sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Domingo, 18/10/2015
SERVIR VERDADEIRAMENTE É A EXPRESSÃO DO AMOR VIVIDO AO EXTREMO

XXIX DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO “B”


I Primeira Leitura: Is 53,10-11

10 O Senhor quis macerá-lo com sofrimentos. Oferecendo sua vida em expiação, ele terá descendência duradoura e fará cumprir com êxito a vontade do Senhor. 11 Por esta vida de sofrimento, alcançará luz e uma ciência perfeita. Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas.


II Leitura: Hb 4,14-16

Irmãos: 14 Temos um sumo-sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus. Por isso, permaneçamos firmes na fé que professamos. 15 Com efeito, temos um sumo-sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele mesmo foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado. 16 Aproximemo-nos então, com toda a confiança, do trono da graça, para conseguirmos misericórdia e alcançarmos a graça de um auxílio no momento oportuno.


Evangelho: Mc 10, 35-45

Naquele tempo, 35 Tiago e João, filhos de Zebedeu, foram a Jesus e lhe disseram: “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir”. 36 Ele perguntou: “O que quereis que eu vos faça?” 37 Eles responderam: “Deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória!” 38 Jesus então lhes disse: “Vós não sabeis o que pedis. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?” 39 Eles responderam: “Podemos”. E ele lhes disse: “Vós bebereis o cálice que eu devo beber, e sereis batizados com o batismo com que eu devo ser batizado. 40 Mas não depende de mim conceder o lugar à minha direita ou à minha esquerda. É para aqueles a quem foi reservado”. 41 Quando os outros dez discípulos ouviram isso, indignaram-se com Tiago e João. 42 Jesus os chamou e disse: “Vós sabeis que os chefes das nações as oprimem e os grandes as tiranizam. 43 Mas, entre vós, não deve ser assim; quem quiser ser grande, seja vosso servo; 44 e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos. 45 Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos”.
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Neste domingo se lê só Mc 10,35-45. Mas é bom ler a partir do versículo 32 para se perceber o contraste entre o terceiro anúncio da morte e ressurreição de Jesus e o pedido dos dois irmãos, Tiago e João.


I. Jesus E Seus Discípulos “Estavam A Caminho Para Jerusalém”
  

Em várias ocasiões Marcos menciona que Jesus e os seus discípulos “estavam a caminho”. Este caminho começou em Cesareia de Filipe (8,27) e continuou para o Sul de maneira lenta (9,30.33-34;10,1.7). A meta desta caminhada é explicitamente mencionada: Jerusalém (11,11). Sem dúvida, Jesus já visitou Jerusalém várias vezes, mas somente desta vez ele a visitou como Messias. E Jesus é descrito como uma pessoa que está marchando determinadamente para seu destino: “Estavam a caminho para subir a Jerusalém” (v.32).


Com a descrição de “estar a caminho”, Marcos quer  dizer que seguir a Jesus significa colocar-se em marcha e andar atrás de Jesus, pois quem anda na frente de Jesus, se perde ou fica desorientado. Trata-se de um caminhar no qual há avanços e retrocessos, clarezas e obscuridades.


O texto também diz que Jesus vai à frente dos discípulos (v.32b). O verbo usado aqui por Marcos “ir à frente”, servirá para expressar a promessa da ressurreição: Jesus Ressuscitado irá novamente à frente dos discípulos, como guia e pastor, na Galileia (14,28; 16,7). Quem andar na frente de Jesus tem possibilidade de praticar o que não é de Deus. Pedro tinha a tentação de ficar na frente de Jesus e foi chamado de satanás (cf. Mc 8,32-33).
 

O terceiro anúncio da morte e ressurreição de Jesus é rico em detalhes. Sua precisão e detalhe fazem com que esta última predição se torne uma pequena narração da paixão de Jesus: a traição, duplo julgamento, a tortura, a execução e a ressurreição. A preocupação de Marcos é de fazer com que os cristãos compreendam a importância decisiva da morte e ressurreição de Jesus, para entrar no mistério de sua pessoa. É um resumo catequético para os cristãos.


II. “Concede-nos sentar-nos um à tua direita e um à tua esquerda na tua glória”


O episódio que segue demonstra que os discípulos continuam a não compreender o ensinamento de Jesus.


O pedido que Tiago e João nos mostra que os discípulos ainda estão “surdos” e “cegos” diante das predições de Jesus, continuando a entender sua conversa sobre a manifestação da “glória” como se se tratasse de uma espécie de golpe messiânico. Convencidos de que Jesus vencerá, eles já pensam na administração do novo regime e na posição de destaque no mesmo. Eles pedem nada mais do que o primeiro lugar no triunfo de Jesus. “Na sua glória”, glória (doxa) como em 8,38 e 13,26. Os dois irmãos são motivados mais pela ambição egoísta do que pela ideia clara sobre o que eles querem: “Vós não sabeis o que estais pedindo” (38b). Eles não sabem “o que estão pedindo” (v.38), mas “sabem” de que modo a classe dirigente age (v.42). Os dois pensam no prêmio e não no caminho. Além disso, seu pedido egoísta por uma  alta posição mostra que eles continuam  concentrados mais em sua grandeza pessoal do que no serviço humilde para qual Jesus chamou os Doze (9,33-50).


Diante do pedido dos dois, Jesus recorre a duas imagens muito significativas para o ambiente e a cultura bíblica: beber o cálice e ser batizados com o batismo para mostrar-lhes o seu destino marcado pela humilhação, o sofrimento e a morte violenta. É o caminho que eles terão que trilhar (10,38).


A primeira imagem, o cálice, na tradição bíblica indica não só o destino, mas o sofrimento, o destino de morte, de ruína e destruição reservado aos ímpios. Fala-se também do cálice da cólera de Deus, isto é, o juízo do pecado do povo (Sl 74,9;Is 51,17-22;Jr 32,1;Ez 33,31-34). Jesus beberá o cálice até a borra, esse cálice que é destino de uma humanidade embriagada pela violência, pela corrupção, pela ambição de poder, que se manifesta  como tirania, guerra, exploração etc. O cálice que ele faz circular entre os amigos, na ceia da despedida, antes da morte, evoca este seu empenho de solidariedade com a humanidade pecadora. E na oração do Getsêmani, este destino de morte violenta com os pecadores e para os pecadores se apresentará a ele em toda a sua dramaticidade, ao ponto de ele apelar para a comunhão íntima de amor que o liga com Deus, para superar a angústia (cf. Mc 14,36).


A segunda imagem, a do batismo, evoca o destino de uma morte dolorosa. Ser batizado ou imerso é o afundar do homem perseguido e atormentado nas águas amargas da morte (Sl 69,3.15; cf. também Sl 42,7;Is 43,2;Jó 9,31). O verdadeiro batismo de Jesus vem agora, no fim de sua vida. Ele será verdadeiramente solidário com os pecadores numa situação de morte, que é fruto imediato do pecado que se tornou estrutura de poder. Seu batismo é a morte com os pecadores e para os pecadores.
 

Com estas duas imagens, compreende-se facilmente como as primeiras comunidades cristãs pudessem expressar sua participação no destino de Jesus mediante dois gestos sacramentais do batismo e do cálice (cf. Rm 6,3;1Cor 10,16). Os dois irmãos respondem com a mesma convicção que Pedro exibirá (14,29.31). Não nos esqueçamos de que quando Marcos escreveu seu evangelho, Tiago já tinha morrido, como mártir, no ano 44 d.C, por obra de Herodes Agripa (At 12,2). E João tinha sua parte de sofrimento e tribulações, embora sem morrer de morte violenta.


III. “Entre vocês não deverá ser assim...”


O desejo de poder e de glória dos dois irmãos causa a indignação dos outros discípulos. Mas na verdade, os outros dez não são melhores que os dois irmãos arrojados; também eles vivem em função da carreira e das promoções (9,34). As pessoas decepcionadas têm logo a tendência a criticar duramente nos outros aquilo que mais ardentemente desejaram para si mesmas e que não puderam conseguir. Trata-se da inveja. A inveja torna a pessoa amarga e se fecha no passado.


É uma ocasião apropriada para Jesus transmitir lição sobre discipulado (42-45): “Entre vocês não deverá ser assim..”. Em seguida ele propõe um outro tipo de autoridade, que é o antipoder, mediante imagens e modelos sociais inequívocos para seu tempo e o ambiente antigo: o servo (diakonos: pessoa que serve à mesa) e o escravo (doulos: pessoa na situação mais baixa do que um servidor). Quem “serve à mesa”, e, mais ainda, quem é “escravo de todos” tem como preocupação principal o atender às necessidades dos outros.  Tais são os modelos culturais que Jesus dá para o uso de poder entre os cristãos. E ainda mais do que estes, o próprio Jesus é modelo para os discípulos (cf. Jo 13,14-17). Quando a Igreja for fiel a este modelo, a sua vida comunitária refletirá a própria vida de Jesus (cf. Fl 2,5-11). Assim, a Igreja se tornará uma presença profética no mundo, e terá força para denunciar estruturas injustas e o uso do poder para dominar e tiranizar, da mesma forma que Jesus o fazia naquela sociedade na qual vivia. Por isso, como é triste quando cristãos esquecerem esta exigência de Jesus na vida familiar ou na comunidade; ou silenciam diante de injustiças na sociedade e compactuam com um poder dominador.


A autoridade não deve tomar a atitude do serviço para ser acolhida e estimada como autoridade: seria ainda uma forma hipócrita de poder e de domínio. Quem ficou realmente sem prestígio, mas verdadeiramente serve aos outros, este exerce a autoridade. Em outras palavras, quem serve mais, ele tem mais autoridade. Jesus substitui a hierarquia do poder pela hierarquia do serviço; a imposição e subordinação pela fraternidade. A grandeza dos discípulos está na capacidade de servir e na dedicação ao serviço. Quando se viver somente o esquema patrão/empregado, oficial/soldado, autoridade/executante, não se pode compreender o que é uma comunidade.


IV. Autoridade  e Poder


Entre vós, não deve ser assim; quem quiser ser grande, seja vosso servo; e quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos”.


Ter poder não significa ter autoridade. Mas quem tem autoridade tem poder. O poder sem autoridade tende a praticar a corrupção. O corrupto não se contenta em extorquir dinheiro público para o Partido e para si próprio. Trata-se de um fenômeno tão antigo quanto o mundo, pois tem raízes profundas na própria natureza humana, capaz de ser tão vil quanto sabe ser tão nobre. A desonestidade consegue inventar todo tipo de fraudes. O corrupto sabe muito bem como enquadrar, total e eficientemente, a busca de seus interesses pessoais numa fictícia justificação do furto do dinheiro público por organismos a serviço da sociedade. Um corrupto consegue transformar tudo num grande negócio. Um corrupto é um astuto desonesto que força tudo e todos a se sujeitar a seus negócios duvidosos. É preciso fazer reforma começando a partir da pessoa humana, pois se esta for decididamente honesta, não corromperá, nem se deixará corromper e, sem dúvida nenhuma, não será um corrupto.


Ao contrário, a autoridade está ligada ao crescimento. A própria palavra vem do latim “augere”, que quer dizer “crescer”. Por isso, exercer a autoridade é sentir-se realmente responsável pelos outros e por seu crescimento, sabendo que eles não são nossa propriedade, nossos objetos, mas pessoas que têm um coração, nas quais existe a Luz de Deus, e que são chamadas a crescer na liberdade da verdade e do amor. O maior perigo para alguém que tem autoridade é manipular as pessoas e dirigi-las para seus próprios objetivos e sua necessidade de poder. Quem tem autoridade tem liderança. Liderar não é impor. Liderar é despertar nos outros a vontade de fazer aquilo que é para o bem comum.


A verdadeira autoridade é aquele que trabalha visando justiça de fato para todos, sobretudo, para aqueles que não podem se defender; é aquele que está pronto a dar sua vida; não aceita nenhum compromisso com o mal, com a mentira e com as forças da opressão que esmagam as pessoas, principalmente os pequenos. Ele é uma referência, uma segurança, uma pessoa que afirma, sustenta, encoraja e guia.


A autoridade ou o responsável por uma comunidade/paróquia/grupo etc. tem uma missão de conservar seus olhos e os da comunidade fixos no essencial, nos objetivos fundamentais, e mostrar sempre o caminho, para não deixar a comunidade perder-se em histórias, em coisas secundárias e acidentais. Além disso, ele tem por missão de criar uma atmosfera ou  um ambiente de paz, de amor recíproco, de confiança e de alegria entre os membros. Quando há rivalidades, ciúmes, suspeitas, bloqueios de uns em relação a outros, não pode haver comunidade, nem crescimento, nem testemunho de vida.


O essencial para qualquer autoridade ou responsável é que ele seja mais servo do que chefe: um servidor de Deus e das pessoas para que todos cresçam no amor e na verdade. Quem assume uma responsabilidade porque quer provar alguma coisa, porque, por temperamento, tem tendência para dominar e mandar, porque precisa aparecer ou porque deseja privilégios ou prestígio, será sempre um mau responsável, porque não procura, antes de tudo, ser servo. É preferível alguém humilde, que queira servir à comunidade e aos outros, que saiba pedir conselho a pessoas experientes e necessite de algumas qualidades do que alguém que seja “capaz”, mas seja voltado para si mesmo e não tenha humildade.


Em nosso íntimo, infelizmente, existe um pequeno tirano que quer o poder e prestígio e que se agarra a isso; quer dominar, ser superior, controlar. Teme qualquer crítica, qualquer controle: é o único a ter razão(e, às vezes em nome de Deus), fazendo tudo, mandando tudo, conservando ciosamente sua autoridade. Os outros ficam reduzidos a executantes incapazes de julgar bem as coisas. Só permitimos a liberdade na medida em que não atrapalhar nossa autoridade e com a condição de a poder controlar. Queremos que nossas ideias sejam realizadas imediatamente; a comunidade torna-se, então, “nossa” coisa, “nosso” projeto. Não há nada de mais terrível do que tirania sob o manto da religião.


Para Refletir:

Servir. Que significa? Servir significa acolher a pessoa que chega, com atenção; significa ser humilde diante de quem é necessitado e estender-lhe a mão, sem cálculos, sem receio, com ternura e com compreensão, como Jesus foi humilde e lavou os pés dos apóstolos. Servir significa trabalhar ao lado dos mais necessitados, estabelecer com eles antes de tudo relações humanas, de proximidade, vínculos de solidariedade... Servir significa reconhecer e acolher os pedidos de justiça, de esperança, e procurar juntos caminhos, percursos concretos de libertação” (Papa Francisco: A IGREJA DA MISERICÓRDIA: Minha Visão Para a Igreja p. 84. Ed. Paralela, São Paulo 2014).

P. Vitus Gustama,SVD

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