SEREMOS MÁRTIRES NA VIVÊNCIA
DOS ENSINAMENTOS DE CRISTO
Sábado da V Semana da Páscoa
24 de Maio de 2014
Evangelho: Jo 15,18-21
Naquele tempo, disse Jesus aos seus
discípulos: 18“Se o mundo vos odeia, sabei que primeiro me odiou a
mim. 19Se fôsseis do mundo, o mundo gostaria daquilo que lhe
pertence. Mas, porque não sois do mundo, porque eu vos escolhi e apartei do
mundo, o mundo por isso vos odeia. 20Lembrai-vos daquilo que eu vos disse: ‘O servo não é maior que seu
senhor’. Se me perseguiram a mim, também perseguirão a vós. Se guardaram a
minha palavra, também guardarão a vossa. 21Tudo isto eles farão
contra vós por causa do meu nome, porque não conhecem aquele que me enviou”.
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Continuamos ainda a acompanhar o
discurso de despedida de Jesus dos seus discípulos (Jo 13-17).
O evangelho de hoje descreve a
situação precária da comunidade cristã no mundo, principalmente nos finais do
século I e nos começos do século II. É uma situação que se caracteriza pela
recusa e até pela perseguição abertas. A resistência à revelação não cessou na
cruz de Jesus. A mesma resistência agora é dirigida contra a comunidade cristã
que mantém os ensinamentos de Jesus Cristo. “Se me perseguiram a mim, também
perseguirão a vós”, alerta Jesus aos seus. Na época em que João escreveu
seu evangelho muitos morreram como mártires.
No evangelho deste dia, Jesus
contrapõe o amor do Pai com o ódio do mundo manifestado pela perseguição. “Se
o mundo vos odeia, sabei que primeiro me odiou a mim”. Ódio é paixão ou
sentimento que leva a fazer ou a desejar mal para o próximo. É uma paixão provocada
pela vista do mal e que se traduz por um sentimento de aversão. Mas o ódio é
igual a tomar o veneno e espera que o outro morra. O mundo é caracterizado pelo
ódio. A comunidade cristã é caracterizada pelo amor fraterno: “Nisto todos
conhecerão que sois meus discípulos, se tiverdes amor uns aos outros” (Jo
13,35).
“Se o mundo vos odeia, sabei
que primeiro me odiou a mim”. Os cristãos estão bem advertidos. Não têm
porque se estranham de ser recusados ou odiados. Nada de estranho! A Igreja é o
Corpo de Cristo. Por isso, tem que sofrer inevitavelmente os ataques do homem
mundano que se crê deus de si mesmo e que não pode renunciar a ser ele o autor
de sua própria salvação. Este tipo de homem sempre buscará acusações contra a
Igreja, pelos mesmos motivos que as buscou contra Jesus. Para o mundo a fé em
Deus é irracional e atrasada; o perdão aos inimigos é uma debilidade; a oração
e o amor a Deus são atitudes ineficazes e dos fracos. Por isso e por tantos
outros motivos a Igreja de Cristo é perseguida. Mas a perseguição é um meio de
união com Cristo; é correr a mesma sorte que Jesus. Enquanto a Igreja viver
fielmente de acordo com os ensinamentos de Jesus, ela será perseguida (cf. 2Tm
3,12).
Para São João, habitualmente,
especialmente no contexto do evangelho deste dia, o mundo significa “o mundo
pecador”, “o mundo que recusa Deus”. O processo de Jesus não terminou enquanto
a Igreja estiver no mundo. Por isso, o mundo neste sentido é sinônimo de todo
um sistema ideológico, político e social que aliena o ser humano e o converte
num escravo; designa a todo sistema injusto. Mas o seguimento de Jesus, a
amizade com ele leva os cristãos a romperem com a mentalidade alienada que o
mundo impõe.
Mas a ruptura com o mundo não é
fácil. Pelo contrário, resulta num conflito em extrema deprimente e perigoso,
porque o mundo, como mentalidade alienadora, não permite a mínima dissensão ou
oposição. Por isso, enquanto a Igreja existir sobre a face da terra, vão
continuar a existir também mártires. Mas o sangue do mártir é a semente para a
Igreja. Não dá para a verdadeira Igreja de Cristo parar de sofrer. A Igreja de
Jesus continua com sua função profética de anunciar e de denunciar que resulta
na perseguição e no martírio. Viver de acordo com os ensinamentos de Cristo
significa ser sinal de contradição (cf. Lc 2,34-35).
Os cristãos devem lutar
incansavelmente por superar, em sua própria pessoa e na comunidade, a
mentalidade que o mundo lhes impõe. A vida de um cristão é uma luta permanente
contra o mal. Qualquer cristão verdadeiro sofrerá por manter sua opção pelos
valores do Reino tais como amor, justiça, honestidade, verdade, igualdade,
fraternidade e assim por diante.
O que o cristão deve continuar a
fazer é testemunhar o amor fraterno. O amor fraterno é o selo de autenticidade
de cada cristão (cf. Jo 13,35). Somente o amor vivido na fraternidade salva,
pois “Deus é Amor” (1Jo 4, 8.16).
O perigo que temos é a assimilação
insensível da hierarquia de valores do mundo em vez da hierarquia de valores
que Jesus Cristo ensinou. Por isso, há perseguição contra a Igreja que é fruto
da incoerência da própria Igreja com seus próprios ensinamentos éticos e morais
recebidos de Jesus Cristo. Se a Igreja estiver de mãos dadas com o mundo é
porque a Igreja deixa de viver de acordo com sua função profética de anunciar e
de denunciar. Neste sentido, a Igreja é perseguida porque não está vivendo os
valores cristãos que ela própria prega. Neste sentido, este tipo de perseguição
serve para que a Igreja volte a ser como antes: uma comunidade cristã que vive
os valores éticos e morais antes de pregá-los.
Mas há outro tipo de perseguição
que se deriva do choque do evangelho com muitos dos critérios que hoje são
vigentes. Esta segunda perseguição é um claro sinal da autenticidade da Igreja.
Se os cristãos forem perseguidos por estar vivendo os valores éticos e morais e
os demais valores evangélicos, estarão recebendo, na verdade, um grande aplauso
apesar do sofrimento. Que bom que alguém me critica por praticar o bem. Que bom
que alguém me denuncia por eu ser solidário como os pobres e os excluídos da
sociedade. Que bom que alguém me persegue por eu lutar pela justiça e
honestidade...
Ser cristão é ser mártir; é ser
testemunha. A palavra “mártir” em grego pode significar: afirmar o que se viu
para que os demais se convençam disso; é testemunhar para que o juiz faça
justiça. No cristianismo, o testemunho significa também firmar com sangue o que
se afirma. No Antigo Testamento sem testemunhas declarantes, não pode ter
sentença penal (Nm 5,13). Na Bíblia, é preciso ter, pelo menos, dois ou três
testemunhas coincidentes (Dt 19,15-16; Nm 35,30; Mt 26,59-61; Mc 14,56-57). As
falsas testemunhas eram duramente castigadas (Dt 19,16-20; 1Rs 21,10-13; Dn
13,34-41). Os sábios de Israel anatematizam o testemunho falso (PR 19,9). Havia
obrigação grave de testemunhar (Lv 5,1.5.6).
Ao participar da Eucaristia sabemos
que aceitamos as exigências do Evangelho, de tal forma que, daqui em diante,
temos que viver totalmente comprometidos com Jesus Cristo. É sermos testemunhas
de Cristo onde estivermos e para onde formos. Comungar o Corpo do Senhor
significa viver como Ele viveu. Comungar o Corpo do Senhor significa assumir o
estilo de vida que ele viveu. Sem isto, a Eucaristia e a comunhão carecerão de
sentido. Quando o cristão deixar de ser testemunhas dos valores cristãos, o
mundo vai avançando na sua maldade. E os pequenos, os inocentes serão sempre
suas vítimas preferidas. O cristão é chamado a ser voz desses pequeninos.
P. Vitus Gustama,svd
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