29/01/2015
SER REFLEXO DE CRISTO NO
MUNDO
Quinta-Feira Da
III Semana Comum
Primeira Leitura: 2Sm 7,18-19.24-29
Depois
que Natan falara a Davi, o rei entrou no tabernáculo 18foi assentar-se
diante do Senhor, e disse: “Quem sou eu, Senhor Deus, que é a minha família,
para que me tenhas conduzido até aqui? 19Mas, como isto te parecia
pouco, Senhor Deus, ainda fizeste promessas à casa do teu servo para um futuro
distante. Porque esta é a lei do homem, Senhor Deus! 24Estabeleceste o
teu povo, Israel, para que ele seja para sempre o teu povo; e tu, Senhor, te
tornaste o seu Deus. 25Agora, Senhor Deus, cumpre para sempre a promessa
que fizeste a teu servo e à sua casa, e faze como disseste! 26Então o teu nome
será exaltado para sempre, e dirão: “O Senhor Todo-poderoso é o Deus de
Israel”. E a casa do teu servo Davi permanecerá estável na tua presença. 27Pois
tu, Senhor Todo-poderoso, Deus de Israel, fizeste estas revelação ao teu servo:
‘Eu te construirei uma casa’. Por isso o teu servo se animou a dirigir-te esta
oração. 28Agora, Senhor Deus, tu és Deus e tuas palavras são
verdadeiras. Pois que fizeste esta bela promessa a teu servo, 29abençoa,
então, a casa do teu servo, para que ela permaneça para sempre na tua presença.
Porque és tu, Senhor Deus, que falaste, e é graças à tua bênção que a casa do
teu servo será abençoada para sempre”.
Evangelho: Mc 4,21-25
Naquele tempo, Jesus disse à multidão: 21 “Quem é que traz
uma lâmpada para colocá-la debaixo de um caixote, ou debaixo da cama? Ao
contrário, não a põe num candeeiro? 22 Assim, tudo o que está escondido deverá
tornar-se manifesto, e tudo o que está em segredo deverá ser descoberto. 23 Se
alguém tem ouvidos para ouvir, ouça”. 24 Jesus dizia ainda: “Prestai atenção no
que ouvis: com a mesma medida com que medirdes, também vós sereis medidos; e
vos será dado ainda mais. 25 Ao que tem alguma coisa, será dado ainda mais. Do
que não tem, será tirado até mesmo o que ele tem”.
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1. Uma Palavra de Esperança
As palavras que se cruzam no texto do evangelho de hoje são
muito significativas: lâmpada, caixote (vasilha), cama e candeeiro. A lâmpada
acesa deve estar no candeeiro para iluminar e fazer visível o que está
escondido. A lâmpada acesa existe para iluminar e não para escondê-la.
Da reflexão sobre a lâmpada brota naturalmente a reflexão
sobre o versículo 22: “Assim, tudo o que está escondido deverá tornar-se
manifesto, e tudo o que está em segredo deverá ser descoberto”. Aqui Jesus
fala para seus discípulos e lhes explica que todo o escondido, se manifestará ou
se revelará inclusive para os que estão fora do círculo dos seguidores de Jesus,
pois para Deus não há nada que seja escondido. Deus vê até aquilo que o homem
quer esconder. A revelação da força salvadora de Deus em Jesus, que até então
permanece escondida para quem não se converte, um dia será descoberta ou posta
em claro. Em outras palavras, um dia Deus, com um ato de Sua força fará visível
e será revelada aos que estão de fora Sua força que salva.
“Assim, tudo o que está escondido deverá tornar-se
manifesto, e tudo o que está em segredo deverá ser descoberto”. Estas
palavras, lidas no contexto da vida terrena de Jesus, recusadas pelo seu povo,
ressoam como um ato de esperança. Isto quer nos dizer que somos convidados a
viver a mesma esperança de Jesus. “A esperança é o sonho do homem acordado”,
dizia o filósofo Aristóteles. “A
esperança seria a maior das forças humanas, se não existisse o desespero”
(Victor Hugo).
“Assim, tudo o que está escondido deverá tornar-se
manifesto, e tudo o que está em segredo deverá ser descoberto”. É um
convite para vivermos na transparência diante de Deus para ordenar nosso
comportamento e nossas escolhas na vida. E para nós hoje os três primeiros
versículos do texto do evangelho de hoje (vv.21-23) ressoam como o convite de
Jesus: “Se alguém tem ouvidos para ouvir, ouça”. Ouçamos para aquilo que
é digno de ser ouvido. Não ouçamos nem processemos aquilo que é negativo. Em
outras palavras, tenhamos uma audição seletiva, isto é, saber selecionar o que
deve entrar no nosso ouvido e o que não deve entrar. Não gastemos tempo nem
força para aquilo que é negativo ou para aquilo que não nos edifica. Gastemos,
sim, nosso tempo para nossa edificação.
2. Ser Luz Que Se Consome Para Iluminar a Vida
Dos Demais
“Quem é que traz uma lâmpada para colocá-la de baixo de
um caixote ou em baixo da cama? Ao contrário, não a coloca num candeeiro?”.
Jesus é um observador do real. Nada escapa do seu olhar e de
sua observação. É um homem atento em todo momento e em qualquer lugar. Sem
dúvida, ele via a sua Mãe, Maria, na casa acendendo a lâmpada ao anoitecer para
colocá-la, não de baixo da cama onde resultaria inútil e sim no centro da sala,
sobre um candeeiro a fim de iluminar o maior possível a casa.
Através deste simples gesto familiar, já belo humanamente,
Jesus viu um “símbolo”. Cada realidade material evoca para Ele o invisível.
Jesus se experimentou como uma lâmpada que se consumiu entregando-se no serviço
de uma causa para os demais a fim de salvá-los das trevas da morte. Como uma
vela, sua vida terrena foi acabando iluminando a humanidade para que essa
pudesse encontrar o caminho da verdadeira vida (cf. Jo 8,12).
A Palavra de Deus não foi feita para ser guardada para si.
Ninguém recebe a Palavra de Deus verdadeiramente se não comunicá-la para os
demais. Toda vida cristã que se fecha em si mesma no lugar de irradiá-la não é
querida por Jesus; é uma vida estéril. Crer em Jesus Cristo significa aceitar
em nós Sua luz e por nossa vez temos que ser reflexos da verdadeira Luz
comunicando essa mesma luz aos outros com nossas palavras e nossas obras (cf.
Mt 5,14-16).
·
“O
bem tende sempre a comunicar-se. Toda a experiência autêntica de verdade e de
beleza procura, por si mesma, a sua expansão; e qualquer pessoa que viva uma
libertação profunda adquire maior sensibilidade face às necessidades dos
outros. E, uma vez comunicado, o bem radica-se e desenvolve-se. Por isso, quem
deseja viver com dignidade e em plenitude, não tem outro caminho senão reconhecer
o outro e buscar o seu bem. Assim, não nos deveriam surpreender frases de São
Paulo como estas: «O amor de Cristo nos absorve completamente» (2 Cor 5, 14);
«ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16). [Papa Francisco: Exortação Apostólica
Evangelii Gaudium no. 9].
·
“A
proposta é viver a um nível superior, mas não com menor intensidade: ‘Na doação, a vida
se fortalece; e se enfraquece no comodismo e no isolamento. De fato,
os que mais desfrutam da vida são os que deixam a segurança da margem e se apaixonam
pela missão de comunicar a vida aos demais’. Quando a Igreja faz apelo ao
compromisso evangelizador, não faz mais do que indicar aos cristãos o
verdadeiro dinamismo da realização pessoal: ‘Aqui descobrimos outra profunda
lei da realidade: A vida se alcança e amadurece à medida que é entregue para
dar vida aos outros”. Isto é, definitivamente, a missão’. Consequentemente, um
evangelizador não deveria ter constantemente uma cara de funeral. Recuperemos e
aumentemos o fervor de espírito, ‘a suave e reconfortante alegria de
evangelizar, mesmo quando for preciso semear com lágrimas! (...) E que o mundo
do nosso tempo, que procura ora na angústia ora com esperança, possa receber a
Boa Nova dos lábios, não de evangelizadores tristes e descoroçoados, impacientes
ou ansiosos, mas sim de ministros do Evangelho cuja vida irradie fervor, pois
foram quem recebeu primeiro em si a alegria de Cristo’” (Idem no.10)
Na celebração do Batismo, e logo em sua anual renovação na
Vigília Pascal, a vela de cada um, acendida do Círio Pascal é um formoso
símbolo da Luz que é Cristo, que se comunica a nós e que se espera que logo se
difunda através de nós aos demais. Não podemos escondê-la. Segundo Santo Tomás
de Aquino, o ser humano está ordenado à felicidade sobrenatural pelos
princípios do entendimento e pela tendência natural de sua vontade ao bem. Ao
não obedecer à sua tendência natural para o bem o homem ficará longe da
felicidade e ainda fará os outros infelizes, pois o ser humano não somente
vive, mas convive.
3. Medida De Deus Sobre Nós
“Prestai atenção no que ouvis: com a mesma medida com que
medirdes, também vós sereis medidos; e vos será dado ainda mais. Ao que tem
alguma coisa, será dado ainda mais. Do que não tem, será tirado até mesmo o que
ele tem”.
Qual é a medida do amor que Deus usou para nós? Para saber
disso, precisamos contemplar Cristo morto e ressuscitado por nós. Em Jesus
conhecemos o amor que Deus tem por nós. São João expressa esse amor com a
seguinte frase: “Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho único,
para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha vida eterna” (Jo 3,16).
É importante compreender que Cristo, ao pagar por pura
misericórdia o que não devia na justiça, fez da misericórdia Sua lei
fundamental e a condição indispensável para poder aproveitar o dom gratuito que
a redenção significa, essa redenção sem a qual todos estaríamos
irremissivelmente perdidos para sempre.
Sendo portadores de Cristo, pois somos chamados de cristãos,
devemos ser um sinal claro de seu amor para todos os homens. Para isso, Jesus
nos alimenta constantemente, na Eucaristia, com Seu Corpo entregue por nós e
com Seu Sangue derramado para o perdão de nossos pecados. Ao celebrar a
Eucaristia, fazemos nosso o compromisso de deixar que o Senhor nos converta num
sinal claro, nítido, brilhante de Seu amor no mundo.
Quem participa da Eucaristia não pode passar a vida como
destruidor do próximo. Não pode viver uma fé intimista, de santidade
personalista. Deus nos encheu de sua própria vida (Gn 2,7) fazendo-nos filhos
seus para que convivamos como irmãos e irmãs, filhos e filhas do mesmo Pai
celeste. Por isso, os que fazem parte da Igreja de Cristo devem ser os
primeiros em ser luz para os demais, em lutar pela paz; os primeiros em
trabalhar por uma autêntica justiça social. Se somente professamos nossa fé nos
templos e depois vivemos como ateus, então não temos direito de voltar a Deus
para escutá-Lo somente pelo costume. Os cristãos fazem parte e devem fazer
parte dos responsáveis por um mundo que seja cada vez mais justo e fraterno. Se
Deus não se vê mais no mundo é porque não se vê mais na vida dos cristãos; os
cristãos deixam de ser reflexos de Cristo no mundo.
Por isso, resta para nós estas perguntas: Será que
iluminamos e comunicamos fé e esperança aos que estão ao nosso redor? Será que
somos sinais e sacramentos do Reino em nossa família, em nossa comunidade e em
nossa sociedade? Será nossa vida, nossas
escolhas de cada dia assinalam para o Reino de Deus? Nenhum cristão se anula no
testemunho de uma vida digna de um filho de Deus nesta terra. O testemunho é a
entrega da própria vida para que outro viva; consumir-se ajudando outros para
que tenham vida, não escondendo-se e sim entregando sua vida por uma causa
digna. Se não há entrega não se pode pedir a outro que se entregue, porque o
Reino de Deus se faz com a entrega de uns aos outros. Quem não se entrega, se
empobrece e se anula por si só.
P. Vitus Gustama, SVD
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