31/01/2015
SER IGREJA DE JESUS É SER
CRENTE E EVANGELIZADOR
Sábado Da III
Semana Do Tempo Comum
Primeira Leitura: 2Sm 12,1-7a.10-17
Naqueles
dias, 1 o Senhor mandou o profeta Natã a Davi. Ele foi ter com o rei e lhe
disse: “Numa cidade havia dois homens, um rico e outro pobre. 2 O rico possuía
ovelhas e bois em grande número. 3 O pobre só possuía uma ovelha pequenina, que
tinha comprado e criado. Ela crescera em sua casa junto com seus filhos,
comendo do seu pão, bebendo do mesmo copo, dormindo no seu regaço. Era para ele
como uma filha. 4 Veio um hóspede à casa do homem rico, e este não quis tomar
uma das suas ovelhas ou um dos seus bois para preparar um banquete e dar de
comer ao hóspede que chegara. Mas foi, apoderou-se da ovelhinha do pobre e
preparou-a para o visitante”. 5 Davi ficou indignado contra esse homem e disse
a Natã: “Pela vida do Senhor, o homem que fez isso merece a morte! 6 Pagará
quatro vezes o valor da ovelha, por ter feito o que fez e não ter tido
compaixão”. 7 aNatã disse a Davi: “Esse homem és tu! Assim diz o Senhor, o Deus
de Israel: 10 Por isso, a espada jamais se afastará de tua casa, porque me
desprezaste e tomaste a mulher do hitita Urias para fazer dela a tua esposa. 11
Assim diz o Senhor: Da tua própria casa farei surgir o mal contra ti e tomarei
as tuas mulheres, sob os teus olhos, e as darei a um outro, e ele se aproximará
das tuas mulheres à luz deste sol. 12 Tu fizeste tudo às escondidas. Eu, porém,
farei o que digo diante de todo o Israel e à luz do sol”. 13 Davi disse a Natã:
“Pequei contra o Senhor”. Natã respondeu-lhe: “De sua parte, o Senhor perdoou o
teu pecado, de modo que não morrerás! 14 Entretanto, por teres ultrajado o
Senhor com teu procedimento o filho que te nasceu morrerá”. 15 E Natã voltou
para a sua casa. O Senhor feriu o filho que a mulher de Urias tinha dado a Davi
e ele adoeceu gravemente. 16 Davi implorou a Deus pelo menino e fez um grande
jejum. E, voltando para casa, passou a noite deitado no chão. 17 Os anciãos do
palácio insistiam com ele para que se levantasse do chão; mas ele não o quis
fazer nem tomar com eles alimento algum.
Mc 4,35-41
35Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse a seus
discípulos: “Vamos para a outra margem!” 36Eles
despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava na barca.
Havia ainda outras barcas com ele. 37Começou
a soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de
modo que a barca já começava a se encher. 38Jesus
estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o
acordaram e disseram: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” 39Ele
se levantou e ordenou ao vento e ao mar: “Silêncio! Cala-te!” O vento cessou e
houve uma grande calmaria. 40Então
Jesus perguntou aos discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes
fé?” 41Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos
outros: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?”
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Depois da série de parábolas, agora Marcos aborda uma série
de milagres. Os quatro milagres citados aqui não foram feitos na presença da
multidão, e sim diante dos discípulos para sua educação.
A imagem de Jesus que contemplamos na leitura dos quatro
milagres é esta: Jesus tem um poder supremo sobre as forças da natureza (Mc
4,35-41) e derrota uma legião de demônios (Mc 5,1-20); cura e salva uma mulher,
e vence a morte (Mc 5,21-43). Os dois últimos milagres se entrecruzam no relato.
Ao relatar esses milagres Marcos quer nos transmitir uma certeza: Só Jesus pode
salvar. Entram aqui os temas da fé e da salvação. Por isso, Marcos não se
limita a contar os milagres. Marcos se sente um evangelista que anuncia, à luz
da Páscoa, o que o Senhor fez e O anuncia para suscitar a fé dos leitores em
Jesus Cristo. Ainda hoje esses relatos são anúncios de salvação, pois ao lê-los
e ao meditá-los, impõem-nos um exame de nossa fé. Temos fé em Jesus ou nós
acreditamos mais na força do mal? Jesus continua sendo maior nos grandes
problemas que encaramos ou fazemos de Jesus menos nos grandes problemas?
1. É Preciso Sair Ao Encontro Dos Outros
Depois que terminou o discurso das parábolas, Jesus ordena
aos discípulos para cruzarem o mar da Galiléia com ele: “Vamos para outro lado
do mar”. Os discípulos lhe obedecem.
Jesus convida os discípulos a ir a “outro lado do mar”. “Do
outro lado” estão os pagãos, ou o território não- judeu. Do outro lado se
encontram os necessitados. Não podemos nos parar somente no nosso lado.
Precisamos nos mover ao encontro dos que necessitam de nossa ajuda. Jesus
convida os discípulos para esse território para que lá possam semear também
entre os pagãos a Boa Notícia do Reino. Atravessar, ou “ir para outro lado”,
então, significa sair de si mesmo, é pensar nos outros e não ficar apenas no
nosso lado. Precisamos ir a “outro lado”. "Levar os homens à verdade é
o maior benefício que se pode prestar aos outros. O grande mistério da
santidade é amar muito" dizia Santo Tomás de Aquino. Quem sabe no
“outro lado” em vez de evangelizarmos os outros, seremos evangelizados.
Travessia é muitas vezes sinônimo de abertura ao novo e diferente. Para
atravessar é preciso encarar os desafios, superar os obstáculos e perseverar no
alcance dos objetivos.
Este “ir a outro lado” podemos concretizar nas seguintes
palavras do Papa Francisco na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium:
·
“A
Igreja «em saída» é uma Igreja com as portas abertas. Sair em direção aos
outros para chegar às periferias humanas não significa correr pelo mundo sem
direção nem sentido. Muitas vezes é melhor diminuir o ritmo, pôr de parte a
ansiedade para olhar nos olhos e escutar, ou renunciar às urgências para
acompanhar quem ficou caído à beira do caminho. Às vezes, é como o pai do filho
pródigo, que continua com as portas abertas para, quando este voltar, poder
entrar sem dificuldade” (Papa Francisco:
Exortação Apostólica Evangelii Gaudium no.46).
·
“Saiamos,
saiamos para oferecer a todos a vida de Jesus Cristo! Repito aqui, para toda a
Igreja, aquilo que muitas vezes disse aos sacerdotes e aos leigos de Buenos
Aires: prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas
estradas, a uma Igreja enferma pelo fechamento e a comodidade de se agarrar às
próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada com ser o centro, e que
acaba presa num emaranhado de obsessões e procedimentos. Se alguma coisa nos
deve santamente inquietar e preocupar a nossa consciência é que haja tantos
irmãos nossos que vivem sem a força, a luz e a consolação da amizade com Jesus
Cristo, sem uma comunidade de fé que os acolha, sem um horizonte de sentido e
de vida. Mais do que o temor de falhar, espero que nos mova o medo de nos
encerrarmos nas estruturas que nos dão uma falsa proteção, nas normas que nos
transformam em juízes implacáveis, nos hábitos em que nos sentimos tranquilos,
enquanto lá fora há uma multidão faminta e Jesus repete-nos sem cessar: ‘Dai-lhes
vós mesmos de comer’ [Mc 6, 37]” (idem no. 49).
·
“A
Igreja é enviada por Jesus Cristo como sacramento da salvação oferecida por
Deus. Através da sua ação evangelizadora, ela colabora como instrumento da
graça divina, que opera incessantemente para além de toda e qualquer possível
supervisão. Bem o exprimiu Bento XVI, ao abrir as reflexões do Sínodo: ‘É
sempre importante saber que a primeira palavra, a iniciativa verdadeira, a atividade
verdadeira vem de Deus e só inserindo-nos nesta iniciativa divina, só
implorando esta iniciativa divina, nos podemos tornar também – com Ele e n’Ele
– evangelizadores’. O princípio da primazia da graça deve ser um farol que
ilumine constantemente as nossas reflexões sobre a evangelização” (Idem no.112).
·
“Ser
Igreja significa ser povo de Deus, de acordo com o grande projeto de amor do
Pai. Isto implica ser o fermento de Deus no meio da humanidade; quer dizer
anunciar e levar a salvação de Deus a este nosso mundo, que muitas vezes se
sente perdido, necessitado de ter respostas que encorajem, dêem esperança e
novo vigor para o caminho. A Igreja deve ser o lugar da misericórdia gratuita,
onde todos possam sentir-se acolhidos, amados, perdoados e animados a viverem
segundo a vida boa do Evangelho” (Idem no.114).
2. Só Jesus Pode Salvar
Na travessia Jesus parece ausente, pois dorme e parece estar
completamente alheio à tragédia do mar (v.38a). O sono tranqüilo de Jesus
simboliza uma confiança total em Deus.
A descrição detalhada de Marcos sobre o que estava
acontecendo permite dar-se conta de que não há esperança alguma: “Começou a
soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo
que a barca já começava a se encher”. A barca está se afundando. Somente
então é que os discípulos olham para Jesus que dorme e com tom de reprová-lo, o
despertam com as seguintes palavras: “Mestre, estamos perecendo e tu não te
importas?”. Não conheciam Jesus. Não conseguiram imaginar e acreditar que,
com Jesus, jamais podiam afundar-se. E Jesus se levantou e com seu poder Jesus
acalmou o vento: “Silêncio! Cala-te!”.
Por que Marcos descreve o relato do mar como se fosse um
exorcismo? Na Bíblia, o mar e a escuridão são símbolos do caos inicial,
dominado e vencido pela força criadora de Deus (cf. Gn 1). O mar é a sede de
todas as forças hostis a Deus, mas são vencidas para sempre por Deus (cf. Ap
21,1). A vitória sobre as forças maléficas não está no homem e sim em Deus, o
Único que “transformou a tempestade em leve brisa e as ondas emudeceram”
(Sl 107,29). Marcos quer nos revelar a certeza de que o único Salvador, o único
que pode salvar o homem de todas as forças maléficas é Jesus Cristo.
A natureza volta à calma; os discípulos não. Ficam ainda
mais assustados e diziam: “Quem é este, a quem até o vento e o mar lhe obedecem?”. E “eles sentiram um grande medo”, isto é,
ficaram sob o efeito do sentimento de grande perturbação e medo: estáticos e
reverenciais que sentem diante do divino.
3. É Preciso Ter Fé Em Jesus Em Todos Os
Momentos
Depois que acalmou o vento, Jesus faz uma censura aos
discípulos sob a forma de dupla pergunta retórica, assim correspondendo e
contestando a censura deles que foi também em forma de pergunta retórica: “Por
que tendes medo? Ainda não tendes fé?”. O “ainda não” da pergunta de Jesus
faz referência tanto para trás (passado) como para frente (futuro). Para trás (passado),
refere-se à experiência prévia que os discípulos tiveram da poderosa palavra de
Jesus demonstrada em ensinamentos e em milagres, uma experiência que deveria
ter despertado a fé deles em Jesus, mas não aconteceu. Mas o “ainda não” também
antecipa com expectativa algum momento futuro, quando os discípulos terão a fé.
Com esta pergunta, Jesus exorta aos discípulos que confiem nele em todo momento
e circunstância. Somente com a fé é possível manter-se firme diante da aparente
ausência de Jesus. A falta de fé impede reconhecer a presença atuante de Deus
no cotidiano.
Depois destas palavras os discípulos ficam “muito cheios de
medo”. É um medo diferente do anterior. Antes eles temiam que as forças
ameaçadoras, as forças da morte não pudessem ser vencidas, por isso ficavam
paralisadas e impotentes diante delas. Agora o medo os atinge ao perceberem
tais forças vencidas. Esse medo é o temor reverencial diante do mistério da
força e do poder de Deus em Jesus Cristo. Esse temor de Deus indica a aceitação
da impossibilidade humana de vencer forças poderosas de morte e ao mesmo tempo
o reconhecimento de que só Deus pode superá-las É preciso adorar a este
Deus.
“Ainda não tendes fé?”, Jesus perguntou retoricamente aos discípulos. Segundo
a Carta aos Hebreus: ”A fé é a certeza daquilo que ainda se espera, a
demonstração de realidades que não se vêem” (Hb11,1). Trata-se de uma
fórmula admirável! A fé é um paradoxo. Ela nos faz “possuir” já o que não temos
e nos faz “conhecer” o que está fora da capacidade de nossos sentidos. A fé é
Deus no homem que nos leva ao entusiasmo (entusiasmo= Deus está dentro: em +
theos); é um inicio do céu; é a alegria eterna, presente já no seio da
monotonia cotidiana. A fé é um dinamismo vital extraordinária; uma aventura em
companhia do Invisível; é a familiaridade com um imenso entorno de realidades
invisíveis; é um novo modo de conhecimento, uns “olhos novos” para ver tudo com
profundidade. A fé é confiar na palavra de alguém; é pôr-se em caminho; é
atravessar a noite até a luz; é viver e esperar uma cidade perfeita onde tudo
será edificado sobre o amor. A fé é crer na fecundidade de minha vida com a
ajuda divina, apesar das aparências contrárias; é trabalhar segundo meus meios
e confiar nas promessas de Deus que é muito fiel a Si próprio. “Ainda não
tendes fé?” é a pergunta dirigida a cada um de nós que nos chama a verificarmos
até que ponto temos realmente fé. "Quanto
mais um ser se afasta de Deus, tanto mais ele se aproxima do nada. Quanto mais
se aproxima de Deus, tanto mais se distancia do nada" dizia Santo
Tomás de Aquino.
No Evangelho de hoje Jesus nos convida a um ato de fé nele.
Talvez seja necessário que estejamos numa barquinha agitada pelo vento para que
percebamos a presença de Deus. Há cristãos que só pensam em Deus quando ficam
doentes, quando atingidos por alguma desdita (falta de sorte). Só então rezam
com toda a devoção e pedem a Deus para que ele venha socorrê-los. Quando tudo
corre bem o ser humano corre o risco de se tornar auto-suficiente. É a
pedagogia da provação.
P. Vitus Gustama,svd
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