08/01/2020
FÉ E
AMOR SE COMPENETRAM APESAR DAS TEMPESTADES DA VIDA
Quarta-feira Após Epifania
Primeira Leitura: 1Jo 4,11-18
11 Caríssimos: se Deus nos amou assim, nós também devemos amar-nos uns
aos outros. 12 Ninguém jamais viu a Deus. Se nos amamos uns aos
outros, Deus permanece conosco e seu amor é plenamente realizado em nós. 13
A prova de que permanecemos com ele, e ele conosco, é que ele nos deu o seu
Espírito. 14 E nós vimos e damos testemunho, que o Pai enviou seu Filho como
Salvador do mundo. 15 Todo aquele que proclama que Jesus é o Filho de Deus,
Deus permanece com ele, e ele com Deus. 16 E nós conhecemos o amor que Deus
tem para conosco, e acreditamos nele. Deus é amor: quem permanece no amor,
permanece com Deus, e Deus permanece com ele. 17 Nisto se realiza plenamente o
seu amor para conosco: em nós termos plena confiança no dia do julgamento,
porque, tal como Jesus, nós somos neste mundo. 18 No
amor não há temor. Ao contrário, o perfeito amor lança fora o temor,
pois o temor implica castigo, e aquele que teme não chegou à perfeição do amor.
Evangelho: Mc 6,45-52
Depois de saciar os cinco
mil homens, 45 Jesus obrigou os discípulos a entrarem na barca e irem na frente
para Betsaida, na outra margem, enquanto ele despedia a multidão. 46 Logo
depois de se despedir deles, subiu ao monte para rezar. 47 Ao anoitecer, a
barca estava no meio do mar e Jesus sozinho em terra. 48 Ele viu os discípulos
cansados de remar, porque o vento era contrário. Então, pelas três da
madrugada, Jesus foi até eles andando sobre as águas, e queria passar na frente
deles. 49 Quando os discípulos o viram andando sobre o mar, pensaram que era um
fantasma e começaram a gritar. 50 Com efeito, todos o tinham visto e ficaram
assustados. Mas Jesus logo falou: “Coragem, sou
eu! Não tenhais medo!” 51 Então subiu com eles na barca, e o vento
cessou. Mas os discípulos ficaram ainda mais espantados, 52 porque não tinham
compreendido nada a respeito dos pães. O coração deles estava endurecido.
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Amor
e Temor
São João, em sua Carta,
não se cansa de nos repetir as mesmas ideias para enfatizar a importância daquele
tema, antes de tudo em relação a Deus: Conhecemos Seu amor, cremos em Jesus e
assim chegamos à comunhão de vida com Ele, que é a meta de toda a Carta. Conhecemos
o amor de Deus que nos enviou seu Filho como Salvador do mundo. O amor faz com
que na nossa vida não exista o temor ou desconfiança. Se vivermos no amor que
Deus nos comunica, já não teremos medo do dia de juízo, já que é nosso Pai e
nascemos d´Ele e atuamos em nossa vida como filhos que se movem, não por medo e
sim por amor.
Por isso, a Carta de
são João nos anima mais uma vez a vivermos no amor, tanto em direção a Deus
como em direção a nossos irmãos. Nossa relação com Deus se baseia no amor e não
no medo. Consequentemente, nossa relação com o próximo deve estar impregnada de
uma atitude de compreensão, de entrega, de mútuo perdão, de solidariedade, de
partilha e assim por diante. Não somente quando as pessoas são amáveis e simpáticas
e sim quando o são pouco menos. Porque o motivo de nosso amor não são as
vantagens ou o gosto que encontramos ao amar e sim como resposta ao amor que a
todos foi dado como presente de Deus e que se manifestou de modo entranhável nestas
festas de Natal. O mundo vê Deus naquele que é capaz de amar sem medida, pois é
o reflexo do Deus de amor.
A profundidade ou
densidade das palavras de são João, no texto da Primeira
Leitura de hoje, toca um ponto importante que chame nossa atenção
para uma reflexão bem estendida ou prolongada: referimos à relação entre o amor
e o temor. Diz são João: “No amor não há temor. O perfeito amor lança
fora o temor” (1Jo 4,18). A afirmação de são João nos lembra outro
princípio bíblico clássico: “O princípio da sabedoria é o temor do Senhor”
(Provérbio 9,10). O temor de Deus foi um princípio tradicional da
espiritualidade.
Devido a estes temas de
amor e de temor, o texto da Primeira Leitura evoca as atitudes mais
fundamentais de nossa psicologia. O homem é radicalmente temeroso, pois
falta-lhe quase ontologicamente segurança em um mundo que se levanta contra ele
e sobretudo diante do mundo das divindades e do misterioso sagrado. O homem pagão trata de libertar-se desse temor
inventando ritos para acalmar as divindades. O homem
ateu se assegura a base de seus próprios meios, transformando seu eu
e sua técnica em meios de autodivinização. O homem
judeu se lança por outro caminho muito distinto eliminando o temor
às forças superiores anônimas para descobrir em cada acontecimento, bom ou mau,
a presença do amor e da misericórdia de Deus. A partir desse momento, o temor
ao Sagrado deixa de ser um temor cego, mas aparece muito mais como uma exigência
de conhecimento de Deus e de correspondência a Seu amor. O Homem Jesus Cristo leva mais longe ainda o descobrimento
dos judeus: descobre que o homem que é Ele mesmo é coparticipante ativo de Deus
na realização de seu desígnio salvífico: a transcendência de Deus está a salvo,
no entanto, o homem é, em diante, com todos os meios que lhe são próprios,
coparticipante da realização do desígnio de Deus. Consequentemente, o homem cristão “se assemelha” ao ateu na
confiança que põe nos meios humanos para responder aos desafios da fome, da
guerra, da injustiça social e internacional, porém ao fazê-lo assim, o cristão
dá testemunho da verdade do homem realizado em Jesus Cristo que “passou a vida
fazendo o bem” (At 10,38).
E o Evangelho de hoje
coincide na mesma mensagem: “Não tenhais medo! Sou eu!”. Sim, o que está
por trás de todas as coisas que nos passam, atrás de todo este tormento
ameaçador que atravessamos, é nada menos que a Mão providente de Deus. Por
isso, não devemos ter medo. Na fé não cabe o medo.
A Eucaristia é o lugar
do encontro do homem temeroso e de Deus transcendente, mas esse encontro se
realiza em Jesus Cristo em quem triunfou o amor sobre o temor em nome da
colaboração que Deus oferece ao homem.
Com
o Senhor As Tempestades Da Vida Perdem Sua Força
Depois da multiplicação
dos pães (Mc 6,34-44), Jesus sobe a uma montanha para orar. Seus discípulos se
foram em uma barca para outro lado do lago com todos os acontecimentos na
travessia. A narração tem elementos simbólicos que nos revelam o que o
evangelista quer nos recordar dessa noite de tempestade. Por um lado, a escuridão
da madrugada e por outro lado, a obnubilação espiritual dos discípulos que acabaram
de conhecer seu Mestre como Ele queria que O conhecessem.
A cena relatada no
evangelho de hoje nos apresenta de maneira simbólica a situação em que se
encontra a comunidade cristã primitiva depois da ressurreição de Jesus. A
comunidade se encontra no meio de dificuldades (tempestade) e sente a ausência
de Jesus Cristo (escuridão). As ondas e o mar representam no AT as forças do
mal que Deus vence com seu poder (Sl 77; Jó 9,8;38,16). Mas agora é Jesus quem
vence a esta força maligna, pois Jesus é o Deus-Conosco, o Emanuel. Sua
manifestação aos discípulos neste episódio tem todas as marcas dos relatos de
aparições: a cena tem lugar de noite, o mesmo que a ressurreição do Senhor;
Jesus vem ao encontro dos seus (cf. Jo 20,19); os discípulos creem ver um
fantasma (cf. Lc 24,37s); finalmente, Jesus se apresenta afirmando sua
identidade: “Coragem, sou Eu! Não tenhais medo!”.
“Coragem, sou Eu! Não tenhais medo!”. E são João, na Primeira Leitura, nos diz: “No
amor não há temor. Ao contrário, o perfeito amor lança fora o temor, pois o
temor implica castigo, e aquele que teme não chegou à perfeição do amor”. Com
isso, são João nos mostra que amor e fé (ideias prediletas de são João), são
duas virtudes que se compenetram e se apoderam juntas na pessoa do cristão.
Toda decisão de fé implica o amor, pois o Deus em quem o cristão acredita é
amor (1Jo 4,8.16). “Coragem, sou Eu! Não
tenhais medo!”. “No amor não há temor”.
Marcos nos relata que
Jesus “subiu ao monte para rezar”. Em
geral, oração solitária de Jesus precede ou segue a algum acontecimento muito importante.
Aqui, sua oração precede a sua manifestação como Filho de Deus.
Ao olhar para o modo de
viver de Jesus, percebemos a dupla dimensão de seu ministério: a oração e a ação, a
solidão e a solidariedade, a
intimidade mais profunda com o Pai e o engajamento mais radical no serviço dos
necessitados. Em Jesus as duas dimensões são vividas não só como
complementares, mas como necessariamente referidas uma à outra. A vida se põe
na oração e a oração se traduz na vida. A vida antes de ser vivida, é rezada.
Enquanto Jesus está se
retirando para orar, os discípulos se encontram no meio da noite lutando contra
a tempestade. Evidentemente eles estão atormentados. O barco agitado pelas
ondas representa a Igreja sacudida pelas forças opostas e que por isso se sente
impotente, frágil e abandonada e que luta para encontrar um rumo certo.
Muitas vezes, no meio
das dificuldades, pensamos que somos nós os que temos que fazer triunfar a Igreja
com a nossa luta. Esquecemo-nos de que o único que pode salvar a Igreja é Jesus
Cristo. Não podemos nos esquecer que somos apenas missionários do Senhor e não
salvadores. O único Salvador é Jesus Cristo. Em tudo que fizermos na Igreja do
Senhor temos que saber contar com Jesus. Quem não sabe contar com Jesus, em vão
vai trabalhar na Igreja do Senhor. Quem salva a Igreja é o próprio Senhor com a
colaboração de cada membro dessa Igreja. Que sejamos membros comprometidos.
Cada compromisso supõe sempre o sacrifício. E o sacrifício é fazer algo sagrado.
Quando Jesus vem ao
encontro dos discípulos, o medo se torna maior, pois acham que é um fantasma,
pois eles não reconhecem Jesus. E quando eles não reconhecem Jesus, acabam
tendo medo dos fantasmas que eles mesmos criam. Nessa altura Jesus se dá
conhecer: “Coragem! Sou Eu”. Esta frase é suficiente para acalmar os discípulos.
Deixemos que esta frase
“Coragem! Sou Eu! Não tenhais medo!” penetre em nós, nos momentos mais difíceis
de nossa vida. Quando ouvirmos a voz do Senhor, a paz estará presente no nosso
coração, ainda que estejamos rodeados pelas provações ou dificuldades.
A mensagem do texto é
nitidamente eclesiológica. A cena simboliza a relação de Cristo com todos nós
como a Igreja. A barca no meio da tempestade e no meio da noite representa a
Igreja. E Jesus se revela como “Eu sou”, o Deus-Conosco (Mt 1,23;28,20). Jesus está
sempre unido à sua Igreja. Quando estamos longe dele ou nos afastamos dele,
como os discípulos, nós sentimos o medo e o pavor. Mas estes desaparecem no fim
da noite, quando Jesus vai ao nosso encontro. Aparentemente, Jesus está ausente
quando nos encontramos no meio da tempestade desta vida ou em perigo de morte.
Mas, na realidade, Jesus está sempre unido a cada um de nós, como sua Igreja,
orando por nós, pois ele é o nosso Emanuel (Mt 1,23;18,20;28,20). E na hora
certa ele vai manifestar o seu poder, libertando-nos do medo e infundindo-nos
ânimo: “Coragem! Sou Eu! Não tenhais medo!”, assim ele nos diz, como disse aos
discípulos.
Por isso, temos que
perseverar na fé, mesmo quando agitada e açoitada pelas ondas e pelos ventos de
provações e de perseguições, quaisquer que sejam as dificuldades e os
obstáculos no caminho que temos que percorrer para ir ao encontro com Jesus e
para obedecer à missão recebida dele.
P. Vitus Gustama,svd
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