30/10/2015
SACRALIDADE DA VIDA HUMANA
O
SER HUMANO É MAIS SAGRADO DO QUE QUALQUER LEI RELIGIOSA
Sexta-Feira
da XXX Semana Comum
Evangelho:
Lc 14,1-6
1 Aconteceu que, num
dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus. E eles o
observavam. 2 Diante de Jesus, havia um hidrópico. 3 Tomando a palavra, Jesus
falou aos mestres da Lei e aos fariseus: “A Lei permite curar em dia de sábado,
ou não?” 4 Mas eles ficaram em silêncio. Então Jesus tomou o homem pela mão,
curou-o e despediu-o. 5 Depois lhes disse: “Se algum de vós tem um filho ou um
boi que caiu num poço, não o tira logo, mesmo em dia de sábado?” 6 E eles não
foram capazes de responder a isso.
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Continuamos
escutando as últimas e importantes lições de Jesus na sua última viagem para
Jerusalém (Lc 9,58-19,28), pois lá ele será crucificado, morto e glorificado.
Na passagem do
evangelho de hoje, Jesus quer nos relembrar que o ser humano é mais sagrado e
importante do que qualquer lei religiosa por mais sagrada que ela pareça ser,
pois em cada ser humano há o hálito divino (Gn 2,7) que o torna o templo do
Espírito Santo (1Cor 3,16-17; 6,19).
“Aconteceu que, num
dia de sábado, Jesus foi comer na casa de um dos chefes dos fariseus...”,
assim o evangelista Lucas nos relatou.
Era sábado (shabbat).
O Sábado era o dia em que o povo eleito comemorava os grandes benefícios de
Deus: a criação (Ex 20,8-11) e a libertação da escravidão do Egito (Dt
5,12-15). Era o dia o qual o Senhor abençoava acima de outros dias da semana
(Jubileus 2,31s). Era o dia de reconhecimento de que Deus santificava o povo
(cf. Ex 31,13; cf. Hb 4,9). No Sábado os judeus costumavam comer festivamente.
E nesse dia (Sábado)
os judeus costumavam convidar as pessoas para a refeição festiva, mas não era
qualquer convidado. O convidado de honra para a refeição festiva, além de
escribas e fariseus, segundo o evangelho de hoje, era Jesus, pois ele era
tratado como mestre. Jesus tinha fama na região toda (Lc 7,17). O povo
considerava Jesus como o grande profeta (Lc 7,16; 24,19). Durante este tipo de
refeição, costumavam aparecer algumas pessoas sem ser convidadas para ver o
convidado de honra (cf. Lc 7,37). Podemos entender porque um hidrópico se
encontrou nessa refeição.
“Diante
de Jesus, havia um hidrópico”, prossegue Lucas.
Para os fariseus e escribas qualquer doença era fruto do pecado cometido e
consequentemente, era castigado por Deus. E a causa da hidropisia, segundo
eles, era a luxúria. Em vez de se concentrar na refeição, os fariseus e
escribas ficam olhando para Jesus e o hidrópico para observar o que Jesus vai
fazer com o hidrópico, pois curar um doente faz parte dos 39 trabalhos
proibidos no Sábado.
Qual é a posição de
Jesus diante de um necessitado como esse hidrópico? Ele quer ajudar e curar o
hidrópico mesmo sendo proibido, pois no Sábado. Mas antes de curá-lo Jesus
lança uma pergunta bem fundamental com o intuito de que os fariseus e escribas
possam refletir sobre a pergunta: “A Lei permite curar em dia de sábado, ou
não?... Se algum de vós tem um filho ou um boi que caiu num poço, não o
tira logo, mesmo em dia de sábado?”. Trata-se de uma nova maneira de
conceber o “descanso” do Sábado, ou do domingo, no nosso caso, como cristãos.
Com essa afirmação Jesus quer dizer aos fariseus e escribas e a todos nós que o
Sábado ou o Domingo (para nós) é o dia da benevolência divina, o dia da
redenção, da libertação, da misericórdia de Deus para os pobres, os excluídos,
os perdidos, os pecadores, da ressurreição (para nós cristãos) e assim por
diante. É o dia, por excelência, para fazer o bem, curar, salvar, ajudar, se
solidarizar. É um dia de abertura aos demais: vida de família e de comunidade.
É um dia de “saber descansar juntos”, cultivando valores humanos importantes. É
um dia de caridade para partilhar o que somos e temos. Ao contrário, os
fariseus e os escribas se preocupam com o descanso no Sábado e esquecem a
vontade salvífica e amorosa de Deus pelo homem.
O homem hidrópico
foi libertado por Jesus de sua hidropisia. A cura é sinal bastante evidente de
que Deus está com Jesus e que Jesus age em virtude e no poder de Deus (At
10,38). Se curar um doente fosse proibido por Deus no Sábado, o homem não
ficaria libertado de sua hidropisia.
Deus “pensa” na
salvação do homem eternamente. Cada um de nós, seres humanos, está no pensamento
de Deus, desde o princípio, pois o homem foi criado à imagem e semelhança de
Deus (Gn1,26; 3,22b). Para Deus ninguém
é anônimo, pois Ele chama cada um de nós pelo nome (cf. Is 43,1). O nome de
cada um de nós está tatuado nas palmas das mãos de Deus (cf. Is 49,16). E o
nome significa pessoa. Em cada nome está a missão de cada um. Em função da
importância do homem, Deus até enviou seu Filho unigênito para salvar a
humanidade (cf. Jo 3,16). E por causa do amor sem limite de Deus pelo ser
humano, o salmista chegou a fazer uma pergunta retórica em forma de oração: “Ó
Senhor, nosso Deus, como é glorioso vosso nome em toda a terra! Vossa majestade
se estende, triunfante, por cima de todos os céus... Quando
contemplo o firmamento, obra de vossos dedos, a lua e as estrelas que lá
fixastes: Que é o homem, digo-me então, para pensardes nele? Que são os filhos
de Adão, para que vos ocupeis com eles?” (Sl 8,2.4-5).
Jesus põe o ser
humano acima de qualquer lei por sagrada que ela pareça ser. Que lugar ocupa o
ser humano nas nossas atividades pastorais, nos movimentos, na política, na
economia e assim por diante? De que maneira tratamos o ser humano que para Deus
ele está acima de tudo? As regras são importantes desde que ajudem o ser humano
a se desenvolver para viver na sua dignidade. Será que somos escravos das
regras e das normas litúrgicas esquecendo o ser humano? Será que ao colocar as
normas acima do ser humano, sem querer, manifestamos nosso pouco amor pelas
pessoas? Será que sabemos acolher as pessoas ou nos preocupamos com nossas
“atividades pastorais?”.
Na sua Carta Apostólica, Dies Domini,
o Papa João Paulo II escreveu: “O domingo, de fato, recorda, no ritmo
semanal do tempo, o dia da ressurreição de Cristo. É a Páscoa da semana, na
qual se celebra a vitória de Cristo sobre o pecado e a morte, o cumprimento
n'Ele da primeira criação e o início da « nova criação » (cf. 2 Cor 5,17). É o
dia da evocação adorante e grata do primeiro dia do mundo e, ao mesmo tempo, da
prefiguração, vivida na esperança, do « último dia », quando Cristo vier na
glória (cf. Act 1,11; 1 Tes 4,13-17) e renovar todas as coisas (cf. Ap 21,5).[Dies
Domini,no.1]...
“Há-de-se implorar a graça da descoberta sempre mais
profunda deste dia, não só para viver em plenitude as exigências próprias da
fé, mas também para dar resposta concreta aos anseios íntimos e verdadeiros
existentes em todo ser humano. O tempo dado a Cristo, nunca é tempo perdido,
mas tempo conquistado para a profunda humanização das nossas relações e da
nossa vida” (no.7)... “Recebendo o Pão da
vida, os discípulos de Cristo preparam-se para enfrentar, com a força do
Ressuscitado e do seu Espírito, as obrigações que os esperam na sua vida
ordinária. Com efeito, para o fiel que compreendeu o sentido daquilo que
realizou, a Celebração Eucarística não pode exaurir-se no interior do templo.
Como as primeiras testemunhas da ressurreição, também os cristãos, convocados
cada domingo para viver e confessar a presença do Ressuscitado, são chamados,
na sua vida quotidiana, a tornarem-se evangelizadores e testemunhas. A oração
depois-da-comunhão e o rito de conclusão — a bênção e a despedida — hão-de ser,
sob este aspecto, melhor entendidos e valorizados, para que todos os
participantes na Eucaristia sintam mais profundamente a responsabilidade que
daí lhes advém. Terminada a assembleia, o discípulo de Cristo volta ao seu
ambiente quotidiano, com o compromisso de fazer, de toda a sua vida, um dom, um
sacrifício espiritual agradável a Deus (cf. Rom 12,1). Ele sente-se devedor
para com os irmãos daquilo que recebeu na celebração, tal como sucedeu com os
discípulos de Emaús que, depois de terem reconhecido Cristo ressuscitado na «
fracção do pão » (cf. Lc 24,30-32), sentiram a exigência de ir imediatamente
partilhar com seus irmãos a alegria de terem encontrado o Senhor (cf. Lc
24,33-35)” (n. 45).
A partir de tudo que
foi dito vem a pergunta: De que maneira nós vivemos o nosso Domingo, que é o
Dia do Senhor e também é o dia da Igreja? Nós simplesmente cumprimos preceito
ao ir à igreja aos domingos ou será que temos consciência de vamos escutar as
lições do Senhor através de Sua Palavra proclamada e medita durante a
celebração dominical?
Para
Rezar e Refletir:
“Quando contemplo o firmamento, obra de
vossos dedos, a lua e as estrelas que lá fixastes: Que é o homem, digo-me
então, para pensardes nele? Que são os filhos de Adão, para que vos ocupeis com
eles? Ó Senhor, nosso Deus, como é glorioso vosso
nome em toda a terra!” (Sl 8).
“Que é o homem, de quem cuidas? Um
ponto de poeira num cosmos de luz. Mas, no ponto que sou eu, há outra
criação ainda mais maravilhosa do que o
firmamento e as estrelas. O prodígio do meu corpo, o segredo das minhas
células, o relâmpago que há nos meus nervos, o palácio do meu coração... E a
animação da minha alma, a centelha do meu entendimento, o frêmito do meu
sentimento, o pilar da minha fé. O milagre que está dentro de mim, bem como a
Sua assinatura a ele aposta. Sorrio em reconhecimento quando vejo que fizeste
de mim o rei da tua criação, inferior tão-somente, a Ti mesmo. Conheço a minha
pequenez e a minha grandeza, a minha dignidade e a minha insignificância...
Grande é o Teu nome, ó Senhor, por toda a terra... Quando encontro uma
dificuldade na vida e penso em Ti, não é para pedir-Te que a remova, mas para
que me dês forças para enfrentá-la; não é para impor-Te a minha solução, mas
para que eu tome a Tua como minha. Eis por que És a minha fortaleza: porque És
o meu ser”
(Carlos G. Vallés: Busco Tua Face, Senhor. Ed. Loyola).
P. Vitus Gustama,svd
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