06/10/2015
FAZER
TUDO NO ESPÍRITO DA PALAVRA DE DEUS
Terça-feira
da XXVII Semana Comum
Evangelho: Lc 10,38-42
Naquele tempo, 38 Jesus entrou num
povoado, e certa mulher, de nome Marta, recebeu-o em sua casa. 39 Sua
irmã, chamada Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e escutava a sua palavra. 40
Marta, porém, estava ocupada com muitos afazeres. Ela aproximou-se e disse:
“Senhor, não te importas que minha irmã me deixe sozinha, com todo o serviço?
Manda que ela me venha ajudar!” 41 O Senhor, porém, lhe respondeu:
“Marta, Marta! Tu te preocupas e andas agitada por muitas coisas. 42 Porém,
uma só coisa é necessária. Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será
tirada”.
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O texto do evangelho deste dia se encontra na
última viagem de Jesus para Jerusalém, pois em Jerusalém, cidade da paz (pelo
nome), Jesus será crucificado e morto. Durante
esta viagem Jesus vai dando suas últimas lições para seus discípulos e
portanto, para todos os cristãos de qualquer época e lugar.
Sem dúvida nenhuma há uma ligação temática entre
o episódio de Marta e Maria (evangelho de hoje) e a parábola do bom samaritano
do dia anterior (Lc 10,25-37). O mandamento do amor é duplo: amar a Deus e amar
ao próximo. A parábola do bom samaritano responde à questão do amor ao próximo.
O amor a Deus exige do homem que escute atentamente a Palavra de Deus para que
ele possa falar, agir e fazer tudo de acordo com o espírito da Palavra de Deus.
Além disso, ao escutá-la atentamente, a Palavra de Deus abre para o homem o
caminho para a vida eterna. O isto significa que o homem não pode preocupar-se
apenas com sua subsistência física ou
material, pois tudo isso é passageiro. É preciso que o homem esteja sempre
aberto à Palavra de Deus. Quem está aberto à Palavra de Deus sabe colocar as coisas no seu devido
lugar. Esta é a lição que Jesus quer passar hoje para nós.
Jesus nos dá essa lição dentro do contexto de
um banquete. Trata-se de um momento familiar e da fraternidade onde as relações
se nivelam. Não se diz se havia muitos ou poucos convidados; o que se diz é que
uma das irmãs (Marta) andava atarefada “com muito serviço”, enquanto a outra
(Maria) “sentada aos pés de Jesus, ouvia a sua Palavra”. Marta, naturalmente,
não se conformou com a situação e queixou-se a Jesus pela indiferença da irmã.
A resposta de Jesus: «Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas
coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe
será tirada», constitui o centro do relato e nos dá o sentido da catequese
que, com este episódio, Lucas nos quer apresentar: a Palavra de Jesus deve
estar acima de qualquer outro interesse.
A posição de Maria: “Sentada aos pés de
Jesus” é a posição típica de um discípulo diante do seu mestre. Isso significa
que Jesus tinha discípulas (cf. Lc 8,35; At 22,3). Lucas mostra, neste
episódio, que Jesus não faz qualquer discriminação: o fato decisivo para ser
seu discípulo/discípula é estar disposto a escutar a sua Palavra e vivê-la na
prática. Por isso, Jesus aproveita a ocasião para repreender, não o útil
serviço que Marta está prestando, e sim a excessiva inquietação e preocupação
que lhe marcam negativamente o agir: “Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas
por muitas coisas; no entanto, pouca coisa é necessária, até mesmo uma só.
Maria, com efeito, escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada”.
Muitas vezes, este episódio foi lido à luz da
oposição entre ação e contemplação; no entanto, não é bem isso que aqui está em
causa. Lucas não está, nesta catequese, explicando que a vida contemplativa é
superior à vida ativa; que o “fazer coisas”, que o “servir os irmãos” não seja
mais importante do que a oração; mas significa que tudo deve partir da escuta
da Palavra, pois a escuta da Palavra de Deus é que nos projeta para os outros e
nos faz perceber o que Deus espera de nós e para que tudo possa ser feito
dentro do espírito da Palavra de Deus. Por isso, a contraposição de Marta e
Maria não está a nível de vida ativa e vida contemplativa e sim a nível de
escuta ou não escuta da Palavra de Deus. Não se contrapõe duas formas de vida e
sim duas atitudes que podem dar-se em uma mesma forma de vida, seja ativa ou
contemplativa. A escuta da Palavra de Jesus é uma exigência fundamental do amor
a Deus.
A vida cristã é esforço, mas também recepção,
acolhida. No processo pessoal e comunitário há caminho e repouso, há missão e
comunhão, há luta e festa. Estes aspectos não devem ser contemplados como
sucessivos e desvinculados entre si e sim como acentos e perspectivas de uma
mesma realidade invisível: a fidelidade a Jesus Cristo e à Sua Palavra.
“Maria escolheu a melhor parte e esta
não lhe será tirada”. A fidelidade à Palavra de Deus é um valor jamais
comprometido em si mesmo seja qual for a situação do cristão. Para outras
coisas podem existir impedimentos, dificuldades internas e externas:
enfermidade, situação social, cultura, economia e assim por diante. Mas a
fidelidade à Palavra de Deus é o valor sempre “assegurado”. “Esta parte não
lhe será tirada”.
É claro que a atitude de Marta que quer
atender Jesus com toda classe tem seu mérito. Porém, Lucas quer sublinhar que
há outra atitude fundamental que deve ter na vida de cada cristão: é a escuta
da Palavra de Deus que é maior do que qualquer coisa, pois trata-se da Palavra
d’Aquele que criou todas as coisas. Escutando e vivendo de acordo com a Palavra
de Deus nos garante a presença permanente de Deus na nossa vida, pois a Palavra
de Deus é sempre maior do que qualquer dificuldade, preocupação ou problema na
nossa vida. No episódio de Maria e Marta não há oposição entre ação e
contemplação, mas tudo deve ter sua raiz profunda na escuta atenta da Palavra
de Deus. Assim, podemos chegar a ser contemplativos na ação ou ativos na
contemplação.
Lucas faz, então, de Maria um modelo de
discípulo de Jesus em razão da escuta da Palavra de Jesus para viver e fazer as
coisas conforme a vontade de Deus. Este é o objetivo central do texto que Lucas
quer inculcar a seus leitores. Mal poderemos seguir a Jesus, mal poderemos
cumprir o que ele nos pede, se não escutarmos, se não estivermos atentos à Sua
palavra. É impossível viver como cristão sem escutar, serenamente, a Deus. A
escuta da Palavra pode nos ajudar a re-centrarmos a nossa vida e a
redescobrirmos o sentido da nossa existência.
O texto do evangelho deste dia quer nos
enfatizar que a atividade cotidiana e o ativismo do serviço ao próximo sempre encontrarão
justificativas para preferirmos, sob o pretexto de fazer o bem, não o que
devemos, mas o que queremos fazer. Devemos querer aquilo que Deus quer que
façamos: no amor, com amor e por amor. O ativismo é a fuga. Muitas vezes é mais
fácil enchermos o tempo com as nossas atividades em lugar de deixarmos a
eternidade encher o nosso pensar e nosso agir para tudo se torne uma atividade
de salvação. A exigência de Jesus é esta: em tudo podemos e devemos, no agir e
no contemplar, nos deixar julgar pelo espirito da Palavra de Deus. Que escolhamos
esta parte como fez Maria.
P. Vitus Gustama,svd
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