11/01/2015
BATISMO DO SENHOR
Ano Litúrgico “B”
Domingo, 11 de Janeiro de 2015
Evangelho: Mc 1,7-11
Naquele tempo, 7 João
Batista pregava, dizendo: “Depois de mim virá alguém mais forte do que eu. Eu
nem sou digno de me abaixar para desamarrar suas sandálias. 8 Eu vos
batizei com água, mas ele vos batizará com o Espírito Santo”. 9 Naqueles
dias, Jesus veio de Nazaré da Galileia, e foi batizado por João no rio Jordão. 10
E logo, ao sair da água, viu o céu se abrindo, e o Espírito, como pomba,
descer sobre ele. 11 E do céu veio uma voz: “Tu és o meu Filho amado, em
ti ponho meu bem-querer”.
Mc 1,7-11 (6-11) é formado de
vários elementos recebidos da tradição. Podemos dividir o texto em duas partes:
vv.7-8 e 9-11.
A primeira parte: Os vv.7-8 fazem parte
do relato sobre a atividade de João Batista (vv.4-8) e serve como uma
introdução ao que vai seguir (batismo de Jesus), onde se sublinhará a diferença
entre a missão de João Batista e a de Jesus. Nesta parte Mc descreve João
Batista como um pobre nômade pela roupa usada e pelo tipo de comida com que se
alimenta. No v.6 lemos que João Batista usa o “cinto de couro” que é uma alusão
à grande figura do grande profeta Elias (cf. 2Rs 1,8).
No horizonte teológico da
comunidade de Mc, a missão principal de João Batista é preparar a vinda daquele
que é “mais forte” que ele (v.7b). A
imagem do “mais forte” evoca as antigas esperanças messiânicas do herói divino
que de maneira eficaz e corajosa intervém na história para libertar os
oprimidos (cf. Is 9,5;49,24s). Na tradição cristã primitiva, Jesus será
apresentado como o “mais forte”, que vence o adversário e liberta os oprimidos
(cf. Mc 3,27;Lc 11,22;At 10,38). Esse “mais forte” é quem vai realizar todas as
promessas do AT.
Perante esse “mais forte”, João
Batista reconhece a sua indignidade total. Até para desamarrar as correias das
sandálias, que era uma tarefa exclusivamente dos escravos e que era tido como
gesto de extrema humilhação, sente-se indigno.
Só tem que desaparecer para dar lugar a quem “mais forte” que ele: “É necessário que ele cresça e eu diminua”
(Jo 3,30). Sentir-se indigno, pequeno e humilde é a atitude normal de quem se
encontra perante uma divindade. Consciente ou inconscientemente, em cada
comunhão, perante Jesus Cristo presente na hóstia consagrada, também nos
sentimos indignos de recebê-lo ao rezarmos: “Senhor eu não sou digno de que
entreis em minha morada. Mas dizei uma só palavra, serei salvo!”. Mas Jesus
quer entrar na nossa vida para que voltemos a ser dignos de ser filhos e filhas
de Deus (salvos). Mas depois disto temos uma missão de preparar os outros (com
pregação ou através de nosso modo de viver/testemunho cristão) para a vinda de
Jesus na vida deles, como João Batista preparava o povo para a chegada do
Messias prometido.
João Batista também acentua a
diferença essencial entre o seu batismo e o batismo daquele que “há de vir”
(v.8). O batismo de João Batista é o da purificação ou de penitência que leva
ao perdão dos pecados que serve de preparação para o Reino escatológico. É o
batismo de conversão que significa uma mudança de caminho e uma profunda
transformação do espírito humano. O batismo de João Batista constitui um
“sacramento de penitência escatológico”. Por isso, distingue-se das abluções
rituais e de um rito de iniciação para uma nova comunhão. O batismo de João
Batista é o sinal escatológico da conversão de todo o Israel.
Com o jogo de silogismo alguém
poderia tirar uma conclusão: “Se o batismo de João Batista é o de penitência
para o perdão dos pecados, então, Jesus cometeu algum pecado e se arrependeu e
por isso, procurou perdão, já que ele foi batizado por João Batista” (v.9). Se
esta conclusão fosse certa, não apenas entraria num choque com outras partes da
fé do NT como lemos em Hb 4,15: “... (Jesus) passou pelas mesmas provações que nós, com exceção do pecado”,
e em 1Jo 3,5: “...nele não há pecado”,
mas também contradiria a figura que vem até nós através de narrativas de Mc ao
longo do seu evangelho. Jesus se aproxima de João Batista para ser batizado não
porque ele é pecador, mas porque Jesus quer abraçar e encorajar publicamente a
chamada à conversão que se expressa através do batismo. Na verdade, o próprio
Jesus logo aparecerá como Alguém que chama o povo à conversão(Mc 1,15) e este
chamamento caracteriza o resto da vida terrena de Jesus em Israel. Então, a
meta de João Batista é a própria meta de Jesus. Com seu batismo Jesus manifesta
seu apoio ao movimento suscitado por João Batista e à sua exortação à mudança
de vida, mostrando seu compromisso com a eliminação da injustiça. Seu Batismo,
no entanto, não significa, como o da multidão, uma morte ao passado, mas um
compromisso de entrega pelo bem da humanidade, que inclui a disposição para dar
a vida pela salvação dos homens. Ao batizar-se Jesus assume por inteiro a
condição humana(menos o pecado) e participa da condição dos pecadores. Mais
tarde São Paulo dirá: “Aquele que não
conhecera o pecado, Deus o fez pecado por causa de nós, a fim de que, por ele,
nos tornemos justiça de Deus” (2Cor 5,21).
Com o batismo de Jesus, Deus mergulha
totalmente na vida do ser humano para que o ser humano possa mergulhar na vida
de Deus. Jesus manifesta-se um de nós, igual a todos, menos no pecado, mas
assumindo os pecados dos seres humanos. Deus torna-se um de nós em Cristo para
que nós nos tornemos divinos. Ele morreu não para pagar os próprios pecados,
mas os nossos: “Nossos pecados ele os
carregou em seu corpo no madeiro, a fim de que, mortos para o pecado, vivamos
para a justiça”(1Pd 2,24). Ao receber esse batismo, Jesus assume a
ansiedade dos homens de receber a salvação e ao mesmo tempo assume o desejo do
seu Pai de conduzir os homens à comunhão consigo mesmo. Com isso, o batismo se
torna um compromisso que Jesus assume publicamente.
No v.8 sublinha-se também a
diferença entre o batismo de João e o de Jesus. João batiza com água, enquanto
que Jesus batiza com o Espírito Santo. O Espírito Santo é o dom do fim dos
tempos e ele há de purificar e santificar os homens e uni-los em permanente
comunhão com Deus. No AT, o Espírito era a própria força de Yahweh, que entrava
nos Reis e nos Profetas para realizarem a sua missão. Segundo o profeta Isaías
este Espírito seria dado ao Messias(Is 61,1-2) e depois, a todos os povos(Is
32,15;Jl 3,1-5). E Ezequiel disse que Yahweh colocaria o seu Espírito no
coração dos israelitas(cf. Ez 36,25-29). Mais tarde Jesus Ressuscitado
derramará o Espírito nos Apóstolos(At 2,33; cf. também At 2,38).
A segunda parte (vv.9-11) relata a cena
do batismo de Jesus.
1. Batismo de Jesus e seu significado
O Batismo de Jesus é uma cena
teofánica ou epifánica. A cena é muito elaborada pelo evangelista Marcos, e
apresenta um grande conteúdo teológico, e concretamente, trinitário: o Pai
revela que Jesus é seu Filho amado. Com isto Deus se revela como Aquele que
ama: Deus é amor (1Jo 4,816). E este Filho é ungido pelo Pai com o dom do
Espírito. Com este Espírito Jesus é capacitado para levar adiante, até o fim, a
missão encomendada pelo Pai (veja a coleta e o prefácio da missa).
Na seguinte frase se encontra o
significado da cena: “E logo ao sair da água, ele viu os céus se rasgando e
o Espírito, como uma pomba, descer até ele, e uma voz veio dos céus: ‘Tu és o
meu Filho amado, em ti me comprazo” (Mc 1,10-11).
A imagem “os céus se rasgaram” e
sua formulação remetem a Is 64,1: “Oh se
rasgásseis os céus, se descêsseis...”. Mas a novidade do evangelho de
Marcos é clara: o que em Isaías é exclamação e desejo, em Marcos é afirmação e
cumprimento. Rasgar os céus equivale a dizer que, com a vinda de Jesus, chegou
a salvação definitiva. O amor de Deus supera qualquer obstáculo. O amor rasga
tudo o que não é humano.
Os céus rasgados dão espaço ao
Espírito de Deus em forma de uma pomba descer sobre Jesus. Esta imagem emerge
com a novidade e o frescor de uma criação original. O Espírito descendo sobre
Jesus como “uma pomba” nos recorda o Espírito que pairava sobre as águas no
primeiro dia da criação (Gn 1,2). É o mesmo Espírito de Yahweh que “desceu”
sobre Israel no Êxodo (Is 63,11-14) e no Sinai (x 19,11.18.20). O Espírito
presente em Jesus iniciará uma nova criação e um novo Povo de Deus. Com a
descida do Espírito sobre Jesus, Jesus se torna morada permanente de Deus
(xekiná) e a sua missão é inaugurada (cf. Is 11,2). Com a chegada do Messias
(Ungido) chegou o tempo da salvação definitiva. Doravante, o Cristo será sempre
conduzido pelo Espírito para levar até o fim sua missão pelo caminho do Servo
Sofredor.
Os céus rasgados dão espaço também
a uma voz cujas palavras combinam com a afirmação do Sl 2,7 e de Is 42,1: “Tu
és meu Filho amado, em ti me comprazo”. “Tu” e “Filho” comportam os
correlativos “Eu” e “Pai”. Culmina, assim, a apresentação-revelação ao leitor
de quem é Jesus. Deus volta a falar com seu povo em Jesus Cristo.
Com a vinda de Jesus, Deus salva,
Céu e Terra deixam de estar incomunicados pela incompreensão e hostilidade.
Jesus vai nos introduzir em uma atmosfera incontaminada, limpa e respirável.
Esta é a força de Jesus. Em Jesus se estabelece uma intima comunicação entre
Deus e os homens. Com a vinda e a presença de Jesus não há mais separação e
incomunicação entre Deus e os homens. Tudo está aberto. Tudo se rasgou.
A abertura dos céus que se rasgam
significa a abertura de novas relações entre Deus e os homens, um início de um
novo diálogo de Deus com os homens, um novo tempo de graça, de novos dons dados
por Deus aos homens. Jesus é o lugar do novo, definitivo e pleno encontro de
Deus com os homens, dos homens com Deus e, conseqüentemente, dos homens entre
si. Neste sentido Jesus se torna para seus seguidores, ao mesmo tempo o ponto
de encontro e o ponto de partida no sentido de viver aquilo que Jesus ensinou e
viveu.
Quando os evangelistas descrevem o
batismo de Jesus, sua atenção não se concentra tanto no rito purificador da
água, mas na ação do Espírito de Deus que desce sobre Jesus. Por isso, eles
querem deixar bem claro desde o inicio que Jesus, o protagonista das páginas de
seu evangelho é um Homem cheio do Espírito de Deus que lhe faz invocar a Deus
como Pai e lhe urge no serviço dos irmãos necessitados. Com esta cena está
respondida a pergunta da comunidade primitiva: “Quem é Jesus? E em que se
baseia a autoridade de sua mensagem?
2. Nosso Batismo e
Seu Significado
2.1. Somos filhos de
Deus pela participação da filiação divina de Jesus Cristo
No Batismo nos doamos a Cristo e
ele nos assume em si, para que depois não vivamos mais para nós mesmos, mas
graças a ele, com ele e nele. No Batismo abandonamos a nós mesmos e colocamos
nossa vida nas mãos de Cristo para poder dizer com São Paulo: “Não sou eu quem
vive, mas Cristo que vive em mim” (Gl 2,20).
Esta é a novidade do Batismo: nossa
vida pertence a Cristo, não mais a nós mesmos. Eu sou de Cristo. Eu não sou do
mundo. A minha vida tem um dono: Jesus Cristo. Precisamente, por isso, não estamos
mais sós nem mesmo na morte, mas estamos com Cristo que vive para sempre.
Cristo é a vida de nossa vida.
2.2. Deixar-se guiar
pelo Espírito de Deus
Na cena do Batismo, o Espírito de
Deus desce sobre Jesus porque ele está totalmente aberto à ação de Deus. O
Espírito de Deus capacita o homem Jesus a levar até o fim a missão recebida do
Pai para salvar os homens por amor.
Quando nos fecharmos ao Espírito
Santo, nos tornaremos facilmente escravos de uma multidão de “pequenos
espíritos”: espírito de rivalidade, de inveja, de prepotência, de complexo de
superioridade, de querer a própria vantagem e assim por diante.
Abrir-se ao Espírito Santo é outra
coisa. Trata-se de acolher humildemente a presença criadora de Deus em nós. É
deixar-se purificar e modelar pelo Espírito de Deus, que animou a vida e a
atividade de Jesus, para que possamos passar a vida fazendo o bem. Abrir-se ao
Espírito Santo é viver da fé a experiência de um amor que nos envolve e nos faz
invocar a Deus como Pai e nos aproximar dos outros como irmãos. Se nos abrirmos
ao Espírito Santo, seremos conseqüentemente parceiros do bem. Ao abrirmos ao
Espírito Santo produziremos muitos frutos tais como amor, alegria, paz,
tolerância, agrado, generosidade, lealdade, simplicidade e domínio de si (cf.
Gl 5,22-23; leia também 1Cor 12,6-11).
2.3. Somos batizados
no Espírito Santo
“Eu vos batizei com água, mas
ele vos batizará com o Espírito Santo” (Mc 1,8).
Este batismo “com o Espírito Santo”
nós recebemos no dia de nosso batismo. Mas na prática muitos batizados vivem
como se o batismo recebido fosse limitado apenas ao rito de água.
Para ser cristão de verdade, cada
batizado tem necessidade de se abrir interiormente à força do Espírito Santo.
Isto não se faz uma vez por todas. O rito de água somente se recebe uma vez na
vida de cada batizado. Cada dia temos que nos submergir no batismo interior do
Espírito de Deus através de um exercício constante da fé, da esperança e do
amor.
Por isso, hoje é o dia muito
oportuno para recordar nosso batismo, mas não somente para recordá-lo e sim
para renovar a presença viva do Espírito Santo que nos foi dado através do rito
batismal.
2.4. Somos batizados
para os outros (para a humanidade)
Mais do que um rito, o batismo é
uma convocatória ou uma vocação, isto é, o homem é chamado a se realizar como
homem-no-Espírito porque a partir de então sua vida é orientada segundo o
critério do evangelho: ser libertado para libertar os outros.
Por isso, o cristão não é batizado
somente para si mesmo e sim para todos os homens. Ele é batizado para a
humanidade. O batismo no Espírito de Deus convoca o batizado para uma tarefa
concreta, para uma missão de compromisso que lhe dá identidade e personalidade.
Se Jesus “andou por toda a parte fazendo o bem a todos” (At 10,38b), o cristão,
o seguidor de Jesus não pode fazer outra coisa a não ser o bem, ser parceiro do
bem. Cada cristão deve ser parceiro do bem. Nosso batismo tem um aspecto de
tomada de consciência do amor gratuito de Deus, da doação do espírito que nos
impulsiona a realizarmos uma missão também messiânica de viver e de comunicar o
amor de Deus aos demais continuando a missão de Jesus Cristo.
Como estão nossos compromissos
batismais? Você vive como um batizado? Será que você pode se dizer a si mesmo
que você vive como um homem-no-espírito?
P. Vitus Gustama,svd
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