19/10/2015
USAR
OS BENS MATERIAIS COMO MEIO E NÃO COMO FIM
Segunda-Feira
da XXIX Semana Comum
Evangelho:
Lc 12,13-21
Naquele tempo, 13
alguém, do meio da multidão, disse a Jesus: “Mestre, dize ao meu irmão que
reparta a herança comigo”. 14 Jesus respondeu: “Homem, quem me encarregou de
julgar ou de dividir vossos bens?” 15 E disse-lhes: “Atenção! Tomai cuidado
contra todo tipo de ganância, porque, mesmo que alguém tenha muitas coisas, a
vida de um homem não consiste na abundância de bens”. 16 E contou-lhes uma
parábola: “A terra de um homem rico deu uma grande colheita. 17 Ele pensava
consigo mesmo: ‘Que vou fazer? Não tenho onde guardar minha colheita’. 18 Então
resolveu: ‘Já sei o que vou fazer! Vou derrubar meus celeiros e construir
maiores; neles vou guardar todo o meu trigo, junto com os meus bens. 19 Então
poderei dizer a mim mesmo: Meu caro, tu tens uma boa reserva para muitos anos.
Descansa, come, bebe, aproveita!’ 20 Mas Deus lhe disse: ‘Louco! Ainda nesta
noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu acumulaste?’ 21
Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não é rico diante de
Deus”.
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Ainda estamos na
seção chamada Lições do Caminho (Lc 9,51-19,28). Jesus passa para nós suas
últimas e mais importantes lições no seu caminho (êxodo) para Jerusalém. Esse
caminho nos mostra que a vida é uma peregrinação rumo à vida glorificada. Desse
caminho a presença da cruz ou das cruzes por causa do bem praticado é
inevitável. Mas ao olhar para a vida glorificada mostrada por Jesus,
antecipadamente (cf. Lc 9,28-36), teremos condições e forças para superar as
barreiras e ultrapassar os obstáculos. A vida glorificada antecipada nos renova
nossas forças permanentemente. Se o nosso objetivo é a vida glorificada, isto
é, estar com Deus eternamente, o própria Deus vai nos ajudara a superarmos tudo
(cf. Rm 8,28-39).
Na passagem do
evangelho de hoje Jesus nos dá lição sobre como devemos nos comportar diante
dos bens materiais. Essa lição nos mostra que nossa relação com as coisas
não é de propriedade e sim de uso. Usaremos os bens materiais enquanto
tivermos o direito de usufruí-los. Mas esse direito cessará assim que terminar
nossa missão ou nossa existência neste mundo. Estejamos conscientes de que
somos valorizados não pelos bens que possuímos ou pelo cargo que temos e sim
pelos valores que vivemos.
“Atenção! Guardai-vos de todo tipo de ganância,
pois mesmo que se tenha muitas coisas, a vida não consiste na abundância de
bens”, alerta-nos Jesus no evangelho deste dia (Lc 12,15).
“Atenção! Guardai-vos de todo tipo de
ganância”. Um dos sentidos lexicais da palavra “ganância” é a ambição
exacerbada de ganho, de lucro. A ganância é um tipo de ambição violenta. Usam-se
todos os meios, até os meios ilícitos para alcançar o que se deseja. Se a
cobiça dos bens for exagerada, se for excessivo o apego aos bens materiais, se
ficar doentia a afeição pelas coisas e seu posse não tiver o caráter de meio, então
a pessoa não estará exercendo um direito, mas se tornará vítima de um vício
hediondo: a avareza. Infelizmente, o avarento não se dá conta disso. A avareza é
um desvio do significado de infinito, uma transposição do absoluto para o que é
relativo e efêmero. Para o avarento, os bens materiais não são meios para se
viver e sim a própria razão de ser da vida.
O homem é sempre tentado a buscar sua
salvação nos bens, a pôr nas riquezas sua segurança. O cristão deve estar
vigilante contra essa tentação insidiosa /cheia de ciladas. Os bens não
asseguram nem a mesma vida, menos ainda a salvação. Num leito de morte toda
riqueza e todo poder mundano caíram no chão. A felicidade não está nos bens e
sim está no próprio homem e entre os homens numa convivência fraterna.
O homem da parábola dialoga consigo mesmo.
Este diálogo falha na ordem de salvação. Faltam-lhe interlocutores. Não
intervém Deus. Não intervêm os demais homens, pois esse homem fala consigo
próprio (fala sozinho). O homem foi feito para a comunicação, foi feito para a
comunhão. E o seu desenvolvimento depende da existência dos outros. Ninguém foi
feito para o isolamento. A comunhão sugere calor, compreensão e abraço para que
o homem possa se desenvolver. Quando ficamos isolados, estamos propensos a ser
prejudicados. Sentir-se integrado mantém a pessoa em equilíbrio. Os antigos e
eternos valores da vida humana: verdade, unidade, solidariedade, bondade,
justiça, honestidade, amor e assim por diante, são afirmações da verdadeira
comunhão ou integração. Podemos possuir tudo que o mundo tem a oferecer em
termos de status, poder, realização, e bens, no entanto, sem nos sentirmos
integrados, sem a convivência com os outros, tudo isso parece vazio e inútil.
Bloquear a vida! Este é o grande pecado do
homem rico na parábola. Ele acreditava que podia comprar a vida, encerrá-la,
dominá-la. Pensava “agarrar” a vida. Mas a vida se escapa dele: “Louco!
Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida. E para quem ficará o que tu
acumulaste?”, diz-lhe Deus (Lc 12,20).
A riqueza não é algo diabólica (diabólico é
aquilo que divide o homem por dentro ou entre si. O contrário do diabólico é
simbólico, isto é, duas coisas que se encaixam bem); o faz diabólico o uso que
o homem faz dele. Tampouco é um poder que escraviza por si. A riqueza nenhuma
tem poder de escravizar. O homem é que se faz escravo dos seus bens ou quem a
utiliza para escravizar seus irmãos. O dinheiro é satânico quando o homem, ao
servir-se dele, não tem outro horizonte. Mas o dinheiro é um bem quando o homem
o utiliza para a felicidade dos demais. Mesmo sendo rico, quando o homem partir
deste mundo, ele não terá mais poder sobre suas riquezas. São os vivos que
determinarão o uso da riqueza deixada.
A cobiça pode ser de dinheiro, mas também de
fama, de poder, de prazer, de ideologias e assim por diante. Mas sempre é
idolatria, porque pomos nossa confiança em algo frágil e caduco e não nos
valores duradouros, e isso nos bloqueia outras coisas mais importantes. Tudo isto
não nos deixa sermos livres, nem sermos solidários com os demais, nem estarmos
abertos diante de Deus.
Ser rico diante de Deus significa dar
importância àquelas coisas que levaremos conosco na morte: as boas obras, a
caridade praticada na verdade, a justiça e a honestidade que vivemos e assim
por diante. É saber compartilhar com os outros nossos bens que é uma riqueza
que vale a pena diante de Deus.
No fundo, Jesus quer nos dizer que nem o
trabalho nem o capital (dinheiro) será a última palavra sobre o homem; tanto o
um como o outro se fica sem resposta diante da morte, e a morte é a maior
questão que persegue o homem. É preciso buscarmos as coisas do alto para
superar esta questão, pois Deus rico em misericórdia, que vivificou Jesus, nos
vivificará também.
Quase em toda a Bíblia se encontram termos
que aludem à tensão em que vive o ser humano: graça e pecado, amor e desamor/ódio,
verdade e mentira, autenticidade e falsidade, coerência e incoerência,
generosidade e egoísmo, reconciliação e vingança, cautela e despreocupação e
assim por diante. Em todo ser humano entram em luta permanente duas forças ou
inclinações contrárias: o bem-virtude, e o mal-vício. O primeiro salva, e o
segundo condena. Essas duas coisas sempre nos acompanham diariamente. Cabe a cada
um escolher, e aceitar as conseqüências dessa escolha. O alerta sobre a
importância da vigilância vale para todo momento de nossa vida. sem a
vigilância nos deixaremos levar sem saber o destino final.
P. Vitus Gustama,svd
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