VIDA NA ORAÇÃO E ORAÇÃO
NA VIDA
XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM “C”
20 de Outubro de 2013
Texto de Leitura: Lc
18,1-8
Naquele tempo, 1 Jesus contou aos
discípulos uma parábola, para mostrar-lhes a necessidade de rezar sempre, e
nunca desistir, dizendo: 2 ”Numa cidade havia um juiz que não temia a Deus, e
não respeitava homem algum. 3 Na mesma cidade havia uma viúva, que vinha à
procura do juiz, pedindo: ‘Faze-me justiça contra o meu adversário!’ 4 Durante
muito tempo, o juiz se recusou. Por fim, ele pensou: ‘Eu não temo a Deus, e não
respeito homem algum. 5 Mas esta viúva já me está aborrecendo. Vou fazer-lhe
justiça, para que ela não venha a agredir-me!’” 6 E o Senhor acrescentou: “Escutai
o que diz este juiz injusto. 7 E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que
dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar? 8 Eu vos digo que
Deus lhes fará justiça bem depressa. Mas o Filho do homem, quando vier, será
que ainda vai encontrar fé sobre a terra?”
______________
Continuamos a ouvir as últimas e
importantes lições dadas por Jesus no seu caminho para Jerusalém (Lc
9,51-19,28). Na passagem do evangelho de hoje Jesus nos dá a lição sobre a oração
que deve fazer parte da vida de cada cristão. É necessário rezar sempre.
O evangelista Lucas é conhecido
como uma pessoa orante, e a sua comunidade é uma comunidade orante, porque ele
dá uma atenção particular à oração. Por isso, seu evangelho é chamado também de
o “Evangelho de Oração”. A oração envolve o evangelho inteiro desde o primeiro
capítulo que abre com uma solene liturgia no Templo de Jerusalém (Lc 1,1-10) até
a reunião dos discípulos, depois da ascensão, novamente no Templo para louvar a
Deus (Lc 24,53). Em outras palavras, Lucas começa e termina seu evangelho com oração
(veja a reflexão sobre a festa de São Lucas, Evangelista, 18 de outubro).
O que tem por trás da parábola
Devemos lembrar que Lucas vivia
numa época da existência cristã que não era a de Jesus, numa época em que as
provações (Lc 17,22;21,12), o medo (Lc 21,26), as preocupações, as riquezas, os
prazeres da vida (Lc 8,14;17,26ss) afogavam a lucidez (Lc 12,35-40) e matavam a
esperança (Lc 12,45). No atual contexto de Lucas, então, a parábola está
relacionada com a situação dos discípulos que vivem numa condição de
perseguição e outras situações, enquanto se faz esperar a intervenção
libertadora de Deus. Eles se sentem como se fossem filhos abandonados por Deus
Pai. Surge, então, a pergunta: “Por que o Senhor demora em nos socorrer? Por
que fica calado diante dos nossos gritos? Por que Deus não intervém para salvar
a Sua Igreja?” É a pergunta que também atormentava os justos oprimidos na
história do povo de Deus (cf. Sl 44,23-25;89,47;Hab 1,2-4). Na Igreja de Lucas,
esta interrogação sobre o silêncio e a demora de Deus se torna pergunta acerca
da vinda do Filho do Homem. Perante esta espera, capaz de se tornar uma
decepção, Lucas lembra a promessa de Deus: com certeza Deus intervirá para
libertar os que o invocam(v.7). Lucas encontra, então, nesta parábola de Jesus
uma boa resposta a essa situação de incerteza e de aparente silêncio de Deus. A
demora não é devida ao descuido, como no caso do juiz iníquo, mas à paciência
de Deus, que com a espera quer deixar espaço para a conversão e salvação (cf.
2Pd 3,9; Ap 6,9-11). Exatamente por causa disso vem uma pergunta, como
conclusão desta parábola que se torna um motivo para refletir e exame de
consciência: “Mas o Filho do Homem, quando vier, será que ainda vai encontrar
fé sobre a terra?” (v.8b).
A Vida Na Oração e a Oração Na Vida
O texto começa com um versículo
introdutório que serve para explicar o sentido da parábola seguida. Quase
sempre a interpretação vem depois da parábola, mas neste caso Lucas quer
informar antes seus leitores, porque a parábola não é inteiramente
transparente: ”Jesus contou aos discípulos uma parábola para mostrar-lhes a
necessidade de rezar sempre, e nunca
desistir...” (v.1).
O advérbio “sempre” confere à oração
um duplo significado. O rezar “sempre” é o programa de quem crê, chamado a
aceitar, a cada dia, o desafio da história: convoca ao compromisso de colocar a
“prece na vida” e “vida na prece”. Oração e vida se fundem em uma recíproca
imanência. Em simbiose. Uma é a vida da outra. O diálogo com Deus não é
relegável aos raros momentos fortes do caminho espiritual, porém cresce junto
com a fé e é como o respirar do dia-a-dia. A prece transforma em unidade os
fragmentos da existência quotidiana diante de Deus. Se a prece tem lugar na
existência quotidiana do cristão, a própria vida está na prece. Por isso, a
prece não é apenas um barco salva-vidas para quem estiver afundando. Para o
cristão, falar com Deus significa usar a linguagem da vida e da história(sempre
rezamos a partir de nossa realidade ou situação), pessoal e comunitária. Como
disse Ludwig Wittgenstein: “Orar é pensar o sentido da vida. E pensar é
agradecer (os alemães dizem: Denken ist danken= pensar é agredecer).
Perseverantes Na vida e Na Prece
Este versículo introdutório é
seguido pela parábola sobre o juiz desonesto e a viúva insistente. Ao lermos
esta parábola (vv.2-5) nos faz lembrar de um
caso parecido ao do amigo a quem se desperta à meia-noite para pedir um
favor/pão (Lc 11,5-8). Nos dois casos se trata de um personagem a quem se
dirige com uma súplica insistente, e que resiste, mas por fim cede ao pedido.
Só que aqui o caso é levado ao extremo: não se trata de amigos, mas de pessoas
distanciadas socialmente, nada ligadas entre si. Trata-se de uma viúva e de um
juiz. E por acaso é um juiz desonesto que “não temia a Deus, e não respeitava homem
algum”.
Uma viúva não valia nada em Israel
socialmente. Era criatura mais desprotegida. Ela não dispunha de nenhum meio de
se fazer ouvir por um juiz desonesto. Não dispunha de poder nem de mecanismos
de pressão. A diferença entre um juiz e uma viúva era espantosa. Ele pertencia
ao reduzido número de gente importante; ela era socialmente um zero. A
exploração das viúvas, apesar de ser condenável, era freqüente(Is 1,16s;Sl
94,3-7;Mc 12,40). Na Bíblia, a viúva é uma figura típica dos mais necessitados,
dos indefesos e dos maltratados(Ex 22,21-24;Is 1,17.23;Jr 7,6). A Escritura
sempre defende o direito da viúva porque sendo mulher e sozinha com os filhos
para criar, ela se encontra duplamente oprimida e marginalizada. Ela é objeto
de uma proteção especial pela Lei(Ex 22,20-23;Dt 14,28s;24,17-22) e de Deus(Dt
10,17s) que escuta a sua lamentação(Eclo 35,14s), a defende e a vinga(Sl
94,6-10).
O juiz (carente do sentido de
honra), segundo o texto, não respeita ninguém. É um descarado; pouco lhe
importa o que pensem os demais, não leva ninguém em consideração. A ação da
viúva é um esperar contra toda esperança. O próprio juiz reconhece que é um
homem sem fé e sem lei, mesmo assim decide solucionar o caso da viúva. Não o
faz por ser honrado, mas por comodismo, para que a viúva deixe de chatear e não
o leve a explodir.
Nesta altura segue a aplicação da
parábola. Deus com certeza assumirá a causa de seus eleitos, fará a justiça
plena aos que lhe suplicam dia e noite (v.7), mas não por comodismo como o juiz
desonesto, e sim pela fidelidade dele para com seus eleitos. Esta certeza
baseia-se no modo de agir de Deus que defende sempre os fracos e os oprimidos (cf.
Sr /Eclo 35,12-18;Dt 10,17s). Por parte de Deus, há a garantia e a promessa de
uma intervenção libertadora e salvífica, apesar do silêncio evidente e demora.
Mas, por parte do homem, será que é realizada a condição para acolher o Filho
do Homem como salvador? Esta condição é a fé que, nas dificuldades e
perseguições, transforma-se em fidelidade e coragem no testemunhar diante dos
homens (cf. Lc 9,26; 12,9). A fé que permanece nas provações testifica a
qualidade da oração. Para manter esta fidelidade e coragem vivas, deve haver
uma oração constante e insistente; uma oração que não conhece desânimos e
depressões (v.1). Neste sentido a viúva se torna um modelo de perseverança.
Esperar com firmeza e fidelidade a libertação definitiva é condição para uma
oração corajosa. A fé na disponibilidade de Deus para fazer com que triunfe a
justiça faz alguém não desistir na oração.
Com a história da viúva, que tão insistente,
venceu, pelo cansaço, o juiz desinteressado que não estava nem um pouco
inclinado a atendê-la, Jesus quer nos recomendar a perseverança na oração. São
três as razões porque devemos ser perseverantes nas nossas orações: A bondade
e a misericórdia de Deus; O amor de Deus por cada um de nós, como se
cada um fosse único para Deus; e o interesse que nos mostramos perseverantes
na oração. Por isso, o modo como a pessoa reza depende da imagem de Deus
que traz no seu coração. Quanto mais correta for esta imagem, mais disposição
terá para a oração, e mais confiante e perseverante esta será.
Lucas, através desta parábola,
exorta todos os cristãos para serem incansáveis na oração perseverante para
manterem-se na fidelidade para com Deus (Lc 22,46). Assim serão como Jesus que
teve uma vida marcante de oração: começou sua atividade pública orando (Lc
3,21), os momentos- chaves de sua vida estiveram iluminados pela oração (Lc
6,12;9,28;22,39-46), e morreu orando (Lc 23,46). Esta vida de oração não é
resignação fatalista, nem quietismo nem o aguardar passivo, mas é a busca ativa
da vontade de Deus. A perseverança na oração é o princípio fundamental de toda
a doutrina evangélica sobre a oração. A pessoa de fé é sempre perseverante,
porque ela sabe a quem recorrer e em quem acredita, sem se importar com as
circunstâncias. Aquele que crê, tem absoluta certeza de ser atendido, mesmo devendo
esperar. A oração perseverante é expressão e o alimento da fé em Deus.
Fé e oração, portanto, estão sempre
intimamente unidas. Para orar é preciso crer e para crer é necessário orar. E
aquele que crê não quer obrigar Deus a fazer a própria vontade, utilizá-Lo para
realizar seus desejos, mas para obter a graça de conformar sua vontade à de
Deus.
Além disso, esse episódio quer nos
ensinar que, para atingir objetivos superiores às nossas forças, precisamos
orar sem cessar. Pois há objetivos que não podem ser alcançados sem a oração.
Por exemplo: onde conseguir a força para perdoar quem nos prejudicou, a não ser
na oração? Ou, onde conseguir a força para não fraquejar diante dos maus
desejos da ambição, da inveja, da cobiça, do ódio, do rancor, a não ser na
oração? Se por um instante sequer deixarmos cair os braços, isto é, se pararmos
de rezar imediatamente as forças do mal prevalecerão, seremos derrotados e os
desastres, que sofremos, serão assustadores. Como Moisés (na primeira leitura:
Ex 17,8-13) devemos, portanto, manter os braços sempre erguidos, até a noite,
isto é, até o fim da nossa vida, sem nos deixarmos vencer pelo cansaço.
Quando uma comunidade ou uma
família vive verdadeiramente em oração, com certeza segue o caminho de Jesus, e
ouve a sua voz e não a voz do mundo e a vida estará sempre iluminada, pois Deus
é a Luz(Jo 8,12).
“E Deus não faria justiça aos seus eleitos que
clamam a ele dia e noite?”
Esta frase é conclusão da parábola.
Embora já tenha explicado e meditado bastante coisa a respeito, precisamos
aprofundar um pouco mais.
“Clamar dia e noite” sublinha a
oração sem cessar. Precisamos rezar sempre, sem desfalecer, não é tanto para
obter aquilo que já recebemos, mas para manter a chama de nossa fé, como o óleo
que alimenta a lâmpada. A oração é um exercício de fé. Se há quem consagre a
sua vida à oração, é para manter viva e ativa essa fé que Jesus deseja
encontrar no coração de todos (v.8). A oração deve ser como uma respiração
permanente. Ninguém sobreviveria sem respirar e sem o ar do qual ele respira.
Assim também um cristão: não viveria como bom cristão sem uma oração sem
cessar.
P. Vitus Gustama,svd
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