramente
externa e um
motivo de orgulho ,
até o ponto
de que alguns
faziam exibição pública
de sua religiosidade (justiça ).
Os profetas
do AT falam freqüentemente do dever da compaixão para com o pobre , mas eles acentuam muito
mais a justiça
do que a caridade .
O mendigo ou
o pobre é acusação
de um sistema
injusto que
gera pobres e miseráveis ,
dependentes da “bondade ”
alheia .
Mendigo é o fruto
de uma sociedade que
não quer
partilhar seus
bens para os outros (Mas de outra lado , certo mendigo é aquele que quer uma vida fácil , pois pela experiência ,
muitos não
querem trabalhar , apesar
de alguém oferecer-lhe trabalho .
Mas eles
são apenas
um grupo
pequeno ).
A esmola
deve ser expressão
da misericórdia que
existe no coração de quem se faz solidário
com a carência
alheia . A solidariedade
acontece quando o homem
tem compaixão , quando
sente na própria pele
o sofrimento alheio . O que sobra para nós , por pouco que seja, sempre
faz falta para
os outros que
não tem nada .
Mas sempre
ficamos incomodados, pois sabemos que isso nunca resolverá completamente
o problema do mendigo
ou do pobre .
Mas a esmola
é um sinal ,
um lembrete
de que devemos lutar
por um
sistema econômico
que realmente
faça uma partilha justa dos bens . Reflitamos as palavras
de São Basílio (+ 379): “Ao faminto pertence
o pão que guardas . Ao homem
nu , o manto
que guardas
até nos
teus cofres .
Ao que anda
descalço , o calçado
que apodrece em
tua casa . Ao miserável ,
o dinheiro que
guardas escondido. É assim que vives
oprimindo tanta gente
que poderias ajudar ”.
E Santo Agostinho acrescenta: “O Senhor te fez servo bom , mas tu criaste em teu coração um mau senhor . Ficas alegres por causa da riqueza do cofre e não te lamentas pela
pobreza de teu
coração ? Há acréscimo
em tua arca ,
mas observa bem
o que diminui em
teu coração ”.
O próprio
Jesus menciona a esmola para
censurar a ostentação (cf.
Mt 6,22ss). Isso devemos começar
dentro de nossa
família . Enquanto
isso não
acontece, ficamos incomodados.
Ao dar a
esmola Jesus pede
a separação da pessoa
quem a dá do seu
gesto : “...a tua mão esquerda ignore aquilo
que faz a direita ...E
o teu Pai ...dar-te-á
a recompensa ” (vv.3-4). O resultado
do bem fica escondido ao homem
que recusa de ser
o juiz de seus
atos .
O único capaz
de apreciar é um
Deus invisível que
habita no segredo e não
presta conta a ninguém .
Um dito
popular diz: “Se você
fizer um benefício ,
nunca se lembre dele; se receber
um , nunca
se esqueça dele”. A vida vivida apenas para satisfazer a própria pessoa nunca satisfaz ninguém .
Não há melhor
exercício para
fortalecer o coração
do que estender
o braço para baixo e erguer pessoas . A bondade
é o único investimento
que nunca
falha .
A oração (vv5-6)
A instrução
sobre a oração
(vv.5-15) é a mais extensa
das três práticas
de piedade judaica
e está situada no centro literário do Sermão
da Montanha . Esta instrução
está composta por
uma introdução sobre
a forma de orar (vv.5-8),
o Pai-Nosso (vv.9-13) e uma conclusão que fala do perdão (vv.14-15).
Mt enfrenta um
problema em
relação à prática
de oração . A oração
como as demais
práticas religiosas os fariseus convertem em
um motivo
de ostentação e em
uma prática pura
externa . A oração
não é mais
um momento
de falar com
Deus , mas
serve de instrumento para
alcançar honra
e prestígio diante
dos homens .
Mt convida os cristãos
a recuperar o sentido
religioso da oração ,
purificando-a daquilo que há desviado a oração de seu fim . Para Mt a oração do cristão
deve estabelecer um
relacionamento íntimo com o Pai : “...entra no teu
quarto , fecha
a porta , e reza ao teu
Pai ” (v.6a), num clima de abandono
e confiança em
Deus : “O Pai de vocês
já conhece as necessidades
que vocês
têm”(v.8). Os cristãos devem orar como Jesus
orava. E o estilo desta oração é condensado na oração
do Pai-Nosso (vv.9-13).
Uma das principais
raízes da vida cristã que nos ajuda a sugar a energia inesgotável
do amor divino
é a prática da oração .
Nossa oração
deve ser discreta ,
vivida na intimidade
de nosso coração ,
repleta de silêncio
capaz de perceber
as insinuações do Espírito
Santo . Mas
só se cresce na vida
de oração , reservando a ela , diariamente, o mesmo
tempo , pelo menos , que
reservamos às refeições que nutrem o nosso
corpo .
O jejum
Mt relata que
Jesus praticou o jejum para
preparar-se antes de exercer
sua missão
(Mt 4,12). E a comunidade de Mt
praticava o jejum (Mt 9,15), mas Mt quer dar um sentido novo a esta prática , evitando toda
a ostentação exterior .
O jejum
que agrada
a Deus , diz o profeta
Isaías (Is 58,1-14) é quebrar as cadeias injustas, libertar
os oprimidos , realizar
a justiça .
A Quaresma é o tempo de uma
experiência mais sentida da participação no mistério pascal de Cristo: “Se
somos filhos, somos também herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros de
Cristo, pois sofremos com ele para também com ele sermos glorificados” (Rm
8,17). Esta é a lei da Quaresma! Daqui seu caráter sacramental: um tempo em que
Cristo purifica a Igreja, sua esposa (cf. Ef 5,25-27).
A Quaresma tem um caráter
especialmente batismal sobre qual se funda o penitencial. Com efeito, a Igreja
é uma comunidade pascal porque é batismal. Ela é chamada a manifestar com uma
vida de contínua conversão o sacramento que a gera. Daqui o caráter eclesial da
Quaresma. É o tempo da grande chamada para todo o povo de Deus a fim de que se
deixe purificar e santificar por seu Salvador e Senhor.
Da teologia da Quaresma nasce,
portanto, uma típica espiritualidade pascal-batismal-penitencial-eclesial.
Deste ponto de vista, a prática da penitência, que não deve ser somente
interior e individual, mas também externa e comunitária, se caracteriza
pelos seguintes elementos:
1.
Ódio ao pecado como ofensa a Deus.
2.
Conseqüências sociais do pecado.
3.
Participação da Igreja na ação penitencial.
4.
Oração pelos pecadores.
Os
meios sugeridos para a prática quaresmais são:
1.
A escuta mais freqüente da Palavra de Deus.
2.
A oração mais intensa e prolongada.
3.
O jejum.
4.
As obras de caridade (cf. SC, 109-110).
A quaresma ,
neste sentido , é o tempo
em que
reassumimos a nossa vida
cristã com um
engajamento efetivo de transformação do mundo em vista do Reino
de Deus .
Vitus
Gustama,SVD
A celebração da
Quaresma , no contexto
do Ano da fé, proporciona-nos
uma preciosa ocasião
para meditar sobre a relação
entre fé
e caridade : entre
o crer em Deus , no Deus
de Jesus Cristo , e o amor , que é fruto da acção do Espírito
Santo e nos
guia por
um caminho
de dedicação a Deus
e aos outros .
Na minha primeira Encíclica, deixei já alguns elementos que
permitem individuar a estreita ligação
entre estas duas virtudes
teologais : a fé
e a caridade . Partindo duma afirmação fundamental do apóstolo
João: «Nós conhecemos o amor que Deus nos tem, pois cremos nele» (1 Jo 4, 16), recordava que , «no início
do ser cristão ,
não há uma decisão
ética ou
uma grande ideia, mas
o encontro com
um acontecimento ,
com uma Pessoa
que dá à vida
um novo horizonte e, desta forma , o
rumo decisivo .
(...) Dado que
Deus foi o primeiro
a amar-nos (cf. 1 Jo 4, 10), agora
o amor já
não é apenas
um “mandamento ”,
mas é a resposta
ao dom do amor
com que
Deus vem ao nosso
encontro » (Deus caritas est, 1). A fé constitui aquela adesão
pessoal - que
engloba todas as nossas faculdades - à revelação do amor
gratuito e «apaixonado» que Deus tem por nós e que se manifesta
plenamente em
Jesus Cristo . O encontro
com Deus
Amor envolve não
só o coração ,
mas também
o intelecto : «O reconhecimento
do Deus vivo
é um caminho
para o amor ,
e o sim da nossa
vontade à d’Ele
une intelecto , vontade
e sentimento no acto globalizante do amor . Mas isto é um processo que
permanece continuamente a caminho : o amor nunca está
"concluído" e completado» (ibid., 17). Daqui deriva , para todos os cristãos
e em particular
para os «agentes
da caridade », a necessidade
da fé , daquele «encontro
com Deus
em Cristo
que suscite neles o amor
e abra o seu íntimo
ao outro , de tal
modo que ,
para eles , o amor do próximo já não seja um mandamento por assim dizer imposto de fora , mas uma
consequência resultante da sua fé que se torna
operativa pelo amor »
(ibid., 31). O cristão é uma pessoa
conquistada pelo amor
de Cristo e, movido por
este amor
- «caritas Christi urget nos » (2
Cor 5, 14) - , está aberto
de modo profundo
e concreto ao amor
do próximo (cf. ibid., 33). Esta atitude nasce, antes
de tudo , da consciência
de ser amados ,
perdoados e mesmo servidos pelo Senhor , que
Se inclina para lavar os pés dos Apóstolos
e Se oferece a Si mesmo
na cruz para atrair a humanidade
ao amor de Deus .
«A fé
mostra-nos o Deus que
entregou o seu Filho
por nós
e assim gera em
nós a certeza
vitoriosa de que
isto é mesmo
verdade : Deus
é amor ! (...) A fé ,
que toma
consciência do amor
de Deus revelado no coração
trespassado de Jesus na cruz , suscita por sua vez o amor . Aquele amor divino é a luz – fundamentalmente , a única
- que ilumina incessantemente
um mundo
às escuras e nos dá a coragem
de viver e agir » (ibid.,
39). Tudo isto
nos faz compreender
como o procedimento principal
que distingue os cristãos
é precisamente «o amor
fundado sobre
a fé e por
ela plasmado» (ibid., 7).
A fé é conhecer a verdade e aderir a ela (cf. 1
Tm 2, 4); a caridade é «caminhar » na verdade (cf. Ef 4,
15). Pela fé ,
entra-se na amizade com
o Senhor ; pela
caridade , vive-se e cultiva-se esta amizade (cf. Jo 15, 14-15). A fé faz-nos acolher o mandamento do nosso
Mestre e Senhor ;
a caridade dá-nos a felicidade
de pô-lo em prática
(cf. Jo 13, 13-17). Na fé , somos
gerados como filhos
de Deus (cf. Jo 1, 12-13); a caridade faz-nos perseverar
na filiação divina
de modo concreto ,
produzindo o fruto do Espírito Santo
(cf. Gl 5, 22). A fé faz-nos reconhecer os dons que o Deus bom e generoso nos confia; a caridade
fá-los frutificar (cf. Mt 25, 14-30).
À luz de quanto foi dito ,
torna-se claro que
nunca podemos separar
e menos ainda
contrapor fé
e caridade . Estas duas virtudes teologais
estão intimamente unidas, e seria errado ver entre elas um contraste ou uma «dialéctica». Na realidade ,
se, por um
lado , é redutiva a posição
de quem acentua de tal
maneira o carácter prioritário
e decisivo da fé
que acaba por
subestimar ou
quase desprezar
as obras concretas da caridade reduzindo-a a um
genérico humanitarismo ,
por outro
é igualmente redutivo defender
uma exagerada supremacia da caridade e sua
operatividade, pensando que as obras substituem a fé .
Para uma vida
espiritual sã, é necessário
evitar tanto
o fideísmo como o activismo moralista.
A existência
cristã consiste num contínuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar a descer , trazendo o amor e a força que daí derivam, para servir os nossos irmãos e irmãs com
o próprio amor
de Deus . Na Sagrada
Escritura , vemos como
o zelo dos Apóstolos
pelo anúncio
do Evangelho , que
suscita a fé , está estreitamente
ligado com a amorosa
solicitude pelo
serviço dos pobres
(cf. At 6, 1-4). Na Igreja , devem
coexistir e integrar-se contemplação
e acção, de certa forma
simbolizadas nas figuras evangélicas das
irmãs Maria e Marta (cf. Lc 10,
38-42). A prioridade cabe sempre à relação
com Deus ,
e a verdadeira partilha evangélica deve
radicar-se na fé (cf. Catequese na Audiência geral de 25 de
Abril de 2012). De facto, por
vezes tende-se a circunscrever
a palavra «caridade »
à solidariedade ou
à mera ajuda
humanitária ; é importante
recordar , ao invés ,
que a maior
obra de caridade
é precisamente a evangelização ,
ou seja, o «serviço
da Palavra ». Não
há acção mais benéfica
e, por conseguinte ,
caritativa com
o próximo do que
repartir-lhe o pão da Palavra
de Deus , fazê-lo participante da Boa Nova do Evangelho ,
introduzi-lo no relacionamento com Deus : a evangelização
é a promoção mais
alta e integral
da pessoa humana .
Como escreveu o Servo
de Deus Papa
Paulo VI, na Encíclica Populorum progressio, o anúncio de Cristo
é o primeiro e principal
factor de desenvolvimento (cf. n. 16). A
verdade primordial
do amor de Deus
por nós ,
vivida e anunciada, é que abre a nossa
existência ao acolhimento
deste amor e torna
possível o desenvolvimento
integral da humanidade
e de cada homem
(cf. Enc. Caritas in veritate, 8).
A propósito da relação entre fé e obras de caridade , há um
texto na Carta
de São Paulo aos Efésios que a resume talvez
do melhor modo :
«É pela graça
que estais salvos ,
por meio
da fé . E isto
não vem de vós ;
é dom de Deus ;
não vem das obras ,
para que ninguém se glorie. Porque
nós fomos feitos
por Ele ,
criados em
Cristo Jesus, para
vivermos na prática das boas acções que Deus de antemão preparou para nelas
caminharmos» (2, 8-10). Daqui se deduz que
toda a iniciativa
salvífica vem de Deus , da sua graça , do seu perdão
acolhido na fé ; mas
tal iniciativa ,
longe de limitar
a nossa liberdade
e responsabilidade , torna-as mais autênticas e orienta-as para
as obras da caridade .
Estas não são
fruto principalmente
do esforço humano ,
de que vangloriar-se, mas nascem da própria
fé , brotam da graça
que Deus
oferece em abundância .
Uma fé sem
obras é como
uma árvore sem
frutos : estas duas virtudes
implicam-se mutuamente. A Quaresma , com as indicações
que dá tradicionalmente para
a vida cristã, convida-nos precisamente a alimentar a fé com uma escuta mais atenta e prolongada da Palavra
de Deus e a participação nos Sacramentos
e, ao mesmo tempo ,
a crescer na caridade ,
no amor a Deus
e ao próximo , nomeadamente através
do jejum , da penitência
e da esmola .
A relação entre estas duas virtudes
é análoga à que
existe entre dois
sacramentos fundamentais
da Igreja : o Baptismo e a Eucaristia . O Baptismo (sacramentum fidei)
precede a Eucaristia (sacramentum
caritatis), mas está orientado para ela , que constitui a plenitude
do caminho cristão .
De maneira análoga ,
a fé precede a caridade ,
mas só
se revela genuína se for coroada por ela . Tudo inicia do acolhimento
humilde da fé
(«saber-se amado por
Deus »), mas
deve chegar à verdade da caridade («saber amar a Deus e ao próximo »), que
permanece para sempre ,
como coroamento de todas as virtudes (cf. 1 Cor
13, 13).
Caríssimos irmãos
e irmãs, neste tempo de Quaresma , em que nos
preparamos para celebrar
o evento da Cruz
e da Ressurreição , no qual o Amor de Deus redimiu o mundo
e iluminou a história , desejo a todos vós que vivais este tempo precioso reavivando a fé
em Jesus Cristo ,
para entrar no seu próprio circuito de amor
ao Pai e a cada
irmão e irmã que
encontramos na nossa vida . Por isto elevo a minha
oração a Deus ,
enquanto invoco sobre
cada um
e sobre cada
comunidade a Bênção
do Senhor !
BENEDICTUS PP. XVI
© Copyright 2012 - Libreria Editrice Vaticana
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